Discurso durante a 182ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o combate à corrupção; e outro assunto.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • Reflexão sobre o combate à corrupção; e outro assunto.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2011 - Página 40808
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANUTENÇÃO, LUTA, COMBATE, CORRUPÇÃO, DEFESA, ETICA, POLITICA.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, meu amigo Paim; prezados Senadores; prezados jovens, no combate à corrupção, não se pode deixar vazia a trincheira desta luta. É que, no outro lado dessa luta, corruptos e corruptores não dão trégua.

            Existem teses que dão conta de que a corrupção criou uma espécie de espírito de corpo que move a burocracia pública; que sem ela, nos moldes atuais, a máquina emperra. A máquina do Estado, nos moldes atuais, para sem a corrupção; que essa mesma corrupção, em doses adequadas, azeitaria as engrenagens do serviço público. Segundo eles, o Brasil não pode viver sem corrupção. O negócio é ajustar a dosagem, que, às vezes, é exagerada.

            O noticiário já deu conta inclusive de empresários, Senador Paim. Hoje, um grande número de empresários coloca naturalmente a corrupção na lista das despesas. No custo da produção, há matéria-prima, empregados, impostos e corrupção - tantos por cento de corrupção. Isso já seria feito naturalmente por qualquer empresário. Lá está mão de obra, lá está custo de energia elétrica, lá estão os insumos, lá estão os impostos e tantas outras questões. E, na rubrica, em outros custos, estaria a corrupção.

            É por isso que, antes de falar em corrupção, eu me refiro à ética. Para a ética, não pode haver contabilidade. Não existe meia ética, ou ética relativa, ou ética parcial. No caso, ou se é ético, ou não se é. Não existe meio termo.

            Assim falando, quem sabe eu possa colocar a tal pretensão pelo menos nos meus sonhos.

            Por enquanto, no que se refere ao mundo político, a ética mais se parece com um sonho de verão; a corrupção, um pesadelo.

            Meus irmãos, isso não me impede de continuar sonhando e sonhar desperto com um país onde o dinheiro público não se esvazia pelos ralos da corrupção, mas que financie as grandes mazelas que ainda nos colocam no rodapé das disparidades sociais em todo o planeta.

            O Brasil sem corrupção seria um país sem analfabetos.

            O Brasil sem corrupção seria um país sem a falta de material hospitalar, sem a falta do material hospitalar mais básico para curetar a dor de quem amarga horas a fio, dias até na fila do atendimento médico.

            O Brasil sem corrupção seria o país sem a loteria macabra que, à porta do hospital, do hospital público, escolhe quem deve viver e relega quem pode morrer.

            O Brasil sem corrupção seria um país onde determinadas doenças não teriam passagem de volta.

            O Brasil sem corrupção seria um país sem corrupção, seria um país sem a insegurança de nossas ruas e, pior, de nossas casas e de nossas famílias.

            O Brasil sem corrupção seria um país construído sobre os alicerces da cidadania. 

            O Brasil sem corrupção seria o país não apenas dos altares, mas o da mesa de comunhão. É por isso...

            V. Exª está pedindo um aparte? Com o maior prazer.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Estava aguardando um momento que V. Exª achasse propício. Quero dizer que essa introdução que V. Exª faz mostra muito claramente uma coisa: se não houvesse corrupção, tantas mazelas que nos afligem estariam corrigidas. E é verdade. Disse uma vez aqui, em aparte não sei a quem, a outro Senador, que a Presidente Dilma tem um slogan: país rico é país sem miséria. Mas a miséria é alimentada pela corrupção. E V. Exª está colocando isso de maneira muito didática. Uma outra frase que V. Exª disse, muitas vezes me questionam também: fulano de tal ou o Senador fulano ou o Deputado beltrano é muito mais eficiente, porque traz dinheiro para cá, faz isso, faz aquilo. Ele rouba, mas faz. A sociedade se acostumou... Aliás, deste “rouba, mas faz” lá de trás se ouve falar, oriundo lá de São Paulo. Mas precisamos realmente... V. Exª disse que parece que é um sonho acabar com a corrupção. Eu me lembro - não sei de quem é a frase - de que “sonho que se sonha só é apenas um sonho”, mas V. Exª não está sozinho nesse sonho. Há muita gente no Brasil sonhando não diria com a erradicação, mas pelo menos com uma drástica redução da corrupção neste País. Portanto, um sonho que é sonhado por muitos vai transformar-se realidade. V. Exª vem comandando esse trabalho e - tenho certeza - tem alguns adeptos abertos, mas muitos adeptos silenciosos. Espero que esses silenciosos passem também a falar. Parabéns pela luta de V. Exª.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado pelo apoio que V. Exª vem dando a essa campanha, inclusive, viajando conosco, participando das reuniões, desde a primeira, em que nos dirigimos ao Senador Paim e, na Comissão de Ética, traçamos uma caminhada que, graças a Deus, estamos seguindo. Obrigado a V. Exª.

            É por isso que vale a pena sonhar. É por isso que vale a pena despertar. Sonhar acordado, de olhos abertos, para que se possa agir e realizar esse mesmo sonho.

            Por muito tempo, lutamos contra a tortura nos submundos do poder. Parecia que democracia era tão somente um sonho distante.

