Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração da passagem do vigésimo primeiro aniversário de criação do Sistema Único de Saúde - SUS.

Autor
Marinor Brito (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: Marinor Jorge Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comemoração da passagem do vigésimo primeiro aniversário de criação do Sistema Único de Saúde - SUS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2011 - Página 38029
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), COMENTARIO, SAUDE PUBLICA, PAIS.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), IMPORTANCIA, SERVIÇO ESPECIAL DE SAUDE PUBLICA (SESP), NECESSIDADE, MELHORIA, INVESTIMENTO, GESTÃO, SAUDE PUBLICA, PAIS.

            A SRª MARINOR BRITO (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Boa tarde a todos e a todas. Eu fiz questão de participar desta sessão, saudar o nosso Presidente, autor do requerimento, que, tenho certeza, fez essa proposta de debater estes 21 anos do SUS para lembrar e valorizar o esforço de trabalhadores e trabalhadoras da saúde deste País que, em 96, ousaram, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, afirmar o Sistema Único como princípio para a saúde do povo brasileiro. E faço isso em nome desses trabalhadores e desse sistema, pensado integradamente entre as três esferas de poder, em nome da concepção que deu origem ao Sistema Único de Saúde, principalmente a generosa e correta ideia de levar os recursos públicos a quem necessita de atenção primária, seja nos centros de saúde, seja nas policlínicas, seja por meio do modelo de atendimento feito aos domicílios, conhecido como Programa de Saúde da Família, que em Belém, quando tivemos o privilégio de governar, com o Prefeito Edmilson Rodrigues, nós chamamos de Família Saudável. Além disso, a unificação de todas as entidades fundacionais e autarquias do Governo Federal junto às respectivas secretarias estaduais e municipais de saúde.

            Esse modelo trouxe maior racionalidade para o novo modelo de gestão preconizado pelo Sistema Único de Saúde e mais recursos financeiros para o setor.

            Isso, só, basta para festejar? Claro que não. Isso não basta para festejar, porque, na realidade, o atendimento no Sistema Único de Saúde do Brasil continua caótico. Sou de um Estado, Pará, que tem envergonhado o povo paraense a cada anúncio de crianças mortas em maternidade: em um período são 300, em outros, são mais 15. Na minha região, Marajó, o povo está morrendo de malária.

            Há outras mazelas que encontramos em todos os Estados brasileiros, além, obviamente, da corrupção e da impunidade, que imperam neste País. Eu mesma, quando fui Vereadora, por três mandatos, na capital paraense, Belém, fui autora de várias denúncias, que se tornaram ações civis públicas, ações de improbidade, ação criminal, que até hoje não foram julgadas.

            O atual prefeito, responsável por desvio de dinheiro público, foi reeleito. Estive, há duas semanas, numa audiência com o Ministro da Saúde e lhe disse que não é possível continuar assim. O sistema de fiscalização do dinheiro da saúde praticamente não existe, ou quando o Ministério da Saúde consegue detectar, como ocorreu recentemente, mais de treze Estados brasileiros - infelizmente, o meu Estado estava incluído -, não cumprindo a emenda nº 29, fica por isso mesmo. E o não cumprimento da Emenda nº 29 significa desvio de dinheiro público, utilização indevida do dinheiro público.

            A Senadora Vanessa levantou uma questão muito importante e que tem sido foco do debate que tenho feito nesta Casa: o que vai definir um Sistema Único de Saúde justo, que não privilegie os interesses privados da saúde neste País, que garanta qualidade, respeito e humanidade no atendimento. Humanidade, porque aqui também foi aprovada a Lei da Reforma Psiquiátrica, para que, no País inteiro, fossem implementadas as casas de atenção especializada, para se fazer contraponto aos manicômios, ou seja, para se dar uma atenção diferenciada, qualificada, aos portadores de transtorno mental. E até hoje foram poucas as casas, foram poucos os concursos públicos, foram poucas as formações feitas para os agentes de saúde, para se atender a esse requisito legal aprovado pelo Congresso Nacional.

            Tenho falado aqui e usado como exemplo o que define ou não a priorização do investimento do Sistema Único de Saúde na política pública brasileira: o modelo de desenvolvimento econômico que os governos têm escolhido. Infelizmente, o Governo Dilma repete o modelo Lula e o modelo Fernando Henrique.

            Num país em que as pessoas estão morrendo na fila, num país em que algumas cidades agora fazem a opção de atender o povo não mais com médicos, mas com a enfermagem, porque não conseguem dar conta de estruturar o sistema, para que cada servidor, para que cada profissional atenda complementarmente e garanta um atendimento integrado da saúde, não há o que justifique a aplicação do Orçamento da União de 2010 de 44,39% em gastos com a dívida pública, enquanto para a saúde, neste mesmo ano, no mesmo Orçamento, foram destinados apenas 3,91%.

            É brincar de falar de prioridade. É brincar de sair Brasil afora, em cada cidade brasileira ou Estado visitado, anunciando um programa importante, como a Presidente Dilma tem feito. Vai a Manaus e lança o Programa de Combate ao Câncer de Colo de Útero e de Mama. E esse programa passa a atender em condições absolutamente precárias as mulheres. O câncer de colo de útero e de mama, que é uma doença perfeitamente prevenível, nesse modelo excludente, continua matando milhares de mulheres, de mães de família Brasil afora.

