Discurso durante a 167ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a possibilidade de desvio de dinheiro público destinado às obras para a Copa do Brasil de 2014. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (DEM - Democratas/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • Preocupação com a possibilidade de desvio de dinheiro público destinado às obras para a Copa do Brasil de 2014. (como Líder)
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2011 - Página 38937
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, RISCOS, CORRUPÇÃO, PARALISAÇÃO, OBRAS, AUMENTO DE DOTAÇÃO, CUSTEIO, OBRA DE ENGENHARIA, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL.
  • CRITICA, INTERFERENCIA, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA), ESTATUTO, TORCEDOR, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, REALIZAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional, um calhamaço legislativo batizado de Lei Geral da Copa, o projeto 2.330, para constranger o Brasil daqui às Copas das Confederações, em 2013, e do Mundo, em 2014. O documento deve ter sido redigido na sede da Fifa e revisado na Casa Civil, lá e cá por gente que ignora a legislação brasileira, inclusive a Constituição. Possui agressões à cidadania e aos direitos do consumidor. Continua errado o que desde o início não está certo.

            Para o Brasil disputar a indicação e abrigar a Copa 2014, o então Presidente Lula sojigou sua bancada para aprovar às pressas o Estatuto do Torcedor, com uma enormidade de defeitos. Conquistada a sede, a Fifa tornou subservientes as autoridades. Ainda sob Lula, foram elaboradas as Garantias Governamentais, e, com Dilma Rousseff, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, o RDC. As partidas ainda nem começaram, e o Brasil já está perdendo de goleada.

            Em resumo, o RDC é um conjunto de autorizações para furtar. No princípio, pensava-se em R$12 bilhões para as obras da Copa. Sem princípios, os números não param de inchar. O Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União admite que ficarão em R$23,4 bilhões. Mas a Folha de S.Paulo informa que "a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, que tem acordo de cooperação técnica com a CBF e o Ministério do Esporte", calcula em R$112 bilhões. Um órgão do Governo propaga "x" e outro admite ser "x" mais 400%. Se eles confessam majoração quatro vezes superior, aguarde-se chuva de gols contra a probidade.

            O precedente é péssimo. Lula anfitrionou o PAN de 2007 e foi vaiado na abertura porque os gastos se revelaram mil por cento maiores que o previsto.

            Felizmente, há quem queira acudir a tempo, pois após torrarem o dinheiro, fica impossível reavê-lo. Às vezes, poucas vezes, o autor do desvio é pego e nunca devolve o montante roubado. Portanto, é necessário agir imediatamente, e é o que está fazendo o Ministério Público Federal. A desconfiança é manifestada pelo Procurador da República Athayde Ribeiro Costa, coordenador do Grupo de Trabalho da Copa. A preocupação do Dr. Athayde, o Procurador, que acompanha de perto as ações, é "com a falta de transparência nos investimentos, a precariedade dos projetos, os atrasos nas obras e a qualidade das garantias que serão os arrimos de financiamento e o RDC, que deve ser usado para acelerar licitações". Isso tudo dito entre aspas.

            Como o Doutor Athayde conhece a legislação e o comportamento dessa turma, diz que "há grande risco em financiar obras com projetos falhos e sem detalhamentos". Isso, segundo o Procurador, "porque o valor da obra será feito em estimativas aleatórias e futuramente serão demandados ativos acima dos limites legais. Está se confirmando o temor de que a desorganização conduza a uma situação de descontrole". Isso tudo disse o procurador. Assim, "aumentam os riscos de sobrepreço, de paralisação de obras, de obras inacabadas e corrupção", isso também dito pelo Procurador. São palavras que ele, que comanda o Grupo de Trabalho da Copa, chancela o tempo todo. As chances de irregularidades aumentaram com o RDC, contra o qual os procuradores-chefes nas cidades que vão receber grupos da Copa impetraram Ação Direta de Inconstitucionalidade. Em mais uma de suas felizes frases, o Doutor Athayde define de modo magistral o trambolho que o Legislativo vergonhosamente aprovou a mando do Planalto. Diz o Procurador da República: "O RDC é uma porta para a falta de controle dos gastos e para problemas que podem levar à elevação de custos".

