Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o financiamento das ações e serviços de saúde e expectativa quanto à regulamentação da Emenda 29. (como Líder)

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre o financiamento das ações e serviços de saúde e expectativa quanto à regulamentação da Emenda 29. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2011 - Página 36407
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, APLICAÇÃO, SAUDE PUBLICA, DEFESA, BUSCA, FINANCIAMENTO, TRIBUTAÇÃO, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, CIGARRO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, SEGURO OBRIGATORIO, CRIAÇÃO, IMPOSTOS, INCIDENCIA, CIDADÃO, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs Senadoras; Srs. Senadores; Srªs e Srs. espectadores da TV Senado; ouvintes da Rádio Senado, eu gostaria, hoje, de me manifestar, Sr. Presidente, sobre um tema da maior importância e que, nesses últimos dias, polarizou os debates na imprensa, inclusive os desta Casa. Refiro-me ao financiamento das ações e dos serviços de saúde.

            Temos hoje, na Câmara dos Deputados, em discussão o projeto que regulamenta a Emenda Constitucional nº 29.

            Como todos sabem, a Emenda Constitucional nº 29, aprovada em 2000, definiu um gasto mínimo, um piso de gastos para Estados, Municípios e Governo Federal para a área da saúde. Há previsão de, progressivamente, os Municípios atingirem 15% de suas receitas gastas com saúde, os Estados, 12%, e o Governo Federal obrigado a repor anualmente os recursos para a saúde a partir de uma fórmula um tanto complicada, que era a variação nominal do PIB, ou seja, o crescimento do Produto Interno Bruto no ano anterior, mais aquilo que correspondeu à inflação. Essa Emenda começou a ser aplicada. Ao longo do tempo, os Municípios passaram a executá-la de forma integral.

            O Governo Federal, desde 2003, momento em que eu tive a honra de assumir o Ministério da Saúde no primeiro governo Lula, também cumpre essa emenda. No entanto, ao longo do tempo, os Estados, por várias razões, não vêm, na maioria, cumprindo a Emenda 29.

            Por essa razão tornou-se necessário haver uma regulamentação especialmente para definir punições para o caso de não cumprimento e, ao mesmo tempo, definir claramente em que os recursos da saúde poderiam ser gastos, ou seja, o que de fato seriam ações e serviços de saúde. Isso porque, ao longo do tempo, alguns desses entes, além de não cumprirem suas responsabilidades com o gasto mínimo, faziam - e alguns ainda fazem - verdadeira maquiagem nos seus orçamentos para tentarem fazer acreditar que estão cumprindo a Emenda 29. Há exemplos de Estados, como o meu Estado, que, no governo anterior ao do Governador Eduardo Campos colocava como gastos de saúde o financiamento do hospital do hospital da Polícia Militar, o pagamento de planos de saúde dos funcionários públicos, que, na verdade, não podem ser objeto de gastos do SUS porque não são universais, não são abertos a toda a sociedade. O Governador Eduardo Campos, ao assumir o Governo, não somente retirou essas atividades da contabilização dos gastos do Estado com saúde, como também incrementou fortemente os gastos com saúde. Hoje, nós, que seríamos obrigados a gastar 12%, já estamos ultrapassando 14% das receitas com gasto em saúde.

            No entanto, persistem em alguns Estados esses gastos maquiados ou simplesmente o não atingimento daquele percentual mínimo necessário.

            Por essa razão, o Congresso Nacional vem discutindo, há algum tempo, a regulamentação da Emenda 29 e, mais do que isso, discutindo como fazer com que a União possa participar de forma mais decisiva do financiamento da saúde. Portanto, o projeto que está na Câmara dos Deputados define claramente o que são ações de serviços de saúde, obrigando, assim, que Estados e Municípios passem a cumprir de forma adequada a Emenda 29 e não atinge o Governo Federal na medida em que esse cumpre, desde 2003, a Emenda 29.

            Com o fim da vigência da CPMF, que foi objeto de decisão desse Senado Federal e que retirou da área da saúde R$ 40 bilhões anuais sem a correção que se fazia a cada ano, nós passamos a viver uma crise de subfinanciamento, de ausência de recursos para que a saúde pudesse se financiar.

            Agora, vemos juntamente com esse debate do cumprimento da regulamentação da Emenda 29, o debate sobre a necessidade ou não de novas fontes de recursos para a área da saúde.

            Pessoalmente defendo a aprovação da Emenda 29, porque, na pior das hipóteses, nós teremos algum recurso por parte de Estados e Municípios, que não cumpriam adequadamente a Emenda, ainda que tenhamos que suprimir uma emenda que lá foi apresentada e que retirava para efeito do cálculo dessa proporção das receitas estaduais aquela parte que corresponde ao Fundeb. No final das contas, se a lei for aprovada como está na Câmara é provável até que nós tenhamos queda dos recursos da saúde e não o seu incremento.

            Esse é um tema que ou a Câmara resolve ou o Senado poderá resolver posteriormente.