            Ah, se eu pudesse mostrar a esses jovens de hoje a pouca expectativa em relação àquela ditadura militar, sem voto, sem gente, sem autoridade, com tortura, com violência, com tudo mais, que parecia que não teria fim... E nós sonhávamos em terminá-la! E o sonho da mocidade se transformou em realidade e ela terminou.

            Parecia um sonho distante a democracia, mas o povo acordou. Não fomos nós, congressistas, aqui no Congresso Nacional, não foi a classe política o fator principal daquela caminhada. É claro que o grupo que resistiu, vereadores, parlamentares, gente simples, que não se dobrou, que lutou, que persistiu, foi importante, mas o tempo passaria e a vitória não chegaria.

            Quando os jovens foram para a rua, quando o povo acordou, quando o povo acreditou, os jovens de cara pintada empurraram os militares e seus tanques de volta para os quartéis e derrotaram os generais ditadores de plantão.

            Restauramos a liberdade, mas, infelizmente, os submundos do poder não foram totalmente desativados. A tortura agora se chama analfabetismo, dor e fome. A tortura é o sair sem saber se vai voltar, é imaginar no semelhante um meliante. Quem nutre essa mesma tortura dos nossos tempos é a corrupção. Quem a embala é a falta de ética. Quem a protege é a impunidade.

            Restauramos a liberdade. O sonho se realizou. É hora, portanto, de resgatarmos a ética para que possamos acordar desse pesadelo que ainda nos assombra.

            A população brasileira já não suporta mais tantas e tamanhas manchetes, manchetes de capa, na primeira página, dando conta dos desvios do dinheiro cunhado com o suor do trabalhador. Já não suporta principalmente as mazelas da corrupção, quando se sabe que nem todas elas aparecem nas manchetes; no máximo, escamoteiam-se em páginas internas. Já não suporta mais os desvios de conduta que se escondem até mesmo nos pés da página.

            A corrupção das coxias desfila suas mazelas nas passarelas das ruas e nos becos mais afastados.

            Imagine-se quanto de corrupção não é alcançado por qualquer investigação nas comissões de inquérito, da mídia, das melhores intenções. A maior parcela, com certeza, porque a corrupção procura apagar os próprios rastros, esconde as pistas, desaparece com as digitais nos rodapés alcançados de pronto pela polícia.

            Os porões da ditadura não se abririam não fosse o povo quebrar as fechaduras, não fosse a ação corajosa de brasileiros que enfrentaram os cães da repressão. Da mesma forma, a corrupção não se extirpará sem que esse mesmo povo, de novo, desvende os segredos dos cadeados que dão acesso aos bastidores do poder.

            Agora não há mais cães a enfrentar. Agora não há mais tanques. Agora basta o eco das ruas. O poder corrupto teme a voz rouca das ruas.

            Volto a afirmar que a questão central é a ética, que não admite adjetivos e que só é um substantivo abstrato porque está ou deveria estar na essência do ser humano, que não pode se materializar apenas no discurso, que é, ou deveria ser, prática e, como tal, não haverá equívoco se considerada também como um substantivo concreto.

            Há uma relação direta, sinônima, entre ética e caráter. Aliás, a palavra “ética” vem do grego e quer dizer exatamente aquilo que se refere ao caráter. A ética é mais coletiva, tem a ver com modos de conduta. O caráter é mais individual, mas mantém, enquanto sinônimo, a mesma essência da ética.

            Corrupto é, ou tenta ser, o maior defensor da ética. Não raras vezes participa de comissões de ética e é o maior preocupado com isso.

            Existem vozes que dizem ser a ética algo distante do dia a dia do cidadão, menos concreto que o jornal censurado, com espaços proibidos cobertos com receitas dietéticas e poemas de Camões - e como vimos isso durante anos, principalmente nas páginas de O Estado de S.Paulo -, menos concreto que as cenas cortadas de novela ou o filme dilacerado ou não permitido, menos concreto que o grito dos porões, sabido, ainda que não ouvido. Daí a menor participação popular nas ruas pela ética.

            E se estranha, Sr. Presidente. E V. Exª, como eu temos discutido: por que o povo não está na rua, na luta pela ética contra a corrupção, como o foi contra a ditadura, como o foi pelas Diretas Já, como o foi pela cassação do Collor? O que está acontecendo? Qual é o motivo que levou todos à rua naquela época?

            Hoje está começando, mas está difícil. Daí a menor participação popular nas ruas pela ética, se comparada com os movimentos anteriores, como o das Diretas Já ou o do impeachment.

            Vem daí a necessidade, aí sim, nos discursos, de atrelar a corrupção à dor, nesse caso, sentida e ouvida na fila dos hospitais, aos ainda milhões de analfabetos no Brasil, aos também milhões que permanecem padecentes da fome, embora os programas assistenciais, a todos que, embora em um País de tantas e tamanhas potencialidades, continuam abaixo da linha da pobreza.

            Então não se sairá às ruas por algo abstrato. Não, meus jovens, vocês não estarão indo à rua por algo que é um sonho hipotético, quase irrealizável. A ética ou a falta de ética é mais concreta nas suas decorrências.

