Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Histórico da criação da legislação trabalhista brasileira, por ocasião da passagem dos oitenta anos do Decreto 19.770, de 19 de março de 1931, que regula a sindicalização das classes patronais e operárias.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Histórico da criação da legislação trabalhista brasileira, por ocasião da passagem dos oitenta anos do Decreto 19.770, de 19 de março de 1931, que regula a sindicalização das classes patronais e operárias.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2011 - Página 34139
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • DETALHAMENTO, HISTORIA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, IMPORTANCIA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, SINDICATO.

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente desta sessão Senador Sérgio Souza, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que o Fórum Sindical dos Trabalhadores se mobiliza para dar início a uma imensa campanha nacional em defesa da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, com a decisiva participação de S. Exª o Senador Paulo Paim, passam também os trabalhadores brasileiros a ter um forte motivo de comemoração neste ano de 2011: os 80 anos de um dos mais importantes marcos legais das respectivas categorias, originário da luta pelo reconhecimento de seus direitos. Trata-se do Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, que regula a sindicalização das classes patronais e operárias.

            Como integrante do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, e neto do nosso primeiro Ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, não poderia deixar de registrar essa passagem e, mais do que isso, realçar o seu significado e magnitude para o processo de formação e desenvolvimento sindical no País. Contudo, abordar a importância da organização precursora da organização dos sindicatos no Brasil exige, inicialmente, contextualizar o Brasil da época e sua efervescência política.

            Em 1929, fundou-se a Aliança Liberal, movimento político iniciado pelo Presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, para, em oposição à candidatura oficial de Júlio Prestes, pleitear a sucessão presidencial para o Rio Grande do Sul na pessoa de seu presidente, Getúlio Vargas.

            Neste contexto, coube a Lindolfo Collor, então Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul, redigir o Manifesto da Aliança Liberal, que foi encampado pelo candidato oposicionista, Dr. Getúlio Vargas. Esse documento continha, entre outros pontos do programa a ser cumprido, a promessa da elaboração de uma legislação trabalhista. Com isso, sairiam da alçada policial as questões surgidas entre o capital e o trabalho e o operariado brasileiro passaria a ter seus direitos assegurados.

            No início do século XX até o início da década de 30, originou-se no Brasil o embrião de uma organização sindical de confronto, em virtude das péssimas condições laborais a que estavam submetidos os trabalhadores.

            Raros eram os direitos reconhecidos, e somente em 1924 um projeto da Comissão de Legislação Social do Congresso Nacional propôs o direito a férias para os empregados no comércio. A regalia fez com que a Associação Comercial de São Paulo solicitasse ao jurista Clóvis Beviláqua um parecer sobre tamanha novidade.

            Beviláqua foi taxativo: propostas desse tipo visavam instituir o que ele disse “socialismo de Estado” e eram totalmente inconstitucionais. O Estado teria o dever de protege os mais fracos, sim, mas sem jamais perturbar as relações econômicas nem intervir na organização das empresas.

            Em 31 de dezembro do ano seguinte, 1925, o direito de todos os trabalhadores urbanos brasileiros a férias anuais foi instituído pela Lei nº 4.982.

            Antes disso, em 1919, o futuro fundador do Partido Comunista Brasileiro, Astrojildo Pereira, escrevendo no jornal anarquista A Plebe, desdenhava das propostas de legislação trabalhista então em discussão e apontava a agitação operária como único fator capaz de assegurar a conquista de direitos efetivos. Na sua visão otimista imaginava que o limite da jornada de trabalho seria logo estabelecido em oito horas e posteriormente reduzido para seis, e que os trabalhadores conquistariam aumento nos salários, participação nos lucros, intervenção na administração industrial, entre outras vantagens até mais radicais do ponto de vista político.

            Em antagonismo a essa agitação política, do qual surgiram inúmeras greves e outros movimentos reivindicatórios, as elites dominantes reagiam tratando as manifestações como “caso de policia”, por absoluta incompreensão política e porque ainda contaminadas pela relação escravocrata que, não fazia muito, havia sido extinta.