            Senões de igual calibre foram levantados aqui no Senado - eu mesmo disse isso antes, vários Srs. Senadores disseram - antes de o Governo sujeitar o Parlamento a expelir na marra o Estatuto do Torcedor e o RDC. Novamente aos trancos, quer levar sua bancada ao barranco para aprovar a Lei Geral da Copa. Quem não leu, por favor, leia, tome ciência do absurdo que querem fazer com o Brasil. Está na íntegra em diversas páginas, inclusive no site aberto com dinheiro público exclusivamente para o evento, o www.copa2014.gov.br.

            A Lei Geral da Copa escancara o calendário de feriados, como se os que temos fossem poucos, atropela a propriedade industrial e coloca a Fifa no lugar da União. Não é exagero: se o trangalho encontrar guarida legal, os poderes Executivo e Legislativo estarão criando um Estado dentro do Estado, ou substituindo a República, Senador Presidente, substituindo a República do Brasil pelo império do Blatter. O projeto prevê que as autoridades nacionais só voltarão ao comando do País a partir de 1o de janeiro de 2015. Até lá, tudo que não presta ficará por conta da União e o que der lucro será da Fifa.

            O mal partiu das Garantias Governamentais e atravessou na garganta do País. Como engolir que o logotipo e a musiquinha da Fifa tenham mais amparo da lei que a Bandeira e o Hino Nacional? Se violar o grande símbolo hasteado no coração dos brasileiros e a canção que move a nossa terra, o agressor paga multa de um a quatro salários mínimos e, se reincidente, paga o dobro. Quando a Lei Geral da Copa trata da "utilização indevida de símbolos oficiais", na seção "Dos crimes relacionados aos eventos", o art. 16 tipifica que "Reproduzir, imitar ou falsificar indevidamente quaisquer símbolos oficiais de titularidade da Fifa”, a pena será de “detenção de três meses a um ano, ou multa". O inciso XVIII do art. 2o, da Lei Geral das Copas lista o que a Fifa nomeou para seus símbolos oficiais: "Distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, lemas, hinos e quaisquer outros símbolos". Repito: o Governo vai obrigar sua bancada a aprovar um projeto considerando os ícones da Fifa superiores aos símbolos desta Nação. O hino da Fifa é mais importante e será punido mais gravemente aquele que usar indevidamente o hino da FIFA do que o Hino Nacional, Senador Cristovam Buarque. Profanar a Bandeira e o Hino do Brasil é contravenção e reproduzir a marca da Fifa é crime. É um absurdo.

            Se reincidir no desrespeito aos símbolos nacionais, para o infrator a multa dobra. Nos crimes contra os símbolos da Fifa, conforme as condições do infrator, a multa pode aumentar mil por cento. Vou repetir. Se profanar a Bandeira brasileira, a multa é multiplicada por dois. Se profanar qualquer símbolo da Fifa, a multa será multiplicada por mil.

            Então, a desproporção é tamanha, que o art. 121 do Código Penal prevê, em seu § 3º, detenção de um a três anos para autor de homicídio culposo - e V. Exª tem um projeto fantástico, nós estamos tentando trabalhar, V. Exª sabe disso, para tentar conter o homicídio culposo, transformando, inclusive, o carro num objeto de crime -, e um ano é a pena máxima para quem fizer marketing de emboscada com produtos da entidade máxima do futebol. É uma nova modalidade de crime na arena lotada de figuras típicas em que se transformou a seara jurídica tupiniquim. Está prevista em dois artigos da LGC, a Lei Geral da Copa. No 18, o marketing de emboscada por associação e, no 19, o marketing de emboscada por intrusão. Ou seja, matar sem intenção tem a mesma reprimenda que usar indevidamente algo da Fifa.

