Discurso durante a 146ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca de manifestações contrárias ao pronunciamento de S.Exa., ocorrido ontem.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Comentários acerca de manifestações contrárias ao pronunciamento de S.Exa., ocorrido ontem.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2011 - Página 35314
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • DEFESA, DEBATE, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROPOSTA, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, IMPOSTOS, INCIDENCIA, BRASILEIROS, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Sr. Presidente Paim, o senhor deve ter, como eu, uma sensação, um sentimento quanto à repercussão de cada discurso que faz. Por exemplo, o discurso que o senhor fez há pouco vai ter uma repercussão favorável dos aposentados do Brasil. O Senador Mozarildo deve estar com a sensação de que, amanhã, vai receber reações favoráveis ao seu discurso e algumas negativas, possivelmente.

            Eu tenho essa sensação, mas, ontem, eu tive uma surpresa. Eu fiz um discurso - o senhor até estava presente - em que me referi a um projeto de lei seu, mostrando que franceses e americanos ricos têm se manifestado a favor de um imposto maior sobre a riqueza deles, tanta a fortuna, o patrimônio, quanto a renda. Warren Buffett fez um artigo reclamando do governo norte-americano: por que os megarricos - eles e seus amigos - não estavam pagando mais impostos para ajudar os Estados Unidos na luta contra a dívida interna provocada pelos gastos públicos?

            Treze franceses, entre os mais ricos da França, fizeram um documento parecido, e o Presidente Sarkozy fez um projeto, fez uma lei para aumentar os impostos dos super-ricos. Vai apenas aumentar em 2% a receita, mas além dos 2% - não é zero -, há um gesto simbólico grande.

            Eu propus que nós fizéssemos, Senador Mozarildo - o senhor estava aqui -, um estudo das vantagens e desvantagens de uma política fiscal sobre patrimônio e sobre renda daquela parcela de rendas mais altas no Brasil. Lembrei que já circularam aqui projetos como o do Senador Paim, o do ex-Senador Fernando Henrique Cardoso e o de Plínio de Arruda Sampaio que procuravam fazer isso.

            Eu imaginava, Senador Paim, que ia receber muito aplauso, mas eu fiquei assustado com manifestações, realmente não muitas, contrárias. Mas eu fiquei assustado, Senadores, não porque eles defendiam a atual política fiscal, não porque eles defendiam como os republicanos norte-americanos, que diziam que esse dinheiro na mão dos super-ricos gera renda. Eu fiquei assustado - não diria deprimido -, incomodado, porque recebi mensagens dizendo que preferiam que o dinheiro ficasse nas mãos dos megarricos do que nas mãos dos políticos corruptos.

            Eu tenho vontade de parar o discurso para deixar as pessoas pensando sobre o que isso significa na consciência da população brasileira. Ou seja, uma população que tem certo número de ricos, tão ricos quanto os mais ricos do mundo rico, no meio de uma miséria, cujo país está com excesso de gastos e de carga fiscal, sem margem de manobra e, além disso, com uma Constituição que amarra uma grande parte dos gastos, as pessoas não defenderem que haja uma política fiscal, como na França, nos Estados Unidos, nos países escandinavos, sobre os super-ricos, porque temem que esse dinheiro seja gasto, desbaratado, malversado pela corrupção. É muito grave. É muito, mas muito grave essa reação da população.

            Não é uma reação em defesa dos muito ricos, para que eles torrem o dinheiro deles como quiserem, comprando seus aviões, comprando castelos no exterior. É uma reação pela desconfiança do que se faria se em vez de ir para um castelo na França, para um avião comprado nos Estados Unidos, esse dinheiro viesse para o Tesouro público. É uma desconfiança em nós, é uma desconfiança no Governo, mas é uma desconfiança no Poder Legislativo. Isso merece mais reflexão, Senador Mozarildo, do que tudo o que já ouvi até aqui de crítica à corrupção.

