Discurso durante a 157ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do projeto do novo Código Florestal, em tramitação no Senado Federal.

Autor
Anibal Diniz (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Anibal Diniz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO FLORESTAL.:
  • Análise do projeto do novo Código Florestal, em tramitação no Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2011 - Página 37106
Assunto
Outros > CODIGO FLORESTAL.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, REFORMULAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, APREENSÃO, TRECHO, POSSIBILIDADE, INCENTIVO, DESMATAMENTO, IMPORTANCIA, BUSCA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Senador Acir Gurgacz, senhores telespectadores da TV Senador, ouvintes da Rádio Senado, ocupo a tribuna hoje para refletir um pouco sobre o valor do meio ambiente e o preço do nosso desenvolvimento futuro com sustentabilidade. Esperamos aprovar no Senado, ainda neste ano, um Código Florestal que possa varrer conceitos ultrapassados por uma nova realidade e criar condições para tornar aplicáveis regras melhores para o desenvolvimento sustentável, aquele que pode atender às necessidades do presente sem comprometer o atendimento às gerações futuras.

            Na última semana houve avanços na tramitação do novo Código, com a apresentação do relatório do Senador Luiz Henrique, do PMDB de Santa Catarina, ao PLC 30/2011 na Comissão de Constituição e Justiça. Destaco aqui o esforço do nobre Senador para enfrentar os desafios dessa matéria, mas, ao mesmo tempo, acredito que é oportuno e necessário colocar aqui algumas preocupações na intenção de contribuir para a discussão do relatório na CCJ na reunião que acontecerá na quarta-feira.

            Uma das alterações promovidas pelo Senador, segundo afirmou, pretende reduzir os conflitos criados pelos termos do art. 8º da proposta aprovada na Câmara dos Deputados.

            O artigo, originado da Emenda nº 164, permite o uso das Áreas de Preservação Permanente (APPs) já ocupadas com atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural ou com atividades de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.

            Esse art. 8º, como estava redigido, havia sido claramente criticado pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ela afirmou que o texto induzia ao desmatamento e poderia levar ao fim das Áreas de Preservação Permanente (APPs), que asseguram a água, o solo e a proteção da fauna.

            Considerando a intenção de reduzir os conflitos, como disse o nobre Senador, vemos que para dar suporte às alterações do art. 8º o relatório alterou, inicialmente, a redação do art. 1º e suprimiu do texto as expressões que afirmam que a Lei disporá sobre as áreas de preservação permanente e as áreas de reserva legal e que definirá regras gerais sobre a exploração florestal. No lugar dessas expressões, o texto passa a dizer que a lei estabelece normas gerais sobre os 69 artigos do Código Florestal, dentro da limitação constitucional imposta à União.

            A intenção desse entendimento - eu questiono - seria deixar que as regulamentações sejam feitas por meio das legislações estaduais? A modificação aparece como forma de legitimar a atuação dos Estados e Municípios na elaboração de normas? O caráter de norma geral conferido ao Código Florestal torna constitucional, no entendimento do Relator, todo o texto nos pontos em que confere poderes aos Estados e Municípios, inclusive quanto à supressão da proteção às florestas.

            Para alterar o art. 8º, pelo qual, lembramos, a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente e a manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008 ocorrerão nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, o relatório apresentado na CCJ acrescenta ao art. 3º incisos XVI, XVII e XVIII e inclui as definições de unidade pública, interesse social e atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental.

            Na prática, o texto resgata parte da definição do Código Florestal vigente e acrescenta as atividades de mineração, os estádios e demais instalações de competição esportiva. Ou seja, a mineração deixa de ser uma excepcionalidade, conforme entendimento da Resolução 369/2006, do Conama, e passa a ser admitida em APP, assim como obras de grande porte, como os estádios.