            Um exemplo, vamos ilustrar isso. Dois amigos vão ao estádio de futebol. Um vai a pé, o outro vai de carro. O que vai andando grita os slogans da Fifa. E atenção, não estamos falando em palavra de ordem contra, mas em lemas da própria Fifa. Vamos lá. Dos dois amigos que foram ao jogo da Copa, o que está a pé brada os slogans da Fifa, e o que está de carro bebe antes de dirigir, atropela e mata um pedestre. Os dois podem pegar a mesma pena: um ano de prisão. Nenhum vai para a cadeia, porque no Brasil é uma festa constante para quem comete crimes, mas dá ideia do disparate que é isso. É um disparate!

            A lei inteira é muito ruim, mas os arts. 26 e 33 são péssimos. O 26 manda conceder vistos de entrada "sem qualquer restrição quanto à nacionalidade, raça ou credo". Redação sofrível é uma das características dos documentos redigidos pelo Governo por ocasião da Copa. Esse caso é mais grave, acolhe o achincalhe à Constituição e ao próprio povo brasileiro. Quem disse para o autor dessa tolice que o Brasil restringe a visita de alguém por nacionalidade, raça ou credo? O Brasil é o maior país mestiço do mundo. Quando é que alguém deixou de entrar aqui? Pelo contrário. Este é um país, Sr. Presidente, em que as pessoas são respeitadas pelo que pensam, são respeitadas pela religião que têm, são respeitadas por sua etnia. Como é que a Fifa impõe isso e o Governo reproduz essa infâmia como se não estivesse na Constituição do Brasil?

            Pensam que o nosso País e um país de quinta categoria, Senador Paim? Isso é óbvio que nós respeitamos, é a tradição do Brasil, o Brasil que acolheu de negros, afrodescendentes a europeus a libaneses, a asiáticos. É um país, graças a Deus, mestiço, formidavelmente mestiço, e nos damos muito bem com essa nossa diversidade étnica.

            É um país admirado porque não tem ódio racial. Agora, vem a Fifa e enfia aqui dentro esse tipo de coisa como se o Brasil fosse um país de quinta categoria. O Governo brasileiro não poderia ter cedido a isso. Quando foi e, especialmente hoje, quando foi que o Brasil discriminou a entrada de alguém aqui, Sr. Presidente? Senador Paulo Paim, quando foi que o Brasil fechou as portas porque alguém é evangélico, porque alguém é espírita, porque alguém é católico? Nunca aconteceu isso neste País.

            Então, Sr. Presidente, nosso País é historicamente rigoroso quanto à discriminação. A Carta Magna veda a prescrição do crime de racismo. A liberdade religiosa, também é assegurada constitucionalmente e é sagrada em todas as unidades da federação, com uma convivência pacífica, modelo para qualquer nação integrante da Fifa. O Governo se rebaixou ao tolerar a insinuação de que apenas desde as Garantias Governamentais acertadas por Lula e até 31 de dezembro de 2014 o Brasil vai aceitar pessoas "sem qualquer restrição quanto à nacionalidade, raça ou credo". E no § 1o admite que ingresso vendido pela Fifa seja documento que viabilize a entrada no País. Substitui o Itamaraty.

            O art. 33 revoga, ainda que parcialmente, institutos que fazem do Brasil referência internacional nas respectivas áreas. A Consultoria Legislativa do Senado conclui que esse artigo "pretende atribuir à Fifa poderes contratuais absolutamente incompatíveis com o Código de Defesa do Consumidor". O caput confere à Fifa prerrogativas à moda de Kadafi e Mubarak; pode cancelar, remarcar, realocar, fazer o que quiser com os jogos e a devolução da importância paga pelos ingressos. Se considerado como regra atributiva de competência genérica para oferecer forma final ao contrato de adesão, o dispositivo é inócuo e dispensável, uma consequência lógica do direito dos contratos. Tomado como cláusula que defere poderes arbitrários ao fornecedor do serviço, viola direito básico do consumidor, ao suprimir sua possibilidade de escolha da alternativa que lhe seja mais favorável. A Lei Geral da Copa inverte as prioridades: o Código de Defesa do Consumidor desequilibra a relação de consumo em favor da parte mais vulnerável, a Lei Geral da Copa põe a garganta do torcedor sob as travas da chuteira da Fifa.

