Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso dos 23 anos de promulgação da Constituição Federal e da transformação dos Territórios Federais do Amapá e Roraima em Estados.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso dos 23 anos de promulgação da Constituição Federal e da transformação dos Territórios Federais do Amapá e Roraima em Estados.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2011 - Página 40767
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, HISTORIA, REGIÃO.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a data em que comemoramos a promulgação da Constituição Brasileira é também a data em que os Territórios Federais de Amapá e Roraima foram transformados em Estados.

            É, portanto, a data oficial em que celebramos o aniversário do Estado de Roraima, embora a história desta região tenha início muito antes, ainda no Século XVII, com as primeiras incursões da Coroa Portuguesa ao Vale do Rio Branco, cuja finalidade era garantir para Portugal a posse de vastas regiões da Amazônia, diante da cobiça de outras nações, notadamente Espanha, Holanda, França e Grã-Bretanha.

            Ocupada imemorialmente pelos povos indígenas de dois troncos lingüísticos distintos (Aruak e Karib), a vasta planície amazônica que vai do rio Negro até o sopé do Monte Roraima só foi conhecida pelo império colonial português no início do Século XVII. O militar Pedro Teixeira teria sido o primeiro português a subir o rio Branco, entre 1639 e 1640.

            De meados do século XVII até o final do Século XVIII inúmeras missões portuguesas, holandesas, espanholas, francesas e inglesas percorreram os vários cursos d'água que formam a bacia do rio Branco. Além do povoamento e conquista de novas fronteiras, o principal objetivo dessas viagens era o aprisionamento de indígenas, vendidos como escravos em Belém.

            Durante mais de um século, milhares de indígenas foram presos, escravizados ou mortos nos chamados "descimentos". Em uma única dessas incursões, em 1740, os comerciantes de escravos indígenas Lourenço Belfort e Francisco Ferreira formaram uma grande tropa para subir os rios Branco e Uraricoera, aprisionando mais de mil índios, conforme relevante pesquisa dos professores Reinaldo Imbrozio Barboza e Efrem Jorge Gondim Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA.

            Tais descimentos ou descidas acabaram por provocar as primeiras revoltas dos indígenas da região contra os colonizadores portugueses. Situação que motivou, em 1786, a mais importante missão científica até então autorizada pela Coroa Portuguesa e que ficou conhecida como "Viagem

            Filosófica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá: 1783-1792".

            Tendo a frente o naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, essa missão tinha como objetivo avaliar o potencial econômico das terras que abrangiam o vale do rio Branco, assim como descrever a situação dos aldeamentos indígenas.

            Em 1775 deu-se a construção do Forte São Joaquim, na confluência dos rios Tacutu (que nasce na Guiana), e Uraricoera, que desce da Serra do Pari ma, na fronteira com a Venezuela. Estes dois cursos formam o rio Branco.

            O local foi estrategicamente escolhido pelos portugueses com o objetivo de ampliar o povoamento do Vaie do Rio Branco e repelir as investidas espanholas, inglesas e holandesas que penetravam o continente a partir do litoral norte da América do Sul.

            A partir de 1787, o português Manoel da Gama Lobo D'Almada percorreu os principais afluentes do rio Branco e deu início a criação de gado nos campos gerais de Roraima, hoje conhecidos como lavrados. Surgiram as grandes fazendas nacionais, entre elas São Marcos, mais tarde transformada em uma das primeiras terras indígenas do Brasil.

            Entre o período colonial, o império e a república, a região do rio Branco, ainda vinculada administrativamente ao Amazonas, foi visitada e estudada por importantes pesquisadores de várias nacionalidades, cabendo destacar, além do próprio Alexandre Rodrigues Ferreira, os irmãos alemães Richard e Robert Schomburgk e o britânico Alfred Russel Wallace, que mais tarde teria papel determinante nas pesquisas de Charles Darwin para o desenvolvimento da Teoria da Evolução.

            Em 1882 o engenheiro militar Francisco Xavier Lopes de Araújo, depois agraciado com o título de Barão de Parima, chefiou a Comissão Mista que demarcou a fronteira entre o Brasil e a Venezuela, trabalho ratificado pela expedição do Marechal Cândido Rondon, que percorreu o extremo norte de Roraima entre 1927 e 1928.

            Com o objetivo de ampliar a ocupação do Vale do Rio Branco, em 9 de julho de 1890 o governador do Amazonas, Augusto Ximeno de Ville Roy, transformou a antiga Freguesia de Nossa Senhora do Carmo no município de Boa Vista do Rio Branco, na época com pouco mais de mil habitantes, excluindo-se os indígenas, que não eram contados nos censos oficiais.