            Em outro ponto que trata das atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, o relatório está baseado no conceito da Resolução nº 369, de 2006, do Conama, mas com alterações de destaque. A retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável era uma excepcionalidade para pequena propriedade ou posse rural familiar. O relatório amplia a possibilidade para todas as propriedades. O texto também amplia para as áreas rurais a redação da mesma resolução do Conama que previa a construção de moradias pelas populações extrativistas e tradicionais somente na região da Amazônia ou do Pantanal.

            Em outra alínea, o relatório retirou as restrições de plantio de espécies nativas e abriu a possibilidade para o plantio de outras espécies. Ou seja, a Resolução nº 369/2006 do Conama dispõe sobre casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental que possibilitam a intervenção ou a supressão em APPs. A preocupação que externamos aqui é de que, ao colocar na norma geral as excepcionalidades, haja uma inversão de prioridades.

            Finalmente, no art. 8º, há a inclusão de uma palavra, a palavra “nativa”, na frase “a intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente” parece limitar ainda mais a proteção em APPs.

            Por outro lado, a modificação na redação, na prática, evitaria novas supressões e intervenções para fins de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural, que ficariam limitadas às já existentes.

            O artigo também pode gerar dúvidas sobre as demais atividades ou empreendimentos que serão definidos em atos do Executivo federal, estadual ou municipal, ou seja, queremos debater, na Comissão de Constituição e Justiça, as preocupações levantadas de que parte do relatório apresentado possa resolver apenas em parte o conflito do art. 8º.

            Outra preocupação diz respeito ao art. 33, cujo §5º legitima toda forma de ocupação nas áreas rurais consolidadas, inclusive as ocupações ilegais.

            Temos agora a possibilidade de avançar na discussão desses pontos na reunião de quarta-feira.

            Nosso País, como outros países emergentes, enfrenta ainda desequilíbrios na área econômica e grandes carências sociais. Por isso, sua política ambiental, apesar de avançada em muitos pontos, na prática, ainda apresenta muitas fragilidade. Esse contexto é agravado pelo fato de que a situação de pobreza conflita, muitas vezes, com a proteção dos recursos naturais. A urgência do crescimento econômico para gerar mais renda e empregos aliada a outros fatores levam à exploração predatória da natureza, à poluição descontrolada do ar, da água e ao uso indevido do solo.

            Temos de discutir o novo Código Florestal com cuidado, como deve ser, mas não podemos perder de vista a necessidade de acelerar uma troca rápida de antigas convicções por ações mais positivas. Alguns conceitos econômicos tradicionais devem ser revistos para que possamos construir uma economia mais eficiente no uso dos recursos naturais. A questão da lucratividade em empreendimentos desfavoráveis ao meio ambiente requer uma revisão urgente do conceito de maximização do lucro, mas, para isso, temos de vencer uma resistência ainda fortemente arraigada. Temos de desmitificar a falsa incompatibilidade entre sustentabilidade e crescimento. Temos de desfazer o mito de que lucratividade e proteção ao meio ambiente não podem ser conciliáveis.

            A aprovação de um novo Código Florestal é de interesse estratégico para o Brasil e para a relação do nosso País com o resto do mundo. Nossa definição de desenvolvimento sustentável está centrada numa proposta de equilíbrio entre três aspectos igualmente importantes: a viabilidade econômica, a justiça social e a responsabilidade ambiental. Como conseguir esse equilíbrio é o desafio deste Senado e do nosso Governo.

            Para discutir o Código Florestal precisamos nos inspirar num conceito especificamente acriano que é o conceito de florestania. Florestania é a gente poder pensar no desenvolvimento, tendo em conta as dimensões ambiental, econômica, social, política, cultural e ética. Essas dimensões todas, quando levadas em consideração, permitem-nos pensar numa produção de leis que possa dar uma resposta mais positiva para as gerações futuras.

            Trago aqui a preocupação de que a defesa apenas discursiva da meta de sustentabilidade possa estar nos levando a uma excessiva degradação e até à exaustão do capital natural.

