Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem aos 86 anos de fundação do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos 86 anos de fundação do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2011 - Página 38676
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, INSTITUIÇÃO ARTISTICA, ENSINO SUPERIOR, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Marta Suplicy, quero, em primeiro lugar, cumprimentar o Magnífico Reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Exmo Sr. Professor Paulo Gomes Cardim; a Diretora Financeira do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Srª Maria Lúcia Gomes Cardim; a Diretora Administrativa, Srª Priscila Gomes Cardim Avena; e a Diretora de Planejamento, Srª Patrícia Gomes Cardim Anastasi.

            Temos também aqui alguns convidados que eu gostaria de cumprimentar: o Chanceler da Universidade de Franca, o Professor Clóvis Eduardo Pinto Ludovice; o Presidente da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, Sr. Roberto Dornas; o Presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Estado do Maranhão, Sr. Professor Raimundo Soares Figueiredo; e todas as senhoras e os senhores que são membros do corpo docente e discente do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

            Eu tenho muita satisfação de ter sido um dos signatários, junto com a Senadora Marta Suplicy, para homenagear aqui uma instituição que já tem tanto tempo de vida, ou seja, uma instituição com todos esses quase 86 anos num país que tem menos de 200 anos de existência como nação é algo a ser celebrado. Oitenta e cinco anos, num país que não tem 200 anos. Se fosse na Grécia estaríamos comemorando mil anos.

            Ao mesmo tempo, a comemoração de uma entidade voltada para as belas artes em um país que não tem tanta tradição de cultuar as artes em geral.

            Nós somos um País que lamentavelmente, ao longo do tempo, temos sido muito entusiasmados cultuadores de alguns esportes, cultuadores de alguns bens de consumo, cultuadores que nós somos de praias, cultuadores até dessa coisa lúdica que compõe a maneira de ser do povo brasileiro. Mas não somos, por alguma razão do passado, cultuadores das artes e, portanto, das chamadas belas artes. Como também não somos cultuadores da cultura, da educação, do espírito no sentido intelectual. Algo houve no passado - se houvesse psicanálise social, iríamos descobrir - que fez com que nós déssemos valor ao tamanho e à cor do carro, à temperatura da cerveja, à limpeza do céu num dia de domingo na praia mais do que à riqueza de um bom curso universitário, de um bom ensino médio completo, de uma boa formação de ensino técnico e que déssemos importância à atividade cultural.

            Na Grécia antiga, ser rico queria dizer ser culto. Na Idade Média, perdeu-se um pouco esse lado e passou a ser virtuoso, depois passou a ser ter muito ouro, no mercantilismo. A industrialização fez com que ser rico seja ter uma boa conta bancária, muito dinheiro no banco, um carro grande na garagem e uma casa grande para morar.

            Vocês conseguiram, numa insistência de 86 quase, passar a ideia de que cultura é também parte do perfil de um povo rico. Por isso vale a pena a gente lembrar - porque estamos transmitindo a sessão ao vivo - para aqueles que não conhecem que a Academia de Bela Artes, como foi chamada no início, vem de 1925. Lembrar que o idealizador e fundador, Pedro Augusto Gomes Cardim, foi importante fomentador da vida cultural na capital paulista no início século XX.

            Além da Academia, Pedro Cardim participou da criação do Teatro Municipal, da Academia Paulista de Letras e do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. É impressionante notar, assim, o interesse de Pedro Cardim por diferentes manifestações artístico-culturais: as artes plásticas, o teatro, a música, a literatura.

            Para lembrar isso, basta uma citação importante dele: “Uma academia não é uma fábrica de produtos cerebrais morais ou artísticos, nem de aptidões e talentos. Uma academia é o centro cultivador das aptidões naturais, onde são desenvolvidas e se tornam aptas a frutificar”.

            Por trás disso está a ideia da importância da educação. A academia já é uma entidade posterior àquilo que a educação começa a gerar. A academia pode fazer o produto, mas a gestação está na escola, lugar onde as pessoas nascem pela segunda vez, porque os outros animais nascem uma só vez: saindo de um ovo; saindo de um útero. Mas as pessoas humanas nascem, pelo menos, duas vezes: quando saem do útero da mãe e quando entram na escola. Aí há um novo nascimento. Podemos citar outros nascimentos ao longo da vida, mas esses são os dois fundamentais.

            Ao dizer que a academia é um centro cultivador das aptidões naturais, onde são desenvolvidas e se tornam aptas para frutificar, o Dr. Pedro Augusto Gomes Cardim estava dizendo, sem falar, da importância da educação.

            Essa academia que ele criou, naquela época, 1925, foi inicialmente localizada na Praça da Luz, no mesmo prédio em que está a Pinacoteca do Estado. A Academia, aliás, foi responsável pela Pinacoteca, em seu início, durante sete anos.

            Em 1928, ofereceu o primeiro curso de arquitetura de São Paulo, de forma não vinculada a um curso de engenharia, como era prática comum naquele tempo.

