Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o papel do Senado Federal na busca do equilíbrio federativo e na questão dos royalties do petróleo.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Reflexão sobre o papel do Senado Federal na busca do equilíbrio federativo e na questão dos royalties do petróleo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2011 - Página 40713
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PACTO, FEDERAÇÃO, MOTIVO, DEBATE, SENADO, ASSUNTO, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, NECESSIDADE, DECISÃO, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Muito obrigado, Srª Presidente em exercício desta sessão, Senadora Vanessa, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros que nos acompanham por meio da sessão do Senado, estamos em meio a um embate decisivo. E o que está em jogo é muito mais do que a justa divisão de receitas provenientes de uma das nossas maiores riquezas naturais. Muito mais que interesses econômicos regionais

            Muito mais que interesses econômicos regionais ou até mesmo o equilíbrio fiscal dos Estados produtores de petróleo.

            Estamos, essa é que é a verdade, diante, Srªs e Srs. Senadores, da maior disputa federativa das últimas décadas em nosso País. E o que proponho, na tarde de hoje, é exatamente uma reflexão, uma profunda reflexão, Senador Flexa Ribeiro, sobre o federalismo que estamos construindo ou estamos fazendo deteriorar, sobre o princípio, às vezes questionável, do valor e do conceito do debate de minoria e maioria numa Casa parlamentar.

            A questão dos royalties do petróleo coloca na mesa o pacto federativo. O pacto que tem sustentado há mais de um século a democracia brasileira e a unidade nacional, e que foi consagrado desde a nossa primeira Constituição Republicana, em 1891.

            Com dimensões continentais, nosso País é marcado, é verdade, por profundas diferenças regionais - do ponto de vista geográfico, do ponto de vista cultural e do ponto de vista econômico. É a organização político-territorial federativa que impede a fragmentação em meio a tamanha diversidade. Isso vale para o Brasil mas também vale, Senadora Ana Amélia, para qualquer outro Estado federado.

            Um dos mais importantes e principais teóricos da doutrina do federalismo, Michael Burgess, ensina que o segredo da federação - ou o “gênio” da federação - é a capacidade de acomodar competição e conflitos entre os Estados federados. Para isso, as palavras chaves, segundo ele, são: tolerância, respeito, barganha e reconhecimento mútuo.

            Outro grande expoente da doutrina federalista, Daniel Elazar, reforça a necessidade de equilibrar competição e cooperação, de maneira a favorecer a unidade entre os vários Estados federados.

            A soberania compartilhada, diz ele, só se mantém ao longo do tempo com uma relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e a sua necessária interdependência.

            Não se trata de eliminar as diferenças, a diversidade, o pluralismo. Mas sim de fomentar a negociação, a cooperação. Caso contrário, os laços que unem os pactuantes se tornam cada vez mais frágeis e a autonomia dos entes mais fortes acaba se sobrepondo à necessária interdependência um dos mais importantes sustentáculos de nossa Federação.

            O Brasil se caracteriza como uma das Federações mais desiguais do mundo. Sem desprezar os esforços no sentido de reduzir as disparidades econômicas regionais, somos obrigados a reconhecer que ainda estamos muito, mas muito distante dos ideais preconizados por homens públicos do porte do Professor Celso Furtado. Nada mais natural, portanto, que os conflitos sejam acirrados no nosso modelo federativo em razão das profundas desigualdades regionais.

            A concentração histórica de poderes e de recursos tributários na esfera do Governo Federal também distorce profundamente o nosso pacto federativo, já que a hipertrofia da União compromete a receita, mas não apenas a receita, também a autonomia dos Estados federados.

            Manter a soberania compartilhada por meio do equilíbrio entre competição e cooperação é, portanto, um desafio ainda maior no caso brasileiro. Muito mais do que desafio, a meu juízo, uma precondição, uma premissa.

            Aqui a lição de Burgess: é preciso tolerância, respeito, barganha, ou seja, negociação e reconhecimento mútuo. Disputas predatórias, disputas cegas por mais recursos, como aqui presenciamos em torno dos royalties do petróleo vão completamente de encontro a esse espírito de cooperação e de solidariedade federativa. Porque não é de olho no fruto do quintal do vizinho que se planta prosperidade e crescimento. É cuidando, é regando os frutos do próprio quintal.