            Na última segunda-feira, dia 05 de setembro, os três professores convidados pela Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional condenaram o desenvolvimento que leva a um consumo de recursos naturais acima da capacidade do Planeta. Eles destacaram que a humanidade está à beira do abismo, pisando no acelerador, e que nenhuma causa natural, em um milhão de anos, causou tanto efeito sobre a Terra. Disseram ainda que o consumo insustentável dos recursos naturais e a escassez trarão aumento de conflitos armados. A avaliação é que o aumento das desigualdades e a diminuição do nível de emprego atestam que índices tradicionais de desenvolvimento, como o Produto Interno Bruto, nosso PIB, perderam o sentido, pois - entre aspas - “o bolo não pode nem deve crescer”. Na prática, o que se quer dizer é que há dificuldade em medir os impactos no meio ambiente por meio dos indicadores convencionais. O PIB não contabiliza a extensão em que a produção e o consumo estão exaurindo o capital natural.

            Em outro levantamento, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente afirma que, ao contrário do esperado, o que se observa hoje é que continuamos a não levar em conta, de modo satisfatório, o conceito de sustentabilidade e temos uma forte distorção na alocação de recursos.

            A agricultura, hoje, apresenta ganhos crescentes de produtividade, o que é muito bom e interessante para a economia do Brasil e para a nossa balança comercial. Nós temos que continuar preocupados em aumentar a nossa produtividade, mas sempre levando em conta a necessidade de compatibilizar esse crescimento com o respeito da nossa floresta, com o respeito ao meio ambiente.

            E não podemos deixar de levar em conta também que nós temos que estar preocupados com o nível de contaminação que pode estar sendo utilizado na nossa agricultura com o uso excessivo de produtos químicos, o que tem levado à perda de qualidade do solo e à degradação da terra.

            Temos de reverter esses desequilíbrios e derrubar esse mito de que há necessariamente um conflito de interesses entre a sustentabilidade e o crescimento, um descompasso entre lucratividade e proteção do meio ambiente.

            Analisando a degradação do meio ambiente já provocada pela exploração descontrolada, podemos abordar o tema sob duas novas premissas. A primeira é que se forem adequadamente quantificados e internalizados os custos ambientais dos empreendimentos não haverá margem para a divisão entre crescimento econômico e sustentabilidade. A segunda é que a racionalidade econômica deve exigir que a preservação dos recursos naturais seja uma condicionante do empreendimento a ser desenvolvido e não um dano a ser reparado depois. Mas é importante lembrar: não podemos tratar da mesma forma realidades distintas do País.

            O texto do Código Florestal aprovado na Câmara, por exemplo, dispensa da recomposição de reserva legal as propriedades de até quatro módulos fiscais, no entanto sabemos que os módulos fiscais têm variação em sua extensão de região para região. Um módulo pode variar de 20 ou 40 hectares em uma região para até 100 hectares, por exemplo, em outra região. No Acre, no Amazonas ou em Rondônia, por exemplo, quatro módulos fiscais podem chegar até 400 hectares, ao passo que em Santa Catarina a soma de quatro módulos fiscais talvez não chegue a 100 hectares.

            Por isso defendemos que em lugar de estabelecer o número de módulos fiscais o projeto a ser aprovado pelo Senado determine o número exato de hectares, de tal maneira que os pequenos sejam contemplados, sejam eles de Santa Catarina ou de Rondônia ou do Acre ou de qualquer outro Estado brasileiro, de tal maneira que a gente tenha o número exato de hectares para a dispensa de recomposição de reserva legal, justamente para proteger os pequenos e médios produtores.

            Em outra frente, é preciso deixar claro que a transição da economia marrom, poluída e insustentável, para a economia verde não prejudica a criação de riqueza nem as oportunidades de emprego. Ao contrário, se houver políticas de incentivo que criem as condições adequadas, os setores verdes abrirão oportunidades.