            Além disso, o Governo da República vinha aos poucos se enfraquecendo, tornando ainda mais instável a possibilidade de mediação política desses conflitos, muito talvez pelo receio de outras manifestações de ordem política, como a Coluna comandada por Luiz Carlos Prestes, que trazia maior desgaste ao Governo e provocava agitação política.

            Tanto é assim, que muito pouco se fez até 1930. Consciente de que era necessária uma mediação desses conflitos por parte do Estado, a Aliança Liberal, em manifesto idealizado por Lindolfo Collor, encampou as reivindicações sociais dos trabalhadores, propondo uma nova ordem, com a implementação de uma legislação social de âmbito nacional.

            Com a habilidade política de Getulio Vargas, essas propostas ganharam a simpatia das massas trabalhadoras e, embora perdendo a eleição de 1930, protagonizou um processo revolucionário que afastou o Presidente Washington Luiz e impediu a posse de Júlio Prestes, liderando a instalação de um novo Governo provisório.

            Nesse processo político surge a figura singular de Lindolfo Collor, que na organização do governo provisório recusou o convite do Dr. Getúlio para ocupar outra pasta ministerial, e afirmou que só aceitaria a do Trabalho, a ser fundada em cumprimento ao que fora anunciado pela Aliança Liberal.

            Como havia uma tendência de Getúlio de retardar o cumprimento daquela promessa de campanha, Lindolfo Collor afirmou que, nesse caso, ficaria fora do governo. Um mês depois, instado por Flores da Cunha e Batista Luzardo, este último já nomeado Chefe de Polícia do Distrito Federal, Vargas concordou com as ponderações que lhe faziam aqueles dois companheiros a respeito da inconveniência de permanecer Lindolfo Collor fora do governo, e afirmou que instalaria o novo ministério para atender ao compromisso da Aliança Liberal.

            Sr. Presidente, Senador Sérgio Souza, Srªs e Srs. Senadores, a elaboração da legislação social brasileira, a primeira na América do Sul, pode ser considerada o maior avanço social no Brasil depois da abolição da escravatura. Para estruturá-la foi grande a luta de Lindolfo Collor. Teve que enfrentar os anarquistas e seus aliados, que contavam com as injustiças sociais para levar o povo à revolta e seu partido ao poder. Teve ainda que vencer a animosidade de alguns de seus companheiros revolucionários, sobretudo os “tenentes”, membros do Clube Três de Outubro, que não davam apoio ao seu trabalho. Já com as classes patronais, de onde mais naturalmente se poderia esperar uma oposição à legislação trabalhista, o primeiro ministro do Trabalho não enfrentou grandes dificuldades.

            O professor Joaquim Pimenta, ativista, líder operário em Pernambuco e um dos melhores colaboradores de Lindolfo Collor no Ministério do Trabalho, acentua esse aspecto realmente inesperado. Outro grande colaborador de Lindolfo Collor foi Evaristo de Morais, primeiro consultor jurídico do Ministério do Trabalho, que deixaria esse cargo no mesmo dia da renúncia de Collor, em 1932.

            Surge, então, o Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, que regula a sindicalização. Nele são estabelecidos os pilares da organização sindical brasileira, cujo artigo primeiro enunciava o seguinte:

Art. 1º. Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da República e por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os seus interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural, todas as classes patronais e operárias, que no território nacional exercerem profissões idênticas, similares ou conexas, e que se organizarem em sindicatos independentes entre si, mas subordinada a sua constituição às seguintes condições.

            E aí vêm as condições exigidas, todas elas normais, inclusive nos dias de hoje.

            Os sindicatos, então, para serem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio necessitariam ter aprovado, pelo ministério, os seus estatutos, assim como posteriores alterações.

