Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da apresentação de projeto de lei que denomina Rodovia Presidente João Goulart a Rodovia BR-153.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro da apresentação de projeto de lei que denomina Rodovia Presidente João Goulart a Rodovia BR-153.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Luiz Henrique.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2011 - Página 34128
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, DEFINIÇÃO, NOME, RODOVIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), HOMENAGEM, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, agradecer imensamente a gentileza do Senador Ataídes em me ceder o seu tempo, para que eu pudesse ocupar a tribuna na sua vez.

            Na verdade, meus caros colegas, esta intervenção destoa um pouco da temática normal do dia a dia das intervenções, das nossas intervenções na tribuna, que são sempre marcadas pelo selo dos acontecimentos imediatos, da resposta a algo que acaba de ocorrer, de uma polêmica de atualidade. Não. Eu vim falar aqui sobre um projeto de lei que estou apresentando hoje, Srª Presidente, que me foi sugerido por uma reflexão a respeito da história recente do nosso País; história recente que já remonta, aliás, há muito tempo. Refiro-me à reflexão que me foi sugerida pela leitura de uma biografia do Presidente João Goulart, biografia de autoria de um historiador, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jorge Ferreira, que tem o título João Goulart, que li com muito interesse, porque os temas históricos me fascinam. E, com mais interesse ainda, soube que esse livro, que trata de um personagem que de alguma maneira foi colocado no limbo da nossa história, suscita hoje uma vendagem muito acima das expectativas iniciais.

            Trata-se da biografia de um Presidente da República que foi deposto, destituído do cargo que ocupava pela vontade do povo, nos termos da Constituição, que foi perseguido, humilhado, teve que viver no exílio, morreu no exílio, atormentado por uma saudade profunda da sua terra. E posso dizer isso, porque, em algumas ocasiões, estive com ele no exílio. Foi um homem que, no meu entender, deu uma contribuição positiva para a nossa história, para a história da construção da cidadania brasileira.

            João Goulart acabou quase na condição de um personagem maldito, atacado seja pela direita, seja pela esquerda. A direita o acusava de ser mentor de uma conspiração para instaurar no Brasil algo que se chamava, à época, uma República sindicalista, que eu nunca soube, exatamente, o que isso queria dizer.

            No contexto da Guerra Fria, o programa de reformas proposto por João Goulart, sem dúvida alguma, ameaçava o status quo no Brasil, abria o caminho para uma maior participação do povo na decisão das questões nacionais, afirmava a soberania brasileira, afirmava a autonomia do nosso País no cenário da política externa, das decisões econômicas; prosseguia, na obra do Presidente Vargas, na construção de um País voltado para o seu mercado interno, mediante uma correção da injusta distribuição de renda que até hoje persiste, levantava a bandeira da reforma agrária e construiu o primeiro grande partido de massas, popular, democrático, no Brasil, que era o PTB. Por isso, ele era estigmatizado, era alguém que perturbava. Foi perseguido, destituído do seu cargo e compelido ao exílio.

            Pela esquerda, João Goulart também foi estigmatizado. A vacilação de João Goulart foi um tema, um leitmotiv que, durante muito tempo, a esquerda, ao rememorar o episódio, fazia questão de colocar como uma das principais explicações da vulnerabilidade da democracia brasileira naquela conjuntura tão conturbada. No entanto, passados tantos anos da morte desse homem, que não teve o direito de ser sepultado, tranquilamente homenageado pelos amigos na sua terra, é possível reavaliar a figura de João Goulart, romper o silêncio que poucas vozes romperam nesse período. Destaco a voz de Almino Afonso, que foi seu líder na Câmara dos Deputados, foi seu Ministro do Trabalho no tempo do parlamentarismo e que, em vários escritos, procurou resgatar a memória e a importância de João Goulart na história brasileira.

            Passou-se o tempo, e as reformas de base que João Goulart propunha e que o movimento popular impulsionava, vistas hoje, da perspectiva do tempo, parecem-nos coisa pouca. Qual era esse conjunto de reformas que, segundo o conservadorismo entranhado na sociedade brasileira, erigia em espantalho? A reforma agrária com desapropriação de terras, mediante emissão de títulos da dívida pública; a reforma urbana com limitação ao aumento de aluguéis, com a disciplina de loteamentos por lei federal; a regulamentação da Lei de Remessa de Lucros; o voto dos analfabetos, possibilitando-os de votar; o direito dos suboficiais das Forças Armadas serem eleitos; a reforma universitária com o fim da carta vitalícia. Era esse o conjunto das reformas de base, que foram erigidas em grande ameaça pelo conservadorismo brasileiro na época.

            Mas o mais importante, na verdade, o que amedrontava o estamento conservador era o fato de que o povo brasileiro saía de um estado de submissão; digamos assim, de letargia, de subalternidade consentida, secular, e que emergia como ator da vida política brasileira. E o episódio da resistência ao golpe militar, quando da renúncia de Jânio Quadros e, mais tarde, a mobilização do povo pela restauração dos poderes do Presidente da República, que haviam sido usurpados no bojo daquela tentativa de golpe, foram quase que uma certidão de nascimento do povo brasileiro como o ator da nossa história.