            A violação da Política Nacional das Relações de Consumo alcança o segundo tempo no inciso I do art. 33. A Fifa pode tudo, modificar datas, horários ou locais mediante mero reembolso do valor do ingresso - vou repetir: tudo isso pode ser feito e a FIFA só devolve o valor do ingresso - ou concessão de direito de comparecer ao evento.

            Assim, Senador Paulo Paim, Senador Cristovam, V. Exªs, que tiveram a oportunidade de votar o Código de Defesa do Consumidor, isso derroga tacitamente o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor, que vincula o fornecedor à publicidade realizada, tornando-a parte integrante do contrato. A escolha é do torcedor, não da entidade, determina o § 2o do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor. Se houver mudança na data, horário ou local da competição, a Fifa terá de cumprir o inciso VI do Código de Defesa do Consumidor e reparar os danos patrimoniais e morais.

Além do ingresso, Blatter teria de tirar do cofre para restituir despesas com passagens aéreas, traslado terrestre, hospedagens, alimentação, além do constrangimento pessoal.

            O que diz o Código de Defesa do Consumidor? Se houver um jogo no Rio de Janeiro - Brasil e Argentina, por exemplo, um clássico - então o torcedor sai de Brasília, pega um avião, vai se hospedar num hotel, vai pagar taxi, vai comer, e quando chegar lá, a Fifa cancelou o jogo, hipoteticamente. O que a Fifa está dizendo? O que o Governo brasileiro está mandando dizer? Não se aplica de jeito nenhum o Código de Defesa do Consumidor. A Fifa vai ter que devolver o ingresso ou fazer com que a pessoa eventualmente assista a um novo jogo.

             Então ela não será indenizada pelo constrangimento que teve, não será indenizada pela passagem aérea que comprou, não será indenizada pela hospedagem que teve que pagar, sua diária de hotel nem alimentação nem coisa nenhuma.

            Ora, temos que aplicar o Código de Defesa do Consumidor. A Fifa não pode chegar aqui com uma lei especial, que ela quer aplicar, Não vamos aceitar! O Congresso brasileiro não pode admitir que isso aconteça. Do contrário, feriria a Constituição, que em dois incisos do art. 5º impede a precificação e limitação do valor da indenização, condizente com a gravidade da violação. Cada caso é um caso e a indenização é paga segundo a gravidade da violação cometida.

            Na Lei Geral da Copa, o sufoco contra o torcedor não tem intervalo entre o primeiro e segundo incisos. No art. II do art. 33, a Lei Geral da Copa vislumbra simplesmente afastar, no período das competições, a norma que proíbe como prática abusiva a chamada “venda casada”, prevista no art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. A comercialização conjugal é uma forma de elevar os preços dos ingressos, injetando-os em “pacotes turísticos ou de hospitalidade”. Ou seja, se o torcedor quiser somente assistir ao jogo, ouvirá que tem de adquirir junto outros penduricalhos. Aí é fantástico: “não, eu quero só assistir ao jogo.” Não, não. Tem de se hospedar no hotel, tem de fazer isso, tem se assistir ao show tal. Isso é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor.

            Calma que o art. 33 ainda não acabou, Senador Paulo Paim. Resta o inciso III com um time completo de irregularidades. As entidades de futebol conservam práticas medievais, mas são atualíssimas quando o assunto é faturar. Por isso, o Governo planeja presentear a Fifa com o dinheiro de quem realizar negócios com ela via Internet. Assim, digitou com luva o inciso iii do art. 33 da Lei Geral da Copa para derrogar o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que defere ao consumidor, no caso de compras a distância, o direito de desistir da contratação e ser integralmente reembolsado pelos valores pagos, corrigidos monetariamente. O meio de comprar teve incríveis avanços tecnológicos, mas o de lesar permanece antigo. É só enfiar a mão no bolso do outro, agora por meio de um clique

            Então, agora, acabou esse direito. Institui, inclusive, uma cláusula penal, uma pena civil para aquele que proceder de acordo com a lei brasileira. Se cumprir a lei brasileira, corre o risco de pagar uma grave multa.

