Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da importância da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, formalizada em dezembro de 2003; e outros assuntos.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • Registro da importância da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, formalizada em dezembro de 2003; e outros assuntos.
Aparteantes
Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2011 - Página 41531
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMBATE, CORRUPÇÃO, OBJETIVO, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PAIS, RELEVANCIA, PARTICIPAÇÃO, JUVENTUDE, POLITICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APOIO, POVO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, INELEGIBILIDADE, REU, CORRUPÇÃO, PAIS.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querida Presidente, Senadora Lídice da Mata, sou um grande admirador de V. Exª. Acompanhei sua luta, derrotando todas as forças e ganhando de maneira espetacular aquela Prefeitura. Esperei, com grande expectativa, sua chegada aqui e vi que V. Exª está indo devagar. V. Exª, por enquanto, está agindo com sensibilidade, sem ficar brava, sem botar as coisas para fora. Mas todo mundo espera de V. Exª aquela posição de que o Brasil precisa. Não são muitos os que, como V. Exª - e eu lhe disse isso pessoalmente -, têm integridade, biografia e história para dizer o que tem de ser dito, custe o que custar. E é disso que o Brasil está precisando hoje. As pessoas estão se acomodando muito.

            Este foi o mal do governo de Fernando Henrique e do governo de Lula: contemporizaram, deixaram as coisas passarem. Eu me dirigi a Lula quando aquele tal de Waldomiro, subchefe da Casa Civil, apareceu na televisão colocando dinheiro no bolso e discutindo percentagem. Com a maior tranquilidade e com a certeza absoluta do que ia acontecer, eu disse: “Lula, demite-o, que tu vais dar a linha do teu governo. Essa é a linha do teu governo”. Não o demitiu e não nos deixou criar a CPI. Tivemos de entrar no Supremo. Ganhamos no Supremo um ano depois. E, um ano depois, não era mais o Valdomiro, mas, sim, o mensalão que vinha à tona. Pelo exemplo de deixar a coisa acontecer, aconteceu o que eu disse para o Lula. Em vez de dar a linha da correção, ele deu a linha do “deixa para lá”.

            Por isso, é importante a atuação de V. Exª, que tem a credibilidade necessária, a independência necessária.

            Srª Presidente, meus irmãos brasileiros, alguns estranham: “O Simon está falando todos os dias, a semana inteira, praticamente batendo na mesma tecla”. Sim, porque acho que o momento é muito importante. Eu, que vim lá de trás, posso dizer que só derrotamos uma ditadura que parecia interminável quando os jovens foram para a rua. Os jovens, na rua, conquistaram a democracia, conquistaram as Diretas Já, conquistaram a anistia, conquistaram a Assembleia Nacional Constituinte. Por isso, dou importância a esses jovens.

            Eu me quedo a perguntar por que os chamados cientistas políticos, jornalistas em alto relevo, são tão pessimistas. Em parte, eles têm razão. Nas Diretas Já, havia o objetivo de eleger o Tancredo; no impeachment, o objetivo era derrubar um Presidente comprometido. Mas, agora, a corrupção é tão vaga, existe em tudo que é lugar.

            Num comentário que li hoje no jornal e que vou deixar para ler outro dia, a cientista política dá a entender que todos nós temos esse negócio de jeitinho, alguns mais, outros menos, mas que está todo mundo nessa. Ela acha que esse movimento vai acabar e que, a rigor, somos corruptos mesmo. É muito difícil aceitar isso! Por isso, eu e muitos estamos nessa caminhada, nessa insistência.

            Minha querida Presidente, o combate à corrupção - acho que pouca gente se lembra disto -, quem diria, tem seu dia internacional. Aqui, no Senado, comemoramos o dia internacional da mãe, do pai, do avô, do contabilista, do advogado, do engenheiro, de não sei mais quem. E há o dia internacional de combate à corrupção, que é o dia 9 de dezembro. A data foi escolhida a dedo. Nela, celebra-se o nascimento, no ano de 2003, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. No dia 9 de dezembro de 2003, nasceu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, diploma de cumprimento obrigatório para seus signatários.

            Lançando mão da memória, não é demais lembrar que as preocupações com a corrupção passaram a integrar a agenda internacional no romper dos anos 90, quando se tornaram evidentes as implicações governamentais do fenômeno. Naquele momento, já não se podia mais esconder que a corrupção enfraquece a legitimidade política, favorece as atividades do crime organizado internacional, afeta o comércio e o fluxo dos investimentos, principalmente dos investimentos internacionais, sendo necessário, portanto, o esforço conjunto de todas as nações para combatê-la.

            Tampouco é demais lembrar que a proposta de elaboração da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção surgiu na virada do século e partiu da delegação brasileira, que, assim, reafirmava sua tradição de defesa de posições de vanguarda no direito internacional. É isto mesmo: o combate a corrupção em escala mundial foi proposto pelo Brasil!

            E é preciso dizer que o documento da Organização das Nações Unidas (ONU) não foi o primeiro do tipo a ser assinado pelo País. Na verdade, quando isso aconteceu, o Brasil já havia ratificado a Convenção Interamericana contra a Corrupção, adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em Caracas, capital da Venezuela, em 1996. Esse documento, aliás, também vinculante, já estava em plena vigência.

            Tal fato não embaça o significado da Convenção da ONU, que é muito mais abrangente e completa. Nascida na cidade de Mérida, no México, durante encontro promovido pela ONU, ela obteve a imediata adesão de mais de cem países, que assim assumiram o compromisso de fortalecer a cooperação internacional para ampliar a prevenção e o combate à corrupção no mundo todo.

            O Brasil foi o 41° País a assinar o documento e foi muito elogiado, na oportunidade, pelas palavras proferidas pelo então Ministro Waldir Pires, que comandava a Pasta da Controladoria-Geral da União, seu colega e seu partícipe.

            A Convenção entrou em vigor internacional no dia 14 de dezembro de 2005, quando atingiu o número mínimo de trinta ratificações. Em agosto de 2011, já havia angariado a assinatura de 168 das 192 nações filiadas à ONU. Trata-se, portanto, do estabelecimento de um compromisso anticorrupção verdadeiramente mundial.

