Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 23 anos da promulgação da Constituição Federal e a criação dos Estados do Amapá, Roraima e Tocantins.

Autor
Sergio Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Sergio de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 23 anos da promulgação da Constituição Federal e a criação dos Estados do Amapá, Roraima e Tocantins.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/2011 - Página 40448
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, ESTADO, ESTADO DO AMAPA (AP), ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO TOCANTINS (TO), COMENTARIO, ELABORAÇÃO, CARTA, ORDEM CONSTITUCIONAL.

            O SR. SÉRGIO SOUZA (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente, primeiro, pela deferência. Realmente eu era um dos primeiros inscritos, mas, por conta da nossa reunião na Comissão Mista de Mudanças Climáticas, a qual eu presido, acabei me atrasando um pouquinho.

            Vou fazer um resumo daquilo que nós tínhamos preparado para esta sessão tão importante que comemora os 23 anos da nossa Constituição Cidadã, como disse aqui a Senadora Vanessa Grazziotin.

            Devemos deixar muito claro que, após 21 anos do regime de exceção, a Constituição de 1988 foi elaborada em clima de efetiva participação da sociedade, particularmente dos setores mais organizados.

            Com efeito, em nenhum outro momento da nossa história, a Carta Magna resultou em tão extraordinária vontade de participar e de interferir no processo de sua construção por parte da cidadania. Senão, vejamos.

            Nossa primeira Constituição, a do Império, foi outorgada em 1824, fruto do trabalho de uma comissão escolhida a dedo pelo Imperador D. Pedro I. As Constituições republicanas, por sua vez, sempre foram elaboradas por pequenos grupos, a começar pela de 1891, cuja autoria, em larga medida, envolveu um único personagem, o grande Rui Barbosa, Patrono desta Casa.

            As Cartas de 1934, 1946 e 1967 seguiram idêntico padrão, ou seja, grupos restritos elaboraram o projeto a ser votado pelo Parlamento. Não foi diferente nos dois períodos em que o Brasil esteve fora do regime democrático. No primeiro, em 1937, sob Getúlio Vargas, era imposto ao País o modelo fascista da Constituição polaca, o qual forneceria o aparato jurídico para a ditadura no Estado Novo. No segundo, em pleno regime militar, a Emenda Constitucional de 1969 - em verdade, bem mais que mera emenda; tratava-se, no fundo, de uma nova Constituição! - nada mais era do que a incorporação à Lei Maior dos dispositivos do ditatorial Ato Institucional N° 5.

            Diferentemente das demais Constituições brasileiras, todavia, a que hoje vigora notabiliza-se pela ênfase absoluta à configuração dos direitos e deveres individuais e coletivos. Seus dois primeiros Títulos expressam a notável mudança de perspectiva: o texto se inicia não com a organização do Estado, mas com a prevalência da sociedade. Foi justamente isso que permitiu ao grande Ulysses Guimarães - Presidente da Câmara dos Deputados, da Assembleia Constituinte e do PMDB - defini-la como Constituição Cidadã, no instante da solene promulgação.

            Estou cada vez mais convencido de que só foi possível chegar-se à Constituinte em 1987 porque houve a necessária sabedoria política no longo, difícil e complexo processo de transição que, ao cabo de uma década, possibilitou a saída de cena do regime autoritário. É justo destacar esse aspecto, Sr. Presidente, porque ele retrata a realidade e, sobretudo, porque tornou menos dolorido percorrer o caminho de retorno à democracia.

            Nesse sentido, nunca será demais lembrar o papel desempenhado pelo querido Partido do Movimento Democrático Brasileiro para a consecução do sonho de liberdade. O PMDB, por seus militantes e por suas lideranças, sempre se colocou à frente das grandes lutas que coroaram inúmeras conquistas, como a anistia, a volta das eleições diretas para os governos estaduais e, finalmente, a derrota imposta ao regime militar no próprio Colégio Eleitoral por ele criado.

            Não se pode esquecer, Sr. Presidente, de que, na condição de Partido que congregava todas as forças oposicionistas ao arbítrio, o velho MDB construiu uma história maiúscula, da qual todos nos orgulhamos. Que ninguém pense ter sido fácil o itinerário por ele percorrido. Chegou-se, até, a pensar em autodissolução do Partido, sob o impacto de duas derrotas eleitorais avassaladoras, em 1970 e 1972, Sr. Presidente José Sarney, sob os efeitos do "milagre econômico".

