Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogio ao Ministro Aloizio Mercadante pela elaboração de programa em defesa da economia, indústria e inovação tecnológica apresentado na Comissão de Assuntos Econômicos; e outros assuntos.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Elogio ao Ministro Aloizio Mercadante pela elaboração de programa em defesa da economia, indústria e inovação tecnológica apresentado na Comissão de Assuntos Econômicos; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2011 - Página 37815
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, SITUAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, NECESSIDADE, REDUÇÃO, JUROS, FATO, POSSIBILIDADE, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paim, que preside esta nossa sessão do Senado, ocupo a tribuna para proferir rápidas palavras, mas inicio com um elogio, e não sou exatamente pródigo em elogios. O elogio que faço hoje é ao belíssimo programa de defesa da nossa economia, da nossa indústria e de inovação tecnológica apresentado na Comissão e de Assuntos Econômicos pelo Ministro Aloizio Mercadante. O caminho é exatamente o caminho indicado pelo nosso Senador Ministro. Nesse aspecto, o Governo está, sem a menor sombra de dúvida, no rumo certo.

            Eu diria, Srs. Senadores, que até me empolguei com a proposta do Ministério da Ciência e Tecnologia, correta, acertada. Que não falte a essa proposta os recursos necessários para sua implementação!

            A proposta me fez lembrar o primeiro governo da independência dos Estados Unidos da América do Norte, de George Washington, quando o Ministro da Economia de então ou da Indústria e Comércio - não sei exatamente qual a designação que teria àquela época -, Alexander Hamilton, apresenta ao Congresso o Tratado das Manufaturas, rompendo com o liberalismo econômico da Riqueza das Nações, de Adam Smith, e iniciando o que passou a ser conhecido como a nova política norte-americana. A Inglaterra queria dos Estados Unidos insumos baratos e mão de obra barata. E Alexander Hamilton, contratado das manufaturas, aposta no desenvolvimento econômico, na tecnologia, na transformação, negando, na prática, o absurdo da dependência que a visão liberal da economia impunha aos Estados Unidos.

            Acredito que o nosso Ministro Aloizio Mercadante está nesta linha, e não tenho um reparo sequer a fazer à exposição que fez na CAE; pelo contrário, faço só elogios.

            Por outro lado, Senador Cristovam e Senador Paim, nesta semana, houve uma marcha de prefeitos, mais uma marcha de prefeitos realizada em Brasília, discutindo, neste momento, a regulamentação da Emenda nº 29, da famosa emenda da saúde. Mais uma vez, há mobilização em busca de um milagre, como se a regulamentação da Emenda nº 29 fosse a panaceia universal para resolver os problemas da saúde. Certamente, não é por aí. Estamos tomando a rama pela floresta.

            O problema básico dos investimentos do Brasil hoje nos Municípios, nos Estados e na União está na rigorosa e absoluta falta de recursos. Por quê? Porque, embora a nossa arrecadação seja pesada, indo a 34%, a 35%, esses recursos, na sua extraordinária maioria, na quase totalidade, destinam-se ao pagamento dos juros da dívida interna e da dívida externa, mas, hoje, basicamente da dívida interna.

            Se examinarmos os levantamentos feitos pelo Ipea e por outros órgãos estatísticos, vamos verificar números mais ou menos assim: o spread carreou para rentistas e banqueiros R$160 bilhões, e os juros chegam a R$260 bilhões. Há uma concentração da arrecadação. A federação é sacrificada pela concentração, os impostos são altos, e mesmo a União não tem capacidade de investir, porque é absolutamente sacrificada pelo financiamento absurdo da dívida.

            O Banco Central continua dependente não do Governo, não dos interesses do País, mas de uma visão liberal e ideológica do comando dos bancos, continua dependente do interesse das grandes corporações financeiras. O imposto é concentrado, há uma arrecadação fantástica, mas nenhuma capacidade de investimento. É claro que a falta de capacidade de investimento de Estados e de Municípios decorre justamente disto também, dos juros fantásticos.