            Vem daí também a necessidade dos melhores exemplos. E isso, felizmente, parece ganhar concretude no atual Governo. Até há pouco tempo, defendia-se o acusado de desvio de conduta com discursos, muitas vezes, de afago a este que teve desvio de conduta. Hoje, como nos tempos do Governo de Itamar Franco, ele é afastado assim que as evidências se fortalecem.

            Esse é o momento novo. Por isso há esse fervilhar. No tempo de Itamar, dúvida? Rua! Mas nos governos que vieram depois, nada. Tudo permaneceu igual, tanto no Lula como no Fernando Henrique. Com a Dilma agora, rua! Por isso essa expectativa. Por isso eu digo à nova Presidenta: resista! Porque é ela, com essa posição, que está fazendo o Brasil se preparar para dar a ela a garantia, a certeza e a firmeza para liberá-la da maldita coação de que, em nome da governabilidade, querem escravizar a presidência aos favores, às concessões de a, b ou c, desse ou daquele partido, leiloando o Governo ao bel prazer de alguns.

            Resista, Presidente!

            Naquele tempo do Itamar e hoje não foram exonerados apenas os gestores de rodapé; também os de cabeçalho receberam a devida punição. Permanece, entretanto, ainda como sonho a devolução dos recursos desviados, devidamente corrigidos, quem sabe através dos mesmos índices cobrados nos atrasos de pagamento dos impostos, os mesmos impostos que são surrupiados através da corrupção.

            É nesse sentido que conclamamos a resistência da Presidente Dilma. Ela tem hoje um papel-chave na luta contra a corrupção, diferente dos tempos pouco idos, quando ou se barrava qualquer tipo de investigação ou o acusado valia-se da defesa discursiva dos presidentes de então.

            O jornal Folha de S.Paulo divulgou há poucos dias que o ex-Presidente Lula disse em cerimônia, quando recebia o título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, que político não pode tremer quando for acusado. São suas palavras: “Político tem que ter casco duro. Se o político tremer cada vez que alguém disser uma coisa errada sobre ele e não enfrentar a briga para dizer que está certo, acaba saindo mesmo".

            Ora, meu querido Presidente Lula, político não tem que ter casco duro não. Político, Presidente Lula, tem que ter as mãos limpas, e os pés, o coração, e a alma digna e limpa. Mesmo para uma pessoa que sobreviveu aos anos de chumbo exatamente pela resistência, a atual Presidenta sabe o quanto é difícil governar o Brasil sem se submeter às pressões dos partidos, das corporações nem sempre movidas pela ética.

            É por isso, por exemplo, que coloco a questão do financiamento de campanha como central em qualquer discussão sobre reforma política. O parlamentar inicia a sua próxima campanha no momento da posse. As listas de financiadores de campanha que são divulgadas, portanto somente as oficiais, dão conta do que se poderia considerar um verdadeiro "cartel".

            A maior parcela dos recursos vem, reiteradamente, de alguns mesmos bancos e grandes empreiteiros, de segmentos produtivos e de infraestrutura. Evidentemente que, em todos os casos, ou na grande maioria e imensa, todos eles com interesses diretos nas ações de governo. Diretamente no Executivo, ou no aparato legislativo que os beneficie.

            O executivo de cargo eletivo, ou o parlamentar, inicia sua gestão ou seu respectivo mandato com uma espécie de "dívida" pelo período que se inicia, embora ele também se preocupe com as próximas eleições, que serão, novamente, financiadas se ele "saldar" a dívida anterior. Muitas vezes ele rola essa mesma dívida, e a promessa de novos recursos somente será cumprida se ele provar e comprovar a sua fidelização aos interesses do financiador. Então, ele tem que priorizar emendas orçamentárias que possam ser executadas por quem o financiou, que também dita os rumos de suas decisões nas mais importantes votações, não necessariamente ao encontro de suas convicções pessoais.

            É por isso também que o parlamentar indica os seus apadrinhados para os cargos mais importantes da República. São interesses diretos, algumas vezes revertidos em práticas de corrupção, outras vezes, para facilitar o atendimento ao financiador das respectivas campanhas eleitorais. O que, cá entre nós, não deixa de ser, esta última, também uma prática de corrupção.

            Em todos esses casos, o que se percebe é a compra da consciência do eleito e do eleitor. Até quanto se manterá essa realidade corruptiva dos recursos públicos e das consciências? Até que se alterem algumas situações.

            A primeira, quando se cortar o vínculo dos eleitos com seus respectivos financiadores privados. E quando isso poderá acontecer? Quando o financiador da campanha política for exatamente o público eleitor, que exigirá do eleito o bem coletivo e não o interesse individual ou o interesse de pequeno grupo. Quando, portanto, dissipadas todas as possibilidades de burla, o financiamento das campanhas públicas for exclusivamente público.

            Uma segunda situação está ligada à chamada ficha limpa. Ficha limpa do candidato, a qualquer cargo, eletivo ou escolhido para exercer uma função pública, independente da hierarquia ou do poder correspondente.

           É preciso que a lei, aprovada recentemente, diga-se de passagem, concebida por iniciativa popular, efetivamente tenha cumprido o seu "cumpra-se". Que ela, concretamente, entre em vigor e com vigor.

