Pronunciamento de Marinor Brito em 19/09/2011
Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Considerações sobre a violação dos direitos de crianças e adolescentes no Estado do Pará.
- Autor
- Marinor Brito (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
- Nome completo: Marinor Jorge Brito
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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DIREITOS HUMANOS.:
- Considerações sobre a violação dos direitos de crianças e adolescentes no Estado do Pará.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/09/2011 - Página 38181
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
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- COMENTARIO, CRIME, VIOLENCIA, SEXO, ADOLESCENTE, ESTADO, ESTADO DO PARA (PA).
- COMENTARIO, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
A SRª MARINOR BRITO (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Por razões óbvias, em virtude de um pós-cirúrgico, vou fazer uso da palavra daqui, sem usar a tribuna do Senado.
Quero dar boa-noite aos telespectadores da TV Senado, da Rádio Senado, porque talvez eu seja a última oradora desta sessão de hoje, mas eu não poderia deixar de tratar aqui de tema que é muito caro para mim como militante dos direitos humanos, como militante que tem atuado ao longo dos anos na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, e que tem muito se envolvido com ações políticas na tentativa de combater a violação de direitos sexuais de crianças e adolescentes.
No Pará, mais uma vez, os direitos dos adolescentes são aviltados novamente. Mais uma vez, o meu querido Estado do Pará é manchete nacional, e mais uma vez, não é por nenhum mérito do governo local, novamente o meu querido Pará ganha repercussão nacional por não garantir a integridade dos seus adolescentes.
Uma adolescente de 14 anos foi violentada sexualmente por vários homens, durante quatro dias, nas redondezas de uma unidade prisional. Esses homens são detentos da Colônia Agrícola Heleno Fragoso, que fica na cidade de Santa Isabel do Pará, uma unidade prisional do Estado, bem próximo à cidade de Belém, a capital do Estado. Aliás, faz parte ainda da região metropolitana.
A adolescente foi obrigada a consumir álcool e grande quantidade de drogas. Não estava sozinha, pois relatou a participação de pelo menos duas outras adolescentes no local. A própria adolescente relata o episódio.
Eles [os detentos] começaram a me dar bebida alcoólica misturada com suco, depois eu fui obrigada a usar cocaína e fumar maconha com eles. Fiquei completamente dopada, e foi então que eles começaram a tirar a minha roupa. Eram dois, três e até quatro homens ao mesmo tempo. Eu pedia para que eles parassem, mas não adiantou nada, não pude fazer nada para impedí-los.
Essa adolescente, Senador, conseguiu fugir. Pediu ajuda para alguns militares que estavam no presídio e acabou sendo conduzida ao Conselho Tutelar da cidade de Santa Izabel.
A imprensa noticiou, em manchetes nos jornais no Pará, que o Governador Simão Jatene determinou a exoneração do Diretor da Colônia Agrícola além de vinte pessoas que estavam de plantão no dia do acontecimento.
Ora, em 2007, em uma outra delegacia na cidade de Abaetetuba, no Estado do Pará, tivemos um caso de igual gravidade, quando uma adolescente foi presa em cela com mais de vinte detentos, e foi abusada sexualmente por vários dias.
Tanto no caso anterior quanto neste caso atual, a reação do Poder Público não passa de uma reação reativa e punitiva. Mas, infelizmente, não ataca as causas principais desse problema e não dão segurança de que tais e lamentáveis fatos não vão ocorrer mais.
Em primeiro lugar, há um descompromisso histórico dos governos do Estado com a garantia dos mais elementares direitos das nossas crianças e adolescentes no Pará. Essas e outras adolescentes são presas fáceis de aliciadores para a prostituição infantil e infantojuvenil.
Quando exerci o meu primeiro mandato de Senadora, eu tive a oportunidade de presidir a primeira CPI de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescente na cidade de Belém. E já naquele momento ali, eu denunciei a fragilidade da rede de proteção; eu denunciei a ausência do Estado brasileiro, seja na esfera municipal, na esfera estadual, seja na esfera federal.
Naquela altura, dos quase 781 casos aproximadamente denunciados num ano, apenas 130 deles conseguiam cumprir a etapa conclusiva do inquérito policial, por ausência de policial, por falta de formação profissional, num único espaço de atendimento para o Estado inteiro, um Estado com 144 Municípios para atender as vítimas de violência sexual!
De lá para cá, passaram duas CPIs, e a constatação é a mesma: não tivemos um policial a mais para atender e enfrentar essa situação de violência. É óbvio que nós queremos a apuração, é óbvio que nós queremos punição. Mas a retaguarda do Estado, seja do ponto de vista da nossa polícia, seja do ponto de vista do Judiciário, não tem cumprido a sua etapa.
Agora, o principal não é isso, porque nós não queremos apenas as medidas paliativas. O Governador fez bem, sim, em exonerar, como na época, quando aconteceu o fato em Abaetetuba, a Governadora também tomou medidas. Chegou a exonerar o diretor-geral da Polícia Civil no Estado.
O problema é que não tem política pública. O giro para fazer esse enfrentamento; o verdadeiro enfrentamento dessa violação de direitos não é feito. Não há escola suficiente. Não há política para garantir o primeiro emprego para essa juventude. As famílias estão à míngua, abandonadas na nossa região. O desemprego é alarmante. A rede de proteção está no artigo do ECA, e a página está fechada.