            Quero, aqui, focar no debate da necessidade de novas fontes.

            É obvio que uma perda que aconteceu como aquela de R$ 40 bilhões anuais, ela não pode ser suprida apenas com melhorias na gestão, com o bloqueio da existência de ralos, coisas que o Ministério da Saúde, pelo Ministro Padilha e a Presidenta Dilma, vem fazendo com bastante dedicação. Estamos melhorando a gestão, estamos fechando os ralos, estamos garantindo que haja melhoria efetiva na eficiência do Sistema Único de Saúde.

            Como disse muito bem a Presidenta Dilma, no dia de ontem, quem disser que vai resolver o problema da saúde no Brasil sem mais recursos está fazendo demagogia ou está defendendo interesses inconfessáveis.

            Por essa razão, nós temos a plena consciência de que é necessário que haja novas fontes de financiamento para a saúde.

            O Ministério da Saúde, em um estudo realizado juntamente com o Ipea, levantou algumas possibilidades. O aumento dos impostos para os cigarros eu acho que é uma boa providência, na medida em que os fumantes, cedo ou tarde, passarão a ser clientes do Sistema Único de Saúde e passarão a encher nossos ambulatórios e nossos hospitais com os gastos com doenças decorrentes do uso do cigarro.

            Da mesma forma, as bebidas alcoólicas: é justo, é correto, principalmente num país onde uma das principais causas de morte e adoecimento é exatamente pela ocorrência de acidentes de trânsito, e isso está profundamente vinculado ao uso de álcool simultaneamente ou previamente à condução de veículos. Então, elevar os impostos para as bebidas alcoólicas seria também uma fonte importante de recursos para a saúde, bem como a ideia de promover uma nova divisão proporcional entre os recursos do DPVAT, ou seja, do Seguro Obrigatório.

            Além do mais, hoje, ao ingressarmos em qualquer hospital deste País, nós vamos encontrar como maiores clientes e em um nível de gravidade enorme os usuários de motocicletas. Portanto, nada mais justo que os recursos arrecadados com o seguro obrigatório sejam exclusivamente ou majoritariamente destinados para a saúde.

            Mas, mesmo assim, Sr. Presidente, mesmo agregando essas receitas novas, que não carecem de discussão e aprovação pelo Congresso Nacional, dependem de decisões da equipe econômica do Governo e da própria Presidenta Dilma, mesmo assim os recursos não são suficientes.

            Só para que se tenha uma ideia, o Brasil é um país que, apesar de na sua Constituição estar garantido que temos um sistema universal - ou seja, todos têm direito, independentemente da sua condição social, da sua condição econômica, da sua religião e do seu gênero, enfim -, todos têm direito ao acesso ao Sistema Único de Saúde, inclusive aos tratamentos, às terapias que são de altíssimo custo. Da mesma forma, um sistema gratuito e integral. Não se pode cobrar - e é correto que não se cobre - no Sistema Único de Saúde. O que significa isso? Significa que o Estado está obrigado a garantir atenção à saúde da população desde a situação mais simples, uma unha encravada que precisa ser retirada, até o tratamento mais sofisticado, como, por exemplo, o transplante de coração.

            Portanto, sistemas como esse no mundo representam gastos públicos nunca inferiores a 70% do gasto total em saúde. Na França, na Alemanha, no Canadá, na Holanda, em vários países onde há sistemas universais, quando fazemos a conta do gasto total em saúde, ou seja, o gasto público mais os gastos das pessoas, os gastos públicos com a saúde não são menos de 70%.

            No caso do Brasil, apesar de termos, pela Constituição, um sistema universal, hoje temos um gasto público que não ultrapassa 45% do gasto total com saúde no Brasil. O que significa isso? Significa que o que a população gasta adquirindo remédio, pagando plano de saúde, fazendo consulta particular é mais do que o Estado gasta com seus recursos próprios. Então, há uma absoluta incompatibilidade entre o desenho do sistema de saúde que temos no Brasil e o que o setor público gasta.

            Por isso, não há como resolver o problema da saúde no Brasil se não houver recursos novos, se não houver algum tipo de contribuição que a sociedade faça para garantir esses recursos.

            A CPMF, talvez, não seja a melhor saída, apesar de que ela, ainda que representasse uma contribuição mínima, na medida em que permitia a fiscalização da movimentação bancária de todos os segmentos da sociedade, teria um papel importante, como o teve na elevação de arrecadação, porque deixa de existir o caixa dois, deixa de existir, por meio do sistema financeiro, a lavagem de dinheiro. E posso afirmar, com toda certeza, que os que mais combateram a CPMF não o fizeram por causa do valor do imposto, mas exatamente para que esse poder de fiscalização do Estado deixasse de existir. Era um imposto que atingia todos os setores da sociedade. Pode não ser a melhor saída, porque é verdade que o trabalhador assalariado e a classe média já pagam impostos de uma forma bastante considerável. Porém, a criação de uma contribuição ou de um imposto destinado à saúde, que os ricos paguem, que aqueles que detêm a maior parte da renda nacional paguem é algo absolutamente justo. E é isso que o Congresso Nacional, que a Câmara dos Deputados, que o Senado Federal, que o Governo Federal, que a Presidenta Dilma e que nós todos que militamos na área da saúde temos que mostrar e convencer a sociedade. Sem dinheiro não se faz saúde; com o dinheiro que nós temos, não vamos fazer; e quem deve pagar por isso devem ser as elites econômicas deste País.