           Hoje, apesar do apelo popular e da legitimidade alcançada através de mais de um milhão de assinaturas, ainda assim, ela tropeça em artifícios regimentais que a protelam e, não raras vezes, a desfiguram. O eleito ou o escolhido, ainda que antes do mandato ou da escolha, não pode ter um passado que ainda o condene. Não se espera que fugitivos da justiça ajam, exatamente, com justiça. Não se pode esperar, ainda nesta segunda situação, e mantidos os procedimentos atuais, que se corrijam rumos depois da posse.

           O caso de uma Deputada Federal por Brasília foi emblemático. Na sua defesa, ela não negou ter desviado recursos. A sua tese fundamentou-se no fato de que o ato lesivo aos interesses públicos "deu-se antes de sua posse". Quer dizer, ela não negou ser corrupta. Apenas fez entender que praticou corrupção antes da posse. Não me recordo se prometeu não mais praticá-la, depois. O seu advogado de defesa foi além: disse que se seus pares a cassassem abririam um precedente "perigoso" e poderiam estar no mesmo banco dos réus em atos e fatos semelhantes. Vi na televisão a atuação do advogado de defesa. Hoje é ela, amanhã poderá ser tu. E cada vez apontava para um parlamentar que também tinha processo e, realmente, poderia ser o seguinte.

           É evidente que não se poderia esperar outro resultado que não a absolvição, A atitude da tal Deputada, errada, foi relevada pela escolha certa e imagino cara do advogado, quem sabe pago exatamente com o dinheiro nitidamente

            Quem sabe pago exatamente com o dinheiro nitidamente mostrado no vídeo que serviu de base para a frustrada acusação?

            Há uma questão reiterada quando o assunto é representatividade popular. O que leva o eleitor escolher um candidato que desfila durante tempo a fio pelas manchetes de jornais dando conta de atitudes lesivas exatamente ao interesse público no desvio do dinheiro que poderia financiar o serviço que ele mesmo, o eleitor, não alcança nas instituições públicas?

            Na saúde, por exemplo, segmento no qual o dinheiro da corrupção poderia ser utilizado para adquirir o material e o remédio mais básicos em falta nas prateleiras do hospital público.

            A resposta a essas questões pode ser encontrada talvez na falta de legitimidade das instituições públicas. E, pior, na própria legitimidade popular. Na frágil confiança da população na sua representação oficial. Sem confiança, sem esperança de mudança, o eleitor ou recorre ao voto de protesto, do tipo pior do que está não fica, ou escolhe aquele que, com probabilidade maior, irá atender suas necessidades individuais. Troca o voto pelo remédio para o filho, por exemplo. Troca o voto por uma vantagem que lhe está sendo oferecida.

            Ora, entre o nada e a saúde do filho, é difícil criticar a sua escolha.

            Quem oferece óculos, por exemplo, em troca de um voto, não apenas provê o eleitor de algo necessário que ele não tem condições de comprar. Para esse eleitor, há o sentimento de que se trata de um ato com ares de divindade. Através daqueles mesmos óculos, faça-se a luz.

            Uma imensa parcela dos eleitores não se lembra em quem votou tão logo passadas as eleições. Pudera. 

            Pudera, uma parcela muito pequena dos empossados obteve votos próprios, escudaram-se nas coligações e nas suplências. Para se ter uma ideia, dos 513 Deputados que compõem a atual Câmara dos Deputados, dos 513 Deputados, apenas 35 obtiveram sufrágio suficiente para serem eleitos individualmente; apenas 35 tiveram votos suficientes e se elegeram com os seus próprios votos. O restante ou a imensa maioria valeu-se dos tais subterfúgios: o voto da legenda e o voto em “a” irão resolver o problema de “b”, de “c” ou de “d”.

            Algumas vezes, o suplente de Senador é o próprio financiador da campanha que não teria voto por falta de popularidade, mas que tem o dinheiro para eleger o candidato mais popular. Ato contínuo, até mesmo porque ele financiou também o candidato ao Executivo, esse mesmo suplente financiador procura espaço se eleito fora do Parlamento.

            Concretamente o tal suplente adquire o mandato popular ou que deveria ser popular. É suplente, banca a eleição de Senador; na outra, o Senador vai para prefeito da capital e ele vem aqui, para o Senado. O financiamento da campanha transforma-se, neste caso, numa espécie de moeda de compra de um mandato. Como, então, esperar legitimidade de um Congresso ou de um Parlamento composto através de regras políticas como essa? É nesse sentido que há muito o que mudar. E, como sempre enfatizei, as mudanças virão somente da pressão popular; mais uma vez, pela voz rouca das ruas.

            O momento parece propício. Depois de um longo tempo, desde a última manifestação de rua, com reações em massa, o povo volta a gritar, a gritar em coro pelo fim da corrupção e pelo fim da impunidade. As principais instituições representativas da sociedade, OAB, ABI, CNBB, entre outras, as mesmas que capitanearam outros movimentos tomam as rédeas da canalização dos anseios populares em favor da ética na política.

            Há uma Presidenta com forte ânimo para colocar em prática a sua promessa de um Governo com gestores revestido de competência reconhecida e sobre quem não paire qualquer dúvida de natureza ética. Ela tem enfatizado que não admite qualquer pacto com o mal feito. A palavra está correta. Usar a palavra “faxina” pareceria que atingia ou que queria atingir o seu antecessor. Mal feito é mal feito. É o que não está bem feito. Ela diz que seu governo não admite, não tem nenhum compromisso com o mal feito.

