Discurso durante a 162ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centésimo quinquagésimo aniversário da Primeira Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, Catedral Evangélica do Rio e os 152 anos da Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Comemoração do centésimo quinquagésimo aniversário da Primeira Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, Catedral Evangélica do Rio e os 152 anos da Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2011 - Página 38002
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, IGREJA EVANGELICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, COMPROMISSO, EDUCAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, IGREJA EVANGELICA, EDUCAÇÃO BASICA, UNIVERSIDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Bom dia a cada uma e a cada um.

            Senador Marcelo Crivella, quero inicialmente cumprimentá-lo, não por estar presidindo a Mesa, apenas, mas por sua iniciativa de fazer com que aqui estejamos comemorando 150 anos de um gesto que marca a história do Brasil, não apenas do ponto de vista espiritual, mas também do ponto de vista educacional.

           Quero cumprimentar também, ao lado do senhor, a Deputada Federal Líliam Sá, quero cumprimentar o amigo - posso chamá-lo assim - Revmº Guilhermino Cunha, com que eu trabalhei, faz muito tempo, na comissão Afonso Arinos, para elaborar um projeto de Constituição; quero cumprimentar o Revmº Juarez Marcondes Filho e também o Presidente da Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, Revmº Sr. Isaías de Souza Maciel; quero cumprimentar também a Deputada Graça Pereira; e cada um e cada uma dos presentes.

           Quero fazer uma lembrança especial a uma personalidade pela qual tenho o mesmo carinho que tenho pelo Rev. Guilhermino Cunha, que é o Reitor Manassés, com quem eu tive muito contato durante o tempo em que ele foi reitor da Universidade Mackenzie.

           Aproveito para cumprimentar também o Prof. Hésio Souza Maciel, que tem a difícil tarefa de substituir o nosso querido Manassés.

           Uma solenidade como esta nos permite analisar a presença da Igreja Presbiteriana sob a forma da história, sob a forma do martírio, sob a forma da força e sob a forma do compromisso.

           A da história porque, embora estejamos comemorando 150 anos da fundação da igreja no Rio de Janeiro, há mais de 500 a Igreja Cristã Reformada está aqui presente. É uma presença histórica que coincide com toda a duração da história do nosso País, desde quando chegaram os primeiros junto com Villegagnon. Então, é uma história antiga.

           Eu chamo de martírio porque, mesmo com a conversão de Villegagnon, houve martírio de alguns no início da presença aqui da Igreja Cristã Reformada. 

            No que se refere à força espiritual, não é preciso falar muito sobre isso, porque todos nós sabemos como essa é uma presença marcante da Igreja no Brasil. Até me pergunto sempre como estaríamos hoje - o Senador Crivella já deve ter escutado isso -, se não tivesse havido esse processo de evangelização recente, do ponto de vista da força que ela adquiriu em número de fiéis, de membros, nas últimas décadas.

            A realidade social no Brasil tem levado a um processo de degradação mesmo de muitos valores da sociedade, nem falo de valores espirituais. Nós temos tido uma desarticulação, por exemplo, das famílias, por conta da migração rápida, da crise educacional, da desigualdade. Nós temos tido essa tragédia do avanço da droga. E, quando falo “droga”, não falo só das drogas ditas fortes, mas do alcoolismo também. Nós temos tido uma certa degradação de costumes, para não falar de valores. E imagino como nós estaríamos, se não fosse esse processo de evangelização recente no Brasil.

            Como Governador, eu costumava visitar a prisão aqui do Distrito Federal, chamada Papuda. É uma experiência muito interessante, quando a gente visita e percebe a diferença fundamental entre um preso convertido e um preso não convertido a uma das igrejas, a uma das religiões. E, talvez, mais do que qualquer uma, as igrejas evangélicas têm tido esse trabalho, apesar de que a Pastoral Católica das prisões tenha um trabalho muito importante, sobretudo na defesa dos direitos dos presos.

            Mas não quero falar dessa força, Senador. Quero falar da última palavra depois de “história”, “martírio” e “força”, que é a palavra “compromisso” - o compromisso com a educação. Primeiro, o compromisso com a educação de todas as igrejas chamadas protestantes, que nasce por um processo de querer incorporar os fiéis, os membros da igreja no processo educacional.

            Todos falam do Lutero, líder religioso. 

            Para mim, a grande figura, o grande impacto, o grande papel de Lutero foi como educador: educador que traduziu a Bíblia para a linguagem comum da população; educador que levou os seus fiéis a serem capazes de ler a Bíblia, coisa que, até então, era tarefa só do líder religioso e não dos que frequentavam a igreja. O papel educacional, o papel de educador do Lutero, a meu ver, merece uma análise tão importante quanto o papel dele na Reforma, propriamente dita, do ponto de vista espiritual. E é claro que Calvino deu continuidade a esse processo.

            Mas o que eu quero falar hoje é do papel educacional das igrejas ou da Igreja Presbiteriana, sobretudo no aspecto universitário e no aspecto da educação de base. No aspecto universitário no mundo, basta dizer que a Universidade de Yale, que é uma das mais importantes no mundo inteiro, teve origem no movimento presbiteriano. E, no Brasil, a universidade que o Professor Hesio hoje dirige, que é a Universidade Mackenzie, é um orgulho para todos nós brasileiros e para todos nós que trabalhamos com educação.

