Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Proposta de mudanças no rumo da discussão sobre a distribuição dos recursos provenientes da exploração do petróleo.

Autor
Aécio Neves (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Aécio Neves da Cunha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Proposta de mudanças no rumo da discussão sobre a distribuição dos recursos provenientes da exploração do petróleo.
Aparteantes
Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/2011 - Página 39418
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, OBJETIVO, DEFINIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PRE-SAL, CRITICA, RETIRADA, RECURSOS, ESTADOS, MUNICIPIOS, PRODUTOR.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna para falar de um tema para mim corriqueiro e que, para a minha alegria e a de milhões de brasileiros, vem sendo tratado, nos últimos tempos, nos últimos meses em especial, por vários parlamentares desta Casa. Refiro-me, Sr. Presidente, àquilo que, na minha avaliação, está na raiz primária dos mais graves problemas que enfrentamos hoje no Brasil. Falo, Sr. Presidentes, Srªs e Srs. Senadores, da fragilização da Federação brasileira.

            Federação é hoje uma palavra escrita solta numa folha de papel. Não tem absolutamente nenhuma correspondência com a intenção daqueles que afundaram ou com a realidade com a qual cotidianamente convivemos.

            Volto ao tempo, Sr. Presidente, para lembrar que Rui Barbosa costumava dizer que era republicano não por ser contra o Império, mas porque o Império não era federalista.

            Somos, portanto, Sr. Presidente, um país das mais diversas condições sociais, com espaço geográfico quase continental, que caminha, a cada dia e a cada instante, para se tornar quase que um país unitário, Sr. Presidente.

            Hoje tive a alegria de, ainda no meu gabinete, no final da tarde, ouvir um pronunciamento do Senador do Estado do Rio de Janeiro Lindbergh Farias, que aqui alertava para o perigo que corre a Federação brasileira.

            E falo à Casa da Federação. Somos todos, acima de qualquer outra missão, representantes da Federação brasileira. E temos, Sr. Presidente, à nossa frente, uma oportunidade única, e temos o dever de não a perder, porque somos aqui, Sr. Presidente, Senador Lindbergh - que tenho a alegria de reencontrar neste instante no plenário -, não apenas porta-vozes dos interesses individuais, setoriais ou mesmo regionais daqueles que nos elegeram; estamos aqui para defender as prerrogativas desta Casa, porque a população nos delegou esse dever quando nos elegeu.

            E agora, mais do que em qualquer outro instante, mais até, ouso dizer, Sr. Presidente, do que em qualquer outra legislatura recente, esta que temos aqui o privilégio de compor tem em suas mãos uma oportunidade única de recompor a Federação na sua essência, a partir, em grande parte, da distribuição mais justa dos tributos.

            Quero tratar, Sr. Presidente, de um tema que vem tomando espaço gigantesco nas discussões desta Casa e fora dela. Estamos prestes, a poucos dias, de definir como será a distribuição dos recursos do pré-sal. Criou-se aqui uma falsa e perigosa discussão que colocava, de um lado, Estados ditos produtores e, em oposição a eles, Estados ditos não produtores.

            Sr. Presidente, essa questão que trata da partição dos recursos do pré-sal está nos levando a abandonar questões absolutamente essenciais, que têm tido pouco espaço nessas discussões.

            Trago aqui, por exemplo, Sr. Presidente, uma dúvida pessoal, mas de muitos. Será, por exemplo, que as participações governamentais do resultado da exploração do petróleo são aquelas que deveriam ocorrer? Será que o Fundo Social, como foi criado, atende de fato, Sr. Presidente, aos interesses nacionais? Estamos realmente levando toda essa discussão buscando atender os interesses da Nação ou os interesses circunstanciais da política e de regiões?

            Creio, Sr. Presidente, que precisamos operar mudanças e avanços fundamentais na discussão do pré-sal, mudanças que tenham como base marcos temporais, legais e técnicos já existentes, sem prejuízo daquilo que almejamos alcançar ou daquilo com que sonhamos.

