Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ponderações sobre o que representa para o País a quantidade de obras em andamento com vistas à Copa do Mundo de 2014; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Ponderações sobre o que representa para o País a quantidade de obras em andamento com vistas à Copa do Mundo de 2014; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2011 - Página 37810
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, QUANTIDADE, OBRAS, PREPARAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, OLIMPIADAS, NECESSIDADE, IGUALDADE, LIBERAÇÃO, RECURSOS, AREA, EDUCAÇÃO, MOTIVO, BAIXA, ATUAÇÃO, ALUNO, ENSINO MEDIO, EXAME, AMBITO NACIONAL, AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem teve oportunidade de ver o noticiário ontem e hoje deve ter ficado orgulhoso do Brasil e, ao mesmo tempo, preocupado com o Brasil, sobretudo quando a gente vincula o que viu ontem e hoje com o que a gente viu ao longo da semana. O que eu falo que nos deixa orgulhosos, sobretudo hoje de manhã, como eu vi na televisão, é a quantidade de obras que este País está fazendo, de tamanhos grandes, visando a Copa do Mundo.

            Presidente Paim, é incrível que o Brasil seja um país capaz de mobilizar tantos recursos de uma maneira tão intensa, tão competente, do ponto de vista da engenharia, para que nós tenhamos, daqui a mil dias - por isso o noticiário: faltam mil dias -, a realização desse que é maior evento esportivo, talvez não no tamanho, porque as Olimpíadas são maiores, mas do ponto de vista de mobilização humana em todo o Planeta, que é a Copa do Mundo.

            Eu fiquei orgulhoso e, ao mesmo tempo, preocupado. Preocupado porque, se a Copa é daqui a três anos, mil dias, até menos, em 2014, daqui a quinze, vinte anos, os indicadores de educação que nós temos hoje, transmitidos com base no Enem, são trágicos. E aí vem o constrangimento, eu diria até certa vergonha, de vermos que os recursos que nós temos para usar para fazer a Copa não são usados para fazer a escola. Por que é que nós todos ficamos até ufanistas, com alegria, mobilizados para realizar esses mil dias que faltam para a Copa e não gastamos tempo necessário para analisarmos os cinco, dez, Senador João Durval, quinze, vinte anos que faltam para que a geração atual de crianças chegue à vida adulta preparada para enfrentar os novos tempos?

            Na mesma semana em que o Brasil comemora os mil dias que faltam para a Copa do Mundo e mostra a pujança deste País para construir tantos estádios gigantescos, belíssimos, a tragédia da educação apresentada pelos indicadores do Enem passa quase desapercebida. E, se se fala dele, é apenas com relação aos indicadores. Nenhuma, Senador Paim, nenhuma medida foi tomada visando corrigir isso. Não vimos a Presidenta Dilma convidar um grupo de vinte, trinta Senadores para discutir “o que é que a gente faz, por favor?” para resolver o problema da educação. Não vimos uma reunião de Ministérios, não vimos uma reunião do Conselho da República, que é um conselho previsto na Constituição para ser convocado em caso de risco que a Nação atravesse. E a Nação está em risco diante dos resultados mostrados pelo Enem. Nós não vemos mobilização para corrigir isso.

            Nós vemos festas hoje porque faltam mil dias para a Copa. Nós vemos pujança para a construção daquilo que é preciso para a Copa no mesmo momento em que sai o resultado do Enem e em que, em centenas de escolas, dezenas de milhares de professores estão em greve, com as escolas paradas.

            A gente não vê mobilização. A gente não vê afã de corrigir isso. A gente não vê um esforço para fazer com a educação brasileira o que fizemos, cinquenta anos atrás, para construir esta cidade, Brasília, ou agora fazemos para construir os estádios da Copa. E não só os estádios, e os trens que vão levar, e os aeroportos e todas as obras necessárias.

