Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 510 anos da descoberta do Rio São Francisco.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 510 anos da descoberta do Rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2011 - Página 40105
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, RIO SÃO FRANCISCO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, AGUA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE SERGIPE (SE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DE GOIAS (GO).

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia com o Senador Flexa Ribeiro, tem a palavra o Senador Antonio Carlos Valadares. o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço ao Senador Flexa Ribeiro por essa permuta generosa.

            Meu discurso é sobre o aniversário do rio São Francisco, o rio da unidade nacional, que, hoje, completa, a partir de sua descoberta, 510 anos, descoberta essa efetuada por Américo Vespúcio.

            Hoje, é dia santo no Nordeste e - por que não dizer? - no Brasil. Trata-se, afinal, do aniversário do rio São Francisco, o rio da integração nacional.

            Faz 510 anos - um ano após a descoberta do Brasil - que o navegador Américo Vespúcio chegou à foz de um enorme rio, que os indígenas chamavam de Opará, o Rio-Mar. A data era 4 de outubro de 1501, dia de São Francisco de Assis, em cuja homenagem o rio foi batizado. Desde então, o São Francisco exerce papel importante no desenvolvimento das regiões que banha com suas águas generosas.

            Duas décadas depois de seu descobrimento, surge a primeira cidade que dele passaria a depender: Penedo, no Estado de Alagoas. Hoje, são cerca de 18 milhões de brasileiros a habitar a bacia do São Francisco, que abrange seis Estados: Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Goiás, num total de 505 Municípios. É o terceiro maior rio do País, com 32 sub-bacias, 168 afluentes, em 2.863 quilômetros de extensão.

            Mas não se trata apenas de um rio, como tantos de que a natureza dotou o Brasil. No Nordeste, tornou-se uma entidade mítica: o Velho Chico. E isso ocorre não apenas no Nordeste, mas em toda parte por onde cumpre seu curso abençoado.

            O Velho Chico é personagem de um dos maiores romances épicos da literatura brasileira, o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que a ele se refere como o ente que separa, no ambiente mítico do sertão, as forças do bem e do mal: à direita, a margem de Deus; à esquerda, a do diabo. Na geografia simbólica do Grande Sertão, o São Francisco, mais que um acidente físico, é componente indissociável de uma realidade mágica, que separa o mal do bem. Na margem esquerda, está o Paredão, os Gerais de topografia fugidia, onde ocorrem os fatos sobrenaturais, que, no relato de Guimarães Rosa, apontam a presença do Maligno no sertão. Mas, com sua grandeza e maleabilidade, o São Francisco permite o trânsito dos personagens principais do romance, os jagunços Diadorim e Riobaldo, rumo à margem do amor e do bem - a travessia com que se encerra o relato.

            Assim como inspirou Guimarães Rosa, o São Francisco tem sido fonte de inspiração de inúmeros poetas e cantadores nordestinos, de Luiz Gonzaga a Leandro Gomes de Barros.

            Na aridez do sertão, ele é visto como um presente de Deus, a propiciar esperança e alegria àquela gente sofrida. E é simples de entender: o São Francisco é a principal fonte de vida e de riqueza por onde passa, possibilitando o múltiplo uso do seu potencial hídrico, para abastecimento humano, agricultura irrigada, geração de energia, navegação, piscicultura, lazer e turismo.

            Ao longo de sua extensão, aparecem várias quedas d'água, destacando-se a Cachoeira Grande, com 2,8 mil metros de extensão; a Cachoeira de Pirapora, que faz limite entre o curso alto e médio do rio; a Cachoeira de Sobradinho, com cinco quilômetros de extensão; Itaparica, a quarta cachoeira do Alto ao Baixo São Francisco que, com seu grande volume de água, confere à região aspecto pitoresco. E há ainda a Cachoeira de Paulo Afonso, uma das mais altas do mundo, com os seus 82 metros de fundo e de beleza natural ímpar.

            Foi ali, em Paulo Afonso, no Município de Pedras, que hoje tem o seu nome, que o grande empreendedor nordestino Delmiro Gouveia inaugurou, em 1913, a primeira hidrelétrica do Brasil, com potência de 1.500 HP na queda de Angiquinho. Essa hidrelétrica mudaria o feitio socioeconômico da região. Permitiu a Delmiro, no ano seguinte, iniciar as atividades da Companhia Agrofabril Mercantil, produzindo linhas para costura com o nome comercial "Estrela", exportadas para todo o País e para a América Latina, com preços muito abaixo das "Linhas Correntes", produzidas na Inglaterra pela Machine Cotton, que, até então, monopolizava o mercado de todo o continente. Sem apoio do governo, Delmiro enfrentou o cartel internacional e acabou misteriosamente assassinado, em 1917, deixando para a posteridade exemplo de confiança na capacidade do empreendedor brasileiro. E, mais que isso, potencializou-se, com a hidrelétrica, a exploração econômica do São Francisco, possibilitando que, em 1945, Getúlio Vargas criasse a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Chesf, que abastece hoje todo o Nordeste.

            Também em torno do São Francisco surgiria, nos anos 40, outro empreendimento governamental de grande porte, destinado a explorá-lo social e economicamente. Refiro-me à Comissão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, que, posteriormente, já em 1974, passaria a se chamar Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

            Os constituintes de 1946, reconhecendo a importância do rio para o desenvolvimento integrado, inseriram no Ato das Disposições Transitórias o art. 29, que determinou a execução de um plano de aproveitamento das possibilidades econômicas da bacia hidrográfica, num prazo de vinte anos, destinando-lhe quantia anual não inferior a 1% da renda tributária da União.

