Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia do Economista.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia do Economista.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2011 - Página 38206
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, ECONOMISTA, REGISTRO, ELOGIO, ATUAÇÃO, CELSO FURTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ESTADO DA PARAIBA (PB).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Exmº Presidente Inácio Arruda, meus cumprimentos pela iniciativa de homenagear os economistas em seu aniversário de 60 anos, que se realizou no dia 13 de agosto passado; prezado Presidente do Conselho Federal de Economia, Waldir Pereira Gomes; prezado Presidente do Conselho Regional de Economia de Brasília, Sr. Jusçanio Umbelino de Souza; Sr. Presidente Pedro Andrade de Oliveira, do Conselho Regional de Economia do Piauí; Sr. Marcos Antônio Moreira Calheiros, do Sindicato dos Economistas de Alagoas; Sr. Afonso Artur Neves Baptista, que representa o Presidente Heron do Carmo, do Conselho Regional de Economia de São Paulo; Srª Mônica Beraldo Fabrício da Silva, que representa o Presidente Juarez Trevisan, da Federação Nacional dos Economistas; Presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, Marcos Túlio de Melo; prezado economista Carlos Eduardo de Freitas, era preciso que viesse aqui um economista com quem há tempos tenho interagido.

            Sr. Presidente, eu gostaria de homenagear o nosso maior economista, o Professor Celso Furtado, assim como outros que aqui me precederam. Quero falar da afinidade que também tive com o Professor Celso Furtado, com quem aprendi tantas lições. S. Exª estimulou-me muito a lutar para que fosse aprovado no Congresso Nacional um projeto a respeito do qual já lhes distribuí aqui a cartilha, feita por Ziraldo. Falo do projeto da renda básica de cidadania. Quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o projeto, querido Senador Cristovam Buarque, S. Exª enviou a seguinte mensagem ao Presidente Lula:

Neste momento em que V. Exª sanciona a lei da renda básica de cidadania, quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso País coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. Com freqüência foi referido como um dos últimos países a abolir o trabalho escravo. Agora, com esse ato que é fruto do civismo e da ampla visão social [tive a honra de ele me ter citado] o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente, ademais aprovado pelos representantes do povo.

           O que Celso Furtado falou nesse dia faz lembrar um dos maiores defensores da renda básica, o filósofo Philippe van Parijs e também professor de economia da Universidade Católica de Louvain e da Universidade de Harvard, quando diz que o maior avanço da humanidade no século XIX foi a abolição da escravidão; no século XX foi o sufrágio universal; e no século XXI será a renda básica de cidadania incondicional para todos.

           Mas como e por que isso? Quando o grande filósofo - dos mais influentes no século XX - John Rawls faleceu, no início deste século, o professor Philippe van Parijs foi convidado pela Universidade de Harvard para substituí-lo. Como sabem, em uma Teoria da Justiça, John Rawls observa que se desejarmos aplicar os princípios de justiça para construir uma sociedade justa, precisamos levar em consideração os três princípios de justiça que ele explica com tanta clareza: o de igual liberdade, o da diferença e o da igualdade de oportunidades.

           O de igual liberdade é aquele em que toda pessoa deve ter um conjunto de liberdades básicas fundamentais que deve ser estendido a todas as pessoas na sociedade. O princípio de diferença nos diz que se for para haver qualquer desigualdade socioeconômica na sociedade, ela só se justifica se for a benefício dos que menos têm e de maneira a prover igualdade de oportunidade a todos.

           Como eu explico esse princípio da diferença aos meus estudantes de economia, pois sou professor na Escola de Administração de Empresas, de Administração Pública e de Economia da Fundação Getúlio Vargas, assim como de Direito.

            Ali explico que, vamos supor que aqui formássemos um time de futebol e de basquete, mas que, dentre nós, há alguns craques como Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldo, Neymar ou a Marta e a Hortência e, por outro lado, há pessoas como nós, que sabemos jogar futebol, basquete, sabemos jogar bem, mas não tanto quanto eles e, assim, para o propósito de termos o melhor resultado possível, diremos a eles “olha, como vocês são craques excepcionais, vão receber uma remuneração melhor que a nossa para darem o melhor de si, mas também teremos uma certa remuneração para que possamos todos nos dedicar da melhor maneira possível.

