Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao modelo de realização de obras públicas no Brasil, que abre brechas para a corrupção; e outros assuntos. (como Líder)

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Críticas ao modelo de realização de obras públicas no Brasil, que abre brechas para a corrupção; e outros assuntos. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2011 - Página 37216
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), INDEPENDENCIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PAIS.
  • CRITICA, MODELO, EXECUÇÃO, OBRAS, PUBLICO, BRASIL, NECESSIDADE, MELHORIA, GESTÃO, ORÇAMENTO, PAIS, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESVIO, VERBA, CORRUPÇÃO.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Paulo Paim.

            Srªs e Srs. Senadores, Senador Nery, que faz tanta falta nesta Casa, pelo espírito combatente que sempre demonstrou durante o exercício do seu mandato - é uma satisfação recebê-lo - devo prestar uma homenagem ao Tribunal de Contas da União. Creio que é uma homenagem merecida.

            Vi a análise do Tribunal de Contas da União feita em 721 processos de contas nos órgãos públicos, constatando, sobretudo, dano ao Erário e prática de ato de gestão ilegal, ilegítima ou antieconômica. Repito: dano ao Erário e prática de ato de gestão ilegal, ilegítima ou antieconômica. Esse montante corresponde a 18% das contas julgadas de forma conclusiva no segundo trimestre de 2011. Registrou-se um aumento em relação a 2010. Quase 636 processos de contas foram julgados irregulares. Portanto, de 721 processos, 636 foram julgados irregulares.

            O TCU tem que trabalhar demais e não tem quadros técnicos suficientes para atender à demanda. São tantos os processos e as irregularidades que é humanamente impossível exigir do TCU que realize o seu trabalho em todas as frentes de ação da administração pública no País.

            O Relatório de Atividades do Tribunal é uma peça irretocável, que evidencia o esmero técnico da Corte de Contas.

            Não é a primeira vez que nós destacamos a qualificação técnica do Tribunal de Contas da União. É surpreendente até verificar a forma independente com que atua e sempre com correção de procedimentos. É surpreendente porque há a indicação política. Os conselheiros do Tribunal de Contas da União são indicados politicamente e, apesar disso, possuem a respeitabilidade e o conceito de homens públicos que atuam com correção e licitude sempre.

            Eu até apresentei projeto de lei, aprovado nesta Casa e que se encontra na Câmara dos Deputados, que institui concurso público para o preenchimento dos cargos de conselheiros dos tribunais de contas do País, exatamente porque o exemplo do Tribunal de Contas da União não é perseguido nas Unidades Federativas de modo geral. Daí a necessidade de se estabelecer, como prioridade para o preenchimento dos cargos de conselheiros desses tribunais, a competência técnica, a qualificação profissional. E, certamente, o concurso público é o melhor caminho para alcançar eficiência.

            Mas volto ao objetivo deste pronunciamento. O patrono desta Casa, que ali está, Rui Barbosa, quando da criação do Tribunal de Contas, registrou com sabedoria a necessidade de sua existência. Suas palavras, à época, são mais que atuais e por isso eu as repito:

Convém levantar entre o Poder que autoriza periodicamente a despesa e o Poder que cotidianamente a executa um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura e intervindo na administração, seja não só o vigia com a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias por um veto oportuno aos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem das linhas rigorosas das leis de finanças. O Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à administração e á legislatura, que, colocado em posição autônoma com atribuições de revisão e julgamento cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional.

            Mas trago também o depoimento de alguém que governou o meu Estado. Foi Governador do Pará e comandante das Armas no Estado, em 1890,

o Sr. Inocêncio Corrêa, que foi Ministro da Fazenda nos idos de 1890 e que, em janeiro de 1893, disse: “Uma instituição que será a garantia de boa administração e o maior embaraço que poderão encontrar os governos para a prática de abusos no que diz respeito a dinheiros públicos” - portanto, uma antevisão apurada do que seria hoje o nosso Tribunal de Contas da União.

            Quero destacar também e aplaudir a ação da Juíza Louise Vilela Filgueiras Borer, que determinou a paralisação das obras no Aeroporto de Guarulhos. Por que paralisou? Por que determinou, sabiamente, a paralisação das obras? Porque não houve licitação pública para a sua realização.

            Inexplicavelmente, o Governo dispensou a licitação e ofereceu a obra a uma empresa que está sendo denunciada por favorecimento e tráfico de influência e que foi alvo de matéria jornalística que proporcionou enorme repercussão na opinião pública. Trata-se da empresa Delta Engenharia, talvez a empresa mais privilegiada durante os últimos quase nove anos de governo do PT no País.