            O Código de Defesa do Consumidor é um dos mais modernos diplomas entre as nações democráticas. Não tiveram a decência de observar isso na construção da Lei Geral da Copa, que o surra impiedosamente. Quando esquecem o fair play, afastam o Código de Defesa do Consumidor por meio do artifício do silêncio. O artigo 42 da Lei Geral da Copa menciona a aplicação subsidiária de três leis: a de "proteção da propriedade intelectual de programa de computador", a Lei de Direitos Autorais e a Lei de Propriedade Industrial.

            E o Código de Defesa do Consumidor? Ele não existe no Brasil? Nada diz a propósito do Código de Defesa do Consumidor. De maneira sub-reptícia, voou de carrinho no joelho dos torcedores, inclusive dos estrangeiros, que deixarão de se beneficiar de uma das legislações consumeristas mais avançadas do planeta.

            O Congresso Nacional é a última barreira entre o fã de futebol e os abusos. Para evitá-los, é nossa tarefa submeter a Fifa ao sistema jurídico especial de defesa do consumidor.

            Não é o Brasil que tem que se submeter à Fifa, é a Fifa que tem que se submeter ao Brasil. A Fifa está certa ao pedir horrores ao Governo, este é que erra ao ceder, como no conteúdo dessa proposição específica para a Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo de 2014.

            Deputados e Senadores, temos a missão de frear o instinto selvagem dos dirigentes da FIFA, que garroteiam o Executivo, mas haverão de encontrar o beque, ou um breque, no Legislativo.

            O Projeto de Lei nº 2330 precisa ser alterado para virar Lei Geral da Copa. Se nesta análise apontei várias ressalvas, elas estacionaram lá intencionalmente.

            Os barões da FIFA não investiriam na confecção de uma lei com falhas. Tudo que está ali é porque eles querem e, se eles querem, eles podem.

            Sobram itens que gostaria de confrontar, como a isenção de tudo. A Fifa não paga nada, tem benesses, não arca com custas, emolumentos, nada, nada. Mas, numa primeira leitura da Lei Geral da Copa, antes de ela cumprir estágio na Câmara e chegar ao Senado, assusta a ousadia da Fifa e dos governistas que se ajoelham a seus ditames. O que critico aqui, pelo excesso de violência com entidade, ela considera pouco.

            Saiu notícia de que a FIFA divulgaria que a Lei Geral da Copa de Dilma não atinge 100% das garantias governamentais de Lula. Ou seja, a Fifa ainda acha pouco, quer a suspensão temporária de dois estatutos: o Estatuto do Torcedor e o Estatuto do Idoso.

            Agora imagine V. Exª, Senador Paulo Paim, que é autor da proposta do Estatuto do Idoso. Eu tive a honra de relator o Estatuto do Idoso. A Fifa, Senador Cristovam Buarque, quer simples que o Governo suspenda temporariamente o estatuto do torcedor e o estatuto do idoso quando confrontarem com essa Lei.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Demóstenes Torres, permita-me um aparte?

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Concedo a palavra ao ilustre Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Mas eu não estou acreditando. Então, eu sou obrigado a perguntar a V. Exª que esclareça tanto a nós aqui no Plenário quanto quem está assistindo o seu pronunciamento pela TV Senado. Quer sustar o estatuto, suspender?

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/ DEM - GO) - Suspender o Estatuto do Idoso.

            O SR. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Não vale o Estatuto do Idoso durante a Copa.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Em relação à prioridade para compra, prioridade para local.