            O Professor Philippe Von Parijs, em seu livro Real Freedom for All: What (if anything) can justify capitalism? e, outros livros, argumenta que, para que bem possamos aplicar, levar em conta esses princípios, a instituição da renda básica de cidadania é um instrumento muito adequado.

            Quando Professor Philippe Von Parijs foi convidado para lecionar Filosofia em Harvard, o Premio Nobel de Economia Amartya Sen convidou o Professor Philippe Von Parijs para dar um curso com ele sobre justiça e diversidade cultural e, no ano seguinte, justiça e instituições.

            Eu, por ser admirador e amigo de ambos, fui assistir à primeira aula do primeiro curso e a terceira aula do segundo curso em 2005 e 2006. Um novo curso de ambos e esse será o final, ministrado de fevereiro a abril do ano que vem.

            Quando se iniciou o curso, primeiro era para os alunos de graduação de Harvard, a sala talvez coubesse 50 pessoas, mas havia mais de 80 na sala e muitos ficaram em pé ou sentados no chão e o Professor Amartya Sen disse que a primeira providencia será pedir à administração da universidade para arrumar uma sala melhor onde todos caibam, senão não vai poder haver justiça aqui dentro. E, dez minutos depois, transferimo-nos todos para uma sala maior, onde todos estavam bem acomodados. Naquela ocasião, o professor Amartya Sen disse que, se nós quisermos criar uma sociedade com maior grau de justiça, temos que pensar quais as instituições e arranjos serão adequados para essa finalidade.

            Quando houve a abolição da escravidão, certamente nós elevamos o grau de justiça na sociedade. Se provermos, como tão bem insiste meu querido amigo Cristovam Buarque, boas oportunidades de educação para todos os meninos e meninas, para todos os jovens e para os adultos que não tiveram boas oportunidades quando eram crianças, certamente estaremos elevando o grau de justiça.

            “Nesse curso, nós vamos aqui examinar em que medida uma renda básica incondicional, tal como argumentada pelo professor Philippe Van Parijs e pelo Senador Suplicy que hoje nos visita, vindo do Brasil e que também defende em que medida isso significará um maior grau de liberdade e de justiça para todos”.

            Amartya Sen, como os senhores e as senhoras sabem, em desenvolvimento como liberdade, expõe que desenvolvimento, se for para valer, deve significar maior grau de liberdade para todos na sociedade. Por que a renda básica de cidadania vai prover maior grau de liberdade para todos?

            Bem, gostaria até de assinalar aos economistas que, eu ainda hoje, ao arguir a Ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social, expus que nós brasileiros, sejam os empresários, ou os trabalhadores, ou os economistas, os que estamos no governo, no Executivo ou no Legislativo, precisamos ter ciência dos programas de transferência de renda que existem nos países desenvolvidos. Por exemplo, nos Estados Unidos, desde 1975, instituiu-se o crédito fiscal por remuneração recebida. O que significa isso?

            Um casal de trabalhadores, por exemplo, com duas crianças, se recebe uma remuneração conjunta nos Estados Unidos, em 2010, da ordem de US$18 mil, eles têm direito a um crédito fiscal de US$5.160, e sua renda passa para US$23.160, ultrapassando o que é definido como linha de pobreza para um casal com duas crianças nos Estados Unidos. Mas quem é que paga isso? Não é propriamente a empresa, mas o conjunto da sociedade que, através de impostos, colabora para que isso aconteça.

            Nos Estados Unidos da América, por exemplo, no ano passado, nada menos que 26,6 milhões de famílias receberam US$56 bilhões na forma desse crédito fiscal. Pergunto-lhes: deveríamos nós, tais como outros países que já adotaram sistemas semelhantes, protestar junto à OMC contra este subsídio ao trabalho, ou deveríamos fazer de maneira semelhante ou até melhor? Digo que devemos fazer de maneira semelhante ou até melhor.

            E qual é a melhor maneira? Onde está a evidência de que é melhor? A evidência de que é melhor está nos Estados Unidos da América, num dos Estados, onde, há 28 anos, instituiu-se um sistema pelo qual se paga a todos os habitantes, ali residentes há um ano ou mais, um dividendo simplesmente igual para todos.

            Hoje, no Alasca, há cerca de 700 mil habitantes. Todos os anos, eles recebem um dividendo que foi passando do nível de uns US$300, no início dos anos 80, para, em 2008, por exemplo, US$3.269, igual para todos os que lá residiam há um ano ou mais.