            Ontem, vi uma tabela publicada num dos jornais brasileiros: no Brasil, há 6,35% de juro real, com a taxa Selic menos a inflação; na Hungria, essa taxa é de 2,8%; no Chile, 2,3%. E há uns dez ou onze países com juros insignificantes. De quarenta países, 31 apresentam juros negativos, ou seja, estão estimulando a sua economia a se desenvolver, apostando na inovação tecnológica e no desenvolvimento. Mas nós, não! Nós estamos na mesma fórmula, na velha fórmula que quebrou os Estados Unidos da América do Norte. Estamos com um empréstimo consignado, uma espécie de subprime tupiniquim, com prazo longo e com juros altos, o que acaba sendo carreado para a compra de produtos produzidos em outros países: China, Japão, Alemanha e Estados Unidos.

            Empregos lá, endividamento aqui. O endividamento dos brasileiros já chega a 40% da sua renda, e ainda não entramos no olho do furacão da crise, porque as políticas sociais estão ainda mantendo a renda e a elevação da capacidade de consumo das classes D e E e porque estamos ainda num regime de quase pleno emprego, Senador Cristovam. Sustentados por quê? A indústria está com o crescimento praticamente paralisado, mas estamos sustentados pelas commodities, basicamente minérios e petróleo, e a isso se somam as commodities agrícolas.

            Estamos vivendo um ciclo favorável, puxado pelo consumo da China, que pode ser interrompido a qualquer momento. A China teve um crescimento extraordinário numa associação com os Estados Unidos. Empresas americanas e tecnologias norte-americanas investiram na China, aproveitando a mão de obra barata. E o mercado de consumo - extraordinário mercado de consumo -, fundamentalmente, eram os Estados Unidos da América do Norte.

            Os Estados Unidos estão em crise, em recessão, e o Presidente Obama está tentando fazer investimentos que viabilizem empregos, com uma má vontade enorme do Tea Party e do Congresso norte-americano. A economia norte-americana pode estar em novo processo recessivo. E a consequência disso será, necessariamente, a diminuição do mercado à disposição da China, o que, por via de consequência, significará também a queda do preço das commodities minerais e agrícolas e o prejuízo, o fim, talvez, ou a diminuição sensível desse ciclo de desenvolvimento da América Latina.

            Precisamos pensar na essência do problema. As mágicas aumentam a participação da educação no PIB. Regulamenta-se a Emenda nº 29. Nós estamos tomando a rama pela floresta. Temos de, nesse caso, Senador Cristovam, fazer uma intervenção radical, uma análise radical, do italiano radice: precisamos ir à raiz do problema. E a raiz do problema está no modelo econômico que privilegia os rentistas e os banqueiros, privilegia o capital em detrimento do desenvolvimento nacional.

            Longe de mim dizer que há incompetentes no Banco Central. São competentes para lidarem com o mercado e com o monetarismo, mas absolutamente incompetentes para fazerem uma análise e uma proposta de desenvolvimento industrial, de política trabalhista, de políticas nacionais que envolvam os interesses de nosso povo e de nossa gente. Eu não diria que são vendidos ao capital; eles foram dominados por ideologias que adquiriram nas escolas que frequentaram: as graduações, as pós-graduações, os mestrados e os doutorados nas universidades do exterior. E são reféns daquilo que aprenderam e da incapacidade de fazer dos conhecimentos obtidos, à moda de famosos sociólogos brasileiros, como Guerreiro Ramos, uma redução sociológica para atender aos interesses nacionais.

            Então, fica aqui a minha análise crítica às marchas e contramarchas, às ilusórias marchas dos prefeitos, cantadas em prosa e verso pela mídia nacional, para aumentar a participação da educação no PIB, para regulamentar a Emenda nº 29, para brigar pelo pré-sal, que ainda não existe. São cantadas em prosa e verso pela mídia, que atende aos interesses do capital, e não levam a nada, porque tomam a rama pela floresta, não têm o radicalismo necessário para entender o que está acontecendo no Brasil.

            Ficamos nesse festival de ilusões, nessas marchas que levam a rigorosamente nada, e, ainda, tendo de assistir à Presidenta dizendo: “Se querem regulamentar a emenda da saúde, que me digam de onde vêm os recursos”. Presidenta, os recursos vêm do juro baixo, do prazo longo e da submissão da política econômica aos interesses do Brasil.

