Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os aspectos constitucionais da distribuição dos royalties do petróleo.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários sobre os aspectos constitucionais da distribuição dos royalties do petróleo.
Aparteantes
Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2011 - Página 41476
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MEDIAÇÃO, DISCUSSÃO, REFERENCIA, CONSTITUCIONALIDADE, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Srª Presidente, Sr. Senador Wellington Dias, nós três abrimos esta sessão nesta quinta-feira. E eu, logicamente, ocupo a tribuna para falar novamente sobre royalties, mas para abordar outros aspectos.

            Eu queria discutir aspectos constitucionais desse nosso debate, haja vista que na próxima semana existe a possibilidade de votação no Plenário deste Senado sobre o tema dos royalties.

            Eu quero começar esse debate, aqui, porque é muito importante. E começo lendo um parecer do grande professor constitucionalista Luís Roberto Barroso a uma consulta feita pela Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, a Procuradora Drª Lúcia Léa.

            E eu vou parar aqui um tempo lendo, porque é muito importante e eu queria chamar a atenção dos meus pares. E tenho aqui a oportunidade de estar, inclusive, Senadora Ana Amélia, com a presença do Senador Wellington Dias, que é um dos grandes articuladores de toda essa discussão.

            Ele começa um histórico:

A obrigação de distribuir participações ou compensações a Estados e Municípios em decorrência da exploração de petróleo e gás natural existe desde o começo da indústria petrolífera no Brasil. O art. 27 da Lei 2.004/53, que criou a Petrobras e dispôs sobre política nacional do petróleo impunha à empresa estatal - detentora do monopólio então existente no setor - o dever de pagar indenização correspondente a 5% sobre o valor do produto explorado aos Estados, Territórios e Municípios, onde ocorresse a lavra de petróleo e xisto betuminoso ou extração de gás natural.

Já na década de 1980, com o início da exploração marítima de petróleo, a Lei 7.453/85 previa o pagamento de compensação também quando o óleo ou o gás natural fossem extraídos da plataforma continental. Nesse caso, o pagamento deveria ser feito não apenas aos Estados e Municípios confrontantes com os postos produtores, mas também aos Municípios integrantes da área geoeconômica dos Municípios confrontantes.

(...)

            E aí nós vamos... Cita Dr. Luís Roberto Barroso:

Em primeiro lugar, restava evidente da legislação que o pagamento de royalties dos Estados e Municípios produtores (nessa expressão já incluídos os confrontantes, como referido) não se dava por conta da propriedade do bem - que já era federal [nós temos sempre que falar disso aqui quando se discute: petróleo é União. Não existe questionamento sobre isso.] -, mas sim em razão dos ônus causados a alguns dos outros entes pela exploração de petróleo.

            (...)

Em 1988, ganhou o status constitucional o direito dos entes federativos afetados pela exploração do petróleo, gás natural e outros recursos naturais pertencentes à União, sobre os benefícios financeiros dela advindos. Nessa linha, o art. 20, § 1º da Constituição Federal assegura a esses Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos da lei, a participação no resultado da exploração ou compensação financeira por essa exploração [art. 20, § 1º esse é um ponto central]

(...).

Como se percebe, a despeito de pequenas modificações, um elemento essencial permaneceu inalterado na regulamentação legislativa da matéria. Desde o início da exploração de petróleo no Brasil: a existência de uma retribuição a ser paga em favor dos Estados e Municípios produtores, a fim de compensar o ônus e risco decorrentes da atividade de exploração, seja em terra, seja na plataforma continental (tanto assim que a Lei de 53 chegava a falar em indenização).”

            Vamos lá. O Dr. Luís Roberto Barroso começa: “Interpretação adequada do dispositivo constitucional.” Vou centrar-me nas argumentações do professor.

A ordem jurídica constitui um sistema dotado de unidade e harmonia. A interpretação jurídica, por sua vez, é uma atividade racional e lógica. Para levá-la a efeito, a doutrina dos países de tradição romano-germânica, de longa data, sistematizou quatro elementos clássicos de interpretação: gramatical, histórico, sistemático e teleológico.

