Discurso durante a 142ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Encaminhamento de requerimento de pesar pelo falecimento do economista Antônio Barros de Castro. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Encaminhamento de requerimento de pesar pelo falecimento do economista Antônio Barros de Castro. (como Líder)
Aparteantes
Casildo Maldaner, Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2011 - Página 33895
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, VOTO DE PESAR, MORTE, ECONOMISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Senador Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu não posso deixar de fazer um pequeno comentário sobre o discurso do Senador Pedro Simon, chamando a atenção desse momento importante que vamos ter amanhã na Comissão de Direitos Humanos. Ao mesmo tempo, dizer a ele da importância do momento que nós atravessamos neste País e que, a meu ver - posso estar errado -, devemos dar a chance à Presidenta da República para que ela faça aquilo que ela se comprometeu conosco: a faxina. Se a CPI começar amanhã, ela não mais vai ter a chance de fazer ela própria. Eu creio que ela estaria jogando fora uma chance ímpar na história deste País, dela, com a sua liderança e sua posição, fazer aquilo que o povo inteiro deseja.

            Agora, se ela não o fizer, eu creio que este Congresso não pode fugir da responsabilidade e deve, sim, fazer uma CPI que possa aprofundar o assunto. Mas, até lá, creio que seria um erro nosso cortarmos a chance que a Presidenta pode ter dela própria fazer esse trabalho. Eu vou dar essa chance à Presidenta. Pelo menos, enquanto ela demonstrar que está com essa intenção, eu vou dar a ela essa chance, porque é bom para o Brasil. Seria ótimo para o Brasil se ela o pudesse fazer, a gente teria uma Presidenta que de fato lideraria isso, porque se não nós vamos ter de ir à rua, e a CPI é também um caminho.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Senador Cristovam Buarque...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, por favor.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Senador Cristovam Buarque,...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Um minuto. Senador, por favor.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Bem rápido, até para não perder o gancho. Se ela precisar de elementos, ou se precisar de algumas outras elucidações, ou que a legislação seja alterada para que os caminhos sejam encontrados, nós podemos oferecer. Mas que ela aja, que toque o barco, que ande, que essas demandas que estão aí colocadas sejam atendidas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - E aí eu gostaria de me solidarizar com V. Exª nisso, pois a CPI seria a última instância. Se nós fizermos antes, vai-se perder o momento de...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado.

            Por isso concordo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso quando ele diz que não é hora, mas eu peço que ninguém retire a assinatura. Deixe a assinatura aí, porque esse é um recurso que o Congresso poderá usar, se for necessário, para não fugir da nossa responsabilidade.

            Mas, Sr. Presidente, hoje eu quero falar sobre outro assunto, sobre a perda que nós tivemos ontem, à tarde, no Rio de Janeiro, de uma das grandes figuras do pensamento econômico do Brasil: o professor Antônio Barros de Castro. É uma perda de que a gente não vai se dar conta, porque quando a pessoa se vai a gente não sabe o que ela faria. Mas eu não tenho dúvida alguma de que nesse momento de profunda crise que nós atravessamos, uma crise que vai além do capitalismo, que vai além do socialismo, uma crise de toda a civilização industrial, uma crise que é econômica, que é financeira, que é ambiental, que é social, um pensador como Antônio Barros de Castro vai fazer grande falta.

            Nós tivemos no pensamento econômico brasileiro algumas gerações.

            Uma primeira geração, do Caio Prado Júnior, Roberto Simonsen, Celso Furtado, pessoas que já foram e que deixaram uma marca grande na maneira de analisar como era a economia brasileira.

            Nós tivemos uma segunda geração, que ainda está por aí, da qual faz parte, ou fazia até ontem Antonio Barros de Castro, do ponto de vista da vida, mas continua fazendo do ponto de vista do pensamento que ficou registrado. São pessoas como ele, como Lessa que, junto com ele, fez um dos livros mais marcantes da pedagogia da educação no Brasil, um livro que formou uma geração inteira, chamado Introdução à Economia Brasileira, que era conhecido como Castro e Lessa o livro de Economia e introdução.

            Nós tivemos o Malan, o Bacha, nós tivemos - e temos, aliás -, o Ricardo Bonelli, o Cláudio de Moura e Castro, a Dorothea Werneck, o Hamilton Carvalho Tolosa, o Roberto Cavalcanti de Albuquerque - foi meu professor em Recife -, nós tivemos Antonio Kandir, Roberto Macedo, o Antônio Nilson Craveiro Holanda, um cearense que deu uma grande contribuição. Sem falar de dois mais antigos que foram o Mauro, o Henrique Simonsen e o Roberto Cavalcanti.