            Em decorrência, nasceu, em 1948, a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), sucedida, em 1967, pela Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), autarquia vinculada ao então Ministério do Interior, e, por fim, em 1974, a Chesf.

            Por força da Lei n° 9.954, de 6 de janeiro de 2000, a Codevasf teve sua área de atuação ampliada para a bacia do rio Parnaíba e, pela Lei n° 12.196, para os vales dos rios Itapecuru e Mearim. Desnecessário dizer que todas essas iniciativas contribuíram enormemente para o progresso da região. Mas o progresso, frequentemente, é faca de dois gumes. A cultura ambiental entre nós é recente e, mesmo hoje, é ignorada por muitos empreendedores, não obstante a ação cada vez mais intensa dos órgãos de fiscalização governamentais. E o resultado é que, já há alguns anos, problemas de natureza social e econômica vêm afetando o percurso natural do Velho Chico, como o assoreamento, o desmatamento de suas várzeas, a poluição, a pesca predatória, as queimadas, o garimpo e a irrigação.

            Historicamente, o São Francisco foi uma das principais fontes brasileiras de pescado. Fornecia peixes em quantidade suficiente para alimentar a população ribeirinha e atender o mercado do Nordeste e do Sudeste. Também pescadores desportivos, aos milhares, dirigiam-se anualmente ao rio, incrementando o turismo na região, fazendo surgir hotéis, restaurantes, clubes de pesca, peixarias e lojas, sendo essa uma fonte secundária de recursos, gerando dezenas de milhões de reais por ano. Mas, apesar disso, a pesca no São Francisco nunca foi regularmente quantificada, o que contribuiu para a sua deterioração. A pesca predatória produziu forte impacto negativo nos estoques pesqueiros; equipamentos e métodos inadequados ou ilegais são ainda utilizados. As limitações legais impostas, já há algum tempo, não são respeitadas por todos. Há carência de informações essenciais, o que impede o estabelecimento de normas de pesca mais adequadas. Em suma, o rio paga o preço do progresso predatório, o que impõe medidas urgentes para sua revitalização.

            Em vista disso, tomei a iniciativa de apresentar ao Senado, em 2002, a PEC nº 524, aprovada por unanimidade por esta Casa e encaminhada à Câmara dos Deputados, onde há quase nove anos aguarda votação. O Relator é o Deputado Fernando Ferro, do Partido dos Trabalhadores de Pernambuco. Há três anos, já aprovada em todas as Comissões da Câmara, aguarda inclusão na pauta de votação do plenário.

            Não deixa de ser um mistério, Sr. Presidente: todos, dentro e fora do Governo, concordam que a água é insumo básico e prioritário, mas a PEC da Revitalização não recebe tratamento equivalente. Há cidades à beira do São Francisco que ainda não têm água potável para a população e para a produção de alimentos.

            Aproveito, pois, esta ocasião em que celebramos o aniversário do Velho Chico, seus 510 anos de existência, os 510 anos de seu descobrimento, para, mais uma vez, apelar à Agência Nacional de Águas (ANA) e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que deem sua contribuição para a aprovação da PEC de Revitalização do São Francisco.

            No que se refere ao projeto de transposição das águas do São Francisco, já em curso, considero que houve inversão de prioridades. Serviu-se a sobremesa antes do almoço. A revitalização é o ponto de partida para que o rio chegue aos demais Estados que dele carecem com todo o seu potencial.

            Encareço, pois, ao Governo Federal e à Câmara dos Deputados, como homenagem ao Velho Chico e aos milhões de brasileiros que dele dependem, que deem a atenção necessária à PEC da Revitalização, sistematicamente protelada desde que saiu do Senado Federal.

            A PEC é fundamental para os milhões de brasileiros que habitam em torno do São Francisco. Cria um fundo oriundo da arrecadação de alguns tributos para destinação de mais ou menos R$300 milhões por ano, durante 20 anos, para o financiamento de projetos de reflorestamento das margens do rio, recuperação do leito e combate à erosão e ao assoreamento. Permitirá também, Sr. Presidente, obras de saneamento, tratamento de esgotos e projetos de desenvolvimento sustentável para atender às populações ribeirinhas.

            Sr. Presidente, 510 anos depois de seu descobrimento, o São Francisco continua sendo o principal recurso natural a impulsionar o desenvolvimento regional, gerando energia elétrica para abastecer todo o Nordeste e parte do Estado de Minas Gerais, por meio das hidrelétricas de Paulo Afonso, Xingó, Itaparica, Sobradinho e Três Marias. E é essa extraordinária importância que torna imperativo que a ele se retribua o bem que tem feito a todos nós.

            Sua preservação se faz necessária e urgente, para que as futuras gerações possam dele também se beneficiar, não apenas ter notícias de seu passado glorioso, presente apenas nas lendas dos avós. Isso não é justo, nem inteligente, Sr. Presidente.

            Concluo, lendo os versos de uma conterrânea, a poetiza Naiara Lopes de Oliveira, cujo apelo endosso, em meu nome, em nome de todos os brasileiros e de todos os nordestinos:

Só peço a Deus que este rio

Seja sempre preservado.

Não pela ganância e o dinheiro,

Que o torna injustiçado.

Clamo a Deus todos os dias

Com tamanha devoção

Que os governantes sensíveis

Opinem pela revitalização.

O meu rio quer continuar vivo,

Ele faz por merecer.

Ainda dependemos

Deste rio para viver.

Viva! O meu rio formoso,

O rio da Integração,

O meu rio de alegrias,

A riqueza desta Nação!

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, por ocasião do aniversário que estamos a comemorar: os 510 anos do rio São Francisco, o Velho Chico, o rio da unidade nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2011 - Página 40105