Discurso durante a 157ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos 109 anos de nascimento do ex-Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK).

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 109 anos de nascimento do ex-Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK).
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2011 - Página 37052
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Senador, Anna Christina; Coronel, fico muito feliz pela sua presença, representando os pioneiros que viram nascer esta cidade; cumprimento, especialmente, o Senador Paulo Otávio, aqui presente, e a todos os demais.

            Como morador desta cidade, eu não poderia deixar de estar aqui hoje. Mas, sobretudo como brasileiro, eu não poderia deixar de estar aqui hoje, prestando esta homenagem. E eu creio que a melhor maneira de prestar esta homenagem é lembrando o que diria Juscelino hoje do que se passou desde a sua morte. O que lamentaria? Com o que se preocuparia Juscelino com o Brasil de hoje? O que proporia Juscelino para o Brasil do futuro?

            Eu creio que a gente pode dizer que ele se surpreenderia, sem dúvida alguma, por exemplo, com o grau de maturidade política da democracia brasileira. Ele ficaria surpreso. Ele, que esteve ameaçado de não tomar posse, como disse o Senador Pedro Simon há pouco, que viu um golpe, poucos anos depois, jogando-o no exílio, ficaria surpreso como o Brasil conseguiu atravessar já mais de duas décadas de uma democracia plena.

            Ele também ficaria surpreso, certamente positivamente, com a estabilidade monetária que o Brasil vive já há muitos anos. Ele passou sua vida inteira - como, aliás, muitos de nós aqui também, até que veio o Plano Real - atravessando o mundo sem uma moeda que permitisse referência de um dia para o outro nas contabilidades dos seus gastos. Essa seria uma grande surpresa dele. Ele se surpreenderia também com a moeda forte que o Brasil tem. Quem imaginaria que o Brasil teria, ao longo de tanto tempo, uma moeda estável e forte em relação às outras moedas do mundo?

            Ele se surpreenderia também, positivamente, com uma coisa inacreditável no seu tempo, que era a existência de uma economia aberta no Brasil, Senador, capaz de abrir as portas e não temer a concorrência.

            Juscelino, se estivesse vivo hoje, teria muito com que se surpreender, sem falar a surpresa, embora ele fosse um visionário, de como Brasília, que ele imaginou, ficaria tão grande em tão pouco tempo. Ele teria uma surpresa, se saísse caminhando por aí, com o prestígio que ele tem, que é crescente, em vez de diminuir, o que só acontece com os grandes personagens da história, porque, na política, é até comum a gente crescer eleitoralmente, mas cai se não for uma figura histórica da dimensão de um Juscelino.

            Há outros aspectos com que ele se surpreenderia pelas mudanças que o nosso País conseguiu, mas não vamos ficar nisso.

            Do que ele se lamentaria ao olhar ao redor, não no sentido de ele ser responsável, mas de ele não ver no Brasil o contrário? O que o incomodaria?

            Eu creio, por exemplo, comparando com seu tempo, que ele se incomodaria com a pobreza do debate de ideias que o Brasil hoje atravessa. Juscelino foi de um tempo de uma riqueza imensa de debates entre o que então se chamava de esquerda e direita, desenvolvimentistas e não desenvolvimentistas, aqueles que defendiam a agricultura e os que defendiam a indústria. Era um momento de ebulição de ideias.

            Nós não temos isso hoje. Temos quase um deserto de debates ideológicos. Isso surpreenderia muito Juscelino.

            Surpreenderia Juscelino, sobretudo, a falta de nitidez ideológica entre os partidos políticos e entre os políticos no Brasil. A maneira como cada um está aliado no outro dia com qualquer um com que antes estava disputando e brigando seria uma surpresa que eu acho Juscelino lamentaria, porque, no seu tempo, apesar de que tínhamos partidos mais ou menos parecidos, as pessoas sabiam o que elas eram. Não havia dúvida de quem estaria de um lado e de quem estaria do outro. Ninguém se perguntava em tal eleição quem vai estar aliado com quem. Isso era uma coisa natural, óbvia. Ele eu creio que lamentaria essa falta de nitidez das ideias políticas no Brasil de hoje. Claro que ele jamais imaginaria a queda do Muro de Berlim e o impacto que isso teria no Brasil. A globalização e o impacto que isso teria no Brasil. Mas, com essa outra explicação, o fato é que eu acho que provavelmente ele lamentaria que estejamos vivendo um momento sem nitidez e que tudo é possível do ponto de vista das alianças. Em consequência até disso, eu creio que ele lamentaria muito o grau de corrupção que existe hoje na política brasileira.

            Não acredito que Juscelino pudesse imaginar que o Brasil, que se democratizou, que se estabilizou, que cresceu economicamente, chegaria a este momento da sua história com as alianças espúrias e a corrupção visível que nós temos hoje na política brasileira. Eu acho que seria uma grande decepção que ele teria.