            Esse grupo de pessoas formou um pensamento e eles tiveram grandes alunos, que compõem a atual geração de economistas, que é uma geração muito mais bem formada do ponto de vista do conhecimento. Mas, lamentavelmente - e me desculpem alguns que são exceção -, menos inquietantes, menos educativos, menos criativos, menos independentes, menos soltos. Ficaram muito dominados, Senador Requião, por uma visão que chamemos neoliberal ou mesmo aqueles que eram dominados por uma visão marxista ortodoxa, eles não tiveram a capacidade de imaginar coisas novas.

            E hoje toda essa teoria econômica que está aí serve de base, mas ela não vai dar resposta ao novo momento, porque ela surgiu de um grande pensador chamado Adam Smith, que iniciou a maneira de explicar como funcionava a civilização industrial no capitalismo. E isso se esgotou. Nós vamos precisar de algo novo, nós vamos precisar de uma teoria econômica que coloca o meio ambiente dentro e nós não sabemos como dar valor à natureza ainda; nós vamos precisar de uma teoria econômica que dê valor aos produtos imateriais, da cultura, por exemplo, e nós não sabemos como dar valor aquilo que não é vendido na barraca. Nós precisamos de uma teoria econômica que dê valor aos bens públicos e eles não entram no PIB. Nós precisamos de uma teoria econômica que não dê valor à produção de armas; e no caso, hoje, da teoria econômica, cada bala fabricada, cada bomba que explode aumenta o Produto Interno Bruto. Nós não podemos continuar com a economia baseada na visão tradicional como hoje estão os nossos economistas. E Antonio Barros de Castro vai fazer falta, sim, na hora de pensar essa economia. Vai fazer falta porque ele teve uma característica muito rara entre os economistas: independência. Coisa que teve Celso Furtado, mas que muitos outros não têm tido; se adaptam a quem está no poder com uma facilidade que assusta. Como é que o pensamento tem uma mutação tão rápida?

            Nós precisamos de pessoas com a independência de Antonio Barros de Castro, até para substituí-lo no vazio que ele vai deixar. E aí nós precisamos de pensadores que tenham a ação como ele, que foi Presidente do BNDES durante um curto período e ali nos deixou uma marca fundamental, porque a maneira como ele via o BNDES não é a maneira que o BNDES está sendo visto atualmente pela sua direção e pelo Governo. 

            Naquele curto período de grande incerteza da economia, mesmo assim, ele teve a capacidade de usar o BNDES para praticar uma política industrial ativa e não reativa, como faz o BNDES hoje, querendo apagar incêndios, compor e não criar uma economia nova, diferente. É a visão do pacote, do retalho e não a visão da grande colcha ou visão dos grandes programas adiante.

            O Antônio Barros de Castro, durante esses últimos anos, escreveu artigos fundamentais para mostrar como nós estamos precisando rever o caminho do BNDES e de toda a nossa economia. Ele, por exemplo, deixou claro que não adianta ter indústrias apenas para imitar produtos tradicionais. Precisamos ter uma economia que crie, invente, inove, naquilo que vai para o mercado.

            Ele mostrou como a China tem sido mais rápida do que o Brasil na criação dessa produtividade fenomenal, que não vem apenas na redução de preço e de custo, mas vem da criação de novos bens; ele mostrou que temos que escolher quais são os setores que estão de acordo com o futuro, como a biotecnologia, como a energia alternativa e como temos que ter cuidado com aqueles setores que são tradicionais, velhos, que ficarão superados como as próprias críticas dele, as refinarias de petróleo que são importantes para manter a atual economia, mas que não vão servir para construir a nova economia, a economia de um novo tempo; ele foi claro de como deveríamos usar o pré-sal, mostrando, em diversos artigos, como isso vai acabar em poucos anos e que, nesses poucos anos, se consumirmos o pré-sal apenas queimando o petróleo e torrando os recursos que aí advierem, nós não vamos ter deixado aqui um resultado daquilo que é uma riqueza que levou centenas de milhões de anos para produzir; ele deixou claro como devemos usar a energia do petróleo produzindo royalties para ser usada essa energia maior de todas, que não é a energia preta do petróleo, mas a energia cinzenta do cérebro brasileiro, através da educação; ele foi capaz de deixar claro que o enorme aumento na demanda, que é externa, é um empurrão exatamente quando o Brasil não precisava, já que finalmente se descobriu como gerar, expandir e sustentar a demanda interna.

            Em vez disso, embora tenhamos gestos na busca de dinamizar a demanda interna, inclusive por algo que se falava, e fui um deles, há muitos anos, a demanda pela base e não pelo topo da pirâmide, mesmo assim, a nossa demanda principal ainda é, graças à China, que vai nos substituir mais dia, menos dia.

