Discurso durante a 157ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo ao Banco Central para que divulgue a inflação sobre os produtos consumidos pelas classes mais pobres. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Apelo ao Banco Central para que divulgue a inflação sobre os produtos consumidos pelas classes mais pobres. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2011 - Página 37097
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COBRANÇA, DIVULGAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), INDICE, INFLAÇÃO, PRODUTO, CONSUMO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, QUESTIONAMENTO, FLEXIBILIDADE, POLITICA MONETARIA, NEGLIGENCIA, AUMENTO, PREÇO, VITIMA, POPULAÇÃO CARENTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Acir, quero, em primeiro lugar, agradecer-lhe por ter-me dado a chance de falar pela liderança, quando, na sua presença em sessão, quem deveria falar como Líder seria o senhor. Então, o senhor me cedeu a sua vez. Muito obrigado.

            Eu queria, em primeiro lugar, fazer um apelo ao Banco Central. O Banco Central, Senador Mozarildo, deve lançar, nos próximos dias ou semanas, o seu relatório de inflação, um relatório que já tem onze anos e que tem preenchido, Senador Eurípedes, um grande papel no entendimento, no conhecimento da realidade da economia em cada momento.

            Eu vim fazer um apelo para que no próximo, que será o 50º relatório, o Banco Central coloque o indicador que tem faltado, que é o indicador que a gente pode chamar de “inflação dos pobres”. É o indicador da inflação dos bens consumidos por aqueles que ganham até três salários mínimos, ou seja, alimentos básicos, produtos de consumo básicos, produtos de limpeza básicos.

            Por que eu faço esse apelo? Porque, em economia, nós trabalhamos com médias, e as médias em país de tanta desigualdade não refletem a realidade. A realidade para ser refletida em um país de diferenças tem que se divulgar índices relacionados com cada uma dessas classes, desses grupos.

            O que a gente observa hoje é que a inflação está, sim, assustando duplamente: ela está assustando pelo seu valor e está assustando porque não está assustando muita gente. E o maior perigo da inflação é quando ela não assusta, porque aí ela vem, vem, vem, e, quando se descobre, ela já está aí.

            Eu temo que nós estejamos caminhando para uma inflação a um nível tal que ficará difícil reverter. Não se esqueçam de que nós passamos décadas sem conseguir reverter a inflação, tentando coisas até como congelamento de preços. E não revertemos. Foi preciso a engenharia, a arquitetura do Plano Real para dar uma estancada na inflação. E isto já faz quinze anos. Voltar não é difícil.

            Eu até pensei, Senador Diniz, em trazer para cá, hoje, para mostrar aos jovens brasileiros, aquela maquininha que se usava para fazer a remarcação de preços. Era uma arma que roubava mais do que revólver - muito mais! O roubo vindo do aumento de preços, quando os salários não aumentavam, tirava muito mais dinheiro da sociedade do que os assaltos diretamente visíveis com arma. Aquele negócio de remarcação de preços é uma arma de assalto. Eu ia trazer para mostrar. Uma das boas coisas da economia brasileira nos últimos quinze anos é que muitos de nós nem sabem o que é a maquininha de remarcação de preços. Eu não a trouxe. Mas ela teria um valor simbólico aqui.

            Hoje, é muito pior. Naquela época, para se aumentar o preço de uma mercadoria, era preciso ficar apertando o gatilho para cada uma das mercadorias. Eram milhares de remarcações da maquininha. Hoje, você aperta três ou quatro botões do computador e aumenta-se o preço de tudo que você quer. Ficou muito mais fácil aumentar o preço.

            Se não cuidarmos, essa taxa que está hoje... É assustador que não estejamos todos falando disto. Nos últimos doze meses, o IPCA, o indicador de preços, Senador Ricardo, foi de 7,2%. Não nos esqueçamos de que a meta inflacionária é de 4,5%, com 2% para mais ou para menos. Então, mesmo se chegarmos aos dois para mais, seria 6,5%. Explodimos. Pode diminuir um pouco até dezembro? Pode. Há alguns efeitos sazonais, aumentos previstos por causa da época do ano? Há. Mas não vai ser fácil reduzir esse 7,2% até o fim do ano. E mais grave: vai ser muito, muito, muito difícil chegar aos 4,5% nos próximos anos. Significa que nós estamos entrando numa fase crônica de inflação, e é aquela fase crônica que fica difícil reverter.

            Mas ainda mais grave é que a inflação dos pobres tem sido maior do que a inflação média. Os pobres têm sofrido mais pelo aumento dos preços dos seus produtos simples do que os ricos dos seus produtos sofisticados.

            E essa luta não está fácil, porque nós vivemos, como eu já disse aqui algumas vezes, quando falo que a economia está bem, mas vai mal, nós temos armadilhas. A Selic, por exemplo, caiu. Com a Selic caindo, vai ajudar a dar emprego, provavelmente, porque diminui a taxa de juros, os empresários passam a pegar dinheiro para financiamento, os consumidores passam a pegar dinheiro para o consumo - embora os juros que pagam os consumidores são muitos maiores do que isso -, pode gerar uma pequena dinâmica, mas vai trazer a desvantagem de liberar um pouco o aumento dos preços.

