Discurso durante a 176ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ponderações sobre as exigências da Fifa de alteração da legislação brasileira para a realização da Copa do Mundo em 2014; e outros assuntos.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Ponderações sobre as exigências da Fifa de alteração da legislação brasileira para a realização da Copa do Mundo em 2014; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2011 - Página 39994
Assunto
Outros > ESPORTE. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, EXIGENCIA, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PAIS, OBJETIVO, REALIZAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL.
  • ANALISE, DADOS, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ASSUNTO, FISCALIZAÇÃO, IRREGULARIDADE, SUPERFATURAMENTO, CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, CONTINUAÇÃO, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL.
  • ANUNCIO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, CONVITE, DIRETOR, DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DOS TRANSPORTES (DNIT), COMPARECIMENTO, COMISSÃO, INFRAESTRUTURA, SENADO, OBJETIVO, APRESENTAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, REFERENCIA, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR).

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia, Srs. Senadores, uma saudação especial aos estudantes que nos honram com as suas presenças nessa segunda-feira de plenário vazio. Certamente, na terça e na quarta, o plenário estará repleto porque temos assuntos da maior importância, especialmente com a polêmica da distribuição de royalties do petróleo, que foi assunto do competente discurso do Senador Francisco Dornelles, com o qual concordamos.

            Mas, Srª Presidente, hoje a Presidente Dilma deveria se reunir em Bruxelas com o Presidente da Fifa Joseph Blatter. No entanto, reuniu-se com o segundo time da Fifa para discutir as divergências existentes entre o Brasil e aquela instituição no que diz respeito à realização da Copa do Mundo em 2014.

            Como se discute já no Congresso Nacional, há exigências exorbitantes da Fifa que obrigam o Brasil a alterar a sua própria legislação, pelo menos provisoriamente, o que, para muitos, se constitui em afronta à própria soberania nacional.

            A Presidente Dilma, pelo noticiário na Internet, saiu da reunião atendendo apelos do Secretário da Fifa no sentido de rever legislação para cumprir compromissos que foram provavelmente assumidos pelo Presidente Lula, quando se decidiu ser o Brasil o país sede para a Copa do Mundo de 2014.

            Não sabemos quais foram os compromissos assumidos, mas é importante que o Congresso Nacional, fonte de toda legislação vigente no País, assuma a responsabilidade de preservá-la, evitando invasões despropositadas e desnecessárias.

            Creio que a Presidente Dilma poderá se sentir confortável se o Congresso Nacional se recusar a atender determinadas imposições da Fifa e, de outro lado, não imagino que retirem do nosso País a oportunidade de sediar a Copa do Mundo, simplesmente porque preservamos a nossa legislação.

            Ela não comprometerá a realização da Copa do Mundo. Não vejo razão para que instrumentos legais, já consagrados no País, sejam alterados para atender as exigências da Fifa e, sobretudo, porque não consideramos ser fundamentais para a realização da Copa do Mundo.

            Instrumentos legais, como o Estatuto do Torcedor, a Lei do Desporto Nacional, como o Estatuto de Defesa do Consumidor, enfim, são instrumentos legais que devem ser preservados.

            Dito isso, Srª. Presidente, abordo questões brasileiras, exclusivamente brasileiras.

            O Tribunal de Contas da União apresenta novas informações sobre a prática da corrupção impune em nosso País. Não é de hoje que estamos destacando a importância do Tribunal de Contas da União.

            Em análise realizada no 2º trimestre de 2011 pelo TCU e divulgada em relatório sobre 721 processos de contas nos órgãos públicos, foram constatados, sobretudo, dano ao erário e prática de ato de gestão ilegal e ilegítima.

            Na verdade, essa prática de ato de gestão ilegal é antieconômica, porque se dá, exatamente, em razão da ausência de projetos executivos que elevam, de forma assustadora, o custo final das obras realizadas.

            Na visão de especialistas, amplificada nesta segunda-feira, a deficiência ou inexistência dos projetos básicos e executivos encarece os empreendimentos e culmina em um verdadeiro portal aberto à corrupção.

            Esse assunto tem sido discutido também nas comissões. Quando do depoimento do novo Diretor do Dnit, abordamos essa questão. A ausência do projeto executivo faz com que o custo final da obra seja imprevisível. Não há como prever, antecipadamente, o custo final de uma obra. E, obviamente, esse é o paraíso na Terra que desejam, especialmente, os empreiteiros de obras públicas espertos.

            Segundo avaliação do presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia, José Roberto Bernasconi, se os empreendimentos fossem licitados com projeto executivo, os problemas seriam infinitamente menores. Evitaria, por exemplo, a elaboração de aditivos para esticar prazos, mudar tecnologias, trocar materiais de construção e elevar preços. Além disso, o número indiscriminado de aditivos dificulta o controle da obra e dá margens a corrupção.