            Deixou claro que é preciso despertar as aspirações das classes populares, criando uma variedade de oportunidades, através das novas formas de bens, como a energia solar, como a tecnologia de informação, como software brasileiro. Preocupamo-nos em um tempo com hardware, o equipamento, porque se fazia com as mãos, e não pensamos no software, que é um produto da mente, construindo um núcleo eletromecânico neste País. Tudo isso para gerar uma demanda autóctone, enraizada com rendimentos crescentes, ao contrário desse terrível deslocamento para a demanda externa, que nos aprisiona hoje.

            Sr. Presidente, não quero tomar mais do que o tempo que o senhor já me deu, além daquele tempo que é ofertado ao que fala pelo seu Partido, entretanto, há um pedido do Senador Crivella, que é o Rio de Janeiro. Gostaria muito de passar a palavra para ele.

            O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Apenas para me associar a essa homenagem tão bonita. V. Exª comove o povo da minha terra. Não conheci o economista. Nunca tive contato com sua obra. Mas V. Exª, ex-reitor da UnB, tem autoridade para nos falar, e categoria, dos trabalhos que esse meu coestaduano prestou ao País. Sinto-me honrado em nome do Rio. Agradeço a V. Exª. 

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador. Fico feliz porque represento o Rio de Janeiro e não deixo passar em branco esse momento dessa morte, trágica, inesperada, em uma idade ainda muito produtiva. Ele morreu por um acidente doméstico: um pequeno desabamento em casa, sobre ele, na mesa de trabalho. Uma tragédia que o Brasil não merecia, obviamente ainda menos a sua família.

            Sr. Presidente, quero listar algumas coisas aqui do pensamento recente do Castro. Por exemplo, a ideia do mundo sinocêntrico, que ele analisava tanto, o mundo em torno da China. A contribuição dele ao destacar a relevância da eficiência como instrumento de dinâmica econômica, e não o câmbio, como a gente vem usando. A ideia dele da necessidade do Brasil se reinventar, deixar de ser o Brasil industrial, urbano, naquele tempo, mecânico, para ser um Brasil com base na economia do conhecimento, e nem necessariamente urbano. Além da questão de que ele falou sempre de que o BNDES - e aqui uso uma expressão que tenho usado, não era dele, mas é o mesmo pensamento - não pode ser mais jurássico. Tem que estar antenado com a inovação, inclusive mudando o nome para BANDESI, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e da Inovação, sem o que não justifica mais a sua função. A ideia dele de qualificar que tem tipo de proteção que pode ser benéfica, sim, para a indústria brasileira e outras não. O seu pensamento sobre a desindustrialização - foi um dos primeiros a falar disso -, e não a desindustrialização que deve ser vencida apenas pela proteção de uma indústria nacional antiquada, ineficiente, mas sim por uma nova indústria brasileira.

            Barros de Castro foi taxativo quando dizia que somente mexer no câmbio não resolve o problema da indústria brasileira com a concorrência chinesa, porque defende, e ele defendeu, a necessidade de mudanças estruturais. Mesmo que desvalorizemos o câmbio em 100% e os produtos industriais brasileiros fiquem baratos, quando comparados com chineses, vamos continuar com problemas na balança comercial mais adiante, porque novos produtos surgirão lá. Vamos continuar fabricando a preços baratos, graças ao câmbio, produtos antigos, superados, que ninguém vai querer comprar. Isso não é eficiência, nem é competitividade.

            Concluo, Sr. Presidente, falando para os novos economistas, não os da minha geração que aprenderam nos livros do Castro e Lessa, mas para os que aprenderam no livros que nós, que aprendemos com ele, escrevermos. Vocês não podem ficar presos aos pensamentos nossos. Vocês têm que inventar um pensamento novo. Libertem-se dos professores de vocês. Libertem-se dos professores e pensem o novo. Agora, na hora de liberar-se dos professores, pensem em alguns que foram um farol na formação do pensamento econômico brasileiro. Diversos, mas entre eles, Barros de Castro, Antonio Barros de Castro, que perdemos ontem.

            Por isso, concluo mesmo, Sr. Presidente, pedindo que esta Casa faça um voto de pesar a ser enviado a toda sua família pela morte do pai, do esposo, desse grande brasileiro que foi nosso professor, meu professor pelos livros e com quem tive convivência, Antonio Barros de Castro.

            Vou entregar por escrito o meu pedido de que seja aprovado um voto de pesar pela morte desse grande brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2011 - Página 33895