Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra a absolvição, pela Câmara dos Deputados, da Deputada Jaqueline Roriz. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Protesto contra a absolvição, pela Câmara dos Deputados, da Deputada Jaqueline Roriz. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2011 - Página 35707
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • CRITICA, PROTESTO, ABSOLVIÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, MANDATO PARLAMENTAR, DEPUTADO FEDERAL, DISTRITO FEDERAL (DF), ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE CIVIL, APROVAÇÃO, PROJETO, EMENDA CONSTITUCIONAL, RELAÇÃO, EXTINÇÃO, VOTO SECRETO, ERRADICAÇÃO, CORRUPÇÃO, PAIS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Paim, Presidente desta sessão, boa noite; boa noite a todos que nos assistem pela TV Senado, a todos que nos ouvem pela Rádio Senado.

            Eu queria iniciar este pronunciamento nesta noite, Senador Paulo Paim, falando sobre a medida de ontem, anunciada pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em relação ao aumento da meta de superávit primário. Iniciamos esse diálogo ainda há pouco com o Senador Lindbergh.

            Entretanto, nos chegou há pouco a informação de que a Câmara dos Deputados acabou de aprovar, por 265 votos a favor e 166 votos contra, a absolvição da Deputada Jaqueline Roriz. Anteriormente, o Conselho de Ética da Câmara havia decidido pela perda do seu mandato.

            Senador Paulo Paim, essa decisão é lamentável e vai na contramão, inclusive, dos movimentos que nós temos feito aqui, no plenário do Senado, para apoiar medidas do Governo de combate à corrupção e para constituir uma frente política de combate à corrupção que junte todas as pessoas de bem deste País.

            A Câmara dos Deputados, com essa medida, dá para nós, dá para o Brasil um péssimo exemplo, absolvendo a Deputada Jaqueline Roriz num crime que estava claro, que foi diagnosticado e visto por todos os brasileiros. Quantos brasileiros não assistiram às cenas da Deputada se locupletando de recursos públicos?

            Alguns podem dizer - e, aliás, era o argumento de alguns: “Foi anterior ao mandato, então ela não pode pagar por este pecado”. Ora, vem-me a necessidade de sugerir uma interpretação do Código de Ética da Câmara e do Senado. Os Códigos de Ética de nossas Casas, de todos os poderes da República, são os mais rigorosos Códigos de Ética, e eles pressupõem dizer o seguinte: que o Parlamentar, para exercer o mandato, necessita ter conduta ilibada.

            Foram os eleitores brasileiros - no caso específico da Deputada, os eleitores brasilienses - que foram ludibriados. Ela, como candidata, dizia ter uma conduta ilibada e as fotos e as imagens retratam que não tinha. É importante ressuscitar o latim. A palavra candidato vem do latim: aquele que é cândido, aquele que é limpo. Para ser candidato, tem de ter uma postura ilibada, tem de ser cândido, como no latim, tem de ser limpo, tem de ser puro. E não é o que os fatos, concretamente, apontam. Então, o argumento de que o fato foi anterior ao exercício do mandato não se justifica diante dos nossos Códigos de Ética Parlamentar.

            Mas o que mais nos assusta, Senador Paim, nessa decisão da Câmara de ainda há pouco, não é somente o absurdo da absolvição, é que o placar foi de 265 votos pela absolvição e 166 votos contra. Agora, eu pergunto: sabem quantos Parlamentares subiram à tribuna para defender a Deputada? Um. Sabem quantos Parlamentares foram à tribuna para pedir a cassação do mandato da Deputada? Cinco. Vejam que a expressão pública na tribuna não dialogou com o resultado dos votos, ainda há pouco, na cassação do mandato da Deputada Jaqueline Roriz, na Câmara dos Deputados.

            Isso acontece, Senador Paim, porque ainda prevalece no ordenamento constitucional brasileiro uma figura que, no meu entender, é um incentivo à prática ilícita do mandato parlamentar, que é a figura do voto secreto. V. Exª tem um projeto de emenda constitucional que me parece que tramita, há alguns anos, que dorme, há alguns anos, nas gavetas do Congresso Nacional, seja do Senado, seja da Câmara. É um projeto fundamental de autoria de V. Exª e de outros Senadores. É o projeto que propõe o fim do voto secreto. Nada mais justo e adequado.