            Por que nosso País se envolve dessa forma e usa sua força, sua pujança, para realizar uma coisa ótima, fundamental, bonita, nobre e que nos entusiasma, que é a Copa do Mundo? Nós não fazemos nem isto aqui para corrigir a situação da educação das nossas crianças. Por quê? Onde foi que a formação nossa de brasileiros, povo e líderes, errou? Onde foi que nos desviamos, a ponto de dizer tudo o que é preciso para a Copa, nada do que é preciso para a escola? Onde é que nós erramos? E o grave é que não seria difícil fazer para a educação o que se está fazendo para a Copa, Senador João Durval - não em três anos, não em mil dias; em mais tempo.

            O próprio resultado do Enem permite mostrar onde está a solução. Uma solução seria dizer: “Vamos deixar todas que todas as escolas sejam privadas porque elas são boas!”. Só que isso seria a solução para uma pequena minoria de pessoas que poderiam pagar a educação de seus filhos; logo, essa não é a saída. A privatização das telecomunicações resolveu dar um telefone a cada um. A privatização da escola não resolverá porque as escolas custam caro.

            Não há educação boa barata. É preciso o povo brasileiro se convencer disso. Com menos de R$9 mil por ano para cada aluno, não há como ter uma boa educação. E as escolas particulares boas cobram R$12 mil por ano - algumas mais do que R$12 mil por ano. E os pais ainda têm de fazer atividades extras de ginástica, caratê, inglês, francês para poderem completar.

            No Brasil, um jovem, até o final da sua formação, custa mais ou menos R$250 mil de educação ao longo, digamos, de vinte anos de escolaridade, dos 4 aos 24. Isso dá um valor muito alto.

            Nós não temos como pensar em educação boa barata, mas é muito mais barato que manter na cadeia as pessoas que não tiveram alternativas na vida e caíram no crime. Aliás, é mais barato do que o que custa não ter dado educação, pela ineficiência, pelo despreparo, pela incapacidade de inventar produtos novos que cheguem à economia mundial, no lugar de continuarmos sendo produtores de bens primários ou indústria mecânica antiga. Custa muito mais caro não dar educação boa para todos que dar educação boa para todos.

            E onde está a solução? Vejam o Enem. Se a gente pega os resultados do Enem, a gente vê que, das cem melhores escolas do Brasil... São 200 mil. Então, quando a gente pega cem, é porque são as melhores, melhores, melhores mesmo. Dessas cem, nós podemos dizer que treze são públicas. Treze são públicas.

            É pouco, não é? Muito pouco. Mas o que é interessante é que, dessas treze públicas, Senador Paim, doze são federais. Está aí a solução. A solução está em colocar escolas federais, porque os municípios não têm condições, porque os Estados não têm condições, só a União tem condições. Nós não podemos continuar imaginando que vamos ter a solução para as nossas escolas a partir do município.

            Das trezentas primeiras escolas, 28 são públicas. Dessas, 27 são federais. A solução está aí. A solução está em ampliar o número de escolas federais neste País. A solução está em fazer com que todas as escolas públicas deste País sejam federais, como o Colégio Pedro II, como as escolas técnicas, como os institutos de aplicação, como os colégios militares.

            Quando a gente põe esse número aqui, a gente não está dizendo que o número delas é pequeno. São apenas trezentas escolas federais, entre algumas milhares de particulares, entre centenas de milhares, porque são 200 mil no total das nossas escolas.

            E, Sr. Presidente, isso é absolutamente necessário porque o Enem não mostra a real dimensão da tragédia educacional. Sabe por quê? Porque o Enem só mostra as notas baixíssimas dos que terminaram o ensino médio. Os que não chegaram lá nem entram na contabilidade - e são 64% dos alunos. Imagine se a gente desse nota zero a 64. A sessenta, e calculasse a média com as notas apenas de quarenta. As notas desses quarenta já são baixas, as escolas já são reprovadas. Agora, imagine se a gente colocasse cem, incluindo sessemta com nota zero. A média caía para a metade. A nota ia ser três.