            No Senado Federal, um grupo suprapartidário ocupa os espaços mais importantes na Comissão de Direitos Humanos, presidida por V. Exª, para consolidar as propostas legislativas e abrir espaço para a necessária reforma política no sentido de que o Congresso readquira a necessária legitimidade e que se restabeleçam as melhores relações, até aqui promíscuas, entre o Legislativo e o Executivo.

            São fatos reconhecidamente significativos. Não tenho dúvida de que esse é um dos momentos mais importantes da história política brasileira. Acabar com a corrupção não é só abrir as portas para o fim do analfabetismo, da fila dos hospitais públicos e da falta generalizada de infraestrutura econômica e social, o que já seria de melhor tamanho para o Brasil. Os procedimentos que estão sendo utilizados para combater

            Os procedimentos que estão sendo utilizados para combater esse verdadeiro câncer na vida política brasileira pode ser também o estopim de uma reforma que poderá alterar para melhor os rumos da política brasileira no seu todo, no modo de fazer política e nos resultados da ação do poder público, em todos os segmentos e em todos os níveis.

            Imagine se, por exemplo, todos os cargos do Poder Executivo e do Legislativo forem preenchidos por pessoas de reconhecido saber nas respectivas áreas. Exatamente o contrário do que ocorre hoje com as indicações meramente políticas com o objetivo não necessariamente ligado à eficácia e à eficiência.

            É voz comum, por exemplo, que um dos maiores problemas da saúde pública no Brasil hoje está ligado a sua gestão, e não, como se anuncia, por falta de recursos financeiros.

            Não são raros os casos em que os indicados para um determinado cargo tenham de se submeter a verdadeiro supletivo pouco antes da posse para ter um mínimo de conhecimento sobre a sua futura área de atuação, Isso para que, dessa maneira, fazendo um supletivo, uma preparação para saber o que ele vai fazer, não provoque verdadeiro vexame já no discurso de posse.

            Entretanto, essas mudanças virão se - e somente se - todos os segmentos do movimento que agora ocupa corações e mentes continuarem neste caminho, que o País espera não ter volta.

            Eu repito: em primeiro lugar, a população tem de se manter mobilizada e atuante. A pressão popular nas ruas é o combustível necessário para mover as montanhas que se ergueram na administração pública, todas elas suscetíveis a avalanches políticas.

            As instituições que hoje capitaneiam esses mesmos movimentos também devem continuar o aprofundamento do debate de suas respectivas representações; nos sindicatos, nas igrejas, nas universidades e em todos os lugares de onde possam germinar efeitos multiplicadores de mobilização.

            Também continuarão surgindo daí elementos de base para as proposições, inclusive legislativas, necessárias para a consolidação dos resultados obtidos pelo movimento como um todo.

            Essas mesmas instituições poderiam desenvolver uma espécie de “monitoria” no acompanhamento do gasto público, independente de essa função já ser exercida por outros órgãos, porém públicos.

            Vale dizer que a corrupção tem as suas artimanhas de ressurreição, embora obviamente nada bíblicas.

            Cabe à Presidente Dilma um papel fundamental nesse mesmo processo. O caminho será menos árduo se ela continuar no seu firme propósito de "não pactuar com o malfeito". Ela tem a caneta e o poder de nomear e de destituir. O indicado deverá ter conhecimento necessário para desenvolver a sua labuta e um passado que não o condene. Se as luzes do poder lhe ofuscarem procedimentos éticos, que ele seja substituído, de imediato. Daí, Presidenta, o "resistir é preciso".

            Enquanto não se mudarem as regras atuais do que se entende, erroneamente, de "governabilidade", que se estabeleçam critérios mínimos para a habilitação dos "indicados" pelos partidos da hoje chamada "base de apoio".

            Os últimos acontecimentos deram a medida e o tom de como a Presidente é pressionada nos sentido de "ceder" às imposições de quem, historicamente, concorre por nacos do poder, não a partir de programas partidários, não a partir de programas de governo, mas para se apropriar do coletivo, em benefício próprio e de pequenos grupos.

            Outro elemento surge também com fundamental neste processo que já se chamou de “faxina ética”, o Poder Judiciário.

            De que adiantarão leis saneadoras do malfeito, se o que impera é a impunidade? Se essas mesmas leis permanecem letra morta? Se elas foram cumpridas somente para as camadas mais pobres da população? Se elas servirem, como hoje, a espécie de abrigo àqueles que, contraditoriamente, às caladas, a burlam?

            A discussão recente, intestina, no Poder Judiciário, não deixa de ser um fator preocupante. Seria repetitiva, sobremaneira, a tecla da “lentidão do Judiciário”. Mas o que veio à baila nos últimos tempos é que as togas também já não andam assim tão alinhadas. E que não foram assim tão episódicos os casos do TRT de São Paulo ou das vendas de sentenças pilhadas por operações tipo “Anaconda”.

            A afirmação, embora muito exagerada, da Corregedora do próprio Judiciário não pode passar imune. Muito menos impune.

            Enfim, desde o cidadão mais humilde, aquele que solta o seu grito ou empunha um cartaz escrito ainda que no garrancho que lhe atesta a singeleza, passando pelos dirigentes das mais renomadas instituições e chegando aos mandatários mais importantes da Nação, todos eles, indistintamente, desempenham hoje, um papel que pode, de fato, mudar os nossos destinos.

