Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembrança da passagem, hoje, dos 57 anos do suicídio do Presidente Getúlio Vargas.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Lembrança da passagem, hoje, dos 57 anos do suicídio do Presidente Getúlio Vargas.
Aparteantes
Marinor Brito.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2011 - Página 34379
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, VIDA PUBLICA, SUICIDIO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO, GESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Marta Suplicy, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, cada um de nós, em algum momento da vida, foi parte de algum fenômeno que nos fez caminhar para esta vida pública. Qualquer um de nós poderia ter continuado na sua vida de profissional fora dessa disputa eleitoral, deste dia a dia da vida, deste compromisso com a vida pública e o País.

            Dificilmente, cada um de nós é capaz de identificar onde foi que começou isso. No meu caso, sem querer dizer que foi exatamente isso, porque nunca podemos colocar apenas em um fato a mudança de rumo da vida, eu creio que foi no dia 24 de agosto de 1954, mais ou menos às 10 horas da manhã. Foi nesse dia, nessa hora, que eu lembro muito bem até hoje, tanto tempo passado, que eu chegava em casa, saindo da escola, que tinha encerrado as aulas por causa do suicídio do nosso Presidente da República. E, ao chegar em casa, Senador Mozarildo, estava na calçada, com medo de alguma conturbação, a minha mãe chorando. E não chorava porque eu estava na rua, ou porque não sabia de mim. Não, porque o meu colégio era muito perto de casa. Ela chorava porque ela sentia e disse, explicitou, que Getúlio Vargas tinha sido o Presidente que deu direito aos trabalhadores, e ela era uma tecelã em uma fábrica.

            Logo depois, o meu pai chega e, com uma tensão profunda, começa a manifestar o seu temor do que aconteceria a seguir no nosso País e que direitos poderiam ser perdidos.

            A partir daí, eu cresci, almoçando, jantando, tomando café numa pequena sala onde havia uma foto de Getúlio e a carta testamento que ele deixou no momento do seu suicídio. Esse fato me marcou, mas esse fato marcou o Brasil inteiro, porque nos quinze anos de governo que ele exerceu - e não vamos titubear em dizer -, de forma autoritária, cometendo alguns gestos que nenhum de nós gostaria que tivesse acontecido no Brasil, apesar disso, o que a gente pode dizer é que Getúlio Vargas foi o Presidente que fez uma inflexão na História do Brasil. Até aquele momento, nós tínhamos 450 anos de história no mesmo rumo: um país que explorava as suas riquezas agrícolas e importava todas as riquezas industriais do exterior; um país que exportou açúcar, que exportou ouro, que exportou café, que exportou algodão e que importava os bens industriais; e um país basicamente rural, onde a imensa maioria da população vivia no campo; um país que se podia dizer, então, que tinha todas as características do atraso.

            Juscelino assumiu o Governo num momento de profunda crise, a famosa crise de 29; uma crise, talvez, mais profunda do ponto de vista puramente econômico do que aquela que estamos vivendo desde 2008. Até porque, naquele tempo, não eram conhecidos os instrumentos para se tirar um país da crise. Keynes ainda não tinha a influência que passou a adotar, alguns anos depois, graças ao governo Roosevelt, que tomou posse quase três anos depois de Getúlio Vargas.

            O que Getúlio fez foi dizer: “Este País, para sair da crise, precisa deixar de ser agrícola e rural e ser um país industrial e urbano”.

            O que ele fez foi mostrar que, quando uma crise acontece, a melhor maneira de sair dela é mudar, e não apenas consertar; é não fazer pacotes, mas fazer uma inversão, uma reversão, uma inflexão ou, como ficou sendo chamada, a Revolução de 30. Essa revolução significou que nós enfrentamos os problemas imediatos, mas começamos a trabalhar para o distante.

            O problema imediato ele resolveu de uma maneira simples: se não havia quem comprasse o nosso café e, por isso, o Brasil não tinha emprego, vamos comprar o café com dinheiro público; vamos queimar o café, porque aí a gente manter os pés produzindo, a gente mantém o emprego; e vamos investir para ajudar indústrias, que vão vender para os trabalhadores que compram, que trabalham na produção do café. Essa é a chamada solução keynesiana.

            Mas ele não ficou nisso. Ele podia ter ficado nisso e dito: retomamos o emprego. Ele não aceitou isso. Ele deixou claro que era preciso mudar a perspectiva do Brasil, e, para isso, ele passou a investir em indústria, passou a dar apoio àqueles que quisessem sair do investimento agrícola para o investimento industrial. Ele, claro, criou todas as formas de proteção trabalhista que temos até hoje. Até hoje, a CLT é a base da proteção do trabalhador. Mas ele fez mais: no dia 3 de agosto, 21 dias antes de ser levado ao suicídio, ele criou a Petrobras e definiu, com clareza, que o petróleo é nosso. E o Brasil ingressou no processo de dizer: o patrimônio que existe debaixo dos pés dos brasileiros pertence ao País, não pertence ao dono do terreno. Foram essas coisas que marcaram o Governo Getúlio Vargas.

            Hoje, meio século depois, nós estamos em outra crise. E essa crise vai exigir ousadia, como teve Getúlio Vargas; vai exigir criatividade, como teve Getúlio Vargas; vai exigir firmeza, como teve Getúlio Vargas. Eu vejo, por exemplo, o Código Florestal sendo discutido; em nenhum lugar do seu texto se lê que as florestas brasileiras são patrimônio da Nação brasileira. Trata-se como propriedade do dono do terreno e tentam-se fazer pequenos ajustes para que não queimem tudo.