            Aonde vai um país cujas notas médias das escolas estão em três, de zero a dez? Aonde vai esse país? Vai para o abismo do atraso, vai para o abismo da desigualdade. Porque nós sabemos que, no mundo de hoje, o que define um país ser avançado ou atrasado é o grau de educação de suas crianças, a qualidade das universidades que essas crianças educadas provocam e a quantidade e competência dos institutos de ciência e tecnologia que essas faculdades permitem. É esta a cadeia: escola boa para todos, alguns muitos bons nas universidades e os melhores ainda nos centros de ciência e tecnologia. O futuro vem daí. Mas não é só o futuro que está ameaçado do ponto de vista econômico. É o futuro do ponto de vista social, porque está provado que o que causa desigualdade hoje é a desigualdade educacional. A desigualdade social vem da desigualdade educacional.

            Houve um tempo em que ser rico ou pobre dependia de ter terra ou não ter terra. Quem tinha terra era rico. Quem não tinha terra era pobre. Depois, houve um tempo em que ser rico ou ser pobre dependia do capital, do dinheiro para investir em máquinas, em equipamentos. Não é mais assim. Ser rico ou ser pobre hoje depende de ter conhecimento ou não ter conhecimento.

            Há exceções obviamente. Aqui e ali tem um senhor que não estudou e que tira na loteria, mas é muito raro. Aqui e ali tem um senhor ou uma senhora que estudou, cada um deles, e teve má sorte na vida. Tem. Alguns até estudam muito e morrem antes do tempo, mas aí é o acaso. Na média, o que faz uma pessoa ter sucesso ou não ter sucesso é o grau de conhecimento que ela tem. E é isso que aproxima socialmente a sociedade.

            O berço da desigualdade está na desigualdade da escola. O berço da igualdade está na igualdade da escola. Houve um tempo até em que muitos de nós socialistas dizíamos que a igualdade vem de tomar o capital do capitalista, botar nas mãos do Estado e servir ao trabalhador. Falso! Isso não deu certo. A igualdade vem de pegar o filho do capitalista e o filho do trabalhador e botar na mesma escola. De manhã cedo, descerem no elevador do prédio onde moram a filha da patroa e a filha da empregada e irem para a mesma escola. Aí vamos ter igualdade, ou uma certa desigualdade restrita, conforme o talento, conforme a persistência, conforme a vocação, mas não conforme a herança, não conforme o acaso do nascimento, não por causa da biologia ou do DNA. A desigualdade é pelo talento, é pela persistência, é pela vocação, porque a escola é igual.

            E esse caminho da escola igual para todos, igual e de qualidade, é possível por meio da federalização da educação de base no Brasil. Não peçam aos prefeitos deste País que sejam capazes de dar uma boa escola para todas as crianças do seu município. Até existem prefeitos, e tenho visitado prefeituras que têm ótimas escolas, uma, duas, três no máximo, em sua cidade. Eles não têm fôlego para conseguir dar boas escolas para todas as crianças. Não é só fôlego de dinheiro, é fôlego de professores preparados, que eles não têm.

            Só a federalização vai fazer com que os Enem do futuro sejam, primeiro, integrados, medindo o resultado de todas as crianças, e não só de uma pequena parcela delas, que hoje está em 40%. É muito menos o número dos que fazem prova, mas eles representam 40%, porque 60% ficaram para trás no caminho. É como o vestibular, só alguns fazem o vestibular. Quatorze milhões de analfabetos não vão fazer nem o Enem. Sessenta por cento que deixaram a escola antes do ensino médio não vão fazer. O Enem é do ensino médio, não inclui a tragédia dos que não chegam lá. Nós estamos escondendo a realidade quando dizemos que o Brasil está péssimo pelo Enem. O Brasil está pior do que péssimo, quando a gente inclui o Enem e a nota zero dos que não chegaram lá. E fechamos os olhos.

            Para a Copa, toda a atenção. A Presidenta se reúne com o Ministro dos Esportes, o Ministro dos Esportes se reúne até com um cara da Fifa, e todos se mobilizam. Os governadores, hoje, dando festas porque faltam mil dias e já têm o que apresentar nos canteiros de obras.

            E alguns desses Estados que vão fazer festas por causa dos mil dias para mostrar o andamento, têm todas suas escolas em greve, não há mil dias ainda, mas caminhando para mil dias. E a gente não faz reuniões, e a Presidenta não convoca ninguém, e o Brasil não desperta para a tragédia de que temos crianças sem aulas, mas desperta porque temos, em um dos estádios, os trabalhadores fazendo um dia de advertência.