De acordo com o conhecimento convencional nenhum desses elementos é absoluto, nem tampouco pode ser utilizado isoladamente. A interpretação adequada é fruto da combinação e do controle recíproco entre eles. Deve-se levar em conta, portanto, o texto da norma (interpretação gramatical e semântica), aspectos do seu processo de criação (interpretação histórica), sua conexão com outras normas do sistema jurídico (interpretação sistemática) e sua finalidade (interpretação teleológica). Pois bem, na hipótese aqui examinada todos os elementos da interpretação conduzem a uma mesma conclusão: o art. 20, §1º da Constituição, dirige-se a Estados e Municípios em cujo território se dá a exploração de petróleo ou gás natural ou que sejam afetados por essa exploração.

Confira-se, a seguir, a demonstração do raciocínio.

Interpretação gramatical: consiste na atribuição de sentidos possíveis e razoáveis a um texto normativo. Constitui o ponto de partida e o limite das possibilidades interpretativas que se deve situar dentro da moldura delineada pela norma. Pois bem: o §1º, art. 20, fala em participação no resultado ou compensação financeira pela exploração de recursos no respectivo território. Na verdade, o conceito chave é o da compensação, seja pelo uso do território do Estado ou do Município, sejam pelos danos ou ônus decorrentes da atividade. Pois bem: o que haveria para compensar em relação à região não envolvida nem afetada no processo de exploração? Caso todos os Estados e Municípios tivessem o mesmo direito, o local da atividade seria irrelevante e o emprego da palavra compensação não teria pertinência. Vale dizer: o art. 20, §1º, não teria sentido nem razão de existir. Regra ancestral da interpretação jurídica é a de que a norma não traz em si termos inúteis. Note-se que a ideia de participação/compensação está subjacente também à repartição dos royalties no âmbito da Administração direta da União. De fato, tanto a lei atual como o projeto de lei enviado ao Executivo destinam recursos aos órgãos que são diretamente afetados pela exploração: Comando da Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia e Fundo de proteção ambiental. (...) É bem de ver que, se a União é proprietária dos recursos minerais, só há sentido em tal vinculação específica em razão da natureza compensatória dos royalties que se destinam aos entes estatais e aos órgãos onerados pela atividade econômica em questão. De fato, se é assim em relação ao próprio Governo Federal, não haveria razoabilidade em se aplicar lógica diversa aos Estados e Municípios.

Em suma: a interpretação gramatical ou semântica restringe os direitos previstos no art. 20, §1º aos Estados e Municípios cujos territórios são afetados pela exploração do petróleo ou gás natural. Trata-se de verdadeiro direito subjetivo constitucional ao recebimento de tais receitas. A lei destinada a regular o dispositivo constitucional não pode ignorar esse sentido mínimo do texto, sob pena de nulidade. Assim, a lei federal é necessária para detalhar a repartição dos recursos, mas deve obedecer à premissa estabelecida pela própria Constituição.

Já a interpretação histórica leva em conta a conjuntura em que produzida a norma, os trabalhos legislativos e a intenção do constituinte ou legislador. Quando o constituinte de 1988 decidiu trazer para a Constituição a matriz da disciplina dos royalties, eles já eram traçados pela legislação ordinária desde 1953, quando promulgada a lei de criação da Petrobras[lei do Deputado Eusébio Rocha]. E, como se assinalou em tópico anterior, desde sempre os royalties se destinaram a compensar os Estados produtores e confrontantes, no caso da exploração marítima. Ao constitucionalizar a matéria da forma, como o fez, o constituinte claramente manifestou a intenção de manter o regime jurídico até então existente. Do contrário, teria feito menção expressa que as participações e compensações passariam a ser devidas a todos os Estados e Municípios, diferentemente do que vigorava até então. Como não procedeu assim, resulta clara a sua intenção de chancelar o modelo que sempre fora praticado e que, aliás, continuou a ser praticado nos mais de 20 anos de vigência da Constituição de 1988.