            Em primeiro lugar, Srs. Senadores, há que se considerar a exploração do petróleo e gás atualmente em curso sob o regime de concessão. Não se pode pensar em alterar as regras de distribuição dos royalties, promovendo a retirada de recursos de Estados e Municípios produtores, uma vez que esse direito foi e é assegurado pela Constituição a esses Estados.

            Digo isso, Sr. Presidente, porque está na hora de invertermos definitivamente essa discussão. Cito aqui um dado que emoldura a tese que passo a defender: apenas, Presidente Cícero Lucena, no primeiro semestre deste ano, de janeiro a agosto, o Governo Federal teve sua receita acrescida, em valores reais, de 13% em relação ao mesmo período do ano anterior.

            Conversava hoje com parlamentares ligados à Frente da Saúde, que lembraram que, até a criação do SUS, em 1980, o Governo Federal contribuía com 75% de tudo aquilo que se investia na saúde; hoje, não alcança 45%.

            Fui Deputado Constituinte, Senador Armando Monteiro. Naquele tempo, as contribuições que eram apropriadas exclusivamente pela União representavam pouco mais de 20% do total que se arrecadava com IPI e Imposto de Renda no Brasil. De lá para cá, por vários governos - e essa responsabilidade não é de um governo apenas, faço justiça -, com o crescimento das contribuições e a diminuição no conjunto da arrecadação - e V. Exª conhece tão bem esse assunto do impacto do Imposto de Renda e do IPI, que são impostos compartilhados com as unidades federadas -, as contribuições saltaram hoje, no seu somatório, para mais de 100% de tudo o que se arrecada com aquilo que é compartilhado com Estados e Municípios.

            Digo isso porque não será tirando recursos de nenhum Estado produtor, em especial do Rio de Janeiro, que vamos redefinir ou refundar a Federação no Brasil. Nós temos de construir uma nova agenda. E, de toda essa discussão, de todas as propostas que analisei e o Congresso tem analisado, chama-me a atenção uma, patrocinada pelos Senadores Francisco Dornelles, Lindbergh Farias, Delcídio do Amaral, Ricardo Ferraço, entre outros, que propõe sejam revistas, entre outras mudanças, as regras relativas à participação especial na exploração do petróleo no atual regime de concessão, de sorte a aumentar, de imediato - e isso é essencial - a parcela de recursos destinada a Estados e a Municípios não produtores de petróleo.

            Não é possível que queiramos aqui, de um lado, criar, como defenderam alguns até agora, alguns emirados petroleiros no Brasil e, de outro lado, Estados que, por não terem tido a sorte de ter em seu território condições de explorar o petróleo ou essa riqueza, tenham um futuro diferente daquele que deveriam ter.

            Digo isso, Sr. Presidente, porque o encontro está no meio do caminho. Nem a proposta original, que não permite que, no futuro, ou pelo menos naquilo que está sendo agora colocado, ou que será colocado em concessão, possa haver a participação dos Estados não produtores. Mas defender o direito adquirido dos Estados produtores é o caminho adequado para construirmos, para esse tema, uma saída.

            Só há, Senador Walter Pinheiro, um caminho: os Estados brasileiros, a Federação brasileira se unir, e a contribuição para que nós tenhamos um Estado realmente isonômico ou, pelo menos, no caminho de uma isonomia social maior é a contribuição efetiva do Governo Federal. É ele que tem as condições, Sr. Presidente, Srs. Senadores, de dar uma contribuição maior. E caberá ao Congresso Nacional fazer aquilo que não tem feito ao longo desta Legislatura: impor a vontade dos brasileiros, a vontade da Federação brasileira, confrontando, se for necessário, com aquilo que tenho chamado de “hiperpresidencialismo”, portanto, um poder absoluto de um governo que, com o acúmulo das receitas que vem tendo nos últimos tempos, passa também a ter um poder político acima daquilo que era e é cabível numa democracia.

            Chamou-me a atenção, Sr. Presidente, um pronunciamento feito há poucos dias pelo ilustre acadêmico Eduardo Portella, quando da posse do grande jornalista Merval Pereira na Academia Brasileira de Letras. Ele falava desse “hiperpresidencialismo”, que, de alguma forma, inibe o Congresso e nos impede de exercermos as nossas prerrogativas, nos transformam em homologadores eminentemente das decisões do Governo Federal. Não há espaço nesta Casa, Senador Zeze Perrella, para discussões de fundo, sem que haja sempre o temor da força do Governo Federal a impedir que os Senadores possam expressar aqui as suas posições reais.