            No Brasil, essa Convenção começou a ter validade em 2006, depois de ser convertida em lei interna. Para tanto, foi ratificada pelo Decreto Legislativo n° 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada pelo Decreto Presidencial n° 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

            Explico, então, o procedimento legal: o Brasil, representado por uma de suas autoridades, assinou a Convenção em 2003, mas o texto dela, como o de qualquer outro tratado firmado pelo País, foi submetido à análise e à aprovação do Congresso Nacional. Essa aprovação, sob a forma de decreto legislativo, ensejou a promulgação feita pelo Presidente da República, também por meio de decreto, no qual consta que a Convenção será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém. O conteúdo da Convenção está longe de ser insignificante! De fato, o documento impressiona, a começar por sua extensão: afora o preâmbulo, são oito capítulos, contendo 71 artigos, muitos deles desdobrados em mais de uma dezena de parágrafos.

            Para que se possa avaliar a profundidade dessa regulação, basta lembrar que o tema ocupa espaço equivalente a quase um terço da Constituição brasileira, tida como prolixa por alguns.

            O preâmbulo da Convenção revela as preocupações e convicções que embasaram a adoção desse ato internacional, todas elas, decerto, pertinentes. Destaco, porém, as primeiras:

Os Estados Partes da presente Convenção:

Preocupados com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção para a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito;

Preocupados, também, pelos vínculos entre a corrupção e outras formas de delinquência, em particular o crime organizado e a corrupção econômica, incluindo a lavagem de dinheiro;

Preocupados, ainda, pelos casos de corrupção que penetram diversos setores da sociedade, os quais podem comprometer uma proporção importante dos recursos dos Estados e que ameaçam a estabilidade política e o desenvolvimento sustentável dos mesmos;

Convencidos de que a corrupção deixou de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e economias, faz-se necessária a cooperação internacional para preveni-la e lutar contra ela;

Convencidos, também, de que se requer um enfoque amplo e multidisciplinar para prevenir e combater eficazmente a corrupção;

Convencidos, ainda, de que a disponibilidade de assistência técnica pode desempenhar um papel importante para que os Estados estejam em melhores condições de poder prevenir e combater eficazmente a corrupção, entre outras coisas, fortalecendo suas capacidades e criando instituições;

Convencidos de que o enriquecimento pessoal ilícito pode ser particularmente nocivo para as instituições democráticas, as economias nacionais e o Estado de Direito [...].

            Diante de tantos tão graves e profundos motivos de convencimento, os Estados só poderiam mesmo compactuar por agir de forma definitiva. Daí, além do compromisso de fortalecer a cooperação internacional para ampliar a prevenção e o combate à corrupção no mundo todo, como já dito, eles definiram ser objetivos da Convenção: promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos; - incluída a recuperação de ativos! - e promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.

            Cuida-se, na essência, da busca por dois valores básicos, mas não corriqueiros: solidariedade e honestidade. Valores que deveriam nortear todas as relações humanas e institucionais, porque indispensáveis em qualquer contexto. Valores cuja falta provoca danos desproporcionalmente maiores aos países e às comunidades mais pobres, por serem estes mais necessitados do correto emprego dos parcos recursos disponíveis. Em resumo, valores morais sem nenhum valor para quem só se interessa por valores monetários!

            Querida Presidente, na contramão dessa desvalia, a Convenção da ONU aborda o problema da corrupção de modo tão detalhado e exaustivo que deixa a impressão de que se pensou em tudo para atingir a meta de erradicar, de uma vez por todas, esse cancro do Planeta.

            Ela obriga os Estados signatários a prevenir e a criminalizar a corrupção, a promover a cooperação internacional, a agir pela recuperação de ativos e a melhorar a assistência técnica e o intercâmbio de informações.

            Trocando em miúdos: a Convenção criminaliza os atos de corrupção, entre eles o suborno e a lavagem de dinheiro. Também determina maior transparência no financiamento de campanhas eleitorais e de partidos políticos, além de maior rigor nas prestações de conta. Tipifica como crime o enriquecimento ilícito e prevê o rastreamento, o bloqueio e a devolução de bens e dinheiro desviados ilicitamente para o exterior.

            É preciso fazer valer. A lei está aí. É uma lei da ONU.

            Mundial. Está ali! E nós aqui queremos criar leis... É cumprir o que já existe.

            Para tanto, demanda cooperação internacional, adaptações legislativas e participação da sociedade civil e do setor privado, responsáveis por exigir da administração pública maior transparência e abertura aos mecanismos da fiscalização e controle.

            Devo ressaltar, aliás, que a dita Convenção não trata da corrupção apenas no setor público, ambiente preferencial do fenômeno, mas não exclusivo. Ela também cuida de prevenir e combater essa prática danosa no setor privado, determinando que se desenvolvam padrões de auditoria, padrões de contabilidade para as empresas; que sejam prescritas sanções civis, administrativas e criminais realmente capazes de inibir futuros desvios de conduta; que se previna o conflito de interesses; que se proíba a existência de caixa dois nas empresas, e que se desestimule a isenção ou redução de impostos para despesas suspeitas.

            Cá entre nós, meus irmãos, trata-se, sem dúvida, de um documento fundamental para o alcance da democracia no Planeta. Contudo, a existência e a assinatura da Convenção não garantem, por si só, o fim da corrupção. Se a existência de boas leis fosse suficiente para transformar a realidade, eu creio, querida Presidente, que já viveríamos no Brasil que queremos ter! E longe estamos de chegar lá.

            Na verdade, com a assinatura em Mérida e a vigência internacional da Convenção, começou a etapa talvez mais difícil até agora já trilhada: a luta para implementar as medidas previstas na Convenção, luta da qual fazem parte as conferências e os fóruns globais sobre o tema, promovidos pela ONU.

            Como de praxe no cenário internacional mais recente, o Brasil tem se mostrado ativo nessa luta. Vem-me à lembrança, por exemplo, o fato de ter sido realizado em Brasília - aqui em Brasília - entre os dias 7 e 10 de junho de 2005, o IV Fórum Global de Combate à Corrupção, cujo lema foi "Das palavras à Ação".

            Repito: Vem-me à lembrança, por exemplo, o fato de ter sido realizado em Brasília, entre os dias 7 e 10 de junho de 2005, o IV Fórum Global de Combate à Corrupção, cujo lema foi "Das palavras à Ação".