            Apesar disso eu vou continuar defendendo que haja um estudo no sentido de saber se é possível ou não, porque as duas crises - agora surgiu a terceira - são: uma técnica e a outra técnica do ponto de vista de a Receita Federal ser incompetente para conseguir captar e outra do patriotismo dos nossos ricos, que não desejariam - como os americanos, como os franceses têm manifestado - contribuir para enfrentarmos a crise fiscal, para enfrentarmos a falta de dinheiro para pagar os professores, para resolver o problema da saúde. Agora, há uma terceira, que é de ordem moral. É não acreditar que os políticos serão capazes de usar bem esse dinheiro adicional que receberiam dos ultra, supra, megarricos.

            Quanto às duas primeiras, sugeri uma comissão do Senado - e vou levar para a Comissão de Educação -, para que se estude, retomando, talvez, o seu próprio projeto, Senador Paim, que visava uma imposição àqueles que ganham mais de 10 milhões por ano - se não me engano - o que pode ser uma alíquota no Imposto de Renda, uma alíquota sobre a transmissão de propriedade, como é nos Estados Unidos, que muitos dos ricos defendem que continue. O Presidente Bush tentou acabar com isso, para beneficiar parcela do Partido Republicano, que queria, se possível, imposto zero - como o senhor mesmo mostrou que é o mesmo que alguns empresários aqui querem em relação à Previdência; e um grupo de empresários, liderados pelo pai do Bill Gates, que disse: é preciso manter os impostos sobre a transmissão de propriedade, os impostos sobre herança, até porque eles pagam pouco. Antes mesmo da morte, eles passam a investir e, com isso, reduzem seu patrimônio privado e o transferem para o patrimônio público, naquilo que eles escolhem, como, por exemplo, grandes museus, bibliotecas, universidades. São feitas, graças à contribuição privada, forçada, para que o Estado não se aproprie.

            Mas alguns dizem que os brasileiros ricos não são tão patriotas quanto os ricos americanos e europeus. Vamos tentar saber se são; vamos criar uma comissão e conversar com seus líderes. Outros dizem que a Receita Federal, que eu reputo das mais competentes no mundo inteiro, é incapaz de fazer isso. Vamos conversar.

            Agora, em relação à corrupção, tenho uma proposta clara a fazer. É muito simples: que esse imposto vá direto para o contracheque dos professores. Não tem como haver corrupção. Que esse imposto, essa tarifa, essa alíquota, essa contribuição que vier dos super-ricos saia do seu bolso não para o Tesouro, mas para uma conta específica que iria financiar a federalização da educação de base, pagando aos professores.

            Estão, agora, professores de diversos Estados brasileiros em greve, professores das universidades ameaçam entrar em greve. Se houvesse esse fundo daria, pelo menos, para dar algum aumento. Não o quanto deveria. Não vou iludir ninguém. Não há hipótese de que esse fundo seja muito grande, porque tem um limite. O limite é a capacidade de segurar o dinheiro aqui, em vez deles passarem a sonegar exportando esse dinheiro ou, como aconteceu com alguns países escandinavos, em que grandes fortunas migravam para outros países, os chamados paraísos fiscais.

            Então, vim aqui dizer - não vou dizer depressão, não vou dizer desilusão - da minha preocupação, porque saí daqui com o sentimento de que ia receber muito apoio. Quem é que pode ser contra, Senador Mozarildo, que os super, ultra, megarricos contribuam para o conjunto da Nação mais do que eles fazem através de suas atividades, que eles fazem obviamente, que eles investem, eles produzem. Mas, além disso, uma contribuição ao espírito nacional. Eu saí certo de que todo mundo seria a favor. E não encontrei nenhum que ficasse contra porque achasse que é correto, como pensam os republicanos americanos, que o dinheiro no bolso dos super-ricos gera mais produto do que esse dinheiro sendo usado a serviço das necessidades do Brasil.

            A reação foi pela desconfiança em relação ao Estado brasileiro. E a desconfiança em relação ao Estado brasileiro é uma desconfiança em relação aos seus dirigentes. E os seus dirigentes somos nós, é a Presidenta Dilma, são os ministros, são os partidos e seus presidentes.