            Não tive tempo de ver, mas tenho impressão de que deve ter sido o primeiro curso de arquitetura no Brasil. Não sei se foi ou não. O primeiro de São Paulo, não há dúvida, mas foi o primeiro que deu esse salto, retirando a arquitetura da prisão dos engenheiros - e fala aqui um engenheiro de formação.

            Os arquitetos eram prisioneiros. A arquitetura libertou-os da tutela do cálculo. Permitiu que a imaginação fluísse muito mais livremente, antes de se submeter ao cálculo, em vez de já nascer submetida ao cálculo. Em vez de já nascer submetida ao cálculo.

            Em 1932, foi rebatizada como Escola de Belas Artes. Nos anos 80, sua sede foi transferida para a Vila Mariana, onde está até hoje. E o nome mudou mais uma vez e passou a se chamar Faculdade de Belas Artes, sem perder o seu compromisso desde a origem.

            Em 2002, a escola ganha seu nome atual, Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo, mas seus professores, alunos e funcionários se referem, quase sempre, à instituição como, simplesmente, a Belas Artes, de tão forte que isso caracteriza a ideia da escola.

            A evolução da Belas Artes como instituição de ensino é notável. Basta dizer que, ao longo dos seus 85 anos de existência, comemorados no ano passado, os cursos oferecidos evoluíram quantitativa e qualitativamente. Aos cursos oferecidos quando a escola fora fundada, que era pintura, escultura e gravura, hoje reunidas no curso de artes visuais, somaram-se os cursos de arquitetura, design gráfico, design de produtos, design de interiores, publicidade e propaganda, rádio e TV, relações públicas, design de moda e relações internacionais.

            Isso mostra como ela, ao longo dos seus 85 anos, foi capaz de permanecer jovem. Imaginem, há 85 anos, falar-se em design no sentido que a gente hoje usa. Absolutamente impossível. E, vamos falar com franqueza - aqui vejo professoras e professores universitários -, ela não ficou amarrada, como hoje a gente vê a instituição universitária, muitas vezes, à sua estrutura de departamento, em vez de perceber que há outras formas de pensar. As disciplinas universitárias, algumas delas, já transmitindo um ensino superado, obsoleto e sem capacidade de mergulhar nos pensamentos novos que estão surgindo fora da universidade e não dentro.

            Vocês conseguiram atualizar-se. Não tiveram medo da palavra design, não tiveram medo das maneiras novas de fazer arte. A evolução da Belas Artes como instituição de ensino, portanto, é um exemplo para que as outras universidades do Brasil trabalhem.

            Em 1929, a Belas Artes recebeu uma distinção importante: foi premiada pelo Guia do Estudante como a melhor instituição particular de ensino superior na categoria Artes & Design. O MEC qualificou a Belas Artes como a instituição que está acima dos referenciais de qualidade na sua área de atuação. Aos alunos da Belas Artes, hoje, são oferecidos laboratórios, oficinas, ateliês, estudos, galerias, espaço de exposição, auditórios, biblioteca, áreas de convivência, em suma, as melhores condições que fazem feliz quem visita o seu campus, quem visita suas instalações.

            O corpo discente compõe-se hoje de mais de cinco mil alunos. Mais de 70% do corpo docente é formado por mestres e doutores, o que é um dos indicadores mais altos entre todas as instituições de ensino no Brasil. E, nos últimos três anos, mais de cinquenta pesquisas foram publicadas pelo programa de Iniciação Cientifica a cada ano.

            A Belas Artes, em toda a sua evolução - e talvez graças a isso, teve essa evolução -, tem sido administrada pela família Cardim. Seu Reitor, Dr. Paulo Antônio Gomes Cardim, é um dos que tem feito essa modernização, atualização, esse design novo dessa instituição.

            É com muito prazer que estou aqui, Senadora Marta. E lhe agradeço o privilégio de ter me trazido para esta homenagem. É com grande prazer que estou aqui para dizer que no, Brasil, apesar de todas as formas do passado que, de certa maneira, nos criaram uma cabeça que não dá tanto valor à cultura como deveria, apesar disso, temos instituições deste porte, que é capaz de fazer com que tenhamos esperança de o Brasil ser não apenas, como hoje todos se orgulham, celeiro de alimentos do mundo, não apenas um grande exportador de soja e ferro, nem mesmo apenas aquilo que desejo, ser um grande centro industrial da produção do conhecimento, de bens de alta tecnologia, mas ser também aquilo que é a razão de ser de cada um de nós: sermos portadores das artes, sermos portadores de cultura, sermos portadores da espiritualidade que consiste em a gente achar belo o que é belo. E como dizia...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - A beleza é feita para ser roubada. Roubada de dentro de um bloco de mármore, roubada dos pigmentos das tintas, roubada do lápis que desenha um prédio bonito. A arte é feita para ser roubada. E vocês têm conseguido fazer esse belo roubo do mundo da matéria para o mundo das artes, criando beleza e formando pessoas, que são operários produtores da beleza.

            Parabéns. E, como brasileiro, muito obrigado pelo o que vocês têm feito (Palmas.).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2011 - Página 38676