            Portanto, foi com alegria enorme - quero reiterar - que ouvi hoje a bravura do Senador Lindbergh ao opor-se à posição do Governo Federal e defender aquilo para que foi eleito: o direito não apenas do Estado do Rio de Janeiro, mas, como colocou no seu pronunciamento, da Federação brasileira.

            Disse Eduardo Portella, falando do “hiperpresidencialismo”:

Há que barrar a corrida frenética do "hiperpresidencialismo" no Brasil, do parlamentarismo desidratado, e dos aparelhos ideológicos de Estado. A tripartição dos Poderes, que foi um dia o sonho republicano, não se encontra menos abalada. Aliás, a cada dia, somos perigosamente tolerantes com a ausência de delimitação de fronteiras entre o público e o privado.

Democracia, mais do que um conceito, é o caminho. A morte da opinião, o controle do repertório temático, camuflado ou explícito, conduzirá inevitavelmente à parada cardíaca da democracia representativa.

A própria ideia de representação vai sendo acometida pela falência múltipla de seus órgãos. No lugar de uma sólida democracia representativa, o que se percebe é o baixíssimo nível da representatividade, a produção viciada dos diferentes poderes, apontando para a decisão dos patrocinadores, sejam eles laicos ou religiosos.

            E Eduardo Portella conclui o seu discurso, dizendo:

A aceleração inóspita do Estado provedor traz dentro de si as ameaças do Estado autoritário, sem os benefícios do Estado previdência. Enquanto isso, o País se apresenta como forte candidato à medalha de ouro na olimpíada internacional da sobrecarga tributária.

            Concluo, Sr. Presidente, alertando as Srªs e os Srs. Senadores de que temos em mãos não a oportunidade, mas a responsabilidade de, a partir dessa dádiva da natureza, refundarmos no Brasil a Federação, sem espoliar os Estados, que já têm compromissos absolutamente insuperáveis e insubstituíveis a cumprir, mas buscando na União, que concentra hoje mais de 60% do total da receita tributária brasileira, a contribuição, a generosidade, a visão democrática de compreender que ela também terá a oportunidade histórica de marcar esta gestão como aquela que iniciou o processo de refundação da democracia no Brasil.

            Pois não, Senador Lindbergh.

            O Sr. Lindbergh Farias (Bloco/PT - RJ) - Senador Aécio Neves, eu quero agradecer a citação, parabenizar pelo discurso, dizer que V. Exª aqui tem se posicionado de forma clara pelo recebimento de recursos agora para os Estados e Municípios não produtores, mas, ao mesmo tempo, tem defendido o Rio de Janeiro, tem defendido os Estados produtores e alertado para a concentração de arrecadação nas mãos da União. Eu faço questão de fazer um aparte para dizer o seguinte: como representante do Estado do Rio de Janeiro, nós queremos abrir o diálogo com Estados não produtores, dizendo o seguinte: ponto número um, nós defendemos também que os Estados e Municípios não produtores recebam agora, já, neste momento, e não só no Pré-Sal. O que a gente chama a atenção, indo na direção do discurso de V. Exª, é da concentração, Senador Luiz Henrique, muito grande de recursos na mão da União. Dos recursos arrecadados em 2008, a União arrecadou 68%; Estados, 27%; e Municípios, 5%. Desses 68%, depois das transferências, a União ficou com 54%. Se a gente trabalha com qualquer número - não quero tomar muito tempo do Senador Aécio Neves -, as transferências de Estados e Municípios, entre 2003 e 2008, estavam entre 3,4% e 3,7% do PIB; em 2009, foram de 3%; e, em 2010, de apenas 2,6% do PIB. Senador Aécio, peço desculpas por me alongar. Sei que V. Exª...

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG) - É um prazer ouvi-lo, Senador.