            É importante remontarmos de onde vem o voto secreto. A origem do voto secreto está na origem do Parlamento, na Revolução Gloriosa inglesa, em 1688.

            Mas qual era a ideia do parlamentar, naquele instante, ter o voto secreto? Era para, por meio do voto secreto, tê-lo como prerrogativa para que ele não sofresse a coação do rei, a coação de um poder autoritário.

            Ou seja, o instituto do voto secreto vale para o Parlamento no momento em que estamos sob a égide de um governo autoritário, de uma ditadura. Não é o que me parece. Nós estamos, no Brasil, há mais de 20 anos de estabelecimento de um Estado democrático de direito, com alternância de poder, com todos os princípios de uma democracia estável. Então, nesse sentido, não há justificativa para a continuação e existência do voto secreto como instituição aqui no Brasil.

            O voto secreto, sim, para o eleitor, que nos designa para cá. O voto secreto, sim, para o eleitor, que não pode ser coagido e pressionado. Mas, para nós, Senadores, Deputados, não há justificativa de continuar existindo o voto secreto, a não ser para isto: para servir como esconderijo seguro daqueles que não têm coragem de utilizar a tribuna, que não têm coragem de expor o seu voto.

            Ora, cinco Deputados defenderam na tribuna, ainda há pouco, a cassação do mandato da Deputada. Um defendeu o contrário. Esse que defendeu o contrário, no meu entender, foi o mais honesto. Teve a coragem de revelar o seu voto, teve a coragem de dizer publicamente como iria se posicionar.

            Essa decisão da Câmara de ainda há pouco, Senador Paulo Paim, é lamentável e vai na contramão dos acontecimentos que temos visto. Não posso esquecer aquela que chamei segunda-feira cívica contra a corrupção, que nós utilizamos aqui há duas semanas - eu, o senhor, o Senador Pedro Simon, o Senador Cristovam Buarque, o Senador Pedro Taques e outros nos revezamos na tribuna do Senado -, inclusive dizendo à Presidente da República para que ela continuasse com as medidas de combate à corrupção, que ela teria no nosso apoio.

            E veja que falo isso, sou de um partido que tem uma posição política de independência, de oposição programática ao Governo da Presidente Dilma, mas subi à tribuna com os senhores para dizer isso. É necessário que as medidas iniciadas anteriormente pela Presidente tenham continuidade, tenham uma sequência lógica, não parem, não tenham sido somente fogo de palha, não tenham sido somente por conta da ocasião. Por isso, é fundamental, Senador Paim, nós continuarmos o conjunto de mobilizações que temos iniciado aqui no Senado.

            Tivemos, na semana passada, uma audiência importantíssima na Comissão de Direitos Humanos, presidida por V. Exª, reunindo diferentes entidades que têm tido sua atuação pautada pelo combate à corrupção neste País.

            Essa audiência deve ser um marco de um conjunto de outras ações que é necessário que façamos. Nós não podemos deixar, nós não podemos ficar limitados àquela segunda-feira cívica contra a corrupção. Nós temos que partir para ações concretas, e eu falo da tribuna para dizer que, se ficar somente no diálogo do Senado, das vontades de uma meia dúzia de Senadores, não teremos muito sucesso. É indispensável a mobilização da sociedade civil.

            A Proposta de Emenda à Constituição nº 50, de V. Exª, que tramita aqui continuará dormindo nas gavetas do Senado e da Câmara se não houver pressão social.

            Que esta decisão da Câmara de hoje seja o combustível... Por um lado ela é combustível à impunidade e à continuação da corrupção, ela tem de servir de outra forma. Ela tem de ser combustível para despertar a sociedade brasileira ao combate à corrupção.

            Assim como, de vez em quando, ouvimos iniciativas de todas as formas, do governo ou não, de um conjunto de medidas que são necessárias para uma área ou para outra, um pacote de medidas, às vezes, para a economia, um pacote de medidas, outras vezes, para a indústria, chegou a hora de o Brasil ter um pacote de medidas de combate à corrupção. E o maior motor - e este é o triste exemplo da Câmara ainda há pouco - para corrupção neste País é a impunidade; o maior combustível para corrupção neste País é a impunidade. Por isso, urge um conjunto de medidas, o quanto antes.