            Por falar em palavras e ações, recordo-me, ainda, do discurso de posse do então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em quem tive a honra de votar e, com o meu voto, ajudá-lo a se eleger Presidente da República. Textualmente, Lula afirmou no seu discurso de posse, pela primeira vez como Presidente da República, que “o combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública seriam objetivos centrais e permanentes de seu governo”.

            Leio, porque é importante, as próprias palavras de Lula, na sua primeira posse como Presidente da República:

É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida pública.

Não permitiremos que a corrupção, a sonegação e o desperdício continuem privando a população de recursos que são seus e que tanto poderiam ajudar na sua dura luta pela sobrevivência.

            E continua Lula no seu discurso de posse:

Ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar. É também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos focados em resultados sociais concretos.

Estou convencido de que temos, dessa forma, uma chance única de superar os principais entraves ao desenvolvimento sustentado do País. E acreditem, acreditem mesmo, não pretendo desperdiçar essa oportunidade conquistada com a luta de muitos milhões e milhões de brasileiros e brasileiras.

            Eu fui às lágrimas nessa parte do pronunciamento fantástico do Presidente Lula. E eu acreditei. Acreditei porque vinha acompanhando Lula desde o início, desde quando ele era líder sindical e começou a sua caminhada lá no ABC.

            Junto com Teotônio, fui visitá-lo várias vezes, na cadeia inclusive. Fomos ao ABC, naquele célebre ato que poderia ser um massacre. Se Teotônio - eu do lado dele, mas Teotônio - não tivesse convencido o coronel de que nós podíamos esvaziar a praça e que nada de grave aconteceria.

            A ordem do coronel era de, em meia hora, esvaziar. E aí a tropa se retiraria. O que nós conseguimos com os líderes sindicais é que eles assumissem o compromisso de que as tropas se retirariam e, em meia hora, iria todo mundo embora. Não ficaria ninguém na praça.

            Lembro quando Teotônio disse: “É, coronel, mas essa ordem que o senhor recebeu do General Comandante do 2º Exército não é o que vai aparecer nas manchetes do mundo inteiro. O que vai aparecer nas manchetes do mundo inteiro - olha que há mais crianças e jovens aqui - vai ser o massacre. O mundo inteiro vai divulgar. E o nome e a manchete nos jornais do mundo inteiro vai ser o seu. O senhor vai ser o responsável. Ele acreditou na nossa palavra e retirou as tropas. Meia hora depois, toda aquela multidão atendeu ao nosso pedido e foram para casa tranquilamente, serenamente. O que ia ser o caos de proporções imprevisíveis se transformou num fato tranquilo.

            Conheço o Lula daquele tempo, conheço o Lula de sua caminhada para chegar à Presidência da República. Não vejo nele nenhum compromisso com grupos internacionais, com empreiteiras, com bancos. Não vejo nada na campanha dele que o desmereça. Ele foi franco, leal, aberto. Não chegou à Presidência da República com compromisso nenhum que não fosse com o povo. Quando chegou à Presidência da República, levava um PT que tinha respeito. Tinha o maior respeito pelo PT, tinha inveja. Uma inveja cristã, mas uma inveja. Eu vinha do velho MDB. O MDB do Rio Grande do Sul não era nacional. O MDB do Rio Grande do Sul foi algo memorável. Sofremos muito. Jango e Brizola moravam ali em Montevidéu. Todos os cassados, refugiados, exilados estavam lá. Pagamos o preço: prenderam, cassaram, mataram, torturaram. Tanto que, no meu primeiro mandato, terminei Presidente do Partido porque já não havia mais ninguém. Na verdade, na verdade, Lula chegou à Presidência da República sem nenhum tipo de compromisso. Até o compromisso que o seu Chefe da Casa Civil havia feito com o MDB Lula não topou porque queria ficar livre para agir. Achou que aquele compromisso o comprometeria com um grupo do MDB pelo qual não tinha a menor simpatia. Eu o respeitei e achei bonita a sua atitude. Não, é porque vai acontecer! Ele vai fazer!

            Quando Lula e o então Chefe da Casa Civil jantaram em minha casa e me convidaram para participar do Governo, disse-lhes que não aceitaria ministério, que o PT do Rio Grande do Sul não ia entender, que não haveria razão. Disse-lhe que o ajudaria muito mais aqui no Congresso, como havia feito no Governo de Itamar.

            Itamar também queria que eu fosse para o seu ministério. Convenci Itamar de que o ajudaria muito mais aqui no Senado. Modéstia à parte, ajudei.

            E o Lula topou. Naquele início de governo, eu agia meio em função do Lula, tudo a seu favor. Tanto que, quando saí desta tribuna, fui correndo lá: “Demite esse Waldomiro que tu marcas o teu governo; é o início, é a marca do teu governo”. E as palavras tão bonitas dele ficaram nas palavras.

            Pois é, das palavras à ação...

            Há quem diga, querida Presidente, que o brasileiro não tem memória. Quando muito, a lembrança de alguns de seus principais vultos históricos, reforçada pela existência de feriados nacionais criados para celebrá-los. Para “aguçar”, então, a nossa memória, reporto-me a alguns acontecimentos daquela época.

            No dia 14 de maio de 2005, a televisão exibiu, em seus noticiários, as imagens de um funcionário da Empresa Brasileira de Correios, de nome Maurício Marinho, recebendo a propina de R$3 mil e prometendo ao “doador” facilitar contratos com aquela estatal.

            A notícia provocou indignação geral, principalmente porque os Correios até então sempre haviam ocupado as melhores posições nas pesquisas de confiança popular. A notícia também deflagrou a imediata criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito, que se convencionou chamar CPI dos Correios.

            A primeira reunião da referida CPMI ocorreu em 9 de junho naquele mesmo ano, apenas três dias depois da bombástica entrevista do ex-Deputado Roberto Jefferson à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo.

            Na entrevista, o ex-Deputado denunciara haver um esquema de pagamento de propina a Parlamentares, sustentado pelo Governo com o intuito de construir a base de apoio nas votações de seu interesse. Ah, maldita maioria! Ah, maldita maneira da tal da governabilidade, palavra tão bonita e tão desmoralizada neste Congresso!