            Essa é uma universidade que serve de exemplo do que é possível fazer no Brasil, mas nunca vamos ter universidades - no plural - de qualidade, se nós não formos capazes de trabalhar a educação de base, para dar ali, nos primeiros anos, a formação, sem a qual nós nunca teremos um bom número de universitários com qualidade. Podemos até ter um ou outro grupo de universitários de qualidade. Podemos ter duas, três, cinquenta, cem universidades com qualidade - e não temos mais de dez no Brasil -, mas nunca vamos ter 200, 300, 500 e, ainda menos, nunca vamos ter algumas entre as melhores cem do mundo inteiro, se não tivermos uma boa educação de base. E a igreja tem demonstrado esse compromisso através do Colégio Mackenzie, onde a gente tem uma educação da maior qualidade. Eu conheço o colégio aqui em Brasília, que já visitei mais de uma vez e do qual sei da qualidade do ensino, mas eu não sou satisfeito com isso.

            Eu venho aqui para pedir que, no mesmo espírito lá de Lutero e de Calvino, cada um de vocês, meu caro Pastor Guilhermino, cada um de vocês se transforme em um soldado - olhe a palavra que eu estou usando, porque a gente podia dizer isso também daqueles primeiros que aqui chegaram, carregando a fé -, soldado de uma revolução educacional no Brasil para que não haja a menor desigualdade no acesso à educação conforme a renda da família.

            Ninguém pode dizer que a educação será igual para todos, porque educação é uma coisa que sai de dentro e alguns têm talento, outros não têm talento. Alguns têm persistência, outros não têm. Alguns têm vocação, outros não têm. Sempre haverá uma diferença, uma desigualdade no nível educacional das pessoas. O que não podemos tolerar é a desigualdade no direito ao acesso. O acesso tem que ser igual. A chance tem que ser a mesma. A desigualdade tem que vir do talento, da persistência, da vocação, jamais da renda dos pais, jamais da cidade onde mora, jamais do conhecimento de alguém que o levou para uma boa escola.

            Esse é um desafio que consiste numa forma de evangelização intelectual para que o Brasil esteja preparado para enfrentar o Século XXI como nação, porque sem uma educação da mais alta qualidade para todos nós não vamos ser um país do Século XXI, onde o capital é o conhecimento. E, do ponto de vista social, enquanto houver essa desigualdade no acesso à educação nós não vamos ter uma sociedade igualitária, nem de longe isso.

            Eu venho aqui, ao mesmo tempo em que comemoro os 150 anos, olhar para os próximos não vou nem dizer 150, mas, para os próximos 10, 20, 30, como se a gente pudesse ouvir vozes do futuro das crianças de hoje quando forem adultas. O que vão dizer essas vozes daqui a 20 ou 30 anos, lembrando o tempo delas quando crianças, sem terem tido oportunidade da escola que todos deveriam ter?

            É isto que eu venho pedir: que nos 150 anos da Igreja no Rio de Janeiro se lembrem de que o Brasil vai ter muitas décadas na frente e essas décadas dependem, do ponto de vista espiritual, do ponto de vista social e do ponto de vista econômico, de uma educação boa e de qualidade para todos, como vocês conseguem dar àqueles que entram nos colégios Mackenzie, àqueles que entram nas universidades Mackenzie. Precisamos também conseguir isso para os que não entram nessas escolas. E esse é um desafio moral. É um desafio moral, Senador Crivella, porque não vejo nenhum problema moral em haver desigualdade econômica, em haver desigualdade no consumo, não. Agora, é uma imoralidade haver desigualdade no acesso à educação, é uma imoralidade haver desigualdade no acesso à saúde. Ter roupa bonita ou roupa feia, carro grande ou não ter carro, casa grande ou pequena é desigualdade, mas viver mais pela quantidade de dinheiro que se tem no bolso é uma imoralidade. É desigualdade poder viajar de férias para países distantes ou próximos; comer em restaurantes caros ou não ir a restaurantes; mas entrar em uma escola boa ou em uma ruim é imoralidade. E contra essa imoralidade todos nós devemos lutar. Devemos garantir que o filho do trabalhador possa estudar na mesma escola que o filho do patrão. Essa é uma frase que tenho consciência do radicalismo que ela carrega, um País que se acostumou a achar que educação é um direito de poucos, e não de todos. Educação é igual a oxigênio: tem que ser igual para todos.

            Eu não conheço hospital em que se diga: aqui o oxigênio é bom; e o outro diz: aqui o oxigênio é ruim. No Brasil, nós nos acostumamos a dizer que existe escola boa e escola ruim. Escola ruim não é escola, como oxigênio ruim não é oxigênio.

            Eu venho aqui comemorar o martírio, a história, a força de vocês e também respeitar o compromisso que, talvez, mais do que todos os outros, vocês tenham manifestado com relação ao direito à educação. Não vejo outros que ponham a educação como prioridade central como vocês. E, ao mesmo tempo, quero fazer esse apelo, essa cobrança, essa manifestação: vamos juntos, ao mesmo tempo, fazer um trabalho religioso de evangelização, espiritual de conversão, fazer um trabalho social, um trabalho político, também, para que neste País acabemos com a imoralidade da existência de escola boa para uns e escola ruim para outros; de um sistema de saúde bom para uns e ruim para outros.

            Fiquei feliz de ver, meu caro Pastor Guilhermino, em alguns documentos que o senhor me passou para que eu lesse que em cada igreja há uma escola e um posto de saúde. Isso me chamou muita atenção e me deixou orgulhoso por estar aqui, além de esperançoso.

            Por isso, meu muito obrigado a cada um de vocês e, muito especialmente, ao nosso Senador Crivella. Um grande abraço a cada um. Olhem à frente, ainda há muitas décadas pela frente e o Pastor Guilhermino, dos 150 anos da igreja, só tem 30 na direção. Ainda teremos muitas décadas pelas frente a nos desafiar a fazer aquilo que, lá atrás, alguns começaram, dando origem ao que hoje vocês representam.

            Um grande abraço a cada um e a cada uma. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2011 - Página 38002