Passa-se, agora, à interpretação sistemática, pela qual a norma jurídica deve ser interpretada dentro do contexto normativo como um todo. Não se interpretam normas isoladamente sem fazer as conexões com o ordenamento jurídico, em cujo ápice está a Constituição. A Constituição tem uma unidade interna e, além disso, é responsável pela unidade geral do sistema. No ponto aqui relevante, deve-se assinalar que o art. 20, § 1º, deve ser lido em conjunto com outras normas que afetam o ciclo econômico da produção de petróleo. Merece destaque, para os fins visados neste estudo, a disciplina do Imposto sobre Circulação de Mercadoria - ICMS -, especialmente o art. 155, § 2º, X, b, também da Constituição. É possível afirmar que a regra geral em relação a esse tributo é o seu pagamento na origem, isto é, no Estado onde se dá a saída da mercadoria do estabelecimento comercial. Todavia, o dispositivo acima destacado cria, em relação ao petróleo e também em relação à energia elétrica, uma exceção: o ICMS, nesse caso, é pago no Estado de destino do produto. Como já apontou o STF, essa disciplina foi criada para beneficiar o Estado de destino, dos produtos em causa, o qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre ele incidente, desde a remessa até consumo.

Tal sistemática em relação ao petróleo se deveu ao fato de que os Estados produtores, em lugar da tributação do ICMS, receberiam royalties de participações especiais, nos termos do art. 20, § 1º. Uma coisa, então, compensaria a outra - também esse aspecto já foi abordado pelo STF. Confira-se, a propósito, o trecho transcrito, extraído do voto do Ministro Nelson Jobim que, baseado em sua atuação como Deputado Constituinte, explicitou a conexão necessária e deliberada entre os dois dispositivos. Fala o Ministro Nelson Jobim:

Daí por que é preciso ler o § 1º do art. 20 em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal.

O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros Estados - petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos, gasosos e derivados de energia elétrica - ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS. (...) Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos Estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do art. 20 (...) (negrito acrescentado).

            Eu pego aqui e aproveito... Estou lendo este parecer do Dr. Luís Roberto Barroso, professor, um dos grandes constitucionalistas do nosso País, mas quero aqui aproveitar e pegar outro texto, Princípio Federativo e os Royalties do Petróleo, feito por Jorge Rubem Folena de Oliveira e por Sandra Maria Couto da Silva, em que relatam essa votação e esse voto também do Ministro Nelson Jobim.

            Esse voto se deu em que contexto? O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro entrou contra... O Tribunal de Contas da União, na verdade, estava fiscalizando as receitas dos royalties no Estado do Rio de Janeiro e o Tribunal de Contas do Estado entrou dizendo que essa era a função dele. Foi em cima disso que surgiu esse voto que acabei de ler do Ministro Nelson Jobim. Quero ler uma parte desse voto do Ministro Nelson Jobim. Ele disse: “Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos Estados uma compensação financeira pela perda da receita”. Aí citou-se o §1º do art. 20.

Então, Ministra Ellen, estou tentando recompor a questão histórica, com isto, estou entendendo que não é uma receita da União que liberalmente está dando, por convênio, ao Estado; é uma receita originária dos Estados, face à compensação financeira da exploração em seu território de um bem, de um produto sobre o qual não incide o ICMS.(...)

            Continua Jorge Rubem comentando isso:

Como se vê, os royalties são receitas originárias dos Estados e Municípios, de cunho indenizatório, de natureza não tributária, uma vez que tal receita, como bem exposto pelo Ministro Sepúlveda Pertence (...), julgado pela 1ª Turma STF, é uma compensação financeira pelos problemas gerados na exploração desses tipos de recursos energéticos e minerais.

            Aqui o voto do Ministro Sepúlveda Pertence:

Com efeito, a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os municípios onde se situam as minas e as represas.

Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da

exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo (art. 20, § 1º da Constituição Federal).