            Assim, no rastro dessa denúncia, em concomitância com os trabalhos da CPI dos Correios, foi instalada a CPI da Compra de Votos, desde o início, chamada CPI do Mensalão. Por terem objetivos análogos e interesses políticos idênticos, as duas Comissões de Inquéritos chegaram a produzir relatórios preliminares e conjuntos, já identificando casos de parlamentares que recebiam “mesadas”, notadamente nos momentos cruciais de votação de matéria de interesse do Executivo. Contudo, a CPI da Compra de Votos foi completamente esvaziada. Esvaziada pelos seus próprios integrantes, a ponto de nem sequer chegar a votar o seu relatório final.

            A CPI dos Correios, por sua vez, teve andamento diametralmente distinto: ela herdou as informações mais importantes da outra Comissão; votou-se o relatório final e concluiu seus trabalhos no dia 05 de abril de 2006.

            Ouso dizer que ela, diferente de tantas outras que vieram depois, foi um exemplo do empenho do Parlamento em depurar as instituições e a administração pública, pois ouviu 560 depoimentos, analisou 68 mil contratos públicos envolvendo o Governo Federal, trabalhou com uma base de dados gigantesca: 33 milhões de registros telefônicos e 20 milhões de registros bancários. Seu relatório final contém quase duas mil páginas de denúncias, de diagnósticos e soluções, para combater o problema da corrupção no País.

            Repetindo datas de 2005: 14 de maio, recebimento da propina pelo funcionário dos Correios; 6 de junho, entrevista com o ex-Deputado Roberto Jefferson, revelando a existência do mensalão; 7 de junho, abertura do IV Fórum Global de Combate à Corrupção, sediado em Brasília; 9 de junho, primeira reunião da CPI dos Correios, que deu continuidade às investigações não realizadas pela CPI do Mensalão.

            Alguém ainda se lembra, nesta altura, do meu discurso, que o Congresso Nacional ratificou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, por meio da aprovação do Decreto Legislativo pertinente, em 18 de maio daquele ano?

            Quer dizer, 4 dias após a veiculação da cena do embolso dos R$3 mil pelo funcionário dos Correios, 18 dias antes da denúncia da existência do mensalão, dezenove dias antes da abertura do Fórum Global e 21 dias antes da instalação da CPI dos Correios, o Congresso Nacional, por meio da manifestação de vontade de seus integrantes, incluindo os parlamentares até ali suspeitos de receber mensalão em troca de votos, ratificou o texto de uma Convenção sugerida exatamente pela delegação brasileira junto à ONU para promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e oficialmente a corrupção.

            Outro dado interessante: o Presidente da República promulgou a Convenção considerando o Decreto Legislativo do Congresso em 31 de janeiro de 2006, como já foi dito, no momento em que a CPI dos Correios já ia longe e fundo nas investigações sobre o mensalão, a julgar pela data da aprovação do respectivo relatório final, no início de abril.

            Parece-me relevante mencionar ainda os relatórios globais de corrupção dos anos de 2005 e 2006, formulados pela Transparência Internacional, organização não governamental fundada com o objetivo de promover o interesse público por meio do combate à corrupção. Eles mencionam o caso Waldomiro Diniz e a CPI dos Bingos; a Operação Vampiro no Ministério da Saúde; as supostas ilegalidades envolvendo o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a quem se concedeu o status de Ministro por medida provisória. O Sr. Meirelles ganhou o status de Ministro, o único presidente de um Banco Central com status de Ministro. Ministro Presidente do Banco Central não existe em lugar nenhum do mundo. Ele ganhou esse status por medida provisória para ter o privilégio como Ministro, para que a CPI não pudesse atingi-lo, porque ele poderia ser processado.

            Como Ministro ele tem foro privilegiado, como Presidente do Banco Central ele não tinha. Então, o Lula baixou uma medida provisória, dando ao Presidente do Banco Central status de Ministro, aí ele não pôde ser processado.

            O Relatório Global de 2006, após breve referência à descoberta de irregularidades no financiamento de campanha, classificou o quadro como a pior crise política da década e sugeriu que talvez pudesse ter um aspecto positivo se deflagrasse a aprovação de uma ampla reforma política.

            Desde a CPI do Mensalão lá se vão quantos anos em que se fala da reforma política? Infelizmente, porém, nem isso se fez até hoje! Pois no Brasil é assim: a cada comoção, medidas de impacto e um discurso. Ações que caminham paralelas, mas nenhuma prática, porque os paralelos se encontram apenas no infinito!

            Mesmo sabendo disso, causa espanto o fato de que o Congresso brasileiro tenha ratificado um documento com fé internacional, por meio de decreto legislativo, aprovado por seus integrantes poucos dias antes de abrir processo de investigação pela prática de corrupção contra vários deles. O fato parecia esquizofrênico, se não fosse irônico.

            Nesses seis anos, desde que ratificou o texto da Convenção e aprovou o relatório final da CPI dos Correios, o Congresso patina, recusando-se a punir e, algumas vezes até a investigar os parlamentares acusados de corrupção. Embora dezenas de mensaleiros tenham sido processados pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, apenas três foram cassados, entre eles o denunciante do esquema, o ex-Deputado Roberto Jefferson.

            Também no Supremo Tribunal Federal, os processos contra os chamados mensaleiros tramitam, tramitam, mas sem serem julgados.

            Vale lembrar que, no caso, todos os denunciados por práticas lesivas ao dinheiro público possuem o instituto do foro privilegiado, essa verdadeira nódoa do processo político brasileiro que alimenta sobremaneira a impunidade no Brasil. Nunca é demais enfatizar que a impunidade, por seu turno, alimenta outros casos de desvios de conduta ética nos três Poderes da República.

            Por temor de que a punição possa ter efeitos multiplicadores sobre a respectiva categoria, parlamentares, juízes e administradores públicos raramente punem seus iguais. Mas não abrem mão do discurso - sempre muito rigoroso - em defesa da ética e da independência do grupo. Ação, nenhuma.