            Um exemplo disso é o Estado do Acre. Já mencionei isso na tribuna do Senado em outro pronunciamento, mas relembro os dados, que, para mim, são muito significativos. O Acre é dono de um território de 16 milhões de hectares, dos quais 87% são formados por florestas primárias. Ou seja, o Acre possui 13.920 mil hectares de florestas primárias.

            A floresta acreana detém, em média, cem toneladas de CO2, dióxido de carbono, por hectare. Multiplicando a extensão da floresta por cem, temos, então, um potencial de 1.392 bilhão de toneladas de CO2 nas florestas do Acre. Esse é um negócio verde altamente lucrativo.

            Hoje, a média de valor do mercado de carbono é de US$5.00 por tonelada de CO2. Como o Acre tem 1.392 bilhão de toneladas de CO2 retidas, isso significa, se convertido em dinheiro, um estoque de US$7 bilhões ou, aproximadamente, R$ 11 bilhões. O mercado não paga pelo estoque, mas pelo quanto deixamos de desmatar.

            Os créditos de carbono ainda não têm certificação. Hoje, as reduções de emissões provenientes de projetos de redução não possuem preço de mercado regulado. O mecanismo está sendo constituído, mas ainda não está regulamentado.

            É possível que possamos vender esses créditos, mais adiante, na Bolsa de Valores. O Governador Tião Viana já teve reunião com a Bovespa e com a BM&F, no sentido de encontrar um mecanismo que converta esses valores em benefícios que possam resultar em investimento em benefício da população.

            O tema ambiental continuará em alta também fora do Congresso. A Conferência Rio+20, que será realizada em 2012, para avaliar os resultados alcançados nos vinte anos, desde a Rio-92, terá como objetivo a renovação do compromisso geral com o desenvolvimento sustentável com dois focos:

            1. A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e

            2. A governança internacional para o desenvolvimento sustentável.

            A viabilidade de transição para uma economia verde está ligada à possibilidade de proporcionar os incentivos corretos aos agentes econômicos.

            Intervenções positivas, por meio de política fiscal, a mudança nos subsídios nocivos, a fiscalização, os investimentos públicos, a regulamentação e o incentivo à inovação são fundamentais para corrigir os preços dos recursos e prevenir a escassez futura.

            Em geral, o processo de transição não ocorrerá voluntariamente, até porque vários ramos da indústria são intensivos em capital e baseados na longa vida das instalações produtivas.

            No entanto, os investimentos em melhora da eficiência devem levar a maiores lucros e redução da pressão sobre o meio ambiente. Existem oportunidades de ganho pela indústria ao buscar maior eficiência no uso dos recursos e ganhos de produtividade, gerando mais produto com menos insumo.

            Uma atividade muito bem sucedida no País, por exemplo, é a reciclagem de materiais, que apresenta níveis de recuperação iguais ou até superiores ao dos países desenvolvidos. No Brasil, segundo o relatório das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 95% das latas de alumínio e 55% das garrafas de polietileno são recicladas, assim como metade do vidro e do papel descartado. Essa atividade gera um valor de aproximadamente US$ 2 bilhões e evita dez milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa.

(A Presidência faz soar a campainha)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Além disso, Sr. Presidente, com a participação do setor público e do setor privado, a reciclagem no Brasil já ocupa em torno de 500 mil pessoas. Entretanto, ainda há pouca consciência da nossa população sobre a relação existente entre todas as atividades humanas e o meio ambiente.

            Nossos esforços aqui no Senado e na sociedade devem convergir para sensibilizar as pessoas sobre os problemas do meio e do desenvolvimento, fazê-las participar das soluções e fomentar o senso de responsabilidade pessoal em relação a um desenvolvimento sustentável.

            Podemos pensar em avançar também na defesa da educação para a promoção da sustentabilidade. Entendemos que somente os indivíduos que dispõem de informações adequadas são capazes de exigir a efetivação do direito de um Planeta com crescimento econômico aliado à responsabilidade ambiental e justiça social. Indivíduos instruídos podem, na qualidade de consumidores, auxiliar na modificação dos atuais padrões insustentáveis de produção e consumo.