            Senador Cristovam, com prazer, concedo-lhe um aparte.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Requião, sempre é bom escutar seus discursos sobre economia. O senhor é um dos poucos que aqui não apenas tem o conhecimento das ferramentas, mas também tem uma visão mais ampla, sem o imediatismo de se querer resolver a economia apenas com taxas de juros, apenas com pequenas medidas. Minha crítica é feita à sua retórica, quando o senhor diz que é radical. Acho que o senhor não está sendo radical. O senhor não está sendo radical, porque creio - espero que o senhor concorde comigo, e aí a gente faz uma aliança radical - que, além da taxa de juros, a gente tem de mudar algo mais na própria concepção, na estrutura, no perfil da produção da economia. Não se deve apenas mudar o perfil dos bens exportáveis, primários, mas também mudar o perfil dos bens voltados para o consumo interno. Nossos bens de hoje carros-chefe da economia, como, por exemplo, o automóvel, exigem financiamento, para que o consumidor os compre. Raríssimos brasileiros podem comprar um carro sem financiamento. Portanto, isso leva a um aumento na taxa de juros também. Falo do automóvel, mas, hoje, quase todos os bens que dinamizam a economia são bens de alto valor e exigem financiamento. Temos de mudar para bens que sejam capazes de venda sem necessidade de financiamento pelo sistema financeiro. Segundo, temos de mudar para bens públicos. Em vez de automóvel, é preciso mais transporte público, por exemplo, como o senhor, como Governador, propiciou. Em vez de mais produtos industriais de base material, é preciso mais produtos culturais, intangíveis, mas capazes de garantir o acesso ao consumidor sem necessidade de financiamento. Sem isso, a gente não reduz a taxa de juros e, sobretudo, não mantemos o equilíbrio ecológico. Dito de outra maneira, todo mundo fala da minha nota só, mas acho que precisamos ser tão radicais, que queiramos educar o PIB. O PIB tem de ser educado. Hoje, o PIB é livre. O neoliberalismo, sem visão de planejamento, criou um PIB livre, sem uma definição de orientação de preços, até mesmo por meio de tarifas, se for o caso. Aliás, hoje, o Mantega aumentou em 28% os impostos dos carros importados. Mas isso pode ser feito por tarifas. Temos de educar o PIB. O PIB atual força o aumento na taxa de juros, talvez não tanto quanto o Brasil. Em muitos países, caiu a taxa de juros, porque caiu a taxa de crescimento. Aí a taxa de juros cai, porque não há quem tome empréstimo para comprar os produtos caros que a economia produz. Então, minha única ressalva é feita à retórica do radicalismo, não porque eu não goste dela, mas porque quero que ela seja mais radical ainda, querendo não apenas educar os bancos, mas educar também o PIB brasileiro, de tal maneira que ele seja compatível com a ecologia, que ele exija menos financiamento para o consumidor e que ele seja mais voltado para o público do que para o consumidor privado.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Vamos aplaudir as medidas anunciadas pelo Ministro Mantega e pelo Ministro Mercadante. Vamos taxar os automóveis importados. No primeiro momento, sentimos uma vibração nacionalista, Senador João Durval. Finalmente, estão defendendo o mercado brasileiro! Mas vamos desdobrar, vamos fazer uma análise triste dessa medida.

            Ainda outro dia, o Caó, o famoso Caó, que é o dono da Hyunday no Brasil, dizia que o preço dos automóveis no nosso País era alto não pelos impostos - cá entre nós, também pelos impostos -, não fundamentalmente pelos impostos, mas pelo lucro fantástico das montadoras, um lucro que não é admitido em outro lugar do Planeta Terra. E qual é a consequência disso? Então, vamos aumentar o imposto sobre os carros importados, mas nós não estamos mexendo nessa lucratividade incrível, nessa margem fantástica das montadoras brasileiras. “Ah, mas é uma maravilha! Estão tendo lucros, vão aumentar o investimento e a produção e multiplicar os empregos.” É verdade? Não! Mentira.

            A remessa de lucros viabilizada pelo governo Fernando Henrique e pelo nosso Governo, ainda mais facilitada com a isenção da cobrança do Imposto de Renda, é maior do que o esforço exportador brasileiro. Estamos mandando mais dinheiro para fora do que estamos conseguindo com exportações. Então, se aumentamos o imposto do carro importado, vamos garantir emprego, sim, no setor automobilístico. Mas vamos manter a lucratividade fantástica e a extraordinária remessa de lucros, que é o que está acontecendo principalmente em relação à Europa, que está numa crise brutal.