            Da mesma forma, a Ministra Ellen Gracie afirmou que, “a teor do disposto no art. 20, § 1º, da Constituição Federal, a recomposição pelos prejuízos da inundação de áreas para construção de hidroelétrica se faz mediante o instituto da participação ou compensação financeira que constituirá receita originária do ente federativo que suporta a exploração”.

Portanto, a aludida participação financeira, prevista no art. 20, § 1.º, da Constituição Federal, é “um direito subjetivo da unidade federada. Trata-se de receita originária que lhe é confiada diretamente pela Constituição”, conforme manifestou o Min. Gilmar Mendes, no seu voto (...), no Plenário do Supremo Tribunal Federal (...).

            Cito uma última, do Ministro Marco Aurélio, que diz:

A propósito, no que se refere à questão federativa e a autonomia governamental decorrente dos royalties, o Min. Marco Aurélio, no seu voto no MS nº. 24.312-1/DF, manifestou que aquele “numerário pertence ao Estado, que participa, tem um aporte de recursos, considerando o § 1º do art. 20 da Constituição Federal. A óptica, sem dúvida alguma, homenageia a autonomia governamental, tão pertinente quando se vive em uma federação.

É possível cogitar que o constituinte derivado pudesse, se entendesse que isso não viola o princípio federativo, cláusula pétrea constitucional, modificar tal arranjo, alterando o equilíbrio estabelecido no texto original. Mas o legislador ordinário, por certo, não pode desfazer o sistema concebido pelo constituinte para a matéria. Em suma, o art. 20, § 1º, da Constituição Federal garante o direito de participação, ou de compensação, aos Estados e Municípios produtores. Isso não quer dizer que os demais Estados-membros e Municípios não possam receber qualquer parcela, mas apenas que a decisão por distribuir seria uma decisão política da União, que pode repartir como quiser o seu próprio quinhão. O que ela não pode fazer é ceder o que não lhe pertence, atribuindo a outros Estados e Municípios o que cabe apenas aos produtores.

            Senadora Ana Amélia, o projeto do Senador Dornelles, o meu projeto, do Senador Ricardo Ferraço, do Senador Delcídio Amaral, é justamente o que possibilita aos Estados não produtores receberem de fato. Estou convencido de que o exame desses aspectos legais - e eu queria trazer esse debate aqui para a Casa - é que se os Senadores atentarem para esse tema, o nosso projeto é que possibilita uma saída legal para essa discussão.

Por fim, cumpre abordar a interpretação teleológica, que leva em conta, sobretudo, os fins visados pela norma, o valor ou bem jurídico tutelado pelo ordenamento.

Veja-se bem o propósito subjacente ao art. 20, § 1º, como todo o modelo de pagamento de royalties está associado a compensar Estados e Municípios pelos impactos ambientais e socioeconômicos causados ou potencializados pela atividade petrolífera. Tal fim constitucional resulta frustrado pelo rateio linear do produto dos royalties, sem considerar os riscos e encargos dos Estados confrontantes da exploração marítima de petróleo.

Aqui se destaca, por exemplo, o aumento de demanda por serviços públicos e atividades governamentais, como distribuição de água [...]

            Eu queria apenas citar o exemplo do Município de Macaé, porque as pessoas acham que a questão é muito simples. Senador Wellington e Senador Rodrigo Rollemberg, V. Exªs sabem qual era a população do Município de Macaé em 2000? Era de 132 mil habitantes. Sabem qual era essa população em 2010? Era de 212 mil habitantes. Para quem acha que Macaé vive em situação fácil, quero dizer que o índice de mortalidade aumentou 37% nesses dez anos. Qual é o problema de Macaé hoje? O crescimento desordenado e o tráfico de tudo. O grande pedido de Macaé são as UPPs!

            Também aproveito para rebater o discurso de que o Rio está nadando em dinheiro. Fui Prefeito na Baixada Fluminense, em Nova Iguaçu, e sei dos problemas de esgotamento sanitário, de abastecimento de água. Sei dos problemas de São Gonçalo. A nossa luta no Rio está em um momento melhor, Senador Wellington, está melhorando, mas há luta pela pacificação. É esse o clima!