            Todos sabemos que hoje há uma desconfiança total. Mas confesso que eu não esperava que chegasse a esse ponto, da população, pelo menos os que se manifestaram, não foram muitos, é verdade. Os que se manifestaram disseram que preferem que o dinheiro seja gasto na compra de castelos na França em nome dos muito ricos do que ficarem no Tesouro público brasileiro.

            Isso mostra um risco que o País está vivendo. Isso mostra um risco profundo à democracia. Isso mostra um risco profundo, grave na credibilidade que o País tem, através de sua população, para com todos aqueles que dirigem o destino do País.

            Eu deixo aqui, primeiro, a minha insistência sim de continuar estudando isso, para superar os dois problemas que levantaram quando recusaram o seu projeto: a competência da Receita para fazer o trabalho e o patriotismo dos empresários. Vou continuar.

            E segundo, eu coloco esse terceiro problema da desconfiança profunda da população brasileira em relação ao uso do dinheiro público. E aí já dou a minha contribuição. Que esse recurso não entre na vala comum sujeita à corrupção. Que seja vinculado e que saia praticamente diretamente desses ultra, super, megarricos para o contracheque dos nossos professores, que não permitirá em nenhum hipótese desvio, a não ser que inventem professores fantasmas. É verdade que a imaginação é muito grande, mas se não houver professor fantasma, o dinheiro iria diretamente.

            Eu vou insistir nesse estudo na Comissão de Economia e gostaria, Senador Paim, até porque o senhor foi o autor de um desses projetos, de que, juntos, trabalhemos o estudo dessa viabilidade, copiando o patriotismo e a competência de empresários de fora do Brasil que eu gostaria muito de ver reproduzido, replicado dentro do meu País; tanto pelo que significa de patriotismo, pelo que significa de competência, como pelo significa de resultados positivos, disso para quebrar essa armadilha em que está hoje a economia brasileira, com gastos altos que não podem ser diminuídos porque criariam problemas econômicos de crescimento, com a incapacidade de ser uma economia de inovação para novos produtos porque a educação não consegue funcionar.

            Essas armadilhas têm que ser quebradas e não o serão se continuarmos pensando sempre da mesma maneira, outra vez com pequenos pacotes como foram lançados recentemente. Esse pacote da inovação para a indústria automobilística inovar. Inovar o quê? O trinco da porta? Inovar o freio? Inovação é criar novos produtos e não poder dar um jeitinho em alguns dos aspectos de cada produto.

            Era isso, Sr. Presidente, que tinha para falar, manifestando aqui a minha preocupação.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador, Cristovam, antes que V. Exª conclua, primeiro meus cumprimentos, eu diria até pela coragem, pela ousadia.

            Quando eu apresentei esse projeto de tributarmos as megafortunas houve um debate e o projeto foi derrotado. V. Exª está disposto a reabrir a discussão desse tema para apontar caminhos e fortalecer a educação.

            Meus cumprimentos a V. Exª.

            Mas aproveito o momento, com a presença aqui do Júlio, que trabalha com o presidente da Comissão de Educação, o nobre Senador Requião, para lembrar a todos que, na quarta-feira, nós teremos, lá no Interlegis, um debate ao qual a UNE deve estar presente, calculo eu com 200, 300 líderes de todo o Brasil, para discutir um tema que é, eu diria, quase prioridade. Quase, não, prioridade um de V. Exª, além dos outros, que são os recursos para a educação. Então, eu estarei lá, e tenho certeza de que o senhor vai estar lá, porque, sobre esse tema educação, eu confesso que recebo também muita correspondência do Brasil todo, e muitos me dizem: “Esteja ao lado do Senador Cristovam nesse tema educação”. Quero dar esse depoimento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Antes de passar a palavra ao Senador Mozarildo, eu especifico que a reunião será para discutir o destino dos royalties, vinculando-os à educação. E eu tenho aí uma posição diferente daquela que tem a UNE. A UNE pede 50% dos royalties. Eu quero 100%! Por que 50%, se a única forma de transformar um recurso esgotável como o petróleo em um recurso permanente é através da inteligência? Por que, então, 50% vão para a educação, e 50% vão para ponte, vão para estrada? Não! É 100%. E eu digo como faria isso.