            E mais, no mesmo Estado, Minas Gerais, teve um dia de greve dos trabalhadores no estádio da Copa, e isso gerou pânico. Nesse mesmo Estado, os professores estão em greve há cem dias, e não há tragédia, não há mobilização, não há preocupação. Uma simples tolerância cansativa, no máximo, mas não indignação.

            Como é que o Estado de Minas Gerais fala para o povo brasileiro: “Faltam mil dias, estamos com a Copa quase pronta, tem um grupo de trabalhadores em greve por um dia, e isso assusta todo mundo”? E não se assusta com cem dias de greve de professores?

            Por isso, nesses cem dias, felizmente, vamos poder ter orgulho de dizer ao mundo que organizamos uma Copa. Mas vamos ter vergonha de dizer ao mundo que não organizamos a escola.

            Mais ou menos na mesma época da Copa, vai ser divulgado o Enem daquele ano. E que cara vamos ter de dizer ao mundo que o país que organiza a Copa não organiza sua escola? Passada a Copa, não fica praticamente nada dela. Se ganharmos a taça, fica a taça. Se não ganharmos a taça, ficam alguns grandes edifícios. Alguns serão elefantes brancos.

            A África do Sul está explodindo ou implodindo estádios porque o custo de mantê-los sem servir para nada não se justifica. Estão trabalhando a ideia de implodir estádios na África do Sul. Aqui, não vamos ter coragem de implodir. Vamos inventar um show um dia, outro show no outro ano, sem muito uso.

            Aqui não vamos ter coragem de implodir, vamos inventar um show num dia, outro show no outro ano, sem muito uso. Aqui ou ali um jogo de futebol, mas não terá muito uso, mas é o que vai ficar da Copa.

            Agora, se a gente investisse isso em educação, não seria uma festinha passageira de três semanas para mostrar ao mundo, seria uma festa permanente de um país com competência, com preparo, com redução da desigualdade, com a construção de uma economia do conhecimento. Mas a gente continua preferindo a festinha de três semanas, fazendo a nossa competente tarefa de construir os estádios, os caminhos, os aeroportos, os hotéis - tudo isso que vai orgulhar-nos no cenário mundial, por isso eu desejo tanto que dê tudo certo.

            Mas por que não despertamos para o resto? Vejam que chamei a educação de resto. O resto não é o resto, o resto é a Copa! Prioridade deveria ser a educação das nossas crianças. E isso é tão simples, Senador! É demorado, não é uma questão de mil dias, é uma questão de quase oito ou dez mil dias, mas daria para fazer.

            A saída, volto a insistir, é a federalização da educação de base. Se a gente fizesse com que as trezentas escolas federais no Brasil chegassem a duzentas mil, estaria resolvido o problema. Mas isso não se faz num passe de mágica. Para isso é preciso, primeiro, criar uma carreira nacional do magistério. Por que há a carreira nacional do funcionário do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, da Infraero, do Congresso, da Justiça, da Caixa Econômica, e não há uma carreira federal do professor primário e secundário? Por que há uma carreira federal do professor universitário e não há uma carreira federal dos professores da educação de base? Uma carreira nacional, em que o professor passasse a ser visto como um funcionário federal, escolhido em concurso nacional - e mandados todos para as cidades onde eles são necessários, como a gente faz com o Banco do Brasil, com o Ministério Público, com a Justiça: eles são mandados para onde eles são necessários. Mas jogá-los nas escolas de hoje é jogar dinheiro fora.

            Então, ao lado de um programa, de uma carreira nacional do magistério, é preciso criar um programa federal de qualidade escolar, que reconstrua os prédios, porque os nossos prédios são chamados de escola, mas não são escolas.

            Você, que está me ouvindo, você compraria uma geladeira numa loja cujo prédio se parecesse com a escola onde o seu filho estuda? Duvido. Agora, as crianças a gente deixa lá. A gente deixa as crianças em prédios nos quais a gente não entraria para comprar uma geladeira, uma televisão, um liquidificador, porque a gente passaria em frente e desconfiaria de que o que está ali dentro não é da melhor qualidade. As nossas crianças estudam lá.

