Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de reduzir a taxa Selic, destacando artigos de economistas favoráveis à decisão.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexão acerca da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de reduzir a taxa Selic, destacando artigos de economistas favoráveis à decisão.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2011 - Página 37197
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, APOIO, DECISÃO, COMITE, POLITICA MONETARIA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, APRESENTAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, RELAÇÃO, PARECER, AUTORIDADE, ECONOMIA, PAIS.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Vanessa Grazziotin, quero agradecer ao Senador Pedro Simon pela possibilidade de eu usar seu tempo. Troquei com ele, de quarto para décimo oitavo.

            Conforme V. Exª anunciou, volto à tribuna para aprofundar as reflexões que fiz, no último dia 1º de setembro, sobre a decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária - Copom, do Banco Central. Na oportunidade, foi decidida a redução de meio ponto da taxa Selic após cinco incrementos seguidos, resultando, portanto, em juros, agora, de 12% ao ano.

            Essa deliberação ensejou um acalorado debate entre os analistas econômicos acerca da capacidade do Banco Central de proteger a economia brasileira contra choques externos, três anos após a quebra do banco americano Lehman Brothers e o início da longa crise em que a economia internacional mergulhou desde 2008. Como há três anos, um conjunto de economistas critica a atual estratégia do Banco Central para lidar com a crise internacional que avizinha o Brasil. Alguns avaliam que a redução da taxa de juros foi precipitada diante da possível recessão internacional e que tal decisão coloca em risco o controle inflacionário. Esses analistas recomendam uma maior cautela da autoridade monetária, analistas, muitos dos quais ligados ao mercado financeiro, mas outros também ligados aos principais meios de comunicação da imprensa escrita e da imprensa de televisão e de rádio.

            Em verdade, conforme afirmei em 1º de setembro, avalio que a decisão do Copom foi acertada.

            O Banco Central aprendeu com a crise de 2008 e deu um passo importante para defender o nível de atividade e os postos de trabalho da economia brasileira, pois as crises na Europa e nos Estados Unidos podem refletir no País de várias maneiras: com redução da importação e da exportação, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito mais restritivas, entre outros mecanismos de transmissão, que impactam negativamente o nível de atividade econômica.

            É interessante observar alguns dos articulistas de grande peso na área econômica, em especial dois artigos do ex-Ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto. No artigo “Um viva para o Copom", publicado no Valor Econômico do último dia 06, também compartilha da avaliação que tenho dos efeitos positivos que a decisão do Copom pode carrear à economia brasileira, sem desconsiderar o controle do aumento dos níveis de preço.

            Diz Delfim Netto:

Mas, afinal, o que se espera, ainda, das taxas de juros? Que controlem a inflação ou derrubem mais o crescimento? Todos os bancos centrais (mesmo os que não têm isso nos seus estatutos) olham para o nível de atividade e sabem que a política monetária tem efeitos com defasagens variáveis. Devem olhar não apenas a taxa de inflação futura, mas também para o ritmo de crescimento futuro. E devem ser realistas quanto às condições físicas objetivas que levam ao altíssimo custo social de tentar corrigir desajustes estruturais (como é o caso do ajuste qualitativo entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho), reduzindo o crescimento do PIB à custa do aumento da taxa de juros real, com o que se destrói, colateralmente, o equilíbrio fiscal.

            Segundo a Ata da última reunião do Copom, o Banco Central utilizou, basicamente, três argumentos para explicar essa decisão: a crescente deterioração do cenário internacional, o arrefecimento das tensões inflacionárias e a desaceleração da economia brasileira. Esse cenário está em harmonia com a análise de outro eminente professor e economista, Paulo Nogueira Batista Jr., atualmente Diretor-Executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, que, em seu artigo “A queda dos juros", publicado no Jornal O Globo, em 03 de setembro último, diz o seguinte:

Alguns críticos da decisão estão dizendo que o Banco Central exagerou na descrição do quadro externo. Parece bem claro, entretanto, que a piora do contexto mundial, principalmente nos Estados Unidos e na zona do euro, foi realmente abrupta; eu diria mesmo: dramática. [...]