            A paralisação da obra do Aeroporto de Guarulhos faz com que possamos trazer outra vez ao debate os privilégios que foram concedidos nesses últimos anos a essa empresa, e isto é emblemático. Essa empresa tinha porte médio entre as empresas do gênero no País e, hoje, é a sexta maior empresa empreiteira de obras públicas no Brasil. A empresa que mais recebe do Governo. O aumento - pasmem os senhores! - foi da ordem de 1.091%. Vou repetir: o aumento de recursos repassados pela União a essa empresa empreiteira de forma generosa foi de 1.091%.

            Ora, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é preciso refletir sobre isso. Isso é moral? Isso é ético? Isso é recomendável sob o ponto de vista da boa prática administrativa? Ou isso deve ser condenado?

            Nós queremos cumprimentar a Drª Louise Vilela, dizendo que o seu gesto é um gesto que vem se somar a manifestações de opinião pública que eclodiram nos últimos dias de forma significativa, especialmente no dia 7 de setembro, com a grande marcha pela corrupção realizada em Brasília.

            A impressão que nós temos é que está havendo um ressuscitar da capacidade de indignação do povo brasileiro. Aonde vamos, ouvimos o mesmo apelo; aonde chegamos, percebemos que há uma mudança de postura do cidadão brasileiro em relação àquela complacência dos últimos anos que possibilitou a banalização da corrupção. As denúncias de corrupção não encontravam repercussão exatamente porque acostumou-se o povo brasileiro com a atitude complacente dos governantes, sempre passando a mão na cabeça dos desonestos, fazendo prevalecer a impunidade, o que estimulou a corrupção, que cresceu de forma avassaladora.

            De quando em vez, ouve-se dizer que a Polícia Federal, no atual Governo, trabalha mais, que há um número maior de inquéritos. Ora, é evidente: é o reflexo do aumento da corrupção. A Polícia Federal tem que trabalhar muito mais agora, porque há fatos recorrentes de corrupção em número muito superior ao que ocorria antes.

            Aliás, esse relatório do Tribunal de Contas demonstra isto: houve um crescimento, em 2011, relativamente a 2010. Foram 636 processos julgados irregulares, de um total de 721 processos auditados pelo Tribunal de Contas da União.

            O que não pode deixar de ser debatido nesta Casa é qual é a nossa missão aqui. O que é importante para o Congresso Nacional diante desse cenário de corrupção?

            Nós aprovamos aqui a flexibilização da legislação de licitação de obra pública, especialmente tendo em vista a Copa do Mundo e as Olimpíadas - essa foi a justificativa utilizada pelo Governo. Em vez de impor rigor maior para reduzir corrupção, o que vem ocorrendo, de uns tempos até esta data, é um esforço do Governo em limitar a ação desenvolvida pelo Tribunal de Contas e, flexibilizando a legislação de licitações no País, favorecer a desonestidade. É o sonho de consumo de empreiteiros espertos a legislação que adota o Governo da República, que facilita a corrupção e favorece a desonestidade.

            Mas não é apenas a flexibilização que tem sido contestada pela oposição. Protocolamos, imediatamente após a sanção da medida provisória, uma ação direta de inconstitucionalidade. Àquela época, já tínhamos um pronunciamento do procurador-geral da República, atestando a inconstitucionalidade da matéria aprovada pelo Congresso Nacional. Ouvimos também, naquela oportunidade, manifestação do Ministro Marco Aurélio, que afirmava ser absurdamente inconstitucional a proposta do Governo aprovada pelo Legislativo, abrindo portas para a corrupção na execução de obras públicas no País.

            Agora, reforçando o pleito da oposição, na esteira daquilo que propusemos ao Supremo Tribunal Federal, o próprio procurador-geral da República, que deve ser por isto aplaudido, também impetrou ação direta de inconstitucionalidade, procurando contribuir para que se estanque esse processo de facilitação da desonestidade na realização de obras públicas no Brasil.

            O Brasil se transformou no paraíso do superfaturamento de obras. Vejam, por exemplo, na construção dos estádios de futebol, a pretexto de se agilizarem as obras, financiamentos privilegiados via dinheiro público, através do BNDES, para obras que custarão muito caro ao povo brasileiro.

            Ainda neste final de semana, tive a oportunidade de ver na televisão um estádio de futebol construído e inaugurado recentemente pela Juventus da Itália, um estádio que tem semelhança com o estádio que está sendo construído em São Paulo pelo Sport Clube Corinthians Paulista. Quanto custou esse estádio na Itália? Duzentos e setenta milhões de reais. Quanto vai custar o estádio em São Paulo do Sport Clube Corinthians Paulista, com recursos do BNDES e com isenções fiscais oferecidas, com incentivos fiscais oferecidos pela Prefeitura de São Paulo? Oitocentos e vinte milhões de reais. Portanto, a obra, na Itália, semelhante à de São Paulo, um estádio moderno, um fantástico estádio de futebol, custou menos de um terço do que custará o estádio de futebol em São Paulo. Eu cito o de São Paulo. Poderia citar o Maracanã, poderia citar qualquer dos estádios que estão sendo construídos no Brasil.

