Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao alfabetizador Paulo Freire, que completaria, no último dia 19, 90 anos de idade.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao alfabetizador Paulo Freire, que completaria, no último dia 19, 90 anos de idade.
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/2011 - Página 38575
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, PEDAGOGO, NECESSIDADE, COMBATE, ANALFABETISMO, DEFESA, MELHORIA, QUALIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, ESCOLA PUBLICA, EDUCAÇÃO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta semana, três dias atrás, completaria 90 anos Paulo Freire. De todos os brasileiros que tivemos em nossa história, poucos tiveram a dimensão internacional de Paulo Freire, e nenhum a dimensão de pedagogo que teve Paulo Freire, a dimensão de um pedagogo libertário, a dimensão de um alfabetizador de massas. Nenhum. É comum encontrarmos estátuas, bustos de Paulo Freire, Srª Senadora, em países pelo mundo afora, são comuns ruas com o nome de Paulo Freire em diversos países do mundo. Enquanto se comemora o seu aniversário - ele já não está mais aqui -, pergunto-me o que diria Paulo Freire se estivesse vivo nos dias de hoje. O que pensaria Paulo Freire da realidade que temos no Brasil sob o ponto de vista educacional? Não tenho dúvidas de que Paulo Freire ficaria frustrado com o trabalho que fizemos, desde a sua morte, há alguns anos. Para termos uma ideia, desde a morte de Paulo Freire até hoje, o número de analfabetos, praticamente, não caiu no Brasil. Na época do seu falecimento devíamos ter cerca de 15 milhões de analfabetos. Hoje, temos 14 milhões e 100.

            Sei que a Presidenta Dilma está em Nova York e sei que Paulo Freire já não está mais conosco, mas seria bom que ela pudesse ouvir a voz de Paulo Freire, e não é difícil. Para ouvir a voz de Paulo Freire basta ouvir a voz dos 14 milhões de brasileiros analfabetos que caminham sobre o nosso território. As vozes deles são as vozes de Paulo Freire. São as vozes daqueles que dizem: “Por que não me ensinaram a ler?”. Por que se mantém essa escravidão que sofre hoje, no mundo moderno, aquele que não é capaz de decifrar os símbolos que representam o seu idioma?

            Mas eu não gostaria que a Presidenta ouvisse apenas as vozes dos analfabetos de hoje, eu gostaria que a Presidenta ouvisse as vozes que vêm - a mim pelo menos me chegam, Senadora Ana Amélia - de daqui a 20 anos para frente. A mim chegam vozes daqueles que hoje não estão tendo educação, quando eles falarão já adultos sem terem tido educação.

            Aqui me chegam vozes daqueles que daqui a 20 anos gritarão para nós: “Por que não me deram educação? Por que não me ensinaram aquilo que é preciso para enfrentar as dificuldades do mundo moderno? Por que não me deram educação para que eu pudesse servir ao meu País, nesses tempos de uma economia baseada no conhecimento? Por que não me deram educação para que eu ajudasse a quebrar a desigualdade social que há no Brasil e aumentar a eficiência que o Brasil precisa ter?”.

            As vozes daqueles lá de trás vão nos dizer: “Por que não me ajudaram a estudar o suficiente para combater com veemência a corrupção que toma conta do País hoje?”, e vai continuar tomando daqui a 20 anos, se não formos capazes de fazer uma revolução educacional, não porque os corruptos sejam analfabetos, bem ao contrário. Todos os corruptos têm anel de doutor no dedo, mas se elegem graças ao fato de que aqueles que são sem educação são necessitados e, pela necessidade, trocam voto por algum benefício.

            Inteligentemente, quem tem um filho doente e não tem dinheiro para comprar remédio, inteligentemente troca o seu voto por um remédio. Inteligentemente. Porque o futuro, a sobrevivência, a saúde do seu filho é mais importante para ele, naquele instante, do que o que vai fazer um político anos depois, quando chegar ao Congresso. Até porque também eles desconfiam dos outros que não querem comprar os votos. E aí, se são todos iguais, é melhor votar naquele que dá dinheiro para comprar o remédio.