O meu local de trabalho [enfatiza Paulo Nogueira Batista Jr.], a Diretoria do FMI, é um ponto de observação privilegiado. Posso lhe assegurar, leitor, que o clima no Fundo é de extrema preocupação, quase alarme. Teme-se que a economia dos principais países desenvolvidos possa sofrer uma crise semelhante àquela que ocorreu depois do colapso do banco Lehman Brothers em 2008.

O que não poderia acontecer de modo algum era o Banco Central repetir o seu comportamento daquela ocasião. Em 10 de setembro de 2008, a taxa básica de juros havia sido aumentada de 13% para 13,75% no Brasil. Menos de uma semana depois, no dia 15 de setembro, veio o colapso do Lehman, fato que desencadearia uma crise financeira em escala global com forte efeito recessivo na economia brasileira. [...]

Recorde-se que, naquela época, antes de sofrer o violento choque externo, a economia brasileira vinha crescendo rapidamente. Agora, ao contrário, ela se encontra em franca desaceleração, [ainda crescendo]. Mais uma razão para se antecipar aos fatos e começar a reduzir, desde logo, a estratosférica taxa de juros brasileira. Diga-se de passagem que, mesmo depois dessa redução, ela ainda é, e por larga margem, a mais alta do mundo em termos reais.

            Gostaria de aqui também assinalar a contribuição muito significativa que o Diretor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, Professor Yoshiaki Nakano, fez em artigo de hoje, no Valor Econômico.

            Diz ele:

Finalmente, a independência do Banco Central.

O Banco Central tomou a decisão de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o mercado financeiro. Os seus “porta vozes”, por meio da imprensa, falaram em quebra de “protocolo”, da “liturgia” e na subversão aos “princípios mais valiosos” do sistema de metas de inflação. Isso teria deixado o mercado “perplexo”, segundo a imprensa. Mas, afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado? Quais eram esses “princípios mais valiosos do sistema de metas de inflação” que o Banco Central teria abandonado?

De fato, o Banco Central, que não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados, materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações efetuadas pelas tesourarias.

Na véspera das reuniões do Copom, a imprensa fazia uma pesquisa informando o Banco Central qual o aumento ou redução em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas diretorias anteriores do Banco Central, sempre ocupadas por funcionários do sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A rigor, o Banco Central finalmente tornou-se independente do mercado.

Nesse protocolo ou liturgia prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos títulos públicos de longo prazo e que serve de base para a fixação das demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos financeiros à taxa diária Selic/Dl elimina o risco da variação da taxa de juros, e tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem nas suas projeções. 

Outro aspecto que merece atenção é que muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras ("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que tínhamos no Brasil era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação, a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada para os próximos seis a 12 meses.

Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos presos à inflação calendário.

Além da inflação passada de 12 meses dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso, não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento completamente diferente do nosso caso.

Por exemplo, a taxa de inflação de agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta. É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os "princípios mais valiosos" da atual regra.

Outro aspecto que chamou a atenção dos "porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para assim controlar a inflação.

O Banco Central do Brasil agiu de forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e sustentado.

            Conclui o professor Yoshiaki Nakano, meu colega ali na Fundação Getúlio Vargas que, neste artigo, demonstra a sua isenção, conhecimento e experiência, ele que, inclusive, foi Secretário da Fazenda do Governador Mário Covas.

            Ainda outro artigo muito interessante na mesma direção foi o publicado pelo O Estado de S. Paulo, em 11 de setembro, anteontem, do mestre em finanças públicas pela FGV e Consultor, que foi Secretário de Finanças da Prefeita Luiza Erundina, o querido Amir Khair.

[Diz ele que] a maior distorção na economia brasileira está nas elevadas taxas de juros Selic e nas cobradas pelos bancos. O Brasil é o paraíso da agiotagem legalizada há mais de 20 anos.

O que chama a atenção é quando o Banco Central (BC) eleva a Selic, o mercado financeiro aplaude, mas, se reduzir, não importa por qual razão, será duramente criticado com acusação de que perdeu autonomia e credibilidade.