            Há, eu não tenho nenhuma dúvida disso, um superfaturamento desonesto que significa corrupção! Não é outro o termo que possa ser aplicado, a não ser que se popularize e - como o Senador Mário Couto insistia aqui há pouco - se fale em roubo mesmo, em roubo.

            Mas eu vou insistir com uma outra razão da corrupção que chega, segundo a Transparência Internacional, a um prejuízo de mais de R$70 bilhões por ano para o povo brasileiro. Há quem conteste esse valor, mas é preciso respeitar a qualificação técnica dos que avaliam corrupção no mundo e a credibilidade da Transparência Internacional, com sede na Alemanha, que aponta, sim, o prejuízo brasileiro com a corrupção superior a R$70 bilhões por ano.

            Vejam o modelo adotado para a realização de obras públicas no Brasil, sem contrato executivo, com a concessão de aditivos, de forma interminável. Em uma obra, vários aditivos são autorizados pelo Governo. E há a alegação de que é impossível conhecer com antecedência o custo final da obra. Até na obra do estádio do Corinthians se anuncia o custo final. Oitocentos e vinte milhões de reais é o que se anunciou. Eu fui governador e sei que é possível se licitar, definindo-se o valor final para a execução da obra. Hoje muito mais do que antes, porque antes a inflação engolia a receita e inviabilizava a possibilidade de previsão orçamentária. Mesmo assim, estabelecíamos parâmetros para definir o valor final de uma obra, o custo definitivo da obra. Hoje, não. Hoje não há definição de custo, não há projeto executivo, para facilitar a concessão dos aditivos, driblam a legislação, e obra que custaria R$160 milhões passa a custar mais de R$300 milhões, como o Contorno Norte de Maringá e tantas outras obras.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR) - Vou concluir, Sr. Presidente.

            Ainda agora, há poucos dias, a CGU revela que houve um desvio de R$680 milhões na Valec em algumas obras do Dnit - em apenas algumas. E todas as obras do PAC? E todas as obras do Governo? E todas as obras de todos os Ministérios? A que número alcançaríamos se houvesse uma auditoria em todas elas? Obras paradas, transposição do rio São Francisco, hidrelétricas, obras da Petrobras, obras da administração indireta. A que valor chegaríamos se pudéssemos auditar todas essas obras com correção, com qualificação técnica da auditoria, para espelhar a realidade?

            Que País é este, que vai ficar complacente diante desse assalto cotidiano ao dinheiro público? E o Congresso Nacional? Prefere ser esmagado pela opinião pública nas ruas do País? Ou mesmo condenado pelo silêncio dos que preferem ficar em casa escondendo a sua indignação?

            O que há de ser deste Congresso, que já viveu momentos históricos memoráveis e que passa por momentos deprimentes, sendo achincalhado pela opinião pública brasileira já há alguns anos? O que queremos para esta instituição, se nem mesmo a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito, que é um direito elementar da minoria, mas que tem que haver sempre o consentimento da maioria? Não há por que nos desafiarem, afirmando: “Consigam o número de assinaturas”. Mas é evidente que não temos o número de assinaturas. Numericamente, estamos enfraquecidos. Seria uma atitude de grandeza da maioria? Não! Seria respeito a um direito da minoria, consagrado jurídica e constitucionalmente, com jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal. É um direito da minoria. Mas esse direito tem sido subtraído pela maioria, que esmaga e debocha, ao afirmar: “Consigam o número, apresentem fatos determinados e obtenham o número de assinaturas”. Fatos determinados, aos borbotões; seleção de fatos determinados; número de assinaturas, não temos.

            Mas é aquilo que o povo diz: “Quem não deve não teme”. Um governo limpo não tem razões para temer comissão parlamentar de inquérito. Uma CPI não apenas condena, mas confere também atestado de boa conduta quando encontra lisura de procedimentos. Não só absolve, mas, sobretudo, enaltece quando há seriedade nos procedimentos adotados e que foram investigados rigorosamente.

            Portanto, só aqueles que querem manter debaixo do tapete a sujeira acumulada, longe dos olhos do povo, é que não desejam uma comissão parlamentar de inquérito, que valorizaria uma instituição essencial para a democracia.

            Congresso Nacional fragilizado é democracia comprometida. Instituição parlamentar debilitada é democracia combalida. É isso que queremos para o nosso País? Certamente não, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2011 - Página 37216