            É preciso reconstruir esses prédios. Mas não basta prédio, é preciso equipar as escolas. Escola de quadro negro e giz é uma escola do passado.

            Hoje pela manhã apareceu na televisão, Senador Paim, a descoberta de um planeta que tem dois sóis. Um fenômeno! A gente viu aquilo na televisão, o planeta rodando e os dois sóis rodando - uma simulação obviamente. Como é que a gente ensina isso no quadro negro? Como é que a gente chega ao quadro negro, faz um pontinho de giz e diz: “Isto aqui é um planeta novo”. Aí, faz dois pontinhos e diz: “Isto aqui são os dois sóis, este gira assim e este gira assado”. Qual é o aluno que assiste a essa aula satisfeito, gente? E depois a gente diz que o aluno é violento! Os alunos brasileiros são pacíficos, porque eles aguentam o que lhes é dado - eles assistem a aulas em quadro negro e, em casa, veem na televisão. É claro que eles têm de ficar violentos, com raiva, indignados: pela incompetência como as coisas lhes são mostradas.

            Temos que ter o professor numa carreira nacional e temos que ter um programa federal que faça prédios bonitos, porque shopping Center e banco têm prédios bonitos e escola tem prédio feio. Onde é que está escrito, na Constituição e nas leis divinas, que escola tem que ser pior do que shopping center, do que banco e do que o Congresso? Por quê? Por que não podem ter prédios lindos, bonitos, agradáveis e bem equipados?

            Um desses dias eu fui a um debate num órgão da Justiça, e o funcionário que me atendeu, de um sindicato, muito orgulhoso, disse que lá, nesse órgão da Justiça, os computadores usados e velhos eram doados a escolas. Eu o parabenizei, porque em outros lugares jogariam fora, mas disse: “Me desculpe, mas eu vou ficar feliz no dia em que as escolas doarem os computadores velhos delas para a Justiça, para o Congresso e para os bancos”. Hoje é o contrário: as escolas vivem pedindo, por favor, que os computadores velhos dos órgãos públicos sejam doados para elas.

            Precisamos de um programa nacional para o magistério, de uma carreira nacional do magistério e de um programa federal de qualidade escolar, e do horário integral. Escola de quatro horas é escola do século XVIII, do século XIX, quando não era preciso estudar tanto. Hoje, tem de ser em horário integral.

            É preciso dizer que uma das grandes mentiras da educação brasileira - e são duas grandes mentiras - é dizer que temos quatro horas de aula por dia. Mentira, mentira, mentira! Em muitas escolas, as crianças vão apenas até a hora da merenda, às 11h, depois vão embora, porque as escolas viraram restaurantes mirins. Em outras, as crianças podem até ficar quatro horas, mas os professores têm um ou dois dias por semana para planejamento, para assembléias - sem falar das greves! No Brasil não chegamos a ter três horas de aula por dia, deve ser a menor média de aula por dia do mundo.

            Daí por que fiquei feliz de ter visto o Ministro descobrir isso agora, no final do seu período, porque vai ser candidato - isso já está lá desde 2003. Isso já está correndo aqui no Senado há tantos anos, esse projeto de lei de aumentar o número de horas de aula e o número de dias por ano. Não dá para ter uma boa educação com quatro horas de aula por dia e apenas 180 dias por ano - que são falsos, não chega a 180.

            Pois bem, precisamos de uma carreira nacional do magistério, de um programa federal de qualidade, de prédios e equipamentos e do horário integral. Isso, Sr. Presidente, é impossível em um ano, em dois anos, em três anos, nos mil dias que faltam para a Copa, mas é possível em vinte anos, talvez até um pouco menos.