            Antes de passar a palavra ao Senador Rodrigo Rollemberg, quero dizer o seguinte: rebato qualquer acusação de que o Rio está nadando em dinheiro. A nossa situação fiscal é terrível! Por que é terrível? Porque o FPE do Rio, desculpem-me o termo, é ridículo; é a segunda menor alíquota do Brasil. A gente não recebe ICMS na origem, e o ICMS, se comparado com o PIB, é de 5,4%, um dos menores do País.

            Então, essa história que tem sido construída aqui de que o Rio de Janeiro está nadando em dinheiro tenho de rebater com esses argumentos. Chamo esta Casa ao bom senso.

            Concedo um aparte ao Senador Rodrigo Rollemberg.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - Quero cumprimentar V. Exª, Senador.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Senador, eu pediria licença - o senhor vai estar de acordo com a Mesa - para saudar um grupo grande de alunos do ensino fundamental da Escola Classe Granja do Torto, seus futuros eleitores também.

            Então, sejam bem-vindos ao plenário do Senado todos os alunos, bem como as professoras que acompanham esses alunos do ensino fundamental da Escola Classe Granja do Torto.

            Perdoe-me Senador Rodrigo Rollemberg, mas a saudação é feita ao grupo.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia. Também quero saudar os alunos da Granja do Torto, que muito nos honram com sua presença. Cumprimento o Senador Lindbergh. Tenho visto sua luta em defesa do Estado do Rio de Janeiro. Quero registrar, Senador Lindbergh, que essa é uma questão que vai exigir o máximo de engenharia e habilidade política. Quando vejo V. Exª se posicionar, vejo que há muitas preocupações procedentes no discurso de V. Exª, embora estejamos, aqui, ao lado do Senador Wellington Dias, que vem dedicando seu mandato a uma distribuição mais justa...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - ...e equilibrada dos recursos dos royalties. Embora V. Exªs defendam teses diferentes, até opostas em alguns momentos, eu diria que os dois têm razão e que precisamos encontrar um ponto de equilíbrio. Entendo que o Rio de Janeiro, o Espírito Santo, aqueles Estados ditos produtores, embora o pré-sal esteja na plataforma continental, que é da União, sem dúvida, sofrem impactos pela sua proximidade. É importante registrar que foi feita a tributação do petróleo e que o petróleo é um dos poucos produtos que não têm a destinação na origem, mas, sim, no destino, o que fez com que esses Estados perdessem arrecadação. Então, acho que deve haver um tratamento diferenciado especialmente em relação àquilo que já foi concedido e comprometido por esses Estados. Mas a distribuição como é feita hoje é injustificável, é indefensável. Uma riqueza que é nacional e que é fruto de um esforço nacional de pesquisa acaba favorecendo poucos Estados. Aí dou razão à preocupação do Senador Wellington Dias, de que devemos buscar uma distribuição mais justa e equilibrada dessa riqueza nacional. E ainda temos uma terceira preocupação que precisa ser colocada no debate, que é a da utilização estratégica desses recursos. É importante assegurar uma parcela significativa também para a União, especialmente para o financiamento da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação. Portanto, além de definir melhor a distribuição desses recursos, é preciso fazer com que sua utilização seja mais adequada. Especialmente nesses Municípios que recebem quantias muito elevadas de recursos, embora precisem mais, historicamente, demonstra-se que esses recursos não estão sendo bem utilizados. Esses recursos poderiam ser utilizados em áreas estratégicas, na melhoria da educação, da ciência e da tecnologia desses Municípios. Este é o grande desafio do Senado neste momento: o de demonstrar toda a sua capacidade de equilíbrio e toda a sua responsabilidade com o pacto federativo e, nesse clima de debate, construir uma alternativa que seja boa para todos. Por mais que pareça difícil neste momento, acredito na capacidade de diálogo, na capacidade de formulação. Tenho o entendimento de que a política é a arte capaz de resolver esses conflitos, de construir um grande consenso, em que cada um ceda um pouco, inclusive a União, e em que todos ganhem com a utilização mais adequada e estratégica desses recursos do petróleo. Tenho procurado o Senador Wellington e quero conversar sobre isso. Atuei muito nesse debate na Câmara dos Deputados. Em determinado momento, apresentei uma emenda de distribuição, que foi acordada com o Governo àquela época. Se essa emenda tivesse sido adotada pelo Estado do Rio de Janeiro naquela ocasião, talvez não estivéssemos vivendo este momento. Depois, veio a emenda Ibsen, que colocou a discussão em outro patamar. Mas quero me aprofundar sobre esse debate também, procurar dar minha contribuição. Entendo que esse é um grande desafio, mas acredito na capacidade do Senado de construir uma alternativa que seja boa especialmente para o Brasil e para as futuras gerações de brasileiros, já que estamos falando de um recurso finito, cujo uso deve dar-se de forma estratégica, beneficiando não apenas esta geração, mas também as futuras gerações de brasileiros. Muito obrigado.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Senador Rodrigo Rollemberg, muito obrigado pelo aparte. Conto com V. Exª. Quando eu mostrar os números, V. Exª vai entender: a forma como que estão querendo aprovar essa matéria significa fechamento de prefeituras, fechamento de postos de saúde no Rio de Janeiro e uma crise envolvendo quase todos os Municípios.