            Em número nunca inferior a três, os sindicatos foram autorizados de formar no Distrito Federal, em cada Estado e no Território do Acre, uma federação regional, com sede nas capitais, e, quando se organizassem, pelo menos cinco federações regionais, poderão elas formar uma confederação com sede na capital da República. Denominar-se-iam Confederação Brasileira do Trabalho, a que se constituiria por federações operárias, e Confederação Nacional da Indústria e Comércio, a que se constituiria por federações patronais.

            Como órgãos de colaboração com o Poder Público, deveriam cooperar os sindicatos, as federações e as confederações, por conselhos mistos e permanentes de conciliação e julgamento, na aplicação das leis que regulam os meios de dirimir conflitos suscitados entre patrões, operários ou empregados. Assim, a norma trouxe para a esfera do Estado o conflito trabalhista e a possibilidade de mediá-lo segundo uma nova ordem social que estava sendo erigida.

            Com isso, na qualidade de pessoas jurídicas, competiria aos sindicatos a faculdade de firmarem ou sancionaram convenções ou contratos de trabalho dos seus associados, com outros sindicatos profissionais, com empresas e patrões, nos termos da legislação, que a respeito fosse decretada. Facultou-se, ainda, aos sindicatos de patrões, de empregados e de operários celebrar, entre si, acordos e convenções para defesa e garantia do interesses recíprocos, devendo ser tais acordos e convenções, antes de sua execução, ratificados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

            O decreto dispôs também que poderiam os sindicatos pleitear diversas medidas, perante o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, como

            a) medidas de proteção, auxílios, subvenções;

            b) a criação pelo Governo, ou por colaboração deste e dos governos estaduais, de serviços de assistência social que, por falta de recursos, não pudessem ser instituídos ou mantidos pelos sindicatos;

            c) a regularização de horas de trabalho em geral;

            d) melhoria de salários e sua uniformização em igualdade de condições, para ambos os sexos, bem como fixação de salários mínimos para trabalhadores urbanos e rurais.

            Outras solicitações poderiam também ser feitas e eram várias.

            Outro fator importante é que se instituiu por esse decreto o princípio da unicidade sindical, pois se uma ou mais associações de uma só classe pretendessem adotar a forma sindical, far-se-ia o reconhecimento de apenas uma delas, que assumiria a representação sindical de determinada categoria.

            O decreto garantia, também, a liberdade de associação sindical, pois o art. 13 vedava aos patrões ou empresas despedir, suspender e rebaixar de categoria, de salário ou de ordenado, como se dizia à época, o operário ou empregado pelo fato de associar-se ao sindicato de sua classe, ou por ter, no seio do mesmo sindicato, manifestado ideias ou assumido atitudes em divergência com os seus patrões.

            Sr. Presidente desta sessão, Senador Sérgio Souza, Srªs e Srs. Senadores, a relevância desse ato normativo pode ser medida pela legislação atual, onde os princípios lá redigidos têm hoje, inclusive, estatura constitucional, como no disposto no art. 8º da Carta Política Brasileira, que manteve os princípios da unicidade sindical, do sistema confederativo de representação sindical, da liberdade de associação sindical e da negociação coletiva.

            Embora o decreto promulgado em 1931 tenha tido forte caráter intervencionista por parte do Estado nas entidades sindicais, criou-se um desenho de organização que se mantém até os dias atuais.

            No contexto político da época foi a fórmula encontrada, pois o próprio governo, com a intervenção estatal nos sindicatos, asseguraria apoio político à implantação de uma legislação social que culminou com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943.

            Evoluções e involuções foram muitas a partir daí, como nas Constituições de 1934, 1946 e 1988, que asseguram a liberdade sindical sem a intervenção do Estado, entremeadas pelas Constituições outorgadas de 1937 e 1967 com forte viés intervencionista.

            O destemor e a insistência, Sr. Presidente, de Lindolfo Collor foram determinantes nesse processo. A ele se deve uma mudança de paradigma que possibilitou o Brasil construir uma nova ordem social, com maior valorização do trabalhador brasileiro e estabilidade social e econômica para as empresas, que absorveram novos direitos e se constituíram muito mais competitivas.