            De acordo com a Agenda 21, o ensino, inclusive o formal, a consciência pública e o treinamento devem ser reconhecidos como processos pelos quais as pessoas e a sociedade podem ampliar a sua consciência ambiental e ética, seus valores e suas tomadas de decisão.

            Defendemos um novo olhar para a sustentabilidade. Nosso anseio é por decisões que permitam o desenvolvimento pleno do nosso País por decisões que extrapolem os limites da questão política, da questão agrícola e da questão ambiental.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que me leva a fazer esse apelo no sentido de que nós reflitamos com a máxima profundidade possível na Comissão de Constituição e Justiça e também na Comissão de Meio Ambiente, na Comissão de Agricultura, para que a gente possa produzir o melhor em termos de proteção das futuras gerações nessa definição do nosso Código Florestal, porque dessa maneira a gente vai construir País sustentável, como queremos todos os brasileiros e como quer a nossa Presidenta Dilma, que está muito preocupada com a lei que ela vai ter que sancionar tão logo a gente tenha a sua aprovação aqui no Senado.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Gostaria de pedir que V. Exª pedisse a publicação na íntegra desse pronunciamento.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA INTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ANIBAL DINIZ.

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           O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna hoje para refletir um pouco sobre o valor do meio ambiente e o preço do nosso desenvolvimento futuro com sustentabilidade. Esperamos aprovar, no Senado, ainda este ano, um novo Código Florestal que possa varrer conceitos ultrapassados por uma nova realidade e criar condições para tornar aplicáveis regras melhores para o desenvolvimento sustentável - aquele que pode atender às necessidades do presente sem comprometer o atendimento às gerações futuras.

           Na última semana houve avanços na tramitação do novo código, com a apresentação do relatório do senador Luiz Henrique, do PMDB de SC, ao PLC 30/2011 na Comissão de Constituição e Justiça.

           Destaco aqui o esforço do nobre Senador ao enfrentar os desafios dessa matéria, mas, as mesmo tempo, acreditamos que é oportuno e necessário colocar aqui algumas preocupações, na intenção de contribuir para a discussão do relatório na CCJ nesta quarta-feira.

           Uma das alterações promovidas pelo Senador, segundo afirmou, pretende reduzir os conflitos criados pelos termos do artigo 8° da proposta

aprovada na Câmara dos Deputados. O artigo,originado da emenda 164, permite o uso das Areas de Preservação Permanente (APPs) já ocupadas com atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural ou com atividades de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Esse artigo 8, como estava redigido, havia sido claramente criticado pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ela afirmou que o texto induzia ao, desmatamento e poderia levar ao fim das Areas de Preservação Permanentes, que asseguram a água, o solo, e a proteção da fauna.

           Considerando a intenção de reduzir os conflitos, como disse o nobre senador, vemos que para dar suporte às alterações do artigo 8, o relatório alterou inicialmente a redação do artigo 1 e suprimiu do texto as expressões que afirmam que a lei disporá sobre as áreas de preservação permanente e as áreas de reserva e que definirá regras gerais sobre a exploração florestal. No lugar dessas expressões, o texto passa a dizer que a lei estabelece normas gerais sobre os 69 artigos do Código Florestal, dentro da limitação constitucional imposta à União.

           A intenção desse entendimento, eu questiono, seria deixar que as regulamentações sejam feitas por meio das legislações estaduais? A modificação aparece como forma de legitimar a atuação dos Estados e municípios na elaboração de normas? O caráter de "norma geral" conferida ao Código Florestal torna constitucional - no entendimento do relator - todo o texto nos pontos em que confere poderes aos Estados e Municípios, inclusive quanto à supressão da proteção às florestas.

