Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o uso descontrolado de drogas, em especial o crack, acentuando o despreparo e a negligência do Governo na gestão de políticas de combate aos entorpecentes no Brasil.

Autor
Maria do Carmo Alves (DEM - Democratas/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Preocupação com o uso descontrolado de drogas, em especial o crack, acentuando o despreparo e a negligência do Governo na gestão de políticas de combate aos entorpecentes no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2011 - Página 40380
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, GESTÃO, POLITICAS PUBLICAS, COMBATE, ENTORPECENTE, PAIS, APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, JUVENTUDE, UTILIZAÇÃO, CRACK, CONSUMO, DROGA.

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (Bloco/DEM - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, com a globalização dos mercados, o mundo foi invadido de produtos de qualidade de toda ordem. Ao lado dos benefícios gerados pela tecnologia da informação, emergiram os prejuízos provocados pela disseminação descontrolada das drogas. Mediante preços acessíveis, em função da progressiva escala de produção, aliados a métodos mais velozes de distribuição, as populações menos abastadas e socialmente mais vulneráveis se convertem em presas fáceis.

            Os prejuízos são imensuráveis. O uso de drogas, em geral, e em especial de crack, vem assolando nossas cidades, diluindo os sonhos dos nossos jovens e sua vontade de participação social, causando dilaceramento nas famílias, que, na maior parte das vezes, sentem-se de mãos atadas, reféns dessa circunstância.

            Por outro lado, os danos sociais e de saúde pública causados pelo uso do crack ultrapassam as esferas físicas e emocionais dos usuários e acabam por estimular a prostituição, o aumento das doenças sexualmente transmissíveis e a ocorrências de crimes.

            O reflexo do consumo de drogas no mercado de trabalho brasileiro também dá mostra do dano social: apenas no primeiro semestre deste ano o INSS desembolsou mais de 12 milhões de reais a título de Auxílio Doença a trabalhadores afastados por uso de drogas; outros 15 mil foram afastados temporariamente do serviço para desintoxicação.

            Nesse contexto, nada mais urgente que o Estado brasileiro tome providências para a prevenção, controle e combate dos entorpecentes no País. Mais especificamente, chama a atenção a trivialização do consumo do crack nos subúrbios de nossas metrópoles. A imagem da crackolândia, em São Paulo, talvez seja o símbolo mais apropriado para traduzir a miséria a que o ser humano é reduzido quando inteiramente dependente do consumo de drogas.

            Contra tal estado degradante e deplorável da condição do brasileiro, Senhor Presidente, todas as iniciativas devem ser apreciadas e acatadas, a começar pelo próprio Estado. Não por acidente, mas sim por pressão social, o Governo Federal baixou um decreto, em 2010, instituindo o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cuja coordenação estaria subordinada ao Comitê Gestor. 

            Anunciada em ano eleitoral, a medida governamental prometia uma alocação orçamentária da ordem de 410 milhões de reais para a implementação das ações. Acontece que, transcorridos treze meses da promulgação da Lei, o Governo aplicou apenas 20% daquele montante nas iniciativas verdadeiramente comprometidas com o combate contra o crack no Brasil.

            Segundo reportagem veiculada no Correio Braziliense, no mês de julho, o restante das verbas foi inexplicavelmente desviado para os Ministérios da Justiça, da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A pulverização desses recursos não se explica à luz do que dita o Decreto 7.179, acima mencionado, quando dispõe sobre a competência do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República na condição de coordenador do Comitê Gestor do Plano. 

            Ora, as estatísticas são cruéis e já estimam em quase um milhão o número de brasileiros dependentes químicos, seja pelo consumo de crack, seja pelo consumo de cocaína. De acordo com as projeções dos técnicos da Organização das Nações Unidas (ONU), o número tende a crescer no mundo inteiro nos próximos anos.

            O Brasil sequer conhece o perfil de seus dependentes químicos, visto que o último levantamento data de 2005. A Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad) admite que uma nova pesquisa poderia ter sido concluída em março, mas, por problemas logísticos, não pôde cumprir o prazo estabelecido. Indiferente à dimensão da incompetência, o Senad tampouco anuncia qualquer projeção de datas para a conclusão. 

            Por outro lado, tomando a dianteira nas pesquisas, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgou, no final de 2010, um relatório impactante, ao denunciar que 98% das cidades brasileiras abriga dependentes químicos de toda ordem. No entanto, aproximadamente 15% deste mundaréu dispõem de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), enquanto que apenas 8% contam com programas locais de combate ao crack.