            Como fazer isso? Criando a Carreira Nacional do Magistério, o Programa Federal de Qualidade e começar a implantá-los no Brasil. E a minha proposta é a de que não sejam implantados por escola, mas por cidade. Chega-se em uma cidade, Senador João Durval, em Vitória por exemplo, e diz-se assim: “Aqui todas as escolas serão federais”. Chega-se em outra cidade e diz-se: “Aqui todas as escolas serão federais”. E segue-se fazendo assim. Não é difícil fazer isso a um ritmo de 250 novas cidades por ano - mais do que isso não acredito. Duzentas e cinquenta cidades por ano equivalem a dez mil escolas, equivalem a três milhões de crianças, equivalem a cem mil professores. Se a gente fizer isso, em vinte anos esses cem mil professores viram duzentos mil, as dez mil escolas viram duzentas mil, as 250 cidades viram 5.564, e os três milhões de meninos e meninas, sessenta milhões. É mais do que a gente vai ter daqui a vinte anos na escola, porque há hoje, e essa é a grande chance do Brasil, uma diminuição no número de crianças - os índices demográficos indicam uma diminuição no número de filhos por família.

            Isso é possível, gente! E foi visando isso que eu entreguei ao Governo Federal, à Presidenta Dilma, por meio da Ministra Gleisi Hoffmann, uma proposta que concluiu dizendo aquilo que todos querem saber. O que todos querem saber quando a gente fala de uma boa educação? Todo mundo quer saber quanto custa.

            Ninguém quer saber quanto custa o trem-bala. Quanto custa tirar petróleo do fundo do mar debaixo do solo, ninguém quer saber. Ninguém está ligando para os setenta ou oitenta bilhões que vai custar a Copa. Quem sabe quanto custará as Olimpíadas? Ninguém pergunta quanto custa nem de onde vêm os recursos para isso.

            Pois bem, eu respondo antecipadamente. Essa revolução educacional exigiria apenas passar de 3,1% do Produto Interno Bruto, que hoje é o que se gasta com educação de base, para 6,4%, mais ou menos o dobro em vinte anos. E isso se o PIB só subir 4% ao ano, porque, se subir mais, essa percentagem diminui.

            Isso é possível, gente! Outros países já o fizeram. Mas mais do que possível, isso é absolutamente necessário. Se não fizermos, estamos fadados a uma tragédia social e econômica, a sermos um país atrasado diante dos outros e desigual dentro dele mesmo. Nós podemos fazer isso. Nós precisamos fazer isso.

            Não recebi ainda resposta da Presidente sobre isso, até porque, para fazer isso, é preciso fazer uma mudança administrativa. O Ministério da Educação tem de ser um ministério exclusivamente da educação de base. Enquanto o Ministério da Educação for da educação de base e do ensino superior, ele só cuidará do ensino superior e deixará o resto - vejam que eu falei em “resto” - para os municípios e estados, como vem fazendo.

            O orgulho do Governo Lula foi ter feito o Reuni, que aumentou o número de universidades e de escolas técnicas. Ele não tem o menor orgulho da situação em que deixou a educação de base. Não tem o direito de ter orgulho porque não conseguiu reduzir o analfabetismo de adultos nem melhorar, como deveria, a qualidade educacional. Nem ele, nem Fernando Henrique Cardoso. Foram dezessete anos perdidos!

            Melhorou muito a educação superior do ponto de vista das instalações, do número de alunos, do número de professores, mas não melhorou do ponto de vista da qualidade. Sabem por quê? Porque os alunos que entram estão despreparados.

            Educação de base chama-se educação de base porque é a base. Nunca é possível ter universidades boas com educação de base ruim. Você pode ter uma universidade boa com educação de base ruim, uma, duas, três, quatro, cinco - isso porque você pega os pouquinhos bons -, mas duzentas você não tem. Mesmo essas boas não são boas nos padrões internacionais, porque os caras bons não precisam concorrer com os outros, que são ruins demais. Então, eles relaxam, não precisam estudar muito. Este é um país em que quem fala dois idiomas é poliglota; quem sabe regra de três é matemático. Isso relaxa os bons e exclui os que não têm a chance de mostrarem que são bons também.

            Não recebi resposta, nesses dois meses e pouco, da Presidenta e do Governo Federal, até porque creio que, neste momento, é difícil pensar na ideia de mudar o Ministério da Educação, porque tem um Ministro. Mas o Ministro vai ser candidato a Prefeito de São Paulo. Talvez seja a hora de fazer isso. E as pessoas perguntam: “O que fazer com as universidades?”. Simples: por mim, criava-se um Ministério do Ensino Superior. Mas, para isso, seria preciso fechar dez ministérios que este Brasil tem hoje e dos quais não precisa, não são necessários.