            As vozes já estão gritando de hoje, embora só sejam faladas daqui a 20 anos. Sabe por quê, Senadora Ana Amélia? Porque, para ouvir as vozes do futuro, basta ir a uma escola de hoje. As escolas falam! As escolas falam dizendo como é o futuro do País, um País com escola sem qualidade e professores desmotivados pelos baixos salários e pela falta de exigências. A escola caindo, sem equipamentos modernos, com alunos desmotivados tanto ou mais que os professores, essa escola é o retrato de um País feio que teremos daqui a 20 anos.

            As escolas falam! Eu, pelo menos, ouço as escolas quando passo em frente a uma delas.

            Quando passo em frente a uma escola com os garotos e garotas bem vestidos, contentes, estudando em prédios bonitos, com professores bem remunerados e bem equipados, ouço a voz de um futuro bonito para aquelas crianças. Eu ouço a voz de um futuro bonito para o País que elas construiriam se elas fossem a totalidade da população, mas elas são minoria, essas são poucas das 200 mil escolas.

            Quando vou para outra, ouço a voz do grito, da tragédia que será o futuro do Brasil retratado hoje na cara que tem a escola. Na alegria que têm as crianças, que é desencanto, no desencanto que têm os professores e no desprezo que têm os outros que estão fora dela e que passam por ali sem perceberem que ali está o retrato do Brasil futuro, e as pessoas não se chocam. Não se chocam nem mesmo como o e-mail que recebi ontem e que tem a foto dos 12 estádios brasileiros e a foto das escolas brasileiras.

            São fotos, Senadora Ana, chocantes. Os 12 mais belos estádios do mundo e as escolas mais feias do mundo, uma ao lado da outra. Eu queria que a Presidenta Dilma ouvisse essas vozes, as vozes que vêm da frente, lá do futuro, e as vozes do futuro já são faladas nas escolas de hoje, e que ela lembrasse que não é difícil resolver isso. Não é rápido, não se faz de um dia para o outro, nem mesmo de um ano para o outro, mas se começa no período de um Presidente que queira ou de uma Presidente que queira. E, ao longo de 10, 15, no máximo 20, 25 anos, a gente poderia ter todas as escolas sorrindo para a gente, em vez de gritando para nós, manifestando um futuro bonito que este País pode ter, em vez de um futuro feio que, certamente, terá se não fizermos essa revolução.

            Para nós subirmos o custo atual de um aluno de R$1.400, R$1.500, R$1.600 por ano para R$9.000, o que é preciso - e o custo de R$9.000 de um aluno por ano equivale a pagar R$9.000 de salário mensal para o professor -, se a gene fizesse isso, ao longo do tempo, o Brasil era outro. O Brasil era outro. E a gente poderia, daqui a dez anos, ao comemorar o centenário de Paulo Freire, poder dizer que o Brasil não apenas teve o mais importante pedagogo do século XX. Não apenas isso. O mais importante pedagogo do século XX, que nasceu no Brasil, ele poderá, 100 anos depois, ter deixado a sua contribuição, naquela época, para que o Brasil seja diferente. Senão, daqui a 10 anos, vamos comemorar o centenário desse grande brasileiro com a mesma tristeza que temos ao vermos que o trabalho dele não foi capaz de fazer aqui o que ele foi capaz em outros países; que o trabalho dele não foi capaz de fazer aqui porque faltou o apoio, faltou o compromisso de nós, políticos, para que outros pedagogos e professores, educadores como ele, pudessem fazer o trabalho.

            Presidenta Dilma, Senadores, nós todos, Deputadas e Deputados, nós todos que temos a obrigação de construir este País, por favor, nos 90 anos desse grande brasileiro, ouçamos as vozes que vêm do futuro, dizendo: “Naquele tempo, vocês não fizeram o que deveriam fazer e hoje nós estamos pagando com um Brasil triste, sem condições de concorrer internacionalmente, desigual socialmente, indefensável militarmente”, inclusive, porque hoje a defesa nacional depende da educação do seu povo.

            Vamos aprender com Paulo Freire mais uma vez, não apenas lendo os seus livros, mas lembrando que as escolas, elas falam, elas gritam, elas ensinam, elas mostram como vai ser o Brasil do futuro. Não deixemos que o Brasil do futuro tenha a cara triste das escolas do Brasil de hoje.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/2011 - Página 38575