            A distribuição dos royalties seria proporcional ao número de crianças na escola em cada município. Não tem nenhuma complicação. Nenhuma, nenhuma, nenhuma. Criança, ao nascer, é brasileira. O petróleo é brasileiro. Vamos levar o petróleo, através do valor que ele gera, para as crianças brasileiras. E, a partir daí, transformar essa energia preta do petróleo em uma energia cinzenta do cérebro das nossas crianças.

            Além disso, teria uma vantagem, do ponto de vista dessa briga que estamos vendo, política, entre os Estados. É que o Rio de Janeiro seria o segundo Estado mais beneficiado. Não porque tenha mais petróleo, mas porque tem mais criança. O primeiro seria São Paulo. A Bahia seria o terceiro ou quarto. O Espírito Santo provavelmente receberia um pouco menos. Mas esse dinheiro seria muito mais bem usado.

            Eu vou defender essa posição na reunião da quarta-feira, que vai ser transmitida pelo Interlegis para todo o Brasil, por meio das câmaras de vereadores. Eu creio que vai ser um bom debate, e a minha posição é muito clara: 100%, e proporcional ao número de crianças na escola.

            Eu passo a palavra ao Senador Mozarildo.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, V. Exª aborda realmente temas fundamentais para a Nação. Essa questão do imposto sobre fortunas já debatemos isso desde algumas décadas, posso dizer. E realmente não evolui. Fica sempre aquela dúvida: será que é o poder desses homens, dessas pessoas que têm grandes fortunas que interfere para não acontecer? Parece que sim, porque não creio que ninguém... E agora a França dá um exemplo: nem eles, de sã consciência, acreditam que precisam contribuir com a Nação, e contribuir para áreas como V. Exª colocou: educação. E eu queria complementar com a área da seguridade: saúde, previdência e assistência social. Discutimos as grandes fortunas, e também estamos discutindo o pré-sal; mas o pré-sal é uma coisa que ainda vai vir, as grandes fortunas já estão aí. Então, devíamos trabalhar realmente nesse sentido. Fala-se em reforma tributária. Eu diria que bastaria fazer esse imposto e reorganizar o que é arrecadado de maneira com destino certo, porque V. Exª colocou uma coisa dramática, quer dizer, a maioria da pessoas não confia que o dinheiro vá para os cofres públicos porque sabe que será mal aplicado ou será roubado. Então, acho que é um tema atual, é importante que peguemos o embalo do que está sendo feito na França e possamos fazer alguma coisa parecida aqui no Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Agradeço, Senador.

            Lembro que um desses empresários americanos super-ricos denunciou que pagava menos imposto do que o trabalhador dele. Ele fez questão de demonstrar isso, por causa das brechas que há nas regras de impostos. E a gente esquece a sonegação que há aí, e a gente esquece que sonegação é corrupção. Só que é uma corrupção precoce. Antes de o dinheiro chegar ao Tesouro e, daí, ser desviado por corruptos, ele nem entra no Tesouro, surrupiado por sonegadores. Sonegador é um corrupto precoce, que se antecipa, mas não é nem um pouquinho melhor do que os outros.

            Eu termino aqui, Senador Paim, agradecendo a sua participação, a do Senador Mozarildo, e dizendo que essa ideia eu vou continuar levando. Fernando Henrique Cardoso teve um projeto, Plínio de Arruda Sampaio teve um projeto, Paulo Paim teve um projeto, deve ter havido diversos projetos na Câmara; a diferença é que não estou nem propondo um projeto; estou propondo um debate sobre a ideia. Uma audiência pública, por exemplo, na Comissão de Economia, de maneira muito tímida até, sem chegar aqui com um projeto pronto, de maneira que procuremos resolver os três problemas: os dois que eu previa, e o terceiro que aprendi lendo o meu e-mail e o meu Twitter: o da competência da Receita para fazer isso, o do patriotismo dos nossos super, ultra, megarricos e a corrupção de que somos acusados hoje, nós que fazemos parte do Estado Brasileiro.

            Vamos debater, vamos discutir e vamos ver se é possível fazer no Brasil o que em outros lugares já estão fazendo diante dessa crise que atravessamos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2011 - Página 35314