            Foi o que aconteceu recentemente, a título de ilustração, no caso do julgamento da Deputada Jaqueline Roriz, há poucos dias, no Congresso Nacional. A sessão, transformada em performance do teatro, teatro do absurdo, girava em torno do notório ato de corrupção, flagrado por imagens veiculadas pela televisão. Em cores e com a precisão da tecnologia digital, as imagens mostravam a parlamentar recebendo dinheiro da quadrilha então instalada no Governo do Distrito Federal, cujo titular chegou a passar dois meses preso. Ainda assim, por prejudicar os trabalhos da Justiça, e não pela prática, também gravada em vídeo, de atos de corrupção.

            Diante da impossibilidade de negar o fato, o advogado de defesa da acusada apelou para a tese de que a cassação do mandato da "nobre Deputada" abriria um precedente perigoso para todos os membros da Casa que tivessem praticado atos similares, antes da posse, como se isso fosse um argumento legítimo!

            A tese de que ser corrupto não é um empecilho para ser parlamentar, desde que o ato de corrupção em investigação tenha acontecido até a véspera da posse, também transparece no discurso de defesa da Deputada. Ela teve a coragem - ou seria desfaçatez? - de afirmar que praticou tal ato "como cidadã", e não "como deputada". O que ela quis dizer com isso? Que o cidadão pode roubar até obter foro privilegiado para continuar roubando?

            Não menos infeliz foi a ainda mais recente deliberação do Conselho de Ética da Câmara, que não admitiu sequer a abertura de processo de cassação contra o deputado Valdemar Costa Neto, acusado de quebra de decoro em função das seguintes condutas: cobrança de propina, aliciamento de deputados em troca de benefícios, tráfico de influência e recebimento de vantagens indevidas em decorrência do superfaturamento de obras públicas.

            Nesse caso, talvez em resposta à advertência feita pelo advogado da Deputada Jaqueline Roriz semanas antes, os Deputados presentes à sessão não titubearam e falaram quase em uníssono: nada de criar precedentes, quanto mais por atos praticados não "como cidadão", mas "como deputado"!

            Nessa nova performance do teatro do absurdo, o acusado foi aplaudido duas vezes durante a sessão do Conselho de Ética, ao passo que o relator acabou sendo vaiado. Sua voz dissonante só encontrou eco na voz de outro Parlamentar, coincidentemente o relator do caso Jaqueline Roriz, também cerceado pela resolução interna da Câmara dos Deputados, aprovada em 2011, que proíbe - em sede de relatório preliminar - a apresentação de provas das denúncias formuladas.

            Diante dessa "grata" novidade, será possível imaginar outro destino para os processos por quebra de decoro que não o arquivamento?

            Evidentemente que há uma enorme distância entre o conteúdo do discurso dos parlamentares - que coincide com as preocupações e as convicções do preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - e a prática política no Congresso Nacional. No discurso, o teatro; na prática, a vida real.

            E não será no discurso, mas sim na vida real, que a reforma política se impõe como condição de sobrevivência (e de limpeza) do Parlamento!

            Embora tenha excelente humor, o povo brasileiro vem saindo às ruas para mostrar que não aceita a piada de mau gosto indiciada pelo trocadilho que o termo "Convenção de Mérida” poderia representar no tocante ao combate à corrupção.

            Mesmo que a ampla maioria não conheça o teor desse documento ou sequer saiba de sua existência, resta evidente o anseio pela mudança de paradigma: o povo exige "ficha limpa" de seus representantes e está atento à conduta que desenvolvam. Lembro, a propósito, a advertência de Abraham Lincoln de que se pode enganar todos por algum tempo, mas que não se pode enganar todos por todo o tempo.

            A exemplo do povo brasileiro, cansado do discurso dissociado da prática, a comunidade internacional também já percebeu a necessidade de acompanhar com mais atenção o progresso e as dificuldades dos países quanto à implantação das medidas anticorrupção.

            Representada por mais de mil delegados de 125 países, ela se reuniu na cidade de Doha, no Catar, em novembro de 2009, para examinar a efetividade da Convenção e decidiu criar um mecanismo de monitoramento do tratado.

            De acordo com esse mecanismo, todos os signatários da Convenção passarão a ser avaliados pelo que estão fazendo contra a corrupção, e não apenas por suas promessas.

            A avaliação será quinquenal e resultará da soma entre a autoavaliação feita pelos próprios países e o observado durante as visitas capitaneadas por especialistas internacionais.

            Ora, esse contexto aponta não haver mais espaço para a figuração no cenário internacional nem para o teatro do absurdo que muitos políticos teimam em encenar no plano interno, quando se trata do combate à corrupção.

            Todos nós devemos ter presente na memória a lembrança de que o mecanismo de monitoramento acerca da efetividade da Convenção já foi deflagrado no País. Além de fazer a autoavaliação, o Brasil recebeu, no início do mês de agosto de 2011, a primeira visita do Grupo de Revisão da Implementação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

            O grupo, que nessa visita foi composto por especialistas do México e do Haiti, afora peritos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, veio conferir in loco se o Brasil está cumprindo com suas obrigações e levantar possíveis lacunas na legislação e nas ações anticorrupção.

            Seu achado - ouso dizer com certeza e pesar - não foi pequeno. E está nas nossas mãos seguir o exemplo corajoso da Presidente Dilma Rousseff e afastar imediatamente da vida pública personagens de "ficha corrida" e vida escusa.

            Está em nossas mãos evitar que um trocadilho de mau gosto faça tabula rasa do sentimento e do anseio de integridade de todo um povo, iluminando bufões como protagonistas e implantando em todos nós narizes de palhaço, como tão bem vêm caracterizando os manifestantes nos atuais movimentos de rua contra a corrupção e a impunidade.

            Mais uma vez, está nas mãos do povo brasileiro assumir o protagonismo de sua história, não permitindo que façam do legítimo acordo celebrado em seu nome na cidade de Mérida apenas letra morta!

            É isso, Srª Presidente. Amanhã, outras realizações; domingo, também, inclusive em Porto Alegre, a minha cidade, estarão reunidos na Praça da Matriz, nessa caminhada.

            Eu digo aos cientistas políticos: vamos ser um pouco mais otimistas. Não vamos ser tão frios em dizer que essa caminhada não tem chance, em dizer que é questão de dias, meses, e que vai terminar tudo na estaca zero. Os senhores são muito lidos e muito respeitados. Cada coluna que os senhores fazem como a de hoje é uma ducha de água fria nesse movimento.