            Parece-me ter sido esse o grande gargalo no Ministério dos Transportes, que culminou com o grande escândalo, ensejando, inclusive, tentativas aqui no Congresso Nacional de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Os aditivos intermináveis, concedidos generosamente pelo Governo, foram exatamente em razão da ausência do projeto executivo que estabeleceria as normas definidoras dos custos a serem praticados na execução do empreendimento. E nós citamos sempre como exemplo uma obra lá da nossa querida cidade de Maringá, o contorno Norte, inclusive obra paralisada. Não sei se nos últimos dias foi retomada, mas quando estive lá estava paralisada. Uma obra de 17 quilômetros que ultrapassa a casa dos R$ 300 milhões de custo.

            Eu disse ao Ministro Paulo Passos que mesmo que o viaduto lá em construção fosse de mármore não se gastaria tanto.

            Portanto, há, lamentavelmente, desvios exorbitantes nas obras públicas não apenas na área dos transportes.

            O Governo Federal demonstra ser avesso ao planejamento e cultua a improvisação e o amadorismo gerencial facilitando a prática de atos lesivos ao erário.

            Vamos analisar alguns números que são reveladores: apenas no primeiro semestre de 2011, a fiscalização do TCU evitou prejuízos de R$512 milhões aos cofres públicos. O valor é 222% superior ao verificado em igual período de 2010, segundo os relatórios trimestrais do Tribunal de Contas. Ou seja, as auditorias estão focadas em contratos de investimentos que envolvem grandes cifras.

            Repito o que tenho dito. O Tribunal de Contas não tem quadro de pessoal suficiente, é um quadro técnico qualificado, mas não é suficiente para auditar e, portanto, fiscalizar a execução de todas as obras federais no País. É humanamente impossível que o Tribunal de Contas o faça.

            Portanto, o que se revela é um percentual reduzido da evasão de recursos que se dá em razão de procedimentos incorretos e da desonestidade.

            São risíveis os argumentos que tentam desqualificar o papel do Tribunal de Contas que advogam a tese de que, mesmo com indícios de irregularidades, uma obra não deve ser paralisada. Seria consagrar o ilícito e alçá-lo à condição de “mal necessário”.

            Não podemos aceitar que o erário seja dilapidado em nome da celeridade.

            O Advogado Fernando Zilveti, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, expressa um posicionamento sobre a atuação do TCU que consideramos irretocável: o dever do TCU “é fiscalizar as contas do Poder Executivo, aprová-las ou reprová-las e remeter os pareceres ao Legislativo, que acata ou não a decisão”. Para ele, não é possível criticar decisões que poderiam dar prejuízo aos cofres da União.

            A área de Transportes, segundo o TCU, abriga 23 obras com indícios de irregularidades graves. Desse total, 15 são do Dnit e 8, da Valec. Vale lembrar que os dois órgãos foram objeto, em meados do ano, de denúncias de corrupção que levaram à demissão de seus dirigentes Luiz Antonio Pagot (Dnit) e José Francsico das Neves (Valec).

            Um exemplo de incompetência gerencial na estatal que desenvolve projetos ferroviários, a Valec: no âmbito da construção das ferrovias Norte-Sul e Integração Oeste-Leste, o TCU constatou “deficiência e desatualização do projeto básico” do empreendimento e a ausência de critérios objetivos para escolher as propostas de emrpesas que participaram da licitação.

            O TCU intensifica sua fiscalização nos contratos públicos (fato que deve incomodar notadamente os maus gestores).

            Só no primeiro semestre de 2011, o número de processos reprovados aumentou 23% em relação a 2010, apesar de o volume de fiscalização ter diminuído no período.

            Portanto, em que pese as denúncias, a tentativa de se instalar CPI, a notícia de que havia uma faxina em andamento nos Ministérios em Brasília, esses fatos foram insuficientes para reduzir a corrupção. Ao contrário, houve, como se vê, um aumento de 23% em relação a 2010. Foram expedidas 39 medidas cautelares e suspensas 30 licitações e contratos, uma média de quase três ocorrêrncias por semana, segundo relatório do Tribunal de Contas da União. Isso é muito grave.

            É também em função disso que as contas públicas começam a preocupar. Obviamente, pode ser até irresponsabilidade afirmar, com tanta segurança, que seria possível fazer três vezes mais o que fazem com o mesmo dinheiro. Mas, diante dos fatos, nós estamos autorizados a fazer tal afirmativa. E certamente seria possível fazer, Senador Dornelles, três vezes mais com o mesmo dinheiro, se os procedimentos fossem adotados corretamente para a licitação das obras, com projetos executivos e rigor em relação aos aditivos que são concedidos, se evitássemos a flexibilização da legislação, que abre portas para a corrupção, a pretexto de que teremos uma Copa do Mundo e uma Olimpíada no País, como se isso pudesse ser um salvo-conduto para as irregularidades praticadas.

            Enfim, é exatamente o desperdício com recursos que extrapolam os limites do bom senso para obras que colocam em dificuldade o Governo na tarefa de adotar uma política de responsabilidade fiscal.