            Olhem só o valor aqui: querem fazer cair de R$4,5 bilhões, nos Municípios confrontantes, para R$3,1 bilhões. Devo dizer que só cinco Municípios do Rio não recebem royalties.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Aprovado isso desse jeito, os senhores podem decretar uma crise instalada imediatamente. Essa já é a última versão do projeto Vital do Rêgo, que, pelo que tenho sentido nas conversas, tende a piorar em relação ao Rio e ao Espírito Santo. Então, contamos com sua ajuda.

            Senadora Ana Amélia, será que consigo finalizar em três minutos? Eu quis trazer aqui um parecer do Professor Luís Roberto Barroso e me estendi um pouco. Eu queria ir para as conclusões, Senador Wellington.

            Na verdade, ele fala, primeiro, do sentido e alcance do art. 20, § 1º, da Constituição. Fez aqui várias interpretações: literal, histórica, sistemática, teleológica. E, depois - estou indo para as minhas conclusões, Senadora Ana Amélia -, ele fala:

B. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA OU IGUALDADE

a) É incompatível com o princípio da igualdade dar tratamento idêntico aos Estados e Municípios que sofrem os impactos da exploração petrolífera e aos que não sofrem, pela subtração arbitrária de recursos dos entes mais onerados.

b) A mudança pretendida viola a igualdade e o equilíbrio federativo estabelecido pela Constituição ainda por outra razão. Na sistemática constitucional, o pagamento de royalties e participações especiais aos Estados produtores funciona como uma compensação [já falei isso aqui] pela não aplicação ao petróleo da regra geral de que o recolhimento do ICMS se dá no Estado de origem, não no de destino da mercadoria. [...]

c) A distribuição de royalties e participações especiais [chamo a atenção novamente, Senador Rodrigo Rollemberg e Senador Wellington], com base em critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados - FPE - vale-se de parâmetro que foi declarado inconstitucional pelo STF, [...].

            Ele mandou que o Congresso apresentasse novos critérios para o rateio ao final de 2012. Mas já é uma lei declarada inconstitucional pelo STF.

            Continuo a leitura:

Significa dizer: tal disciplina do tema, além de utilizar critério diverso do que foi determinado pela Constituição, serve-se de parâmetro redistributivo inválido.