            Ouço o aparte do Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador, fico muito feliz de vê-lo trazendo aqui para a tribuna esses fatos de agosto, um agosto lá atrás - amanhã é o aniversário da morte de Getúlio Vargas -, e o agosto seguinte, o agosto quando Jânio Quadros saiu do governo, dando início a tudo isso que durou mais de vinte e um anos, somando tudo, e trazer aqui a figura de João Goulart. Ele é uma das figuras que não têm recebido o devido mérito na história do Brasil. O senhor trouxe muito bem para cá o que ele representava naquele momento da chamada reforma de base: um sistema bancário que funcionasse, adiante com a industrialização de João Goulart; os direitos dos trabalhadores, que tinham começado na CLT, mas ele trouxe, por exemplo, o décimo terceiro salário.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - O décimo terceiro salário!

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Pouca gente se lembra disso.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Exatamente.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - O início da reforma universitária, enfim, tudo isso, fico muito feliz de ver o senhor trazer para cá. Talvez seja preciso alguém que tenha passado por isso, na juventude, como nós dois, para se lembrar como foi importante João Goulart e como o Brasil teria sido diferente se ele pudesse ter terminado seu governo e se pudesse ter passado a faixa para um outro, como era, sim, sua intenção. Nunca passou pela cabeça dele golpe de Estado a seu favor, embora pessoas ao lado dele pudessem pensar isso. Parabéns por trazer essa memória da história brasileira para a nossa tribuna!

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, nobre Senador Cristovam Buarque. Estou me referindo a um episódio da vida brasileira que se confunde com a história também da nossa mocidade, da nossa geração.

            Quando eu falava do despertar do povo brasileiro para a consciência de que ele era um ator e um ator preponderante da história, estou me referindo a um período em que nós despertávamos também para a vida pública.

            De modo que eu quis, hoje, vir à tribuna, Sr. Presidente, para comunicar à Casa que estou apresentando um projeto de lei em que homenageio o Presidente João Goulart, dando o nome de Rodovia Presidente João Goulart a uma rodovia federal que vem lá da sua terra, o Rio Grande do Sul, e que caminha no rumo do Brasil central, que é a BR-153.

            Creio que João Goulart não merece ser esquecido, especialmente num momento em que nós nos encontramos plenamente com a democracia, em que não há mais nenhum tipo de restrição à participação na vida política de nenhuma corrente ideológica; em que há plena liberdade de organização política, sindical, de manifestação de pensamento.

            É hora de nos lembrarmos de um homem tolerante, de um homem que apostou na democracia, que criou um grande partido de massas e que, mesmo no exílio, durante o período militar, teve um gesto de extraordinária grandeza e generosidade ao estender a mão a um adversário absolutamente implacável, que foi Carlos Lacerda, na tentativa de mobilização das lideranças civis que haviam sobrevivido à degola, que haviam sido banidas da vida pública pelo golpe militar, de se reunirem na chamada Frente Ampla, liderada por Juscelino, Lacerda e João Goulart, naquilo que foi a semente de uma grande frente democrática responsável pela democratização do nosso País.

            Muito obrigado. Passo às mãos de V. Exª o projeto de lei. Mas, antes, ouço o aparte do nobre Senador Luiz Henrique da Silveira.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Nesse episódio da Frente Ampla há um fato extraordinário que me foi relatado por um dos seus articuladores, o ex-Ministro Renato Archer. Renato foi um dos costuradores desse entendimento entre políticos até então tão adversos. Organizou-se uma comitiva para ir a Portugal. E as notícias que vinham de Cascais e Lisboa eram de que o Presidente Juscelino Kubitschek estava combalido, estava deprimido, e uma comitiva integrada, entre outros, por Ulysses Guimarães, Nelson Carneiro, Tancredo Neves foi a Portugal para levar ânimo ao ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Lá, encontraram o Presidente Juscelino saltitante, sorridente, cheio de planos para o Brasil. E aí eles confessaram a ele: “Presidente, nós nos surpreendemos. Pensávamos que íamos encontrá-lo aqui numa situação de desesperança, e V. Exª nos dá uma lição de otimismo.” E aí Juscelino disse a frase fantástica que diz bem o que é a nossa atividade: “Política é esperança. Quem não a tem que não a faça.”

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Obrigado, meu nobre e querido amigo Senador Luiz Henrique por essa lembrança do Presidente Juscelino, que me evoca outra: encontrei-me com o Presidente Juscelino nessa época em que V. Exª articulava a Frente Ampla. Eu era um jovem militante político, tinha lá meus 22 anos de idade e encontrei-me com o Presidente Juscelino na casa do nosso saudoso amigo Renato Archer, no Aterro do Flamengo. E assisti a uma conversa entre o Presidente Juscelino e a Deputada Ivete Vargas, relutante em ingressar naquele movimento que, convenhamos, tinha muita coisa contra si. E lembro-me da capacidade extraordinária que teve o Presidente, na conversa a que assisti, de seduzir, de atrair a Deputada Ivete Vargas para essa perspectiva de superar as mágoas do passado, de olhar para frente, de ter confiança na democracia, no povo, nas eleições. Lembro-me, ainda hoje, do Presidente transfigurado de otimismo, de esperança, numa conversa política de uma articulação a que tive o privilégio de assistir.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2011 - Página 34128