            Nós temos de resolver, no processo penal, o trâmite em relação aos crimes de corrupção. O Senador Pedro Taques falava para nós, ainda há pouco, numa reunião que tivemos, que, numa iniciativa dele propondo que o crime de corrupção seja declarado hediondo e que seja ampliada a penalidade ao crime de corrupção, contou com o apoio de mais de cem mil internautas, em menos de 48 horas, quando foi colocada na Internet essa iniciativa. Esse clima da sociedade brasileira tem que vir aqui para dentro. Por isso, é fundamental darmos passos seguintes nas lutas do combate à corrupção, mobilizando a sociedade civil, e é indispensável construirmos aqui um pacote de medidas de combate à corrupção, que passa por alterar a Constituição, para pôr fim a institutos como este do voto secreto, através da proposta de emenda constitucional de V. Exª, e que passa por alterar o Código Penal.

            O crime de corrupção no nosso Código Penal é um crime que pode ser resolvido com pena privativa de direitos. Ora, a corrupção é um dos mais hediondos dos crimes. Quem pratica corrupção não pode cumprir a pena com pagamento de cesta básica. Quem pratica corrupção tem que sofrer, primeiro, a imposição de devolver aos cofres públicos, ao Erário, o que ele roubou, aquilo de que ele se apropriou.

            Além disso, nós temos a necessidade de modificar o Código de Processo Penal para que crimes dessa natureza não durmam anos sem julgamento nas gavetas dos tribunais. Há ideias e iniciativas para isso. Há uma iniciativa simples: o Conselho Nacional de Justiça pode, por exemplo, orientar todos os Tribunais de Justiça, todos os Judiciários estaduais do País para que sejam criadas varas especializadas em crime de corrupção, para que essas varas possam, o quanto antes, julgar crimes dessa natureza e dar celeridade ao julgamento desses crimes.

            Senador Paulo Paim, eu não acredito que essa é uma causa maior e eu estou convencido de que, neste Senado, neste plenário, não estamos a clamar no deserto. Temos ao lado V. Exª, temos ao lado o Senador Pedro Simon, o Senador Pedro Taques e inúmeros outros brilhantes Senadores e Parlamentares que não podem deixar de se indignar com a sequência de fatos.

            Ora, veja: há uma média de um escândalo na República por semana. Quando o escândalo não surge do Executivo, quando não é uma denúncia em relação a algum Ministro, aí o escândalo vem do Legislativo, como é o caso da absolvição que ainda há pouco ocorreu na Câmara dos Deputados.

            Então, é fundamental, é necessário, é indispensável que a sociedade brasileira se levante, se mobilize. Nós temos a oportunidade de fazer um enfrentamento à corrupção, de inibir a prática da corrupção no Brasil, mas isso não poderá ser feito por obra de meia dúzia de parlamentares. Só poderá ser feito se a sociedade brasileira despertar para isso, tomar as ruas e instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs e tantas outras que já trouxeram a este Parlamento belíssimas vitórias, como a instituição da Lei Complementar nº 135, de 2010, que institui a “Ficha Limpa”, se mobilizarem de novo para essa batalha decisiva que temos contra esse que considero um câncer degenerativo das instituições e da sociedade brasileira. É o momento que temos para isso e nesse momento a sociedade brasileira tenha certeza de que encontrará porta-vozes disso aqui no Senado, encontrará porta-vozes dessa luta na Câmara. Mas é fundamental que a sociedade tome essa iniciativa.

            Sobre o superávit primário, eu iria me pronunciar na noite de hoje. Deixarei para fazê-lo depois. Fiquei de fato contaminado e estarrecido com a notícia que recebi ainda há pouco da Câmara e não poderia deixar de fazer referência a esse acontecimento e de solicitar - exigir é o termo mais claro -, até pelo restabelecimento do Parlamento. Se o Parlamento quer dar exemplo ao Executivo e cobrar do Executivo medidas de combate à corrupção, o Parlamento tem que dar o primeiro exemplo. Utilizo mais uma vez a célebre frase: é o exemplo que arrasta; a palavra só convence.

            Que nós votemos o quanto antes a sua proposta de emenda constitucional, Senador Paulo Paim. Aí nós daremos um bom exemplo e teremos inclusive melhores condições de cobrar dos outros Poderes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2011 - Página 35707