            Existem inúmeras propostas. Uma CPMF, por exemplo, que só incida sobre movimentações financeiras de alto valor, altas quantias, é uma possibilidade. A possibilidade de se gravarem os lucros de aplicações financeiras de investidores internacionais aqui no Brasil, que é a proposta do Deputado Pepe Vargas. Ou seja, aqueles que hoje estão inundando o Brasil de dólares para ganhar dinheiro com a alta taxa de juros que nós pagamos seriam obrigados, no momento em que viessem se apropriar desses lucros e remetê-los para fora, a pagar um percentual para a área da saúde.

            Com isso, o somatório de recursos - a soma disso tudo, imposto, mais imposto para o cigarro, mais imposto para o álcool, DPVAT para a saúde, e a instituição de uma nova contribuição - serviria para começarmos a pensar na possibilidade de se fazer saúde como a Constituição prevê no nosso País.

            E não venha a oposição dizer aqui que simplesmente com gestão se resolve o problema, até porque, nos governos da oposição, em vez de eles estarem marchando para colocar mais recursos do seu orçamento, eles estão, na verdade, permitindo uma relação promíscua entre o setor público e o setor privado.

            É o exemplo do Estado de São Paulo: agora, o Ministério Público e a Justiça de São Paulo proibiram que os hospitais públicos de São Paulo atendessem mediante remuneração os usuários de planos de saúde. Por quê? Porque essa ideia de permitir que o SUS atenda aos usuários de planos de saúde, tendo um tratamento privilegiado, quebra o princípio da equidade, cria duas portas. Os hospitais universitários de São Paulo têm uma porta para quem é do SUS e uma porta muito mais bonita, com uma recepção muito melhor, inclusive com prioridade de atendimento, para que tem plano de saúde.

            Então, a oposição não pode vir aqui fazer o discurso de que o que o Governo Federal tem de fazer é simplesmente melhorar a gestão da saúde no Brasil. Não é, porque, se fosse verdade, eles não estariam querendo complementar o financiamento público dos hospitais paulistas com recursos dos planos de saúde, criando esse tratamento, esse atendimento discriminatório à população que utiliza exclusivamente o SUS.

            Portanto, Sr. Presidente, eu queria, nesta manhã de hoje, dizer, com todas as letras, que é natural que muita gente tenha medo de falar disso, até porque a maior derrota que nós sofremos quando a CPMF foi rejeitada aqui no Senado Federal não foi somente a perda dos R$40 bilhões por ano, foi também essa verdadeira ojeriza que há hoje em se falar em dinheiro para a saúde. Conseguiram, os grandes financistas nacionais, a mídia, a direita deste País, que não quer sistema universal de saúde para ninguém, eles conseguiram colocar na cabeça da população que a saúde não precisa de mais dinheiro e que o povo já paga muito imposto e por aí vai.

            Pois bem, Sr. Presidente, eu quero aqui fazer, às claras, a defesa de que nós temos de ter mais recursos para a saúde. Agora, quem paga essa conta? Eu defendo a ideia de que sejam os ricos deste País, até porque são os que menos pagam impostos, são os que se apropriam mais fortemente da renda nacional. E até mesmo naquilo que no Sistema Único de Saúde é para o atendimento de todos, porque os planos de saúde não oferecem todos os atendimentos de que a população necessita, eles são privilegiados. Por exemplo, há, no Brasil, uma lista das pessoas que precisam fazer um transplante, uma lista democrática, ninguém pode passar na frente do outro. É verdade isso? Não é verdade, Sr. Presidente. Por quê? Porque alguém, para receber um órgão, precisa ter os seus exames de compatibilidade prontos, realizados e disponíveis imediatamente para quando surgir o órgão. Quem faz o exame de compatibilidade mais rapidamente? Quem é só do SUS ou quem tem o plano de saúde? Quem tem o plano de saúde.

            Portanto, quem tem o plano de saúde faz rapidamente todos os exames necessários para receber um transplante de órgão. Então, quando a fila anda, quando surge um órgão para ser transplantado, quem tem os exames de compatibilidade feitos é quem vai receber aquele órgão. Então, não há, na verdade, essa equidade enquanto não tivermos recursos suficientes para bancar aquilo que a Constituição prevê para o SUS.

           Quero concluir, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, dizendo que ou o Brasil decide que quer um sistema de saúde que atenda às necessidades da sua população e que, para isso, precisamos de mais dinheiro, ou, então, vamos continuar a viver essa crise permanente de subfinanciamento do SUS no nosso País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2011 - Página 36407