C. Violação do princípio da segurança jurídica

Se a legislação nova dispuser não apenas sobre os royalties relacionados aos contratos futuros [é isso que está acontecendo, estão entrando no que já foi licitado], mas também acerca das receitas devidas em decorrência dos contratos que já estão em vigor, o princípio da segurança jurídica estará sendo violado por duas razões:

a) O Estado do Rio de Janeiro restará impedido de cumprir obrigações assumidas e de realizar políticas públicas com as quais se comprometeu, fundado em expectativa legítima de receita.

b) Além dos riscos de inadimplência e de insolvência, o Estado não terá condições de cumprir normas orçamentárias, financeiras e de responsabilidade fiscal, em razão da frustração arbitrária dos ingressos patrimoniais resultantes dos royalties, sujeitando-se a consequências jurídicas graves do ponto de vista constitucional e legal.

D. Violação do princípio federativo

a) Viola a lealdade que se devem mutuamente os entes federativos a supressão de receita que compromete a autonomia financeira de Estados da Federação, pela mudança arbitrária das regras do jogo. A competência legislativa que o art. 21, § 1o, dá à União para regular as participações e compensações financeiras decorrentes da exploração do petróleo não a autoriza a deturpar o sentido e o alcance da norma constitucional regulamentada, substituindo o critério nela previsto - o do impacto sobre os Estados produtores - por um critério redistributivista.

b) A União e o Estado do Rio de Janeiro [este é um ponto importantíssimo] celebraram contrato para o refinanciamento da dívida estadual [inclusive com a perspectiva de elevação da produção de petróleo], no qual se prevê que a amortização seja feita com os recursos dos royalties do petróleo, em vinculação expressa. Nesse contexto, não pode a União se valer de sua atividade legislativa, para inviabilizar o cumprimento das obrigações contratuais da outra parte, sujeitando-a, ademais, a graves consequências contratuais e legais. Haveria, na hipótese, abuso de poder [...] e violação do ato jurídico perfeito, condutas não admitidas pela ordem jurídica.

            Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, eu lhe agradeço. Acabei estendendo-me, ultrapassando meu prazo de vinte minutos.

            Tenho aqui - vou distribuir aos colegas - um parecer do Ministro Célio Borja, também muito consistente.

            O caminho que estão tomando é o do impasse jurídico. Aqui, teríamos um caminho a seguir: debaterem Estados não produtores e Estados produtores, discutirmos com a União e acharmos uma saída.

            Assomo a esta tribuna e peço bom senso nessa discussão. De fato, para nós, o último relatório - a proposta não foi apresentada ainda; estamos esperando, para ver o relatório do Senador Vital do Rêgo -, as últimas planilhas que passaram pelas nossas mãos significam isto: parar o Estado do Rio, parar as Prefeituras, fechar postos de saúde. Não há outra saída. Não há outra saída! O Senador Wellington sabe dos problemas. Ele foi Governador de Estado. É esse quadro que estão querendo impor ao Rio de Janeiro. E o Rio de Janeiro vai lutar com dignidade.

            Não me quero estender mais - desculpe-me, Senadora Ana Amélia -, mas quero dizer aos outros Estados, representantes da Federação, que essa não é uma questão que se vota só na próxima semana. É o seguinte: vamos ficar feridos; o Estado vai sentir-se aviltado, atropelado.

            Senador Rodrigo Rollemberg, já citei números aqui: em 2009, a União arrecadou no Rio R$115 bilhões e transferiu R$14 bilhões. Nós não recebemos nada! Foram transferidos R$14 bilhões! E estão querendo pegar uma parte desses R$14 bilhões, o que não é razoável. O debate da Federação não é de 24 a três. Então, é com esse sentimento que estamos nesse debate. Estou muito preocupado com o debate sobre a Federação, porque, depois disso, haverá a votação sobre as regras do FPE. Imaginem! Esse é um pilar fundamental da democracia brasileira.

            Estou muito preocupado. Por isso, volto aqui. Encerro minha fala, pedindo à Presidenta Dilma para tentar mediar e moderar essa discussão e tentar encontrar um caminho, porque, do jeito em que vamos, o caminho é o da disputa nos Tribunais, é o da disputa no Supremo Tribunal Federal.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/2011 - Página 41476