            Nós não queremos um sistema de saúde com programas por amostragem. Nós queremos garantir a universalização dos programas de atendimento de saúde neste País. Assim como eu tive o direito de chegar aqui nesta cadeira de rodas motorizada, de ter feito uma cirurgia reparadora para ocupar o espaço de um músculo que foi retirado, fruto de um câncer, eu queria que a família de uma criança, lá em Santarém, de cinco anos de idade, que foi estuprada no ânus não tivesse que passar um ano de humilhação, sem conseguir fazer a reconstituição do ânus da criança.

            Nós vamos poder festejar o Sistema Único de Saúde, como disse aqui o Senador Cristovam, quando as desigualdades forem superadas.

            Nós vamos superar essas desigualdades quando o Governo tomar vergonha na cara e taxar as grandes fortunas. E não é por falta de projeto de lei, não, porque lá na Câmara, aqui do lado, tramita há muito tempo um projeto de taxação de fortuna, do Deputado Ivan Valente. Aqui nesta Casa tramita um projeto de lei do Senador Paim com a mesma origem. E a Presidenta Dilma, em discursos, emocionada, pede ao Congresso Nacional que encontre uma fonte de recursos para resolver o problema da saúde pública no País, porque ela também não quer a CPMF.

            Taxe as grandes fortunas, Presidenta Dilma. Taxe as grandes fortunas! Oriente a sua bancada, majoritária no Congresso Nacional, a aprovar o projeto de lei. Vamos diminuir esse percentual de recursos utilizados para o pagamento da dívida pública. Vamos equilibrar esse dinheiro, porque na educação também são apenas 2,89% que foram gastos desse mesmo orçamento de 2010. Quarenta e quatro vírgula trinta e nove para a dívida pública.

            Não precisa procurar chifre em cabeça de cavalo, não. O recurso existe, assim como é preciso criar mecanismos de fiscalização dos recursos que são enviados para as cidades brasileiras, para os Estados, para aplicar no Sistema Único de Saúde.

            Nunca se viu tanto hospital privado crescer como se vê neste momento. Mas a gente não vê investimento no sistema público de saúde, a gente não vê nenhuma ação em favor dos servidores públicos da saúde deste País, que vivem a humilhação e a vergonha de trabalhar em lugares muito precários, em condições indignas de trabalho e de atendimento.

            Eu não posso aqui deixar de lembrar a importância que tiveram os servidores do Serviço Especial de Saúde Pública, conhecido como SESP, que originou a Fundação SESP, da Sucam, depois Funasa, do ex-Inamps, dentre outros, que deram importante e decisiva contribuição para a criação e consolidação desse sistema, que - repito - pode dar certo, se houver vontade política.

            Esses mesmos servidores, apesar da dedicação à saúde ao longo de todos esses anos - como é o caso dos servidores da Funasa -, muitos contaminados por agentes químicos presentes nos medicamentos de combate à malária e a outras enfermidades, se encontram sem assistência adequada por parte do Poder Público. É assim que estão os servidores da antiga Funasa do Pará: morrendo à míngua. Há ação na Justiça, foi denunciado no Ministério Público, mas fica por isso mesmo, Senador.

            Se eu não acreditasse na humanidade, se não sonhasse com um mundo de justiça e liberdade, talvez eu não estivesse aqui ocupando uma vaga no Senado Federal. Mas tenho dito que não vim para cá dizer “sim, senhor”. Vim para debater ideias, tentar encontrar saídas e não me acovardar diante das dificuldades.

            Nós, da esquerda socialista, do PSOL, temos nos mantido firmes em princípios importantes para a vida do povo brasileiro, como a criação do Sistema Único de Saúde. Não temos tido muita acolhida nesse caminhar, aqui no Congresso Nacional, porque aqui a relação é de toma lá dá cá, de troca. Não viemos aqui para isso. Nós viemos para dizer: Presidenta Dilma, não dá para continuar privilegiando os interesses das elites deste País, das elites conservadoras, das elites perversas. Não dá para continuar privilegiando os interesses dos grandes conglomerados da economia e que têm nome e endereço na área da saúde, que acabam sendo os grandes apoiadores de lideranças importantes que são base de apoio ao Governo.

            Ou a gente vira essa mesa ou nós não vamos ter o que festejar, Senador Paim. Não vamos ter o que festejar, porque a cada criança que morre, a cada mulher que não tem o direito de fazer um pré-natal, a cada cidadão que não tem o direito de se deslocar lá de Altamira para fazer um tratamento de câncer, a cada cidadão e cidadã deste País que, diferentemente de nós aqui, que temos privilégios, nós todos, os que estão no Governo e os que estão no Senado, temos privilégios. Nós temos um plano de saúde aqui no Senado que paga o que se precisar, inclusive fora do Brasil, enquanto o povo brasileiro tem que passar a humilhação. Os servidores públicos que têm consciência, que se desdobram, têm que passar a humilhação de trabalhar com salários miseráveis, em precárias condições e, ainda, quando se rebelam e tentam fazer uma greve, são tratados da forma como vocês têm visto os governos historicamente tratar.

            Então, Senador, para concluir, eu também estou na mesma Comissão que o Senador Paim, vou pedir licença para me deslocar até lá com um pouco de precariedade, mas estou motorizada, vocês viram, não? Imagina, um pobre coitado tem acesso a uma cadeira de rodas? Não tem. Lá no meu Estado, não tem. Não sei no de vocês. Mas, no meu Estado, tem que ser amigo de político, tem que ter o bilhetinho da indicação, porque senão não tem acesso a uma cadeira de rodas. E isso está previsto no Sistema Único de Saúde.

            Parabéns, Senador, aos que acreditam nesse modelo, aos que querem ajudar a construir esse modelo como realmente ele foi pensado para atender aos interesses da saúde pública brasileira.

            Um grande abraço e meus parabéns.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2011 - Página 38029