            Em 1893 o governador amazonense deu ao fazendeiro de gado do Vale do Rio Branco Sebastião Diniz a missão de construir uma estrada ligando Manaus a Boa Vista, por onde deveria ser transportado o gado que abastecia a capital amazonense.

            No ano de 1895 foi concluída uma trilha entre as duas cidades, mas só em 1975 a BR-174, que sai de Manaus e percorre todo o Estado de Roraima até a fronteira com a Venezuela, foi efetivamente concluída. A pavimentação veio 25 anos depois.

            Entre 1910 e 1911, portanto há exatos 100 anos, senhor presidente, se deu a descoberta de reservas diamantíferas no norte de Roraima, especialmente na Serra do Tepequém e no rio Maú, ampliando o interesse do governo federal, então sediado no Rio de Janeiro, e ressaltando a importância estratégica de Roraima para além de mera sentinela avançada na fronteira, como dizia o hino do antigo Território Federal.

            Ainda em 1911 o etnólogo alemão Theodor Kõch-Grunberg percorreu a fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, viveu entre os índios da região e produziu a obra em cinco volumes "De Roraima ao Orinoco", até hoje considerada uma das mais importantes contribuições para a antropologia em todo o mundo.

            Esta obra, que também completa 100 anos, está na origem do mais importante iivro do escritor modernista Mário de Andrade, "Macunaíma", personagem central da mitologia dos povos indígenas que vivem à sombra do Monte Roraima.

            Kõch-Grunberg, que veio a falecer na localidade de Vista Alegre, também produziu o primeiro registro cinematográfico dos povos indígenas de Roraima e, entre 1924 e 1925, participou da expedição de Hamilton Rice que, a bordo de um hidroavião, produziu as primeiras imagens aéreas da região.

            A Segunda Guerra Mundial levou o presidente Getúlio Vargas a perceber a importância estratégica e a necessidade de ampliar a presença nacional no extremo norte do país, razão pela qual criou, por meio do Decreto 5.812, de 13 de Setembro de 1943, o Território Federal do Rio Branco, desmembrado do Estado do Amazonas, na época com pouco mais de 10 mil habitantes não índios.

            Em 1962 foi rebatizado como Território Federal de Roraima, assim permanecendo até 1988, quando da promulgação da Constituição Federal, que no Artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias elevou os territórios de Amapá e Roraima à condição de Estados Federados.

            Faço esse relato histórico, senhor presidente, porque hoje comemoramos os 23 anos de criação do Estado de Roraima. Esse curto intervalo de tempo pode dar a alguns a impressão de que nossa história começou, ou pelo menos passou a ter algum significado, só recentemente.

            Na verdade, temos mais de três séculos de uma história rica, escrita por desbravadores e cientistas que, nas condições mais inóspitas, avançaram por fronteiras nunca antes imaginadas para conhecer e integrar ao Brasil uma parcela extremamente significativa da identidade nacional.

            Significado que é realçado ainda mais pela riqueza das culturas que ali habitam imemorialmente. Culturas como a dos Ianomami, Yecuana, Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang, Patamona, Wai-Wai e Waimiri-Atroari, e ainda aquelas que pereceram no processo de ocupação, como os lendários Paravianas ou Paravilhanas.

            Embora ainda desconhecido pela grande maioria dos brasileiros, Roraima não é um pedaço perdido da Amazônia. Pelo contrário, é um estado de notável riqueza cultural, paisagística e humana, sendo a mais notável delas o seu povo, um povo hospitaleiro, simples, que carrega consigo um desejo intrínseco de fazer parte, de ser reconhecido pelos demais brasileiros como parte importante desta nação continental.

            Hoje Roraima é um estado promissor na Amazônia. Somos meio milhão de roraimenses. Muitos, como eu, nascidos em outras regiões do país e que para lá migraram em busca de melhores oportunidades.

            Estamos aqui, portanto, senhor presidente, não apenas para prestar uma homenagem, mas também para reforçar o compromisso de continuar trabalhando e valorizando as justas aspirações do povo roraimense. São muitos os desafios, mas não nos intimidam,

            A crise institucional, política e econômica que o Estado enfrenta neste momento não é motivo para demover os roraimenses do seu objetivo: construir um estado forte, soberano e com oportunidades, abrigando todos os sonhos, todas as vozes, todas as cores, modos de pensar e viver.

            Poderia ainda falar por horas e horas sobre o orgulho que tenho de representar, aqui neste Senado Federal, o Estado de Roraima.

            Mas, por ora, senhor presidente, o melhor a fazer é agradecer, Agradecer por tudo que Roraima representa para todos os seus cidadãos e, pessoalmente, por tudo o que fez por mim, mulher, professora, mãe e militante do Partido dos Trabalhadores, Sou a expressão do sonho roraimense, do sonho de todos os roraimenses.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2011 - Página 40767