           Para alterar o artigo 8°, pelo qual, lembramos, a intervenção ou supressão de vegetação em Area de Preservação Permanente e a manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008 ocorrerão nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, o relatório apresentado na CC] acrescenta ao artigo 3° incisos (XVI, XVII e XVIII) e inclui as definições de Utilidade Pública, Interesse Social e atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental.

           Na prática, o texto resgata parte da definição do Código Florestal vigente e acrescenta as atividades de mineração e os estádios e demais instalações de competição esportiva. Ou seja, a mineração deixa de ser uma excepcionalidade, conforme entendimento do CONAMA 369/2006, e passa a ser admitida em APP, assim como obras de grande porte como os estádios.

           Em outro ponto, que trata das atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental o relatório está baseado no conceito da resoluçao Conama, mas com alterações de destaque.

           A retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestaI sustentável era uma excepcionalidade para a pequeuena propriedade ou posse rural familiar. O relatório amplia a possibilidade para todas as propriedades. O texto também amplia para as áreas rurais a redação da mesma resolução do Conama que previa a construção de moradias pelas populações extrativistas e tradicionais somente na região da Amazônia ou do Pantanal.

           Em outra alínea, o relatório retirou a restrições de plantio de espécies nativas e abriu a possibilidade para o plantio de outras espécies.

           Ou seja, a Resolução 369, de 2006, do Conama dispõe sobre casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental que possibilitam a intervenção ou supressão em APPs. A preocupação que externamos aqui é de que, ao colocar na norma geral as excepcionalidades. há uma inversão de prioridades.

           Finalmente, no artigo 8º; a inclusão de uma palavra, a palavra nativa na frase "A intervenção ou supressão, de vegetação em Area de Preservação Permanente" parece limitar ainda mais a proteção em APPs. Por outro lado, a modificação na redação, na prática, evitaria novas supressões ou intervenções para fins de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural, que ficariam limitadas às já existentes. O artigo também pode gerar dúvidas sobre se as demais atividades ou empreendimentos serão definidos em atos do Executivo federal, estadual ou municipal. Ou seja, queremos debater na CCJ as preocupações levantadas de que parte do relatório apresentado possa resolver apenas em parte o conflito do artigo.

           Outra preocupação diz respeito ao artigo 33, cujo § 5° "legitima" toda forma de ocupação nas áreas rurais consolidadas, inclusive ilegais.

           Temos agora a possibilidade de avançar na discussão desses pontos na reunião de quarta-feira.

           Nosso país, como outros países emergentes, enfrenta ainda desequilíbrios na área econômica e grandes carências sociais. Por isso, sua política ambiental, apesar de avançada em muitos pontos, na prática apresentam muitas fragilidades.

           Esse contexto é agravado pelo fato de que a situação de pobreza conflita muitas vezes com a proteção dos recursos naturais. A urgência do crescimento econômico para gerar mais renda e empregos, aliada a outros fatores, levam à exploração predatória da natureza, à poluição descontrolada do ar e da água e ao uso indevido do solo.

           Temos de discutir o novo Código Florestal com cuidado, como deve ser, mas não podemos perder de vista a necessidade de acelerar uma troca rápida de antigas convicções por ações mais positivas.

           Alguns conceitos econômicos tradicionais devem ser revistos para que possamos construir uma economia mais eficiente no uso dos recursos naturais.

           A questão da lucratividade em empreendimentos desfavoráveis ao meio ambiente requer uma revisão urgente do conceito de maximização do lucro.

           Mas, para isso, temos de vencer uma resistência fortemente arraigada, temos de desmistificar a falsa incompatibilidade entre sustentabilidade e crescimento,desfazer o mito de que lucratividade e proteção ao meio amblente não podem ser conciliáveis.

           A aprovação de um novo Código Florestal é de interesse estratégico para o Brasil e para a relação do nosso país com o resto do mundo. Nossa definição de desenvolvimento sustentável está centrada numa proposta de equilíbrio entre três aspectos igualmente importantes: a viabilidade econômica, a justiça social e a responsabilidade ambiental. Como conseguir esse equilíbrio é o  desafio deste Senado e do nosso governo.