            Não houvesse este marco inicial, os conflitos sociais com origem nas relações de trabalho continuariam como caso de polícia, pois até 1930 a política de não intervenção do Estado servia apenas a uma das partes.

            Daí, provavelmente, possa compreender-se melhor aquele contexto histórico, onde, sem uma intervenção mais forte do Estado, seria impossível construir uma ordem social que garantisse importantes conquistas para os trabalhadores e, ao mesmo tempo, assegurasse o desenvolvimento das empresas em novas bases econômicas e também sociais.

            Como maior testemunha deste feito está a nossa própria Constituição, que incorpora princípios que se originaram há 80 anos, com a edição do Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, e que hoje nos possibilitam ter uma plena e abrangente liberdade sindical.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente desta sessão.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Fernando Collor, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Senador Paulo Paim, com muita satisfação, eu o ouço.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Ex-Presidente Collor de Mello e Senador da República, acho que, no Brasil, neste momento, é importante que V. Exª faça e reconstrua uma retrospectiva histórica da CLT e o papel do seu avô, Lindolfo Collor. Lembro que, no Rio Grande do Sul, há uma cidade com o nome do seu avô Lindolfo Collor. Tivemos, na segunda-feira desta semana, uma sessão com cerca de mil sindicalistas, aqui no Senado, que fizeram um ato em defesa da CLT, dos direitos dos trabalhadores e do fortalecimento da estrutura sindical. Quero, neste momento, cumprimentar V. Exª por, da tribuna do Senado, lembrar o passado num momento tão presente, em que os trabalhadores fazem esse ato em defesa da nossa CLT. Parabéns a V. Exª. Parabéns ao seu avô, porque, agora, aqui ficou claro que ele ajudou a construir a nossa CLT. Claro que precisamos fazer ajustes, porque se passaram décadas e décadas, mas, com certeza, a CLT tem que continuar sendo defendida pelo conjunto dos trabalhadores. Parabéns a V. Exª. Parabéns ao seu avô.

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim, pelas suas palavras. V. Exª, que está agora encetando esse grande movimento, com a reunião de todos os trabalhadores e sindicatos, em favor da Consolidação das Leis do Trabalho, e tem pontificado a sua vida, durante todos esses anos de mandatos parlamentares, em defesa da causa do trabalhador brasileiro.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Senador Fernando Collor, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Fiquei encantado com essa história, que é muito linda, é interessante e o Brasil deve estar acompanhando. Ainda ontem o Senador Paulo Paim presidiu um grande congraçamento no Petrônio Portella, com muita gente do Brasil inteiro festejando a Consolidação das Leis do Trabalho. Hoje V. Exª vem, Senador Fernando Collor, ex-Presidente da República, fazer um relato tão encantador da gênese e fico encantado porque, na gênese dessa história, o seu avô participou. Esses 80 anos, não só Lindolfo Collor - cidade gaúcha que por sinal conheço - acho que V. Exª fez muito bem em vir para recordar isso porque, na verdade, festejar a Consolidação das Leis do Trabalho é o equilíbrio entre o capital, o trabalho e o governo, um tripé forma um equilíbrio extraordinário. V. Exª hoje acho que foi muito feliz ao vir à tribuna e fazer esse relato, recordar, historiar e informar ao Brasil como ocorreu. Meus cumprimentos.

            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, pela generosidade de suas observações, mas gostaria de aproveitar essas mesmas observações e desejar, mais uma vez, sucesso pleno ao Fórum Sindical dos Trabalhadores que, como V. Exª muito bem lembrou, reuniu-se ontem, com a participação decisiva do Senador Paulo Paim, aqui no Senado, para exatamente iniciar uma campanha nacional em defesa da Consolidação das Leis do Trabalho.

            Muito obrigado a V. Exª.

            Muito obrigado, Sr. Presidente Sérgio Souza.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2011 - Página 34139