            É preciso que todos nós tenhamos essa dimensão da importância dos nossos atos para a construção do País, de um País verdadeiramente democrático e efetivamente cidadão.

            O corrupto é tão-somente - o que já seria deplorável - um mau-caráter, como o já definiram os gregos na antiguidade. Ele é também um golpista contra a nossa democracia e a nossa soberania. Ele também age nos porões. Ele atenta contra a vida do cidadão. Ele se vale da dor em nome de um poder que ele toma, golpeando a boa-fé do cidadão.

            Daí a importância desta mobilização de todos os segmentos da sociedade, em todos os níveis. Acordado, com os olhos voltados para o futuro. Um futuro de democracia, como tanto lutou a nossa juventude, nos calabouços e nas ruas, e de verdadeira cidadania, como todos nós hoje vislumbramos o horizonte que parece mais próximo, com o fim, agora mais que uma pretensão, da corrupção e da impunidade.

            Dia 12, agora, daqui a alguns dias, em todo o Brasil, jovens estão marcando reuniões com essa finalidade. Na frente da Justiça, na frente das assembleias legislativas, aqui, na Esplanada dos Ministérios, dia 12, eles voltarão às ruas, conclamando um esforço necessário nesse sentido.

            Os chamados cientistas políticos acham que esse movimento vai terminar por findar, sem o resultado positivo. Argumentam eles que o movimento das Diretas Já deu certo porque tinha um objetivo: Diretas Já. Que o impeachment deu certo porque tinha um objetivo: derrubar o Presidente. Agora, uma campanha pela ética, pela moral, contra a corrupção, vai conduzir, vai indo, vai passando o tempo e não vai acontecer nada. E vai terminar morrendo.

            Eu tenho dito que nós temos de buscar, junto ao povo, algumas teses e algumas bandeiras. Digo, por exemplo, que uma das primeiras é terminar com a impunidade. Ora, terminar com a impunidade! Mas, e daí, fazer o quê? O ficha limpa foi um exemplo. Veio do povo, um milhão e quinhentas mil assinaturas no projeto popular, mais dois milhões de assinaturas de solidariedade via Internet. 

            O que quer o ficha limpa? O candidato. Se é condenado pelo juiz, ele recorre. Recorre a um juizado composto ao menos por três juízes. Se é condenado de novo, ele pode recorrer ao pleno do tribunal, a uma junta do Tribunal Superior de Justiça, ao Pleno do Tribunal Superior, Tribunal Eleitoral ou ao Supremo. Hoje, durante esse tempo todo, ele recorre em liberdade. O que acontece é que [o crime] prescreve, cai, e ele nunca é condenado.

            O que diz a Ficha Limpa: ele é condenado, recorre; é condenado pela junta, pode recorrer quantas vezes quiser, mas, preso! Como dizia o procurador, ontem na reunião da Comissão de Justiça, já na primeira vez, quando ele é processado, é feita toda a denúncia, toda a prova; o procurador apresenta os fatos concretos contra ele; o advogado de defesa dele e ele têm toda a oportunidade de fazer toda a defesa. Se ele é condenado, onde está a presunção de inocência? A presunção deve ser de inocência, diz a lei; ninguém é condenado até ser provado. Se ele foi julgado e condenado e recorre, vai para o tribunal. Lá se reúnem os três desembargadores ou cinco; debatem, discutem, analisam. Novamente, a promotoria denuncia. Novamente ele tem direito à defesa. O advogado apresenta toda a defesa dele, e é condenado de novo. Onde está a presunção de inocência? Pode continuar se defendendo; recorre a segunda vez, recorre a terceira, recorre a quarta, recorre a quinta. Mas, preso, como acontece nos Estados Unidos, na Alemanha, na Itália, na França, no Japão, na China, no mundo inteiro: preso. Aí muda.

            Hoje ninguém procura um bom advogado para ser absolvido em qualquer processo. O que menos importa é pegar um bom advogado para ser absolvido. Ele pega um bom advogado para “empurrar com a barriga”. Condenado pelo Juiz, vai à Turma; condenado pela Turma, vai ao Pleno do Tribunal de Justiça; condenado pelo Tribunal de justiça, vai ao tribunal superior. O problema é deixar o tempo passar. Eu não conheço nenhum advogado nesse estilo de colarinho branco que está preocupado em absolver. O bom advogado é o competente em “empurrar com a barriga”.

            Eu repito: no resto do mundo é assim.

            No debate, ontem, com os ilustres Ministros na Comissão de Constituição e Justiça eu falei. Eu disse o seguinte: às vezes fico pensando o foi feito de mim, Pedro Simon. Eu era um guri, mais moço do que esse jovem, quando cassaram, prenderam, torturaram. Quando eu vi, eu era o chefe da Oposição no rio Grande do Sul. Eu passei o tempo todo defendendo preso político. Passei o tempo todo fazendo com que as pessoas pudessem fugir para o Uruguai. Eu passei o tempo todo brigando com general, militar, para que as pessoas não fossem presas, torturadas ou mortas.