            Então, a FIFA quer que todos os idosos tenham exatamente todo o tratamento que nos dissemos aqui que nós não temos. Não veio nessa lei, mas já está anunciado que a Fifa considera pouco o que a Presidente Dilma Rousseff fez com essa lei - que já acho absurda - e quer que, primeiro, 100% das garantias dadas pelo Presidente Lula sejam cumpridas, matando o Direito brasileiro, e, segundo, que se suspenda, temporariamente, durante a Copa, exclusivamente para os eventos, a aplicação do Estatuto do Idoso e do Estatuto do Torcedor.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Isso é inaceitável. Se a moda pega, outros setores, em certos momentos, também pedirão que não se aplique o Estatuto do Idoso, nem o da Igualdade Racial - que V. Exª mediou, e construímos um grande entendimento -, o Código do Consumidor. É inaceitável. Com certeza, isso não passará.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Vamos lutar juntos, Senador Paulo Paim. Confio em V. Exª, porque sei do seu espírito público. V. Exª já deu mostras disso aqui, incontáveis vezes, assim como o nosso Senador que preside esta sessão, Senador Cristovam Buarque.

            Então, vai exigir que não interrompamos a Fifa. Quer a Fifa - como dizia - a suspensão temporária de dois Estatutos: o do Torcedor e o do Idoso, nas linhas que a Fifa entender que contrariem seus cofres. Vai exigir que não interrompamos sua intenção de “impor preços excessivos ou aumentar sem justa causa os preços dos produtos alimentícios comercializados no local de realização do evento esportivo”.

            Agora, veja a que nível nós chegamos. A Fifa está dizendo o seguinte: o Brasil, que é o maior produtor de alimentos do mundo, o maior exportador de commodities - várias commodities, em primeiro lugar -, que, inclusive, sustenta, de certa forma, o preço barato dos alimentos no mundo, a Fifa quer uma garantia de que o Brasil diga que nesses locais, como, por exemplo, o Rio de Janeiro, o restaurante não vai aumentar o preço.

            Acho que a Fifa não conhece competição, não é, Senador Cristovam Buarque? Porque, se aumenta a competição, a regra é que aconteça o quê? A regra é que o preço da alimentação no Brasil - os outros serviços são muito caros -, que é relativamente barata, caia. A Fifa quer voltar ao sistema do tabelamento de preços, que tantos males já causou ao Brasil?

            Enfim, para encerrar, Sr. Presidente - obrigado pela tolerância -, se o Brasil está perdendo o jogo antes do apito inicial, a Copa do Mundo de 2014 já tem uma seleção campeã: é a seleção da Fifa.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PDT - DF) - Senador Demóstenes Torres, eu aqui, da cadeira de Presidente, não posso fugir de fazer alguns comentários, mas são do final.

            Ao pedir que controle os preços, a Fifa está pensando que temos aqui um regime autoritário do planejamento estatal que definia os preços na União Soviética. Como todos sabemos que não tem, sabe o que vai acontecer? O pessoal vai começar a aumentar o preço agora com medo de ser punido por um aumento durante a Copa. Então, vão provocar uma inflação de custos aqui dentro.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Belo raciocínio.

            O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PDT - DF) - Segundo, quero lembrar que, quando eu era jovem, existia aqui um embaixador americano chamado Lincoln Gordon, que tentava mandar em tudo. E nós, jovens na rua, gritávamos: basta de intermediário, Lincoln Gordon para presidente. E acho que agora a gente deve gritar: basta de intermediário, Joseph Blatter para presidente.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Ótimo.

            O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PDT - DF) - Por que é um absurdo a tentativa de influir dessa maneira.

            E aí quero concluir dizendo o seguinte: se o que está nessa lei é ruim, a gente não deve aceitar durante a Copa. E se o que está nessa lei foi bom, a gente deve aceitar permanentemente, independente da Copa.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - É verdade.

            O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PDT - DF) - Então, vamos analisar a lei, independentemente da Copa e ver: o que é bom, fica, o que é ruim, não podemos aceitar essa submissão brasileira a uma instituição internacional. E não vamos aceitar essa ideia, que faz 50 anos, do Lincoln Gordon, de dizer que basta de intermediário. Joseph Blatter para presidente.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO) - Parabéns a V. Exª pela conclusão.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2011 - Página 38937