           Não é desorganizando a economia dos Estados produtores que vamos reduzir desigualdades regionais e construir um País mais justo, com geração de mais amplas oportunidades. É respeitando, é valorizando o potencial e a vocação de cada um dos nossos 27 Estados, incluindo aí o nosso Distrito Federal.

           Esta Casa, o Senado da República, mais do que qualquer outra instituição federativa e democrática, tem que zelar pelo equilíbrio federativo, zelar para que a diversidade dos interesses regionais, para que eventuais conflitos não atropelem a necessária cooperação que assegura a unidade nacional. Não sem outro propósito, uma das mais importantes e históricas participações do nosso Senado é a manutenção da unidade nacional. O Senado, da Monarquia transitando para a República, passando, enfim, pelos vários regimes, sempre teve esse papel: o de guardião da unidade nacional.

           Autonomia e interdependência são duas faces, Senador Geovani, da mesma moeda, no caso da Federação. E vamos além. Eu repito: autonomia e interdependência

           Uma federação pressupõe respeito aos direitos originais dos pactuantes. Direitos que não podem ser arbitrariamente retirados, nem mesmo por uma maioria.

           Seria o que o pensador Tocqueville classificou, dois séculos atrás, como a ditadura da maioria, ou mesmo como Platão denominou de "democracia desvirtuada", em A República.

           Porque quando a maioria se arvora ao direito de esmagar a minoria, saímos, então, do terreno da democracia para o terreno da ditadura, da simples tirania.

           Tomemos como exemplo extremo o caso da Alemanha nazista, onde a maioria apoiou a perseguição, o massacre de judeus, negros e homossexuais.

           São as minorias que dão sentido às "maiorias". São elas, as minorias, que oferecem diversidade e que revolucionam a sociedade.

           Na democracia, a minoria tem voz. E tem voz ativa. Não pode ser atropelada, esmagada pelo rolo compressor de uma maioria que, circunstancialmente, está ignorando direitos previamente pactuados.

           É do jogo democrático que a vontade da maioria seja limitada por normas constitucionais que asseguram deveres e direitos fundamentais, mesmo que esses direitos não expressem exatamente os interesses dessa maioria. Democracia não se limita a números, vai muito além! Democracia reúne valores, princípios, limites, exige equilíbrio e senso de justiça.

           Mas voltemos à questão dos royalties. O principal fiador do pacto político territorial que sustenta a Federação brasileira é a nossa Constituição, onde estão registrados, com todas as letras, os direitos e os deveres dos entes federados. E é a nossa Constituição brasileira, como todos sabem, em seu art. 20, que preconiza que Estados, Distrito Federal e Municípios têm participação ou compensação financeira pela exploração não apenas de petróleo ou gás natural, mas também de recursos naturais, de recursos hídricos para fins de geração de energia no seu respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.

           Vamos então tornar letra morta nossa Constituição? Uma constituição discutida e aprovada pelo Congresso Nacional?

           Vamos distorcer o espírito federativo que inspirou os constituintes ao conceber uma justa compensação, diante dos impactos sociais, econômicos e ambientais sofridos em função da exploração do petróleo?

           A ambição da maioria, que hoje exige uma distribuição equitativa, também para torná-la cega, diante das oportunidades e possibilidades futuras que podem favorecer tantos outros Estados federados, uma vez, minha cara e estimada Senadora Ana Amélia, que mais de 90% das áreas possíveis de reservas de petróleo e gás ainda estão inexploradas neste País de dimensão continental.

           E mais: a ambição dessa maioria parece também ignorar o art. 155 da nossa Constituição, segundo o qual o ICM sobre energia elétrica, petróleo e derivados é cobrado no Estado de destino. Portanto, onde é consumido, e não no de origem, como é regra geral.

           Lidos em conjunto, os arts. 20 e 155 da Constituição Federal refletem bem o equilíbrio federativo que norteia a nossa Constituição, cuja Constituinte foi tão bem elaborada, discutida e trabalhada pelo então Deputado Federal Nelson Jobim, ex-Ministro, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Estados produtores ficam com a maior fatia de royalties, mas abrem mão...

(Interrupção do som.)

           O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ...da receita do ICMS incidente sobre petróleo e derivados para compensar os demais Estados federados onde não se identificam, até então, petróleo ou gás.