            Como advogado, só atuei na defesa. Nunca fiz uma acusação. Será que mudei tanto assim, que hoje não penso e vejo os tribunais...? Esses tribunais que, no tempo da ditadura, a gente não conseguia soltar ninguém. No tempo da ditadura, as coisas funcionavam. Nós fizemos uma prova fantástica, no chamado caso das “mãos amarradas”, lá no Rio Grande do Sul. Provamos tudo. Provamos, por “a” mais “b”, que o Sargento Manoel foi preso e torturado pelo DOPS, e que, de mãos amarradas, foi jogado e afogado no Guaíba. Tudo provado. Ficou na gaveta do tribunal. O procurador teve a coragem de fazer a denúncia. E denunciou o próprio Coronel Secretário de Finanças e o próprio Coronel Chefe da Polícia. Mas ficou na gaveta do tribunal o tempo inteiro.

            Naquela época, não se falava em direitos individuais. E hoje pergunto: será que, olhando para o Brasil, o Governo da Presidente Dilma ou o do Presidente Lula ou o do Presidente Fernando Henrique vem violentando os direitos individuais? Será que tem havido o mais amplo direito de defesa? Às vezes se diz que a Polícia Federal cometeu excesso.

            Lá o Maranhão, houve um caso fantástico, apareceu a denúncia de fatos concretos. A Polícia Federal pediu licença para o juiz, que concedeu. Recorreram para o Tribunal de Justiça do Maranhão, que confirmou. E, durante dois anos, fizeram uma investigação enorme. E, na hora em que foi para o tribunal, dois anos depois, ele disse que aquela decisão do juiz, lá atrás, e aquela decisão do tribunal do Maranhão lá atrás tinham sido exageradas, não tinham sido corretas. E anulou todo o processo. Anulou tudo, não vale nada.

            Quero que me digam aqui onde não tenha havido desrespeito aos direitos individuais.

            Um Ministro leu para mim ontem - leu para nós. Realmente, está lá, nos direitos individuais: todo cidadão é inocente, até prova em contrário transitada em julgado.

            Lembro-me da nossa Constituinte. Deus fez com que eu pagasse todos os meus pecados. Sou parlamentar há 50 anos; só não fui parlamentar na Constituinte: fui ser Governador do Rio Grande do Sul. Nem governei o Rio Grande como devia, porque, na sexta-feira, no sábado e no domingo, eu estava, aqui, em Brasília, lá na casa do Dr. Ulysses, Presidente da Constituinte, participando dos debates. 

            Nós, naquela época - por amor de Deus, coitados de nós! -, ainda estávamos no regime da ditadura. O Sarney, é claro, era um democrata, mas nós estávamos vivendo, meu Deus do céu! Então, para aquele momento, eram os direitos individuais, mas nós só pensávamos nisto: garantia, tem de defender... Nós só pensávamos nisso! Eu era um dos mais apaixonados, pensando nisso!

            Olha, minha Presidente, eu fico pensando, às vezes: será que eu mudei? Será que eu virei um velho gagá agora que, de repente, deixei de lado os meus princípios de lado, aquela minha luta pela democracia, pela liberdade, pelos direitos individuais? Será que eu me esqueci de tudo aquilo? Eu creio que não. Têm acontecido vários casos de violação aos direitos individuais em que sou procurado e, sem imprensa, sem coisa nenhuma, vou correndo atrás. E tenho resolvido muitos casos.

            Eu concordo que é muito melhor - aliás, é a tese que defendi a vida inteira. Em meus júris - e só fiz júri de defesa; uma infinidade de júris e nunca aceitei acusação -, eu sempre dizia: é preferível um réu culpado ser absolvido que um inocente ser condenado. Eu dizia - eu pessoalmente, em todos os estudos que fiz - que não conheço caso de réu absolvido que voltou a matar, mas conheço uma infinidade de casos de réu condenado que foi para a cadeia e voltou a matar, até porque, tristemente, no Brasil, as prisões são escolas de criminosos e não escolas visando recuperar o preso.

            Por isso, a minha preocupação, a minha angústia não é com relação a botar o preso na cadeia. A minha preocupação, a minha angústia é que corrupto não esteja na política. Eu não estou discutindo se ele vai para a cadeia ou se ele não vai para a cadeia, mas que não seja Deputado, que não seja Senador, que não seja Ministro.

            O que a Presidente da República disse, com uma imponência fantástica, foi: “No meu Governo, eu só nomearei pessoas de competência comprovada e de ficha limpa”. Presidente, isso é óbvio! Por amor de Deus, qualquer cidadão - desde o patrão, desde a professora, desde o prefeito - tem que ser um cara que tenha capacidade e que seja honesto! Mas nós estamos numa situação tão ridícula, o Brasil chegou a uma situação de decomposição tal que essa afirmativa da Presidente ganhou manchete nacional.

            A pessoa tem que ter ficha limpa e capacidade. É isso que nós estamos querendo. Nem estou preocupado se vai para a cadeia ou se não vai para a cadeia, mas saia do cargo público.

            Se o Supremo buscar não sei que tipo de argumento para impedir que a ficha limpa funcione para a eleição do ano que vem, olha, eles vão passar um mau pedaço. Eles vão passar um mau pedaço!