            Eu creio que ele sentiria, certamente, certo constrangimento, e aí talvez até certa autocrítica, apesar do tempo todo que já faz seu governo, pela vergonha da educação brasileira. Faz tempo que ele já desapareceu, mas a verdade é que, se no seu tempo houve algum apoio à educação, não foi o carro-chefe do seu projeto presidencial. Acho que ele agora se daria conta de que faltou isso naqueles cinquenta anos em cinco. Sobrou economia e faltou educação. Sobrou crescimento econômico e faltou avanço educacional no Brasil. Creio que ele lamentaria essa situação.

            Creio que, sem dúvida alguma, ele lamentaria a situação caótica da saúde como nós temos hoje e o aumento da desigualdade no acesso à saúde como nós temos hoje, porque, antes, a saúde podia ser pior, mas era mais igual, porque era ruim para todo mundo, porque o avanço técnico não tinha chegado na forma como nós temos hoje na saúde. E esse avanço técnico na saúde hoje torna quase impossível morrer quem tem muito dinheiro, ao passo que continua sendo difícil sobreviver quem não tem dinheiro.

            Ele certamente lamentaria, a meu ver, porque contra isto ele lutou: que o Brasil tivesse uma economia tão rica e tão dependente da agricultura e das commodities como temos hoje. O símbolo da industrialização se surpreenderia ao ver que o Brasil tem como carro-chefe um pouco a sua indústria automobilística, mas, no comércio internacional sobretudo, como há 200 anos, ainda exportamos ferro; como há 500 anos, ainda exportamos bens agrícolas, embora hoje com algum conteúdo tecnológico na produção, como é o caso da soja, com as invenções da Embrapa. Juscelino ficaria, a meu ver, pasmo de que, tanto tempo depois, o Brasil continua um País agrícola do ponto de vista do comércio internacional.

            Eu acho, para concluir as lamentações e os descontentamentos dele, que ele ficaria sobretudo muito preocupado com Brasília, com o Distrito Federal. Ele ficaria surpreso com o fato de que, ao redor do Distrito Federal, temos hoje uma população que equivale a quase metade da população do Distrito Federal, e crescendo num ritmo maior, de tal maneira que, não demorará muito, quando aqui outros, talvez, ou até nós próprios viermos prestar outra homenagem a Juscelino, a população do entorno estará maior do que a população do Distrito Federal. E ele deveria ficar muito preocupado, porque não há futuro nessa vida no Distrito Federal se não for capaz de incorporar o entorno nos benefícios que temos aqui dentro. Creio que ele traria uma proposta nova de como conduzirmos uma espécie de reinauguração de Brasília, para incorporarmos o entorno dentro daquilo que temos aqui dentro de vantagens.

            E aí vou avançar no terceiro ponto. O que Juscelino proporia? Do ponto de vista do Distrito Federal, da cidade que ele inventou, da cidade que ele criou e da cidade que é ameaçada hoje, creio que ele teria que pensar, por exemplo, em como fazermos esta cidade menos dependente do transporte privado. Juscelino ficaria pasmo com os engarrafamentos que temos em Brasília. Ele ficaria pasmo com a incapacidade, quase impossibilidade de estacionarmos automóveis, em alguns momentos, em alguns lugares aonde vamos. Ele certamente iria cobrar, procurar e propor uma maneira em que o transporte público fosse mais eficiente do que o transporte privado, que fará a vida, em breve, impossível no Distrito Federal, do ponto de vista do uso do tempo de cada um.

            Ele traria, sim, uma proposta para que nós trabalhássemos o entorno como parte de um projeto único com o Distrito Federal, de tal maneira que essa metrópole ampliada do Distrito Federal e mais as cidades ao redor fossem de tal forma coordenadas que pudéssemos dizer que o entorno seria a solução para o Distrito Federal, e não um problema.

            Outros dois pontos a que vou limitar-me das propostas dele, coerentes, que eu acho, ao analisar com a sua história, diz respeito ao futuro do desenvolvimento econômico no Brasil. Não tenho dúvida de que Juscelino hoje seria o presidente da economia do conhecimento, não mais a economia da produção, baseada no capital material.

            O que Juscelino fez ao transformar este País de uma agricultura e um mundo rural em um país urbano e industrial, esse Juscelino hoje iria trazer-nos o caminho para fazer com que o Brasil fosse uma fonte fundamental da produção dos bens de alta tecnologia.

            Juscelino traria a competitividade da inventividade contra a competitividade da baixa de custo, que caracterizou a economia ao longo da primeira e mesmo da segunda metade de todo o século XX, em que uma empresa, para ser competitiva, Senadora Ana Amélia, tinha de demitir muita gente em vez de inventar produtos novos.