            Quanto a dizer o que fazer, nós somos muito claros: hoje, o povo na rua, a primeira exigência é nas portas do Supremo Tribunal. A Ficha Limpa tem que valer para a eleição do ano que vem. Essa é uma questão de honra. Vai ser um começo. Vai ser um início de uma mudança radical.

            Nessa última eleição, a Ficha Limpa já exerceu um grande papel. É impressionante o número de pessoas que não se candidataram com medo da Ficha Limpa. Elas, sabendo da sua biografia e da Ficha Limpa aprovada pelo Congresso, retiraram suas candidaturas. Eu conheço muitos casos. Agora é o ano que vem. O Supremo tem essa decisão, muito importante.

            Eu digo, meu querido Randolfe, que às vezes fico me perguntando - perdoem-me repetir isto - se eu mudei. Quando eu tinha a sua idade, no início da ditadura, eu era advogado de preso político, defensor da democracia, eu ia bater nas portas dos quarteis, eu ia bater nas portas dos tribunais para exigir habeas, para exigir que pessoas não fossem torturadas. Eu sempre fui a favor. Na época da Constituinte, embora não tenha sido constituinte, mas Governador do Rio Grande do Sul, todo fim de semana eu estava aqui, na casa do Dr. Ulysses, Presidente da Constituinte, para discutir, para debater, para participar. Eu fui daqueles que acharam que nós estávamos imbuídos apenas daqueles 20 anos de ditadura: “Vamos mudar todos os direitos individuais, todos os direitos de defesa, tudo que for necessário a favor do cidadão!”

            Será que eu mudei? Será que, de repente, hoje, os tribunais, que naquela hora não nos davam chance de coisa nenhuma, porque a ditadura não permitia, agora são ultraliberais? E eu estou aqui a querer cercear o direito de defesa? Pelo amor de Deus!

            É o próprio Presidente do Supremo que propõe e nós estamos aqui propondo o que existe no resto do mundo, nos Estados Unidos, na França, na Itália, no Japão, no resto do mundo. Recursos? Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete recursos... Mas aqui no Brasil o recurso é para empurrar até prescrever.

            Conhecemos casos de ex-governadores que foram processados e condenados não sei quantas vezes. É condenado e recorre, é condenado e recorre, é condenado e recorre... Lá, quando está na última hora, prescreveu, morre tudo. No mundo inteiro também tem recursos, dois recursos, três recursos, quatro recursos, cinco recursos, seis recursos. Também tem. Com uma diferença: condenado em segunda instância por um tribunal colegiado, ele é condenado. Recorre, mas está na cadeia. Recorre. O direito de defesa continua. Recorre, mas está na cadeia.

            É como dizia um magistrado outro dia: a presunção é de inocência. O normal, ao analisarmos o processo contra um cidadão, é a presunção de inocência. É. Presunção de inocência. Eu, que durante toda a minha vida só fui advogado de defesa, só trabalhei em júri, nunca acusei ninguém, só defendi. Eu, que só tentei tirar preso da cadeia, sempre disse isto: a presunção é de inocência, sim. Há um processo, o promotor faz toda a denúncia, o advogado de defesa faz toda a defesa. Testemunhas de acusação e testemunhas de defesa. É julgado, o juiz condena. Aí diz o magistrado: “Aí não há de dizer que a presunção é de inocência se, respondendo a um processo, ele for condenado”. Mas tudo bem, ele fica solto. E recorre. Em um segundo tribunal colegiado, a acusação é feita, ampla defesa, e ele é condenado. A presunção é de inocência? E ele vai responder solto até prescrever?

            A palavra está com o Supremo. O Presidente do Supremo, a rigor, defende o que queremos no Ficha Limpa como forma de equacionar. E ele está certo. Eu estou com ele. O que defende o Presidente do Supremo é exatamente isto: processado, condenado, recorre, condenado em tribunal colegiado, recorre, mas antes vai para a cadeia. Mas antes vai para a cadeia.

            Penso que esta é a grande bandeira que deveríamos levar para a gurizada. É o primeiro caso concreto e objetivo para os nossos cientistas políticos que acham que não tem razão de ser. Essa seria uma grande razão de ser.

            A segunda, tão importante quanto essa, é o Conselho da Magistratura. Ali nós estamos vendo uma coisa seriíssima. Foi uma beleza a criação do Conselho; o Presidente do Supremo, Ministro Jobim, foi um artista na costura. Aqui nós queríamos que ele fosse mais eclético, que ele tivesse a representação do conjunto da sociedade. Na hora, eu concordei com o Jobim, mas meio desconfiado. Hoje eu vejo que ele tinha razão: para passar tinha que ser como foi, integrantes. E passou, e foi uma grande vitória.

            Agora, de repente, querer terminar? Todos nós sabemos que lá na primeira instância, no Amapá, no Rio Grande do Sul ou na Bahia, é muito difícil que um corregedor se meta contra um juiz ou contra um promotor. É muito difícil, não anda. Então, querer, como querem, que vá para a primeira instância lá no município para depois recorrer no tribunal e só no fim vir para a corregedoria é piada, é piada. Ou então, a nova medida: a corregedora pede ao tribunal, e o tribunal é que vai decidir? Ela perde a autonomia?

            Imagine você então que nós podemos também exigir que um promotor que vá denunciar alguém, antes de denunciar, dirija-se ao juiz para saber se pode ou não pode. Pelo amor de Deus, não mexam no tribunal, não mexam na corregedoria, não mexam no conselho!

            Na última reunião, ficou cinco a cinco no Supremo. A reunião de cinco a cinco, na decisão do Ficha Limpa, a rigor, de acordo com o passado, com a legislação e a tese do então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, era a seguinte: na votação do Ficha Limpa, no Tribunal Superior Eleitoral, por ampla maioria, ele foi aprovado. Por ampla maioria, ele foi aprovado. Quando chegou ao Supremo, terminou em empate. O Presidente do Supremo tinha o direito de dar o voto de qualidade. Na minha opinião, corretamente, não deu, era um assunto muito delicado para ele decidir, e ele até foi muito íntegro porque ele era contra, daria o voto contra, mas não deu. Então ficou empate. Agora, a legislação e a interpretação da legislação do Supremo diz que, no empate, deveria valer a decisão do órgão, que no caso é o Tribunal Superior Eleitoral, ligado ao fato, a decisão que ele tinha tomado.