            O Supremo hoje, a Justiça hoje são nossos colegas. Eu sou um defensor do Judiciário, sempre fui, tenho o maior respeito, mas reconheço que hoje, nos percentuais de credibilidade da opinião pública, estão quase iguais a nós. Não tanto, porque nós estamos lá no chão, mas eles estão caindo muito. E se eles afrontarem...

            A posição do Supremo é muito mais delicada do que a nossa, porque nós estamos aqui, estamos sujeitos a voto. Viemos aqui pelo voto popular e não pela simpatia de um Presidente. Não é a amizade, o carinho de um Presidente da República que chegou, escolheu fulano, que veio para cá. E nós estamos aqui por prazo determinado, não como o membro do Supremo, que está para a vida inteira.

            Então, o membro do Supremo está numa situação muito delicada para que a soberba, que é um pecado capital, não suba e para que entenda que, apesar de o cargo ser vitalício, ele é um cidadão. Eu acho que o caso dele é muito mais delicado do que o nosso.

            O Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça disse que a nossa situação é mais difícil do que a do Judiciário, porque o Judiciário decide sobre a coisa que já foi feita: o fato aconteceu, ele vai julgar. Agora, a nossa missão é mais difícil, porque vamos fazer a lei para decidir como as coisas devem ser feitas no futuro, vamos traçar o rumo do futuro.

            Acho que, sob esse aspecto, ele tem razão, mas eu penso, penso, penso e vejo - e não sou só eu. O que a senhora acha, Srª Presidente, de eu apresentar uma emenda que diga o seguinte: o Presidente do Supremo Tribunal Federal é indicado pelo Presidente da República e é vitalício, será Presidente do Supremo pelo resto da vida? Iriam me matar!

            Nos Estados Unidos é assim: quem indica o presidente da Suprema Corte americana é o presidente da república. E ele é presidente até morrer, não tem idade, até morrer: até 80, até não sei quantos anos.

            Então, a questão não é ter lei ou não ter lei; buscar ou não buscar, é a maneira de exercer.

            Eu me atrevo a me dirigir aos membros do Supremo. Nunca foi tão controvertida a composição do Supremo. Até em governos anteriores, até na ditadura, eram figuras notáveis, respeitáveis. Hoje, é um pouco diferente. Hoje são figuras respeitáveis, importantes, mas são pessoas do agrado do Presidente, pessoas que estão tendo um envolvimento que nunca tinha havido, muito pessoal: A, B, C desse lado e daquele lado.

            Eu tenho o maior respeito pelo Supremo, e eles vão decidir de acordo com a consciência deles. Mas se a ficha limpa não vigorar, se qualquer pretexto for usado para não valer nas eleições do ano que vem, eu não sei.

            Eu me dirijo aos jovens: dia 12, vão para as ruas em qualquer lugar que vocês estejam. Vão, levem a sua voz, com essa arma fantástica, nova, que vai revolucionar o mundo, que é exatamente as redes populares via Internet, lá onde a gente nunca imaginaria! Quando a gente imaginaria que lá na Síria, no Egito, naqueles países do Oriente Médio, em ditaduras de dezenas de anos, de mulheres debaixo de uma pressão humilhante, de repente, os jovens sairiam sem violência, sem terrorismo, sem absolutamente nada?

            A primavera de um novo porvir está começando. Nós, aqui, no Brasil, já temos o exemplo das Diretas Já, temos uma mocidade com liberdade e com plenitude. Vão para as ruas, jovens! Cobrem de nós! Cobrem do Pedro Simon e de todos esses Pedros Simons da vida que estão aí! Vão para rua! Cobrem do Congresso, cobrem do Supremo, cobrem da Presidência! Vão para rua e exijam as mudanças de que precisamos!

            Está aprovada aí a reforma política. É tudo piada. O Congresso Nacional - o Senado e a Câmara dos Deputados - é tudo piada! Reforma política, feita pelo Congresso com os partidos políticos, é tudo interesse, não tem nada de sério, não sai coisa nenhuma! A não ser que nos coloquem contra a parede, como foi o caso da ficha limpa. A ficha limpa não ia ser aprovada nunca! Foi aprovada porque nós, de medo e de vergonha de votar contra, votamos a favor, pois o povo estava exigindo.

            Meus jovens, vão para rua nesse dia 12. Onde vocês estiverem, vão para a rua! Exijam, cobrem. Se quiserem dizer desaforo de nós, digam desaforo, mas vão para a rua!

            Eu, no dia 12, vou ficar de longe. Não quero aparecer porque acho que deve ser deles, dos jovens, e os políticos não têm de se meter. Mas de longe vou assistir, e o meu filho vai. O meu filho, um jovem de 17 anos, vai estar lá para assistir, porque acho que é um grande início.

            Srª Presidente, meu querido Senador, eu peço desculpas. V. Exª ainda me perguntou e eu lhe disse que ia demorar, mas é que acho essa situação que nós estamos vivendo tão importante. Esse dia 12 e essa boataria de que o Supremo vai terminar esquecendo a ficha limpa são tão delicados que eu acho que alguma coisa deve ser feita.

            Agradeço a tolerância da querida Presidente. Ao meu querido amigo, nosso colega de caminhada, peço desculpas: o senhor, realmente, pagou muitos pecadinhos que tenha cometido na ridícula posição que fiz V. Exª ficar até agora, ouvindo-me.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            De coração, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2011 - Página 40808