            Juscelino seria, sim, um presidente com o estadismo de transformar o Brasil em uma economia baseada no conhecimento. Para isso - não vou alongar-me mais -, acho que Juscelino, como no seu tempo imaginou a construção e fez estradas, hoje ele seria o presidente que imaginaria a construção e faria estradas para o futuro. E o nome da estrada para o futuro é escola. A estrada leva de um lugar para o outro, mas, do presente para o futuro, quem leva é a escola.

            Juscelino hoje seria o Juscelino em que Brasília seria o nome para representar horário integral para todas as crianças deste País. Para mim, o Juscelino de hoje seria o Juscelino que, ao buscar o desenvolvimento por meio da economia do conhecimento, criaria a infraestrutura para a economia do conhecimento. Não mais apenas hidrelétrica, não mais apenas estrada, não mais apenas portos, mas sobretudo escola e educação de qualidade para todos.

            E Juscelino, apesar de ter ficado conhecido como o presidente da produção, da indústria, da economia e menos do social, foi um sonhador dos direitos iguais, das condições iguais para todos; ele foi um sonhador, sim, de um Brasil onde a desigualdade não fosse da maneira como ainda é; e ele defenderia hoje, da mesma maneira que antes defendeu que a redução da desigualdade vem da geração de emprego, hoje ele diria que a redução da desigualdade vem da igualdade na escola. Do mesmo jeito que ele dizia que era preciso criar grandes estatais para servirem de base para o crescimento econômico com toda a economia baseada no empreendedorismo do capitalismo, ele diria: “Para ter a economia do conhecimento, esse empreendedorismo do capitalismo vai precisar de cérebros”. Juscelino, que fez com que este País produzisse automóveis, agora produziria cérebros. Não do ponto de vista, obviamente, material, biológico, mas do ponto de vista da inventividade, da criatividade, do conhecimento, do crescimento que vem da educação.

            O Juscelino de hoje veria como símbolo do progresso a federalização da educação de base para garantir horário integral em escolas iguais para todas as crianças do Brasil, independentemente da sua renda. O Juscelino de hoje, a meu ver, defenderia o filho do trabalhador na mesma escola do filho do seu patrão. E a maior parte não iria acreditar que isso é possível, até que ele conseguisse falar, convencer como ele faria. Talvez esta seja a maior falta que nós temos hoje no Brasil: de um estadista do tamanho de Juscelino, capaz de convencer o povo do que parece impossível, o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão. É um estadista que convence isso. Um poeta sonha, o intelectual formula, um político propõe, mas é o estadista que convence daquilo que parece impossível.

            Nós, Anna Christina, sentimos muita falta hoje no Brasil de um Juscelino, não por causa de estrada, hidrelétrica, construção de automóveis, produção de automóveis. Não! Um Juscelino pelo poder de convencimento, olhando o futuro. Porque nós temos hoje políticos capazes de convencer, mas olhando o presente; por isso que é político, não é estadista.

            Juscelino não foi apenas um político, foi um estadista! Não há estadista que não seja político, mas estamos cheios de políticos que nada têm de estadismo. É o político da próxima eleição, e não da próxima geração. Juscelino foi um político da geração seguinte, por isso estamos até hoje, aqui, falando dele. E, como geração seguinte, ele foi capaz de convencer do que era impossível: que este País poderia ser industrial. Para nós hoje é simples isso. Naquela época, era impossível imaginar o País industrial, porque tínhamos nascido para ser agrícolas. Era impossível imaginar um país urbano, porque este País nasceu com as capitanias hereditárias e o tempo todo viveu dessas capitanias hereditárias chamadas latifúndios. Ninguém imaginava que era possível libertar os camponeses e mandá-los para as cidades. Ele foi capaz de nos convencer disso. Eu não digo “nós” do ponto de vista individual, porque muitos de nós não tínhamos idade para isso, nem votávamos. Eu falo “nós” do ponto de vista de brasileiros, inclusive daqueles que nasceram depois até da morte dele.

            É por esse estadismo que estamos aqui hoje. É por esse estadismo que prestamos uma homenagem. É por esse estadismo de Juscelino que sentimos saudade pela falta de outros iguais a ele.

            Por isso, estamos aqui para render a ele homenagem e fazer uma cobrança aos políticos de hoje - como nós, pois eu sou um deles -, para sairmos um pouco da prisão da próxima eleição e sonharmos com a próxima geração. E, quem sabe, alguns de nós teremos competência para transformar sonhos em realidade, por meio do passe mágico que é o discurso de um grande estadista como foi Juscelino Kubitscheck.

            Era isso o que eu tinha para falar, Senador Rodrigo, agradecendo muito sua iniciativa de fazer esta sessão. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2011 - Página 37052