            Mas, como assim: vamos pagar até aos senhores, ao Senador Inácio Arruda, à Presidenta Dilma, ao Presidente Lula, ao Governador Alckmin, ao Senador Suplicy, à Xuxa, ao Pelé, ao Antonio Ermírio de Moraes, uma renda básica igual ao José, ao Antônio, à Maria, ao João? Sim. E por que razão? Obviamente, os que têm mais contribuirão para que todos os demais venham a receber.

            E quais as vantagens? Eliminamos inteiramente a burocracia envolvida em ter de saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, qualquer estigma ou sentimento de vergonha da pessoa precisar dizer: “Eu só recebo tanto e, por isso, mereço tal complemento”; eliminamos o fenômeno da dependência que acontece quando se tem um sistema que diz “Quem não recebe até certo patamar tem o direito a tal complemento de renda”. E a pessoa está por decidir “Vou ou não iniciar essa atividade econômica, que vai me render esse tanto? Mas, se eu realizá-la e receber esse tanto, vem o governo e me tira o que eu estava recebendo e, se eu preferir deixar de fazer, acabo entrando na armadilha da pobreza ou do desemprego.”

            Mas é justamente do ponto de vista da liberdade e da dignidade do ser humano, de que nos fala Amartya Sen, que aquela jovem, que, por vezes, por falta de alternativa para o sustento de sua família, resolve vender o seu corpo, ou para o jovem que resolve se tornar um membro da quadrilha de narcotraficantes ou do trabalhador, no meio rural brasileiro, que, às vezes, resolve aceitar uma condição de trabalho quase de escravo por falta de alternativa, essas pessoas, no dia em que houver a renda básica de cidadania, passarão a ganhar o poder de dizer “Não, agora eu não vou mais aceitar esse tipo de situação. Vou poder aguardar outra oportunidade que me proporcione maior satisfação, mas de acordo com a minha vocação.”

            É nesse sentido, portanto, que esse instrumento significará um avanço muito grande. Obviamente, ainda hoje ouvimos a exposição tão bem formulada pela Ministra Tereza Campello, na nossa Comissão de Assuntos Econômicos e Comissão de Assuntos Sociais, sobre os avanços que aconteceram em função do Programa Bolsa Família e demais programas sociais que contribuíram para significativamente erradicar a pobreza e diminuir a desigualdade no Brasil.

            Sabem todos os Srs. Economistas e Srªs Economistas que o nosso coeficiente de índice de desigualdade de 0,53, muito mais baixo do que acima de 0,60, nas décadas de 80 e 90, nos coloca ainda em décimo lugar dentre os países mais desiguais do mundo. Portanto, nós precisamos avançar muito mais. Esse é um grande desafio para todos nós, economistas.

            Gostaria de convidá-los a refletir bastante sobre isso e, se estiverem de acordo com a proposição da renda de cidadania, tal como eu explico no meu livro A Saída é pela Porta e tal como Ziraldo tão bem explicou nessa pequena cartilha que lhes dei, poderão todos escrever à Presidenta Dilma Rousseff, como inúmeras pessoas têm feito. Trata-se de uma boa idéia. Já é lei, a senhora pode, em breve, colocar em prática. Não dá para fazer de um dia para o outro, mas dá para fazer se tivermos o firme propósito de se chegar a ela em algum bom tempo, na medida em que todos nós tivermos a consciência de que é uma boa proposição. Inclusive, tal como os programas Bolsa Escola e Renda Mínima, associados à educação, se iniciaram com o Governador Cristovam Buarque no Distrito Federal, com o Prefeito José Magalhães Teixeira em Campinas, por Antônio Palocci em Ribeirão Preto e tantos outros Municípios, até se tornar o que é hoje o Bolsa Família, é perfeitamente possível; inclusive que Municípios, tal como já acontece com a lei aprovada em Santo Antônio do Pinhal, no interior de São Paulo, possam realizar experiências pioneiras da renda básica de cidadania, até que venhamos a torná-la realidade em todo o Brasil.

            Tenho a convicção de que essa é uma missão, sobretudo, de economistas, uma vez que todos somos discípulos de Celso Furtado.

            Muito obrigado e parabéns aos economistas brasileiros. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2011 - Página 38206