            Prevaleceu, contudo, o espírito guerreiro daqueles que acreditavam no alvorecer, por mais densa e escura que fosse a noite. Lembro-me de uma decisão, aparentemente quixotesca, que marcou o renascer do Partido como núcleo do pensamento oposicionista existente no País. Refiro-me à "anticandidatura" presidencial de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Se impossível era, naquela conjuntura, obter a vitória num Colégio Eleitoral dominado pelos poderosos do dia, havia a possibilidade de fazer ecoar pelo País afora a mensagem da oposição, personificada pelo MDB. Foi o que aconteceu.

            Daquela decisão heroica e ousada viria o resultado mais desejado: o começo do fim do regime militar. Nas emblemáticas eleições de 1974, a oposição angariou o maior número de votos para a Câmara dos Deputados e, neste Senado, obteve a impagável vitória que denunciava o sentimento nacional majoritário de contestação ao regime de força: das 23 cadeiras em jogo, o MDB conseguiu a façanha de eleger 16 Senadores! Logo se acrescentou mais um nome de peso à bancada oposicionista no Senado Federal: era o "Menestrel das Alagoas", o saudoso Teotônio Vilela, que, eleito pela Arena, tão logo assumiu seu assento na Casa, passou a atuar na oposição.

            Daí em diante, viveu-se o permanente dilema de uma distensão "lenta, gradual e segura". Foi preciso paciência, foi preciso jogo de cintura, foi preciso prudência para agir conforme as circunstâncias, o que exigia dos políticos disposição para o diálogo e sabedoria para conviver com a angústia.

            Quis o destino, Sr. Presidente, que Tancredo Neves, eleito Presidente da República em eleições indiretas que tiveram todo o sabor da participação popular, como se diretas fossem verdadeiramente, não chegasse a assumir o cargo. Seu martírio arrastou-se da véspera da posse, que não houve até 21 de abril de 1985, quando sua morte foi anunciada. Desse modo, chega à Presidência José Sarney, nas especialíssimas condições daquele momento histórico, quando a Nação chorava a desilusão por não mais poder contar com o grande estadista mineiro.

            É em situações assim que determinadas biografias se agitavam. Postos à mais dura prova, líderes são levados a assumir posições que acabam por fazer deles autênticos homens de Estado. Foi o que ocorreu com José Sarney.

            Quando se fala da Constituição de 1988 e do papel que ela representou - e continua a representar - para a consolidação de uma democracia real em nosso País, há que se levar na devida conta a ação do Presidente Sarney. O absoluto respeito às instituições democráticas, o comportamento modelar de quem tinha plena consciência da importância de se preservar a “liturgia do cargo” e o compromisso inarredável de oferecer à Nação os instrumentos indispensáveis à afirmação da cidadania tornaram singular a passagem do Presidente Sarney pela Presidência da República deste País.

            Ao tempo em que não media esforços para conferir estabilidade à economia brasileira, dilacerada por anos de inflação galopante e asfixiada pelo monumental endividamento externo que a jovem democracia brasileira herdara do passado, Sarney agia para oferecer aos constituintes as condições políticas adequadas para o bom desenrolar de seu trabalho. Ninguém, absolutamente ninguém, poderá apontar uma atitude sequer do Presidente da República que inviabilizasse ou oferecesse obstáculos adicionais ao trabalho constituinte. Plenamente sintonizado com o seu partido, o PMDB, cuja bancada majoritária no Congresso Nacional assumia crescentes responsabilidades no processo de feitura da nova Carta Magna, o Presidente da República agia como autêntico magistrado, colocando-se acima das disputas ou dos interesses em jogo.

            Por fim, reitero minha profunda admiração pelo exemplo em que se constituiu a passagem de José Sarney pela Presidência da República. Ele é credor do reconhecimento de todos nós, justamente por ter conduzido o País naquele delicado momento de transição do regime militar para a democracia, o que fez com enorme habilidade política e notável desprendimento pessoal, Sr. Presidente.

            Entre tantas atitudes de V. Exª merecedoras de nosso apreço, está a de possibilitar à Assembleia Nacional Constituinte levar a bom termo sua missão, sem maiores percalços e atropelos. Respeito e reconhecimento também são devidos ao PMDB por seu protagonismo na difícil tarefa de dotar o País de uma Constituição capaz de responder aos anseios de toda a sociedade e de corresponder às exigências de seu tempo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Obrigado, Sras e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/2011 - Página 40448