           Oras, a partilha de receitas tributárias configura um sistema financeiro complexo, e qualquer mudança isolada, conduzida de forma casuística, oportunista, geraria, por certo, um desequilíbrio sistêmico e, a meu juízo, a quebra do princípio federativo.

           E o que dizer, Srªs e Srs. Senadores, da violação incontestável do princípio de segurança jurídica? Porque o que está na mesa não é a discussão de novas regras apenas para lotes ainda não licitados do pré-sal. O que a maioria quer impor à minoria é a mudança das regras do jogo em pleno jogo...

(Interrupção do som.)

           O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - É rasgar contratos juridicamente perfeitos, que estão em pleno vigor, o que compromete - e peço um pouco da condescendência da nossa Presidente para que eu possa esgotar o meu raciocínio - de maneira assustadora e perversa o equilíbrio fiscal e os programas de investimento já em curso de Estados e Municípios produtores, o que representaria, seguramente, um retrocesso sem precedentes na história constitucional do nosso País.

           Temos pois, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meu caro Senador Lindbergh, um clima perverso de guerra federativa, onde se rompe o equilíbrio entre competição e cooperação e em que o bem comum e a unidade nacional são comprometidos por interesses locais desmedidos.

(Interrupção do som.)

           A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Senador, a Mesa vai conceder - já concedeu cinco minutos a mais - três minutos para que V. Exª possa concluir.

           O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Agradeço a delicadeza de V. Exª.

           O que se impõe, portanto, no momento, é o mínimo de lucidez política, o mínimo de serenidade. O petróleo é, com certeza, uma riqueza de todos brasileiros, uma riqueza que deve servir à prosperidade de todo o País.

           Mas não é, Senador Lindbergh, atropelando direitos adquiridos, não é rasgando a Constituição, não é esmagando a economia dos Estados produtores nem alimentando uma crise institucional que se conquistará essa prosperidade. Insisto, insisto e o faço com muita convicção pelo papel histórico que tem o Senado da República.

           Cabe ao Senado Federal, mais do que a qualquer outra instituição brasileira, zelar pelo equilíbrio da aliança brasileira que se baseia a democracia brasileira. Ou também vamos, Senador Flexa Ribeiro, nos conflitar, nos digladiar só para citar um exemplo com o compartilhamento da CFEM, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais? Como não reconhecer o impacto que a inflação de minério gera no Estado do Pará. Vamos aprovar quantas mudanças mais de cunho oportunista, de cunho casuístico sobre os falsos interesses de uma maioria?

           A lição de Tocqueville ainda está bem viva: a pior, a mais perversa das tiranias, Srªs e Srs. Senadores, a mais cruel delas é sem dúvida a tirania da maioria sobre a minoria.

           Ainda há tempo, ainda há tempo para uma justa e equilibrada negociação capaz de colocar limite nessa marcha da insensatez, ainda há tempo para a negociação. A política, a boa política que foi edificada, que foi construída lá atrás pelos gregos como forma de mediação dos interesses coletivos, a política, com “p” maiúsculo que tantas vezes foi capaz de solucionar impasses tão complexos em nosso País, mais uma vez deve mediar esse que é seguramente o maior conflito federativo vivido pelos brasileiros nos últimos anos.

           De modo que encerrando aqui o nosso discurso eu estou naturalmente ratificando a expectativa que tenho que nesses dias derradeiros, até o dia 19, nós possamos continuar sentando à Mesa, nós possamos continuar negociando, possamos continuar encontrando caminhos equilibrados, caminhos que possam permitir que o pré-sal e que o petróleo possam ser distribuídos por todos os brasileiros, mas não à custa organização das economias dos Estados produtores.

           Digo isso porque o meu Estado, o Espírito Santo, deu muito duro para que nós pudéssemos organizar, para que nós pudéssemos sanear nossas finanças, para que nós...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

(Interrupção do som.)

           O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ...e não é justo que, num momento como este, em que nós estamos construindo prosperidade compartilhada para os capixabas, sofrêssemos uma covardia e uma violência de dimensão tão grande como essa que podemos estar presenciando. Mas acho que a política, que o entendimento, que a negociação devem e podem prevalecer até o dia 19 e que possamos dar o exemplo de que o Senado Federal continua sendo a Casa guardiã dos interesses dos Estados; portanto, a guardiã da unidade nacional.

           Muito obrigado, Srª Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2011 - Página 40713