            O jornal O Estado de São Paulo publica um comentário, eu diria que não foi o principal editorial do dia, mas foi uma análise importante, em que afirma que a austeridade do Governo é apenas um mito. E justificou:

Os resultados do Tesouro Nacional, divulgados anteontem, e as contas do setor público, publicadas ontem, recomendam que os diretores do Banco Central contenham seu entusiasmo. Em agosto, o superávit primário foi o pior registrado desde 2003 - para o mês -, enquanto os gastos com juros, de R$160,2 bilhões, foram os maiores da série histórica. Além disso, o superávit do governo central caiu de R$10,9 bilhões, em julho, para R$2 bilhões, em agosto [uma queda de mais de sete]. O déficit nominal do setor público, de R$17,1 bilhões, cresceu 241,5% em um mês, e o governo central é o grande responsável por ele (déficit de R$17,2 bilhões), pois os governos regionais foram superavitários.

            Esses números publicados hoje pelo Estadão, portanto, nos autorizam a afirmar que a propalada austeridade anunciada espetaculosamente há poucos dias é uma verdadeira farsa.

            Mas, Sr. Presidente, só na semana passada quatro importantes projetos de infraestrutura foram reprovados pelo Tribunal de Contas da União: a ampliação do terminal remoto do Aeroporto de Guarulhos; o parque eólico da Petrobras no Rio Grande do Norte; a segunda etapa do Programa de Irrigação Araras Norte, no Ceará; e o novo píer para atracação de navios de passageiros no Rio de Janeiro.

            Retrocedendo um pouco, na semana anterior, pelo menos outros três projetos - portanto, é semanal - não passaram pelo crivo do TCU por apresentarem indícios de irregularidades. Os ministros daquela corte detectaram sobrepreço na contratação da ampliação do Terminal Salineiro de Areia Branca, da Companhia Docas do Rio Grande do Norte, e da BR-153, de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária, o Dnit, mais uma vez. No contrato da BR-364, também do Dnit, o Tribunal de Contas também verificou superfaturamento.

            E o Brasil vai se consagrando como o paraíso do superfaturamento. E falam que há uma faxina em execução. Esta é a faxina: a cada semana, obras são denunciadas pelo TCU por superfaturamento. Mas alguns acreditam: os desavisados, os incautos acreditam na sinceridade desta história, que se divulgou até internacionalmente, de que aqui se fazia uma faxina. Imaginem se não estivessem fazendo faxina, o que estaria acontecendo na Esplanada dos Ministérios.

            Vale ressaltar, Sr. Presidente, que os três mencionados projetos fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, que já acumula neste ano 15 obras com recomendação de paralisação - 15 obras do PAC! Aliás, não são muitas as obras em execução. Alguém até me indagou, pelo Twiter, se existiam 15 obras do PAC em execução. É uma pergunta que tem razão de ser. Portanto, 15 obras com recomendação de paralisação porque estão superfaturadas.

            O TCU, na verdade, está se transformando no único órgão fiscalizador de obras no Brasil; sem ele não haveria fiscalização. Eu assino embaixo desta afirmação do professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.

            Não podemos deixar de registrar novas denúncias; afinal, não perdemos ainda o hábito de registrar denúncias semanalmente. Mais uma denúncia alcança agora o novo diretor do Dnit, General Jorge Fraxe. Ele é acusado por um engenheiro de montar uma ONG que aceitou pagar propina em troca de um contrato milionário do Ministério dos Transportes.

            A denúncia é do Engenheiro Mardel Morais, que dirigiu o Instituto de Desenvolvimento Ambiental desde sua fundação.

            Sem fazer prejulgamento, respeitando o direito de defesa, que deve ser oferecido, neste caso, ao General Jorge Fraxe, nós estamos apresentando à Comissão de Infraestrutura um requerimento convidando o General para que, se desejar, compareça para prestar esclarecimentos. É um convite. Ele aceita se quiser. Sabemos que esses convites não têm resultado em providências saneadoras, mas é nosso dever a apresentação da proposta.

            Estamos, portanto, protocolizando hoje um requerimento que convida o General Jorge Fraxe, para que ele tenha a oportunidade de se defender aqui no Senado Federal, já foi esta Casa que homologou, há poucos dias, a indicação dele para a Diretoria do Dnit.

            Vamos concluir, Sr. Presidente, lamentando que as coisas não mudem. Nós afirmamos sempre que existe a certeza da morte, existem algumas outras certezas. Uma das poucas certezas que existem é a de que as coisas mudam; mas, nesse caso, não há mudança. Desgraçadamente não há mudança, não há faxina, não há limpeza, não há rigor no combate implacável que deve se travar contra a corrupção e a impunidade. Os desvios são preservados, a impunidade prevalece, a Presidente demonstra insegurança em relação á questão ética, e o País vai assistindo a esse espetáculo da corrupção sem fim.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2011 - Página 39994