            Então, como no Supremo empatou e no Superior Tribunal Eleitoral ganhou por ampla maioria, devia valer. Não valeu. Está cinco a cinco. Não valeu para a eleição passada sob o argumento de que nós votamos a menos de um ano da eleição. Então, a lei diz que é um ano, não era um ano, não podia valer para a eleição passada.

            Mas qual é o argumento? De repente, voltamos atrás, agora, para a eleição do ano que vem, estamos discutindo se vale ou não vale. Não tem lógica. Não tem lógica. Com toda sinceridade, dizer que o Congresso aprovou e o Supremo vai rejeitar é piada. Cá entre nós, o Congresso votou por medo. Nós aqui votamos por unanimidade, por unanimidade. A Câmara, por imensa maioria.

            Foram os caras-pintadas na rua. Um projeto de um milhão e quinhentas mil assinaturas, mais dois milhões de assinaturas de solidariedade, via Internet, ninguém teve peito de votar contra. Nós nos dobramos a uma exigência justa e correta da sociedade. O Supremo vai ser mais duro do que nós? Se o argumento jurídico, cá entre nós, com o maior respeito, para mim, eu considero mais importante a decisão da votação do Tribunal Superior Eleitoral, que foi uma decisão técnica, de quem discutiu, debateu, analisou e se aprofundou na matéria e, por ampla maioria, disse que era válida, do que a decisão do Supremo Tribunal, que, na minha opinião, com todo o respeito, foi política. Com todo o respeito, foi política. As pessoas, em seus votos, até apaixonados, mostravam a sua paixão.

            Por isso, Presidente Dilma, tudo está na mão de V. Exª.

            Esse movimento que está havendo é por causa da Presidente Dilma. Naturalmente, não aconteceria nada. Se a Presidente Dilma tivesse feito que nem o Fernando Henrique, que nem o Lula: “Deixa passar. Deixa passar, não acontece nada”, nós estaríamos levando a coisa. Mas com a decisão dela, firme, ou faxina... Não fica bem faxina. O malfeito; vamos de malfeito. A decisão que ela tomou...

            Hoje, as manchetes dos jornais estão todas dizendo que os partidos estão exigindo. Para votar duas leis que são importantes, querem cargo e as emendas. Está dizendo com todas as letras, o pessoal do Governo, o troca-troca. É difícil a posição da Presidente, mas ela deve resistir.

            Olha, Presidenta, eu tenho rezado a Deus pela senhora. Que Ele a inspire na escolha da futura Ministra do Supremo Tribunal. Eu nunca vi uma situação tão delicada na escolha de uma Ministra. Os fatos se misturaram, porque, no caso da Ficha Limpa, está cinco a cinco. A Ministra que ela escolher vai decidir. No caso do Conselho Nacional de Justiça, todas as informações dizem que está cinco a cinco. Quem ela indicar vai decidir. E talvez, não sei, talvez no caso do mensalão, quem ela indicar vai decidir.

            Não me passa pela cabeça que a Presidente, na hora de indicar o Ministro, vai cobrar isso ou aquilo, como vai votar aqui ou como vai votar lá. Mas não tenho nenhuma dúvida de que todo mundo vai ligar o voto da nova Ministra à indicação da Presidente.

            Que ela seja feliz. Que ela seja feliz! E que a nossa luta continue. E que você entenda que está começando, porque, quando você fala nas lutas de estudante, quanto à faxina, à limpeza do Collor, etc. e tal, vejo em V. Exª - a senhora não acha, Presidente? -, vejo em V. Exª...

            A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco/PSB - BA) - Corretíssimo.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - ...uma inspiração muito grande. E é interessante que, lá no Rio Grande, no Rio e em São Paulo, por onde eu tenho andado, as perguntas são feitas a V. Exª: “E aquele guri?”. Digo: “É um baita cara”. E quando eu conto como foi a vitória de V. Exª, num Estado onde tem um donatário que faz o que quer, o nosso amigo não tinha um minuto de televisão, não tinha um minuto de televisão, e Sarney e companhia do outro lado, e ganhou para o Senado, V. Exª tem uma grande responsabilidade. O que me deixa tranquilo, porque tenho certeza de que V. Exª vai levar adiante.

            Eu olho para V. Exª e rejuvenesço. Eu era ainda mais moço do que V. Exª, tinha trinta anos, quando assumi a presidência do Partido. E a luta foi, foi, estou aqui hoje, cinquenta anos depois, parece que começando. Mas V. Exª vai encontrar um caminho bem mais fértil. Sente-se que o povo brasileiro, a cada dia, está mais conscientizado, e essa revolução no mundo, que é o povo não ser escravo das redes de rádio, jornal e televisão, dos grandes monopólios, mas das redes populares, é imprevisível o alcance que poderá ter, muito maior do que se pode imaginar.

            Por isso, prepare-se. V. Exª terá uma grande tarefa, e eu confio na sua ação.

            Com o maior prazer.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP. Fora do microfone.) - Senador Simon, eu já disse a V. Exª que nós todos aqui bebemos da fonte da inspiração na figura de V. Exª.

            A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco/PSB - BA) - Senador Randolfe, aperte o botão porque está sem som.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Pedro Simon, já disse a V. Exª que nos inspiramos no seu exemplo. Costumo usar aquela belíssima frase de Lênin: “A palavra convence, o exemplo arrasta”. Então, V. Exª é um exemplo aqui para todos nós. Ainda temos muito que caminhar para ter metade de vossa trajetória, uma trajetória de coerência. Ninguém pode levantar o dedo para V. Exª e dizer que V. Exª mudou de lado em algum momento na sua história. V. Exª sempre teve um lado claro, que foi o lado da luta contra a ditadura e é o lado dessa luta civilizatória e indispensável para o Brasil de hoje, que é a luta de combate à corrupção, que é a luta pela ética na política. V. Exª nos ensina e nos inspira dois belos legados: um é a luta pela liberdade individual e coletiva na época da ditadura. E temos - e costumo me referenciar nos exemplos dessa luta - V. Exª, Ulysses, Tancredo, aqueles que foram embora, que foram assassinados pelos facínoras da ditadura, como Rubens Paiva, Honestino Guimarães, presidente da UNE nos anos 70 e tantos outros. Depois, na redemocratização, V. Exª disse: “Ok, agora que conquistamos a democracia, temos de avançar e radicalizar a democracia”. O gestor público, o representante do povo, para ser candidato tem de ser coerente com a palavra candidato. Candidato vem do latim: aquele que é cândido, aquele que é limpo. Você vê que o nome candidato já diz como tem de ser o candidato. O que é, então, a Lei da Ficha Limpa? Não é só o cumprimento, Senador Simon, do § 9º do art. 14 da Constituição, que diz:

Art. 14. (...)