           Para discutir o Código Florestal precisamos nos inspirar na florestania.Trago aqui a preocupação de que a defesa apenas discursiva da meta de sustentabilidade possa estar nos levando a uma excessiva degradação e até à exaustão do capital natural.

           Na última segunda-feira, dia 5, os três professores convidados pela Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, condenaram o desenvolvimentismo que leva a um consumo de recursos naturais acima da capacidade do planeta.

           Eles destacaram que a humanidade está à beira do abismo, pisando no acelerador, e que nenhuma causa natural em um milhão de anos causou tanto efeito sobre a Terra.

           Disseram ainda que o consumo insustentável dos recursos naturais e a escassez trarão aumento de conflitos armados. A avaliação é que o aumento das desigualdades e a diminuição do nível de emprego atestam que índices tradicionais de desenvolvimento, como o Produto Interno Bruto, o PIB, perderam o sentido, pois, entre aspas, "o bolo não pode nem deve crescer".

           Na prática, o que se quer dizer é que há dificuldade em medir os impactos no meio ambiente por meio dos indicadores convencionais. O PIB não contabiliza a extensão em que a produção e o consumo estão exaurindo seu capital natural.

           Em outro levantamento, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente afirma que, eo contrário do esperado, o que se observa hoje é que continuamos a não levar em conta de modo satisfatório o conceito de sustentabilídade e temos uma forte distorção na alocação de recursos.

           A agricultura hoje apresenta ganhos crescentes de produtividade, essencialmente pelo uso de fertilizantes e outros produtos químicos, mas tem levado à perda da qualidade do solo e à degradação da terra.

           Temos de reverter esses desequilíbrios e derrubar esse mito de que há necessariamente um trade-off, um conflito de interesses entre sustentabilidade e crescimento, um descompasso entre lucratividade e proteção ao meio ambiente.

           Analisando a degradação do meio ambiente já provocada pela exploração descontrolada, podemos abordar o tema sob duas novas premissas: a primeira é que, se forem adequadamente quantificados e internalizados os custos ambientais dos empreendimentos, não há margem para a divisão entre crescimento econômico e sustentabilidade.

           A segunda é que a racionalidade econômica deve exigir que a preservação dos recursos naturais seja uma condicionante do empreendimento a ser desenvolvido e não um dano a ser reparado depois.

           Mas, é importante lembrar, não podemos tratar da mesma forma realidades distintas do país.

           O texto do Código Florestal aprovado na Câmara, por exemplo, dispensa da recomposição de reserva legal as propriedades de até quatro módulos fiscais.

           No entanto, sabemos que os módulos fiscais têm variação em sua extensão de região para região. Um módulo pode variar de 20 hectares a 100 hectares, por exemplo. No Amazonas, pode chegar até 400 hectares e, em Santa Catarina, a soma dos quatro módulos não chega, talvez, a 100 hectares. Por isso, defendemos que, em lugar de estabelecer um número de módulos fiscais, o projeto a ser aprovado pelo Senado determine um número exatode hectares para a dispensa de recomosição de reserva.

           Em outra frente, é preciso deixar claro que a transição da "Economia Marrom", poluída e insustentável, para a "Economia Verde" não prejudica a criação de riqueza, nem as oportunidades de emprego. Ao contrário, se houver políticas de incentivo que criem as condições adequadas, os setores verdes abrem oportunidades.

           Um exemplo disso é o estado do Acre. Já mencionei este fato aqui, na tribuna, mas relembro os dados que servem de exemplo.

           O Acre é dono de um território de 16 milhões de hectares, dos quais 87% são formados por florestas primárias. Ou seja, o Acre possui 13 milhões e 920 mil hectares de florestas primárias.