            Vemos uma crise desde 29, e tudo o que o governo faz - não dá para dizer que está errado - são pequenas medidas que tentam ajustar a realidade para não aprofundar a crise, mas não para reorientar o País em direção a um novo tempo. Lamentavelmente, quando olhamos ao redor, não parece haver um Getúlio Vargas que queira tirar proveito da crise para fazer um novo Brasil. Um Brasil que, além de democrático - como não foram os 15 anos de Getúlio Vargas -, tem que ter um Getúlio com muito de Juscelino, que, além de democrático, seja capaz de perceber a dimensão da crise que nós vivemos. Que seja capaz de defender a Nação brasileira, entendendo que vivemos num mundo global e que não dá mais para isolar e cercar o Brasil com tarifas. Um Brasil integrado. Mas um Brasil que não dá para continuar sobrevivendo como antes de Getúlio, com base na exportação de bens primários; um país que ingresse na nova economia do conhecimento; que seja capaz de inventar os novos produtos que a população quer consumir. Um Getúlio Vargas que seja capaz de entender que a produção desses novos bens tem que estar limitada pela ecologia; que entenda que os direitos dos trabalhadores têm que ir além do que foi feito por Getúlio Vargas, incluindo a redução da jornada de trabalho, com aumento do tempo livre; que seja capaz de trazer para nós a dimensão de que produção não é só o que é material, mas também cultural; que o que vale no mercado não é só aquilo que a gente compra privadamente, mas que faz parte do mercado, da dinâmica de produção aquilo que é oferecido publicamente a todos. Um Getúlio que perceba que agora a saída não é a industrialização mecânica, mas a industrialização de conhecimento, que exige mais do que petróleo, que Getúlio Vargas nos trouxe a possibilidade de explorar com a Petrobras, pois essa precisa da maior das fontes de energia, que é o cérebro de cada criança, de cada adulto brasileiro.

            Nós precisamos, ao lembrar o grande sacrifício que fez aquele Presidente, entregando sua vida para não se submeter a golpistas, impedindo os golpes, com esse sacrifício, pelo menos até 1964, como ele conseguiu, no momento em que lembramos a figura de Getúlio Vargas, nós precisamos saber que precisamos, outra vez, fazer uma inflexão na vida, no projeto, na produção brasileira. Não dá para continuar caminhando com pequenos ajustes, Senadora Marta, a cada minuto, com pacotes.

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Nós precisamos, outra vez, de uma revolução. Obviamente, hoje, a revolução não é mais a estatização dos meios de produção. Não é a ilusão de que todos devem ser iguais uns aos outros, inclusive quebrando o sentimento de liberdade, que certa margem de desigualdade é necessária, convive com a liberdade. Nós temos, sim, que garantir a igualdade naquilo que é imoral não ser igual, educação e saúde de qualidade, e, ao mesmo tempo, a garantia de que o patrimônio florestal ecológico brasileiro pertence à Nação brasileira, pertence a todas as gerações, como ele, Getúlio, fez com os minerais do Brasil.

            Isso é o que me traz, Senadora, para lembrar a morte de Getúlio Vargas, olhando para o futuro do Brasil.

(Interrupção do som.)

            A Srª Marinor Brito (PSOL - PA) - Eu gostaria de fazer um aparte ao Senador, para dizer que hoje, pela manhã, no lançamento do Observatório da Corrupção, na OAB, diante dos representantes de todas as OABs do Brasil, o Senador Pedro Simon fazia referência a essa trajetória de Getúlio que o Brasil viveu, sobretudo no processo de mobilização social, à importância de um governo que tentou interagir e fazer interlocução com o interesse do povo brasileiro, do desenvolvimento do País na perspectiva do interesse público. Eu queria me reportar a isso, Senador, para falar da importância política de ter sido lançado hoje, na OAB, esse Observatório da Corrupção, porque dialoga com o discurso de V. Exª, mas dialoga com este momento político importante, não por conta apenas das denúncias cotidianas de governantes, de lideranças políticas de partidos que estão envolvidos, estão comandando a corrupção no País, mas pelo sentimento, Senadora Marta, do povo brasileiro, de que é preciso dar um basta nisso, de que é preciso encontrar um canal de unificação das lutas sociais e que os movimentos sociais possam assumir verdadeiramente a bandeira do combate à corrupção e da impunidade no nosso País.

(Interrupção do som.)

            A Srª Marinor Brito (PSOL - PA. Fora do microfone.) - Era isso, Senador, que eu queria dizer porque considero relevante e gostaria de registrar no momento da fala de V. Exª.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP. Fora do microfone.) - Para encerrar, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Não tenha dúvida de que incorporo o seu aparte ao meu pronunciamento, mas passo à Senadora Marta a tranquilidade de que meu discurso já tinha sido concluído.

            Portanto, fica aqui o meu registro daquilo que aconteceu meio século atrás, com a entrega da vida, com toda coragem que isso exige, do grande Presidente que nós tivemos, o Presidente que fez a última grande inflexão da História do Brasil, seguido depois por Juscelino, seguido depois por todos os outros, uns com mais competência, outros com menos, uns democraticamente, outros até autoritariamente, mas o mesmo rumo de uma industrialização baseada na mecânica, quando nós precisamos, hoje, é de uma industrialização baseada no conhecimento. Isso passa pelo maior dos nossos recursos, a maior de nossas energias: a inteligência brasileira, que se gera na escola.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2011 - Página 34379