(...)

§ 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inexigibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato...

            Isso não é a Lei da Ficha Limpa? Não é a Lei Complementar nº 135, de 2010? Não temos como acreditar que o Supremo... O Supremo, enfim, já deu um passo atrás, dizendo que a Lei da Ficha Limpa não teria validade para as eleições de 2010. Tudo bem. Mas não é possível acreditar que o Supremo... E V Exª coloca as coisas no devido lugar: não é só o Supremo. O Supremo e a Presidente Dilma. A Presidente Dilma têm responsabilidade nisso. A Ministra ou o Ministro do Supremo que falta vai ser nomeado por ela. Ela tem responsabilidade direta nisso. Não se pode acreditar que o Supremo vá retroagir. Ora, eu, a Lídice, o senhor e tantos outros começamos o ano nessa luta por reforma política, porque sabemos que se não mudarem as regras do sistema político brasileiro, vai continuar a mesma coisa. Vai continuar da mesma forma que está. Mas veja o que as ruas estão dizendo para nós. O mais importante de tudo é ter a Ficha Limpa. Foi o que vinte mil jovens disseram na última quarta-feira, aqui em Brasília e espalhados pelo Brasil todo: “Olha, a mais importante reforma política do Brasil é Ficha Limpa. É Ficha Limpa valer para o ano que vem”. É isso que está sendo dito pelas ruas. Então, o dilema não é nosso. O dilema para o Supremo é se não vai garantir, porque é disso que se trata, o cumprimento do que está na Constituição, no § 9º do art. 14, e se também não vai ouvir o que está sendo proclamado pelas ruas. As homenagens aqui a V. Exª, que tem uma vida de coerência em dois momentos fundamentais e indispensáveis para a história do nosso País. Na ditadura: a luta pela liberdade. Na democracia: a luta pela ética.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado a V. Exª.

            Vejo em V. Exª o símbolo do novo Congresso que vem aí, com a grande responsabilidade de fazer esse trabalho.

            Eu estou dando uma importância muito grande a essas redes populares. Olha, V. Exª não imagina como foi difícil a gente iniciar a caminhada contra a ditadura. Porque nós, contra a ditadura, nós tínhamos, em determinada altura, até o povo contra a gente. O povo nos olhava com deboche, com ironia. Era resistir até o último guichê. Então, eles cobravam. Mas minha consciência me dizia que não dava para ir para uma guerra civil. Com toda a análise que o Brizola e as pessoas faziam, eu dizia: mas o Brasil não é Cuba. Cuba é sair da Serra Maestra, tomar conta de Havana, e terminou.

            Li a entrevista da falecida Jacqueline Kennedy sobre a morte de seu marido, a Veja publicou. Ela deu a entrevista e pediu que só fosse publicada dez anos depois de sua morte. Referindo-se ao Jango, disse que seu marido achava que Jango era comunista, corrupto, uma pessoa em que não dá para confiar. Se ligarmos isso às memórias de Lincoln Gordon, Embaixador no Brasil à época do golpe, vamos verificar que aquilo aconteceu diabolicamente tramado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos fizeram a ditadura no Brasil, na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Uruguai. Democracias tradicionais a vida inteira, como o Uruguai, como o Chile! Vivemos sob o jugo brutal dos Estados Unidos. Para isso, precisavam de um inimigo. Era o Jango. Diz o Sr. Lincoln Gordon que a Quarta Frota estava aqui. Para eles foi uma irritação o Jango ter ido para o Uruguai. Eles queriam que o Jango ficasse aqui para eles entrarem. O objetivo era entrarem e fazerem o que há muito tempo muita gente sonha. O americano olha para o mapa, vê o Brasil deste tamanho e pensa: “Nós deveríamos dividir o Brasil em dois ou três. Aí a coisa fica fácil”.

            Então, naquela época, nós que não queríamos a luta armada, que não éramos corajosos, que não queríamos a luta, não queríamos a guerra, éramos olhados com restrição, como se fosse por medo, por covardia. Foi um tempo muito longo.

            E, naquela época, Presidenta, a imprensa toda estava do outro lado, a burguesia e o capital estavam do outro lado, a igreja estava do outro lado. E com o mar de cassações que fizeram, os que ficaram, a imensa maioria, estavam na máquina do governo. Então, para avançarmos, para chegarmos àqueles dois milhões de jovens lá em São Paulo, pelas Diretas Já, foi uma luta boca a boca: “Eu falo com fulano, fulano fala com fulano, ele fala com o pai”. Daí a inovação fantástica das redes populares. Acho que nós ainda não estamos dando conta da importância disso. A Primavera Árabe já mostrou: três ditaduras já caíram. E repito o que já disse mais de uma vez desta tribuna: sem terrorismo, sem Al-Qaeda, sem mulçumano, sem radicais, só derrubar ditadura.

            Nós temos que saber conduzir, não nos intrometer - os jovens não nos querem lá, tudo bem -, mas temos que tentar orientar os jovens para o encaminhamento da luta, para não caírem naquilo que os cientistas políticos estão prevendo, em um pessimismo exagerado. Orientar. E eu diria nesta altura: agora, nos próximos, até o fim do ano, é Ficha Limpa e independência do Conselho da Magistratura.

            Muito obrigado, Presidenta. V. Exª chegou na hora para abrir a sessão, e eu fui um maldoso com V. Exª, deixei V. Exª na Presidência por todo esse tempo, mas V. Exª há de me fazer pelo menos justiça: eu quis presidir a reunião e V. Exª falar em primeiro lugar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2011 - Página 41531