           A floresta acreana detém, em média, 100 toneladas de CO 2, de dióxido de carbono, por hectare. Multiplicando a extensão de florestas por 100 temos então um potencial de 1 bilhão 392 milhões de toneladas de C02 nas florestas do Acre. É um negócio verde muito lucrativo.

           Hoje, a média de valor do mercado de carbono é de 5 dólares por tonelada de C02. Como o Acre tem 1 bilhão 392 milhões de toneladas de C02, isso significa, em dinheiro, um estoque de 7 bilhões de dólares, ou aproximadamente 11 bilhões de reais. Mas o mercado não paga pelo estoque, mas pelo quanto nós deixamos de desmatar.

           Os créditos de carbono ainda não têm certificação! Hoje, as reduções de emissões provenientes de projetos de redução não possuem preço de mercado regulado. O mecanismo está sendo constituído, mas ainda não está regulamentado. É possível que possamos vender esse crédito de carbono em breve na BM&F e na Bovespa.

           O tema ambiental continuará em alta também fora do Congresso. A conferência Rio+ 20 que será realizada em 2012 para avaliar os resultados alcançados nos 20 anos desde a Rio 92 terá como objetivo a renovação do compromisso geral com o desenvolvimento sustentável com dois focos. O primeiro, economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. O sequndo, a governança internacional para o desenvolvimento sustentável.

           A viabilidade de transição para uma Economia Verde está ligada à possibilidade de se proporcionar os incentivos corretos aos agentes econômicos.

           Intervenções positivas por meio da política fiscal, a mudança nos subsídios nocivos, a fiscalização, os investimentos públicos, a regulamentação e o incentivo à inovação são fundamentais para corrigir os preços dos recursos e prevenir a escassez futura.

           Em geral, o processo de transição não ocorrerá voluntariamente, até porque vários ramos da indústria são intensivos em capital e baseados na longa vida das instalações produtivas. No entanto, os investimentos em melhora da eficiência podem levar a maiores lucros e redução da pressão sobre o meio ambiente.

           Existem oportunidades de ganho pela indústria, ao buscar maior eficiência no uso dos recursos e ganhos de produtividade, gerando mais produto com menos insumo.

           Uma atividade muito bem sucedida no país, por exemplo, é a reciclagem de materiais, que apresenta níveis de recuperação iguais ou até superiores aos dos países desenvolvidos.

           No Brasil, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 95% das latas de alumínio e 55% das garrafas de polietileno são recicladas, assim como metade do vidro e do papel descartados. Essa atividade gera um valor de aproximadamente US$2 bilhões e evita 10 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa.

           Além disso, com participação pública e do setor privado, a reciclagem no Brasil ocupa em torno de 500 mil pessoas. Entretanto, ainda há pouca consciência por parte da nossa população sobre a relação existente entre todas as atividades humanas e o meio ambiente. Nossos esforços, aqui no Senado e na sociedade devem convergir para sensibilizar as pessoas sobre os problemas do meio ambiente e do desenvolvimento, fazê-Ias participar das soluções e fomentar o senso de responsabilidade pessoal em relação a um desenvolvimento sustentável.

           Podemos pensar em avançar também na defesa da educação para a promoção da sustentabilidade.

           Entendemos que somente os indivíduos que dispõem de informações adequadas são capazes de exigir a efetivação do direito de um planeta com crescimento econômico aliado à responsabilidade ambiental e justiça social.

           Indivíduos instruídos podem, na qualidade de consumidores, auxiliar na modificação dos atuais padrões insustentáveis de produção e consumo.

           De acordo com a Agenda 21, o ensino, inclusive o formal, a consciência pública e o treinamento devem ser reconhecidos como processos pelos quais as pessoas e as sociedades podem ampliar sua consciência ambiental e ética, seus valores, sua tomada de decisão.

           Defendemos um novo olhar para a sustentabilidade. Nosso anseio é por decisões que permitam o desenvolvimento pleno do país, por decisões que extrapolem os limites da questão política, da questão agrícola ou da questão ambiental.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2011 - Página 37106