            O Sr. Lindbergh Farias (Bloco/PT - RJ) - Semana passada, tivemos a discussão da guerra fiscal dos importados, a guerra dos portos. O que me estranhou foi que o Governo quis colocar o processo em votação, sem a discussão devida das compensações com os Estados de Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso do Sul. Tenho entendido que essa reforma tributária fatiada significa ataques, em momentos diferentes, a diversos Estados. Então, parabenizo V. Exª pela coragem e pelo discurso, pelo qual agradeço. E volto a dizer que V. Exª defende os Estados e Municípios não produtores, mas defende o que já é dos Estados produtores, do Rio de Janeiro. É esse o espírito que queremos criar nesta Casa, de uma discussão entre os Estados. Mas querem nos colocar em briga, Estados contra Estados. Então, quero parabenizá-lo novamente, já fiz isso por duas vezes, mas o discurso de V. Exª nos reforça, mostra que é possível encontrar um caminho de entendimento nesta Casa.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG) - Agradeço a V. Exª, Senador Lindbergh. Certamente, o plenário deste Senado já foi palco de discussões muito mais acaloradas do que a nossa, de contribuições até mesmo à cidadania e à nacionalidade maiores do que a nossa, mas creio que damos aqui um exemplo, V. Exª, líder importante da Base do Governo, e eu, como um parlamentar modesto da oposição, de que, acima de nossas posições circunstanciais e conjunturais, estamos atentos ao que é realmente interesse da nacionalidade.

            Portanto, o meu discurso - e somo ao discurso de V. Exª - certamente se somará a muitos outros, para que o Senado se reerga, fazendo o que deve fazer: buscando uma distribuição mais justa dos recursos e, a partir daí, como tenho dito, a refundação da Federação.

            Ouço, como muita alegria, o Senador Luiz Henrique.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento que faz esta noite aqui no plenário do Senado. V. Exª trata daquilo que é mais urgente fazer neste País: a implantação de um novo pacto federativo. Na verdade, nós não vamos chegar a ser integrantes do círculo fechado, do grupo fechado da Fórmula Um dos países desenvolvidos se não promovermos a descentralização. O Brasil não pode ser governado de Brasília. Brasília não conhece os brasis, não conhece as diferenças regionais, culturais, geográficas deste País. Por isso, é preciso reforçar a autonomia municipal e estadual. Vou dar um dado que reforça a tese de V. Exª: da Constituinte para cá, a participação dos Estados e Municípios nos impostos arrecadados pela União caiu de 75% para 45%.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Eu vou atender à Presidência, que está pedindo que eu abrevie o meu aparte, mas esse dado é muito importante.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - Até para V. Exª falar, que é o próximo.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Com a criação de impostos, mascarados de contribuições, a União tratou de solapar a participação dos Estados no bolo tributário, fazendo reduzir a sua participação, Estados e Municípios, de 75% para 45%.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG) - Agradeço a sua contribuição, vinda da vasta experiência de V. Exª como Governador, como Ministro de Estado, hoje como Senador.

            E a alegria que tenho e que quero demonstrar ao encerrar este meu pronunciamento é que, acima das nossas filiações partidárias, acima das regiões que representamos e até acima dos nossos posicionamentos políticos, percebo que se começa a construir nesta Casa uma cultura, um caldo novo, que nos permitirá elevar as discussões das matérias fundamentais, Sr. Presidente. Mas, se não surgir da União, do Governo Federal e de seus representantes a iniciativa para construir nessa e em outras matérias verdadeiro novo pacto federativo, cabe a esta Casa cumprir a função para a qual existe: defender a Federação.

            Acredito que, cumprindo aquilo que diz o Senador Lindbergh Farias, fazendo com que imediatamente, já a partir do próximo ano, os Estados e Municípios não produtores passem a receber, acho que o Governo Federal tem em suas mãos a possibilidade de iniciar a construção - aí, sim - de um novo País, onde o discurso seja substituído pela prática, e a posição de hoje, a volúpia arrecadatória do Governo, seja substituída por uma posição de maior generosidade - esta sim, repito, em favor de todos os brasileiros.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/2011 - Página 39418