O Governador Simão Jatene tem apenas nove meses de Governo, mas já governou doze anos. Foram doze anos de mandato do PSDB, dos quais, quatro deles, ele estava Governador. Então, só ele tem quatro anos e nove meses de gestão no Pará e repete a mesma política que a Governadora Ana Júlia Carepa, do PT, conduziu na sua gestão.
Queria aqui dizer que estivemos em Belém do Pará há poucos dias, com a CPI do Tráfico Humano, Senador, e as meninas paraenses são presas fáceis nas rotas de tráfico humano. A cada dia que passa aumenta mais o número de rotas; a cada dia que passa aumenta mais as modalidades do tráfico humano.
Até quando? Quantos escândalos nacionais, quantas filhas do povo paraense, de famílias humildes, vão ter que ser estupradas nas delegacias, nas penitenciárias? Quantas vão ter que morrer assassinadas, como tem acontecido nas regiões de garimpo, para que a Justiça tome uma providência contra as autoridades que negligenciam o seu papel, como tem feito o Governador Simão Jatene, a Governadora Ana Júlia, o ex-Governador Almir Gabriel, o ex-Governador Jader Barbalho, e tantos outros que têm se utilizado do poder para enriquecer, para melhorar a vida, para garantir condições luxuosas aos seus parentes?
A escola pública no meu Estado tem os piores índices educacionais deste País. É triste ter que dizer aqui, do plenário do Senado Federal, admitir essa triste realidade. É triste dizer que meu Estado concentra as principais e o maior número de rotas de tráfico de mulheres, meninas e adolescentes, para fins de exploração sexual. É triste dizer que mazelas como essas vão se repetir, Senador.
O povo do meu Estado quer ser reconhecido nacionalmente, mas não por ter trabalhadores rurais assassinados, não por ser o principal Estado que desmata na Amazônia. O povo do meu Estado quer ser reconhecido como o Estado que protege seus adolescentes, que cumpre os direitos dos servidores públicos e forma e prepara para atender com dignidade, e não para serem facilitadores de estupro de meninas, de violações de direitos.
Nesse momento, infelizmente, o Brasil lança, mais uma vez, o olhar para o meu querido Estado do Pará. E eu digo aqui do Senado Federal: é uma boa hora para tomar providências consistentes e não apenas cosméticas, porque nós não estamos precisando, as crianças, as adolescentes, os adolescentes do Pará não estão precisando de maquiagem. Estão precisando de escola, de saúde, de esporte, de lazer, de cultura, de condições dignas, de uma vida em que eles possam sonhar com a felicidade.
Lamento imensamente estar, nesse momento - repito mais uma vez -, tendo de me pronunciar sobre mais um crime que o Estado do Pará comete contra seus filhos. Porque foi dentro de uma penitenciária, que é mantida com dinheiro público, foi dentro de um órgão que deveria estar socializando, encontrando fórmulas e mecanismos educacionais para reintegrar os criminosos à sociedade e não para acabar com o sonho de uma criança, de uma adolescente.
Eu já dei aula na Colônia Heleno Fragoso, já dei aula como professora de educação física nos dois presídios de Belém, do Estado do Pará, e sei muito bem que a máfia está instalada lá dentro, a máfia da corrupção, do tráfico de drogas, do controle daquele espaço dividido entre os agentes públicos e os criminosos. Eu sei porque lá, muitas vezes, por falta de agentes prisionais, tive a coragem de descer no pátio com mais de 30 a 40 homens para dar aula sem um agente prisional. Esse quadro não mudou da época em que dei aula naquela penitenciária, em Americano, na Colônia Heleno Fragoso, onde essa menina foi vitimada.
Queria aqui, para concluir Sr. Presidente, agradecendo a condescendência do tempo, dizer da minha indignação e dizer o quanto isso tem relação com a política do Governo Federal, o quanto isso tem relação com a falta de recursos que deixam de ser investidos em políticas sociais neste País, no meu Estado e na Amazônia, quando o Governo Federal privilegia utilizar quase 50%, e já está prevendo 47,85% para 2012 de investimento do orçamento no pagamento da dívida pública. Enquanto o Governo insistir em favorecer aos interesses das elites, as filhas do Brasil, as adolescentes do Pará vão continuar sendo estupradas, lamentavelmente, nas penitenciárias, pelos agentes públicos, com a conivência, com a vergonhosa conivência dos governos estaduais.
O meu protesto e a minha solidariedade à menina e à família. Que pelo menos a proteção a essa menina que denunciou seja garantida pelo Governo do Estado, porque é muito comum, quando conseguem vencer o medo e fazer a denúncia, serem eliminadas e tiradas do caminho para que os inquéritos não sejam concluídos e os culpados, incluindo os aliciadores, não cheguem a responder processo, e. quando respondem, nunca vão parar na cadeia, porque a cadeia infelizmente neste País, e no meu Estado não é diferente, é lugar para pobre, e pobre que se lixe, que passe da delinquência, para a delinquência, para a delinquência, para a delinqüência, e que cada vez mais sejam violentos.
Meu muito obrigada, Sr. Presidente.