            Não quero constranger o Senador Requião, não quero constranger o Senador Paim, mas sei que, se eu perguntar a eles os nomes de dez ministros, possivelmente eles não responderão. Eu não sei, e são 35 ou 36 se não me engano. A gente fechava dez e abria um, do ensino superior. Mas se não quiser fazer isso...

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Eu acerto quatro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Pronto, o Senador Requião acerta quatro. Eu não vou nem fazer sabatina para saber se eu acerto mais, porque é capaz de eu perder!

            Mas se não se quiser criar novos ministérios, que se transfira o ensino superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia, como é na maioria dos países que deram certo - fiz um levantamento. Que se transforme o atual Ministério em Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior. Funciona muito melhor essa aglutinação e obriga o Ministro da Educação a se preocupar com as crianças do Brasil; exige que não possa vir dizer que criou o ProUni e que, portanto, fez uma revolução. Ele vai ter de mostrar o que fez para melhorar os resultados do Enem, os resultados do Ideb.

            E o caminho para isso, Senador Paim, é a federalização da educação, como fizemos com as universidades, como fizemos com o Banco do Brasil, como fizemos com tantos órgãos federais que temos e que funcionam bem. Imaginem os Correios municipalizados, imaginem se o Banco do Brasil fosse o Banco do Recife ou o Banco de Salvador ou o Banco do Rio de Janeiro, sem a unidade federal. Imaginem! É assim a escola.

            Imaginem uma rua. Você entra no Banco do Brasil e, quando atravessa a rua, entra numa escola. A agência do Banco do Brasil em que a gente entrou é igual a qualquer outra agência do Banco, qualquer que seja a cidade onde moremos ou que visitemos. A escola é completamente diferente de uma cidade para outra, até mesmo dentro de cada cidade, porque, felizmente até, alguns prefeitos estão fazendo a revolução em uma, duas ou três escolas de sua cidade, colocando horário integral e melhorando as suas condições. Mas isso acontece em uma, duas, três. E as outras?

            Por que o futuro de uma criança depende da sorte de ter nascido de um pai ou de uma mãe que tem dinheiro para pagar uma boa escola? Ou de ter nascido num lugar que não tem dinheiro, mas onde aprendeu algo, faz um cursinho e entra no Colégio Pedro II? E os que não entram? Nós não podemos continuar assim, Senador Paim. Nós precisamos resolver isso ou vamos fracassar.

            E hoje foi com orgulho que eu vi inúmeras máquinas espalhadas pelo Brasil, comemorando o milésimo dia que falta para a Copa. Mas senti também muita vergonha, por saber que esse mesmo esforço não é feito para uma coisa muito mais útil, necessária, urgente mesmo, porque o Brasil está em risco. E não é o risco de não completar os estádios. Isso aí as empresas construtoras farão, vai haver dinheiro para isso. O risco é de não construir o futuro da nação depois que a Copa terminar e continuarmos aqui como um país despreparado para a economia do conhecimento, despreparado para a geração de emprego, despreparado para construir uma igualdade social, despreparado para fazer um povo unido, porque hoje somos divididos.

            Queremos vencer a Copa, fazer a Copa de futebol, mas queremos também ser campeões mundiais em educação. Muita gente deve estar rindo ao escutar eu dizer isso: é que criamos a descrença íntima quanto à possibilidade de o Brasil ser um país educado. Mesmo assim, eu venho aqui insistir, dizer que é possível, que é necessário. Disse como e disse quanto custa.

            Cadê você, eleitor? Se estiver de acordo com isso, nas próximas eleições, vote em candidatos a Prefeito e em candidatos a Vereador que pensem assim. E dois anos depois, vote em parlamentares, vote em Presidente da República, vote em Governadores que queiram fazer a Copa do Futuro. E a Copa do Futuro não é a da bola, é a do lápis e a do computador; não é a do futebol, a Copa do Futuro é a educação.

            Era isso, Sr. Presidente, que tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2011 - Página 37810