            Então, a medida do Ministro Mantega é uma meia medida: ela garante empregos, mas não baixa o preço dos automóveis nacionais, que continuam com o imposto que temos, um imposto para mim razoável, e continuam com uma margem de lucro absolutamente inexplicável. No Paraná, num acordo da Renault com seus funcionários, operado pela Força Sindical, se não me engano, a participação nos lucros foi histórica, tal o tamanho dos operários, tal o tamanho do lucro da empresa nesses últimos anos.

            Então, não estamos vendo radicalismo nas medidas tomadas. Está faltando irmos à essência do problema. E essas medidas paliativas, nesse caso, que garantem, sim, a manutenção da quantidade de empregos do ponto de vista nacional, são medidas pífias, porque não resolvem rigorosamente nada, uma vez que as portas do Brasil estão abertas, de forma fantástica, à remessa de lucros, que excede os recursos obtidos com a exportação.

            Tem a palavra o Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Apenas quero confirmar o que o senhor disse, com o que estou de acordo. Vou dar mais alguns dados. Da maneira como hoje está o mercado, com o crédito facilitado para comprar automóveis, sabe o que vai acontecer? Aumenta-se em 28% o preço de importados, e as montadoras, aqui, vão aumentar 28%, 27% ou 20%.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Porque acaba a concorrência.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Porque acaba a concorrência e porque aumenta ainda mais o lucro deles, sem aumentar o emprego. Estamos protegendo as indústrias nacionais ainda mais. Por outro lado, vai tirar emprego também das concessionárias desses automóveis importados, de oficinas especializadas, de vendedores. Então, o caminho não é esse. O caminho é educar o próprio sistema de transporte, para que comecemos a fazer com que essas empresas comecem a construir, a produzir mais ônibus. Durante a guerra, os Estados Unidos ficaram, por quatro anos, sem produzir automóvel; faziam tanques de guerra. Nossos tanques de guerra, hoje, são para fazer com que o nosso trabalhador não fique quatro horas parado, perdido, indo de um lugar para outro durante o dia, com um bom sistema de transporte público. Nossas indústrias automobilísticas poderiam ser instrumento da melhoria do transporte público, ao invés de serem, hoje, instrumento de piora do transporte, porque cada automóvel a mais significa mais engarrafamento, mais tempo perdido. Há um pouco mais de lucro de emprego, é verdade. Esse emprego não diminuiria se educássemos a indústria automobilística para produzir não automóveis, mas para produzir transporte público.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - E a importação está sendo predadora e irresponsável. Colocam os automóveis no mercado e não fazem estoque de peças. Se quebra um componente qualquer de um carro importado, ele vai para a oficina, e eles pedem a peça não para um depósito centralizado no Brasil, mas a pedem, se o carro for alemão, para a Alemanha ou, se o carro for francês, para a França. E o proprietário do automóvel é obrigado a deixar o carro na oficina por dois, três, quatro, cinco, seis meses. Comigo, já aconteceu isso por duas vezes. Tenho um carro importado, que adquiri numa troca há alguns anos, e, cada vez que o carro tem um problema, ele fica por quatro, cinco meses de oficina, porque a peça passa a ser objeto de importação. Não existe o just in time, não existe um depósito nacional, não existe estoque de peças na oficina, porque eles não querem imobilizar o seu capital.

            Então, é, sim, uma importação predadora. Os preços são baixos, porque o lucro interno é fantástico. O revendedor, aqui, consegue vender, como o Caó, da Hyundai, por preços extraordinariamente abaixo da média dos preços de carros iguais ou inferiores fabricados no Brasil, mas a remessa de lucros está aí.

            Mais uma vez, eu diria que o discurso do Ministro Mantega... O pessoal pensa que ironizo quando digo “Mantêga”. A minha mulher é de uma família da região de Bérgamo, como também o Mino Carta. Os dois já me afirmaram que essa pronúncia “Mântega” não existe na Itália. O nome do Guido é “Mantêga”, e de “Mantêga” eu o chamo. Então, não é uma ironia, é uma tentativa de falar um dialeto italiano mais correto, por orientação do Mino Carta e da Maristela Quarenghi, que é minha mulher.

            O Ministro tem o discurso correto, mas o tratamento é muito débil, é homeopático, quando o Brasil, na verdade, está precisando de alopatia na condução das nossas finanças.

            Obrigado pela tolerância do tempo, Presidente João Durval.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2011 - Página 37815