Na realidade, ao manter a Selic elevada é que cedeu sua a autonomia e perdeu a credibilidade para seu comandante: o mercado financeiro, que vive desta distorção macroeconômica, que submete o governo e a sociedade ao pagamento de juros exorbitantes que alimentam os elevados lucros dos bancos. Mas parece que isso pode mudar.

A crise internacional vem dando sinais claros de deterioração e o Brasil tem quedas sistemáticas na taxa de crescimento. No inicio do ano, era prevista em 5% e agora caminha para 3%, com os resultados do PIB no 2º trimestre.

Aí surge o conflito entre reverter a queda da economia ou reduzir a Selic. Uns dizem que a economia não pode crescer mais de 3%, pois senão a inflação sobe e é necessário elevar ainda mais a Selic para assegurar a demanda.

O problema, [afirma Amir Khair e com ele concordo], é que a Selic não segura a demanda. O que influi sobre a demanda são as taxas de juros cobradas pelos bancos aos consumidores. Elas não têm nada a ver com a Selic, pois chegam a ser mais de dez vezes maior, como no caso do cheque especial de 188%, que é 17 (!) vezes a Selic.

Se a Selic não interfere no custo do crédito ao consumidor, influi significativamente sobre a decisão das empresas em investir, pois oferece ganhos financeiros sem risco e com liquidez imediata, ao passo que investir no negócio tem baixa liquidez e riscos. Ao inibir investimentos, freia a ampliação da oferta, criando a inflação futura.

O Banco Central usou como argumento, para baixar meio ponto na Selic entre outros, a repercussão da crise internacional sobre a atividade no País. Os que se opuseram usaram como argumento que a crise não é tão ameaçadora quanto a de 2008, com a quebra do Lehman Brothers. Ou seja, seria necessária uma nova crise da intensidade ocorrida em 2008, para o BC, justificadamente, reduzir a Selic? Sem comentários!

É bom frisar que a Selic, reduzida para 12%, descontando a inflação prevista para os próximos doze meses, atinge 6,2%, mais do que o dobro (!) do segundo colocado - a Hungria -, com 2,8%. A média para uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8%. Se caísse de 12% para 8,5%, a Selic ainda seria a mais alta do mundo.

As taxas de juros anômalas transferem recursos do Governo, no caso da Selic, e da sociedade, no caso dos juros bancários, para o sistema financeiro. Isso já deveria ter acabado há muito tempo, mas nenhum Governo enfrentou o poderio do mercado financeiro. Isso já deveria ter acabado há muito tempo, mas nenhum governo enfrentou o poderio do mercado financeiro.

O absurdo é que até agora o BC consulta-o para saber qual a expectativa da inflação e da Selic. E, mais grave, divulga-o no boletim Focus semanalmente, e a mídia normalmente informa como sendo as expectativas do “mercado”. Assim, o BC fica refém do mercado financeiro.

            Por aí vai Amir Khair.

            Na mesma linha, falaram Antônio Delfim Neto, Paulo Nogueira Batista Jr., Yoshiaki Nakano.

            Gostaria, Srª Presidente, que também o artigo de Amir Khair seja transcrito na íntegra.

            Gostaria, portanto, de concluir, reafirmando o meu apoio à Presidenta Dilma Roussef, ao Ministro da Fazenda Guido Mantega, ao Presidente Alexandre Tombini e àqueles que no Banco Central conduzem a economia brasileira na direção de ampliar as oportunidades de emprego e renda com a redução da desigualdade social na sociedade brasileira.

            Na próxima terça-feira, Srª Presidenta Ana Amélia, teremos a satisfação de ouvir, na Comissão de Assuntos Econômicos, em audiência pública, os depoimentos da Ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome e da Secretária Extraordinária do Programa ou Plano Brasil sem Miséria, a Srª Ana Fonseca.

            Convido a todos para estarmos lá em audiência, tanto da Comissão de Assuntos Econômico, quanto da de Assuntos Sociais, para conhecermos em maior profundidade o quão bem vai o Programa para erradicar a pobreza extrema em nosso País.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Finalmente a independência do BC, Yoshiaki Nakano;

- Queda de braço, Amir Khair;

- A queda dos juros, Paulo Nogueira Batista Jr.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2011 - Página 37197