            Mas dizem que já está muito alto, mesmo com a redução de meio ponto percentual, caiu para 12%. Só que a inflação não é apenas controlada pela taxa de juros. Ela é controlada também pela demonstração que os governos dão de como estão se preocupando com a inflação. E quando a taxa de juros cai, mesmo num limite que não pode gerar um aumento de preços, ela assusta os agentes econômicos, que pensam: “Este governo não está muito preocupado com a inflação, senão não tinha diminuído agora os juros”.

            E quando se pensa nisso se faz isso. Quando se pensa nisso, no aumento de preços, se faz isto: o aumento de preços. Porque o mercado é livre. Ninguém controla os preços. E os preços são aumentados ou reduzidos, sobretudo aumentados, porque reduzir exige uma redução no custo de produção, mas aumentar não exige nada relacionado ao custo de produção. É uma vontade dos agentes quando pensam que os outros agentes vão saber. Esse empresário não aumenta se achar que o outro vai deixar baixo, mas ele aumenta se souber que o outro vai aumentar também.

            E nós estamos passando recados como se não houvesse interesse em controlar a inflação. É por isso que, se vocês prestaram atenção, o Presidente do Banco Central, nesses últimos dias, tem ido direto à mídia. Ele tem falado na televisão, ele tem dado entrevistas, entrevistas longuíssimas, para dizer: “Olhe aí, gente, estamos querendo controlar a inflação”, para poder rebater a impressão que passa ao reduzir a taxa de juros.

            Nós estamos passando um momento extremamente perigoso, porque o sentimento que temos é o de que não haverá redução de gastos e, não havendo redução de gastos, não há como controlar a inflação. Nós estamos, por exemplo, pensando em mais uma armadilha: fazer uma coisa boníssima que é aumentar o salário mínimo. Aqui, ninguém vai ficar contra o aumento do salário mínimo, obviamente, para R$618,00, mas isso pode gerar um incentivo à inflação, porque isso vai aumentar os gastos em R$23 bilhões. Além disso, isso vai aumentar a demanda. Coisas ótimas - demanda maior e aumento de gastos para isso -, mas pode vir inflação. E. se vier inflação, é aí que faço questão de saber qual o índice do aumento de preço dos bens dos pobres, porque, se aumentar o salário mínimo de R$518,00 para R$618,00, se a inflação subir 8%, todo esse aumento do salário mínimo vai ser roubado na mesma hora. A gente dá o aumento e, com aquela maquininha de remarcação chamada hoje computador - antigamente, chamada pistola de remarcação -, a gente rouba tudinho que deu aos trabalhadores. É como se a gente desse e, ao mesmo tempo, tomasse de volta.

            Além disso, Sr. Presidente, o nosso projeto de lei orçamentária já está prevendo que o superávit vai ser menor no próximo ano que neste ano. Estamos hoje pensando em 127 e vai ser 114. A redução do superávit parece uma coisa boa. Depende de como a gente gasta isso, porque, se a gente não gastar bem, vamos passar o recado de que teremos mais dificuldade de pagar a dívida. Menos superávit, menos sobra para pagar a dívida e, aí, os juros sobem. Aí, volta tudo outra vez, Senador Ciro. É uma armadilha.

            Tenho impressão de que o grande problema é outra armadilha. Da mesma forma que eu disse que a inflação assusta e o susto é que ela não assusta tanto, temos uma armadilha, porque está tudo amarrado: quando a gente melhora aqui, reduz o gasto e piora aqui, porque reduz o crescimento; quando a gente reduz a taxa de juros, é bom, porque aumentam os investimentos, aumenta a produção, mas cria a ideia de que a inflação volta. Pois bem, existe a armadilha das armadilhas: é a maneira como a gente está vendo a economia. Eu mesmo estou vendo esse ponto, esse ponto, esse ponto.

            Quando é que a gente vai sentar aqui para analisar tudo isso junto? Para analisar tudo isso na sua complexidade? Nós precisamos disso, Senador Raupp, mas não estamos fazendo. E as mensagens que a gente recebe das autoridades públicas do Governo não passam a tranquilidade de que será possível controlar a inflação e manter o nível de emprego alto.

            Era isso, Sr. Senador, que eu tinha para falar, pedindo, mais uma vez, ao final: Por favor, Banco Central, divulgue no box que vocês fazem do IPCA qual é também o IPC-C1. Informe, junto com a taxa de inflação média de todos os brasileiros, qual é a inflação específica sobre os produtos comprados pelas classes mais pobres, porque essas poderão ser enganadas mais uma vez, como o aumento do salário mínimo, que será todinho tomado pelo aumento dos preços por falta de cuidados nossos, de sintonização cuidadosa e correta para evitar o aumento de preço.

            E aí concluo, dizendo: temo, Senador Raupp, que haja muita gente no Governo torcendo pela inflação, porque ela aumenta a arrecadação. Toda vez que sobe o preço das mercadorias aumenta o valor dos impostos, e tem gente que, apesar do curto prazo, não percebe a tragédia social que isso pode provocar.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2011 - Página 37097