            Nas palavras do próprio Presidente da Comissão Especial de Combate às Drogas da Câmara dos Deputados, o País vive uma lastimável epidemia que deve ser tratada como crônica. Aliás, por prudência e bom senso, nossas autoridades deveriam, sim, tratar o crack como epidemia, aprimorando e efetivando políticas públicas contra mal tão violento, evitando, assim, correr atrás de um prejuízo ainda maior em futuro bem próximo. 

            Na verdade, Sr. Presidente, por ocasião de seu lançamento em 2010, a execução das ações do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack guardava algo de alvissareiro e auspicioso no ambicioso campo das políticas públicas no Brasil. Seu conteúdo previa que sua condução seria desenvolvida de maneira descentralizada, porém atenta à conjugação de esforços entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Do ponto de vista das articulações dos setores envolvidos, maior ênfase deveria ser destinada à integração de políticas e ações de saúde, assistência social, segurança pública, educação, desporto, cultura, direitos humanos e juventude.

            Nessa linha, sem descuidar dos pressupostos, diretrizes e objetivos definidos na Política Nacional sobre Drogas, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack destinava-se à ampliação de iniciativas relacionadas à prevenção do uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack. Ao contemplar a participação essencial dos familiares, aliada à atenção aos públicos mais vulneráveis, visava prestar uma assistência mais ágil às crianças e aos adolescentes abandonados à rua. 

            Mais que isso, definiu-se competências. Caberia ao Plano estruturar e fortalecer as redes de atenção à saúde e de assistência social para os usuários de crack, por intermédio da articulação das ações do Sistema Único de Saúde (SUS) com as ações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Além disso, faz-se imprescindível a capacitação de atores governamentais e não-governamentais nas ações previstas, de modo a preparar com mais competência os processos de disseminação de informações qualificadas relativas à droga.

            Todavia, Senhor Presidente, aquilo que parecia, então, ser o remédio para o descontrole do crack no Brasil se converteu, em curto espaço de tempo, em uma panacéia irresponsável. Por exemplo, embora estivesse prevista no Decreto a ampliação do número de leitos e rede de atendimento para tratamento dos viciados, o Plano deixou de contemplar 62% dos Municípios brasileiros. Isso se deu porque, arbitrariamente, se limitou o acesso às ações apenas às cidades com população acima de 20 mil habitantes.

            Traduzindo o drástico corte no raio de intervenção do Plano, o Senad sinalizou, há bem pouco, a construção de 2,5 mil leitos em todo o País, resultando, no final das contas, na existência de apenas meia vaga para cada Município brasileiro. Para agravar o quadro, a tentativa de lançar editais públicos para contratação de vagas de internação redundou em retumbante fracasso, dadas as inúmeras e desnecessárias exigências.

            Por sua vez, a Presidente Dilma hesita em transformar, de fato, as políticas públicas de combate às drogas em peças estratégicas de governo, rejeitando reiteradamente iniciativas legislativas que proponham novas fontes de financiamento do Fundo Nacional de Combate às Drogas. Em todo o caso, o Congresso Nacional deve mobilizar-se para que, nas discussões sobre eventuais contingenciamentos de verbas, os recursos destinados ao enfrentamento das drogas sejam herculeamente poupados.

            Em resumo, é deplorável tomar conhecimento de que os recursos do Governo Federal não tenham logrado sucesso no processo de alteração da realidade da assistência ao dependente no Brasil. Tal impressão parece escapar aos limites geográficos nacionais. Não custa nada repetir que, na visão de alguns chefes de Estado, vigora a tese de que, deixando os gatos gordos do tráfico se lambuzarem com impunidades, concessões territoriais e privilégios carcerários, escorreria naturalmente algum benefício para a maioria da população marginal dos subúrbios e das favelas.

            Diante desse descalabro e para encerrar, Senhor Presidente, vale à pena acentuar o despreparo e a negligência do Governo petista na gestão de políticas de combate aos entorpecentes no Brasil. O Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas parece dormitar nas gavetas burocráticas do Palácio do Planalto, sem que haja uma vigilância mais severa sobre a aplicação das verbas em políticas apropriadas e coerentes com os princípios e objetivos previstos no Decreto 7.179, tão novo e já tão caduco.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2011 - Página 40380