Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de mais investimentos em saúde e educação no País; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. SAUDE.:
  • Defesa de mais investimentos em saúde e educação no País; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2011 - Página 41549
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR, RELEVANCIA, PROFISSÃO, PAIS, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, BRASIL, IMPORTANCIA, REGULAMENTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, todos os que nos ouvem pela Rádio Senado, que nos assistem pela TV Senado, tenho alguns compromissos, não serei tão brilhante quanto o Senador Pedro Simon, quanto V. Exª, Senadora Lídice. Portanto, também faço questão de não ser tão extenso.

            Quero, nesta sexta-feira, de imediato, fazer uma saudação à data de amanhã, como já foi feito pela Senadora Lídice. Trata-se de uma data importante para nós, professores. Incluo-me porque é o meu ofício, o ofício do magistério. Talvez poucos ofícios sejam tão importantes para a humanidade nessa sua caminhada pelo Planeta quanto o ofício do magistério.

            Quero, nesse sentido, comunicar que protocolamos, ainda este mês, um projeto de lei, o PLS nº 549/2011, garantindo isenção de tributação para pessoas que adquiram livros técnicos diretamente relacionados à sua área de atuação. Esse PLS, obviamente, refere-se em especial a nós, professores. Em todo início de período letivo, temos de, por dever e por ofício, adquirir livros e nos atualizarmos para exercer o mister, a tarefa, a atividade do magistério.

            Quero concordar com V. Exª, Senadora Lídice, que temos uma luta indispensável para os professores do Brasil de hoje. Falo de ampliar a capacidade de investimentos do Estado brasileiro em educação. Nenhuma nação do mundo alcançou a posição entre as mais desenvolvidas senão pelo caminho do investimento em educação. Os 10% da educação, os 10% do Produto Interno Bruto de toda a riqueza gerada em nosso País em educação constituem um patamar que outras nações do mundo já alcançaram. Foi o patamar necessário para o desempenho do Japão logo após ter saído arrasado da Segunda Guerra Mundial. É uma necessidade para o Brasil cumprir os desafios que tem na próxima década. Somos, dos chamados países emergentes, do Grupo dos 4 (Brasil, Rússia, Índia e China), o único que está em um patamar de investimento em educação abaixo dos outros três.

            Tão importante quanto, Senadora Lídice, é o tema do investimento na saúde pública. Aliás, são dois temas que a nossa Constituição de 1988...

            Estou aqui, no Senado, diante de duas pessoas, duas personalidades, indispensáveis para a conquista do texto constitucional de 1988, que foi um salto civilizatório para o Direito brasileiro: V. Exª, Presidente Senadora Lídice, que Constituinte foi, e o Senador Pedro Simon, que, na época, era Governador do Rio Grande do Sul, não era Constituinte, mas nós só chegamos à Constituição devido à luta do Senador Pedro Simon e de outros patriotas brasileiros.

            Pois bem, a Constituição de 1988 consagrou como direito universal dois direitos fundamentais a educação e a saúde. “A saúde [a Constituição estabeleceu, no seu art. 196] é direito de todos e dever do Estado”. E esse direito deveria ser garantido por meio do “(...) acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

            Nós constituímos um capítulo de saúde pública dos mais avançados entre todos os textos constitucionais do mundo, constituímos inclusive um modelo de saúde pública, o Serviço Único de Saúde, um modelo de saúde pública transparente, sob a fiscalização da sociedade e com a constituição de conselhos de controle social desse sistema de saúde. Nós consagramos na Constituição as resoluções da histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde.

            Pois bem, foi isso que consagramos; entretanto, mais adiante, no art. 198, quando estabelecemos o Sistema Único de Saúde, nós constituímos uma rede regionalizada e hierarquizada, baseada, então, na descentralização com responsabilidades para cada esfera de Governo. Estabelecemos, na Constituição de 1988, o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo das atividades essenciais, e, como já disse, constituímos um sistema passível do controle social através dos conselhos de saúde. Não deixamos claro na Constituição como esse sistema ia ser financiado; aí, em 2000, veio a Emenda à Constituição nº 29, que buscava garantir os recursos financeiros necessários à universalização dos serviços públicos de saúde com qualidade.

            Estabelecemos, então, na Emenda 29, esses critérios, e essa emenda foi aprovada há 11 anos pelo Congresso Nacional. Pois bem, embora nós tenhamos tido aqui, em 2007, a apresentação e a aprovação do Projeto de Lei nº 21, quando esta Casa cumpriu seu papel de regulamentar as responsabilidades de União, Estados, Municípios e Distrito Federal para com a saúde pública e a colaboração entre esses entes federados, nós passamos quatro anos, para que esse Projeto de Lei nº 21 fosse aprovado agora pela Câmara dos Deputados.

            Nós temos questões então a debater sobre o projeto que foi aprovado pela Câmara. A grande questão - e essa é a grande pergunta que o Governo nos faz a nós, Congressistas - é como garantir recursos suficientes para que nós possamos dispor do mandamento constitucional do acesso universalizante ao SUS. A outra questão é tão relevante quanto a primeira: a indefinição legal do percentual de participação da União no financiamento da saúde.

            De forma acertada, no PLS 21/2007, o Senado aprovou que a União deveria participar com 10% de sua receita corrente bruta em saúde. Atualmente, nós não temos nenhuma regra fixa para estabelecer o percentual mínimo de aplicação, por parte da União, em saúde. O que sabemos é que existe a obrigação da União de sempre investir o mesmo valor do ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto que, como já dissemos, é a soma de todas as riquezas produzidas em nosso País.

            Dados do Projeto de Lei Orçamentário de 2012 apontam para um investimento federal de apenas 3,75%. Veja, Senadora Lídice, muito abaixo dos 10% que foi previsto pelo PLS 21, aprovado pelo Senado em 2007.

            A redação - lamentavelmente, aprovada pela Câmara - estabelece que o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido no mínimo do percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto, ocorrido no ano anterior da Lei Orçamentária Anual, é um percentual insuficiente para recuperar o Sistema Único de Saúde em nosso País. Vimos e identificamos no projeto enviado pela Câmara uma tentativa concreta de diminuir a participação dos Estados e do Distrito Federal no financiamento da saúde nos próximos cinco anos.

            Pela Emenda 29, Estados devem contribuir com 12% dos recursos arrecadados com impostos e os municípios, com 15%. Vejam o disparate: os municípios, que têm uma capacidade menor, vão ter de contribuir com mais de suas receitas do que o Estado deve de fato contribuir.

            A Câmara acabou aprovando, na regulamentação da Emenda 29, do PLS 21, um dispositivo que acaba dando alívio aos Estados, excluindo da receita total os recursos que constituem o Fundeb. Com isso, acaba tendo um investimento abaixo do que precisamos para recuperar a saúde pública no País.

            E temos o debate, muito em voga aqui no Congresso, de recriar a CPMF, de recriar um imposto sobre a saúde, dando uma denominação nova. Na prática acaba sendo a mesma coisa. Vamos enfrentar esse debate. Ouvimos esse debate sem tratar do debate central em relação ao financiamento da saúde, em relação ao País, que é o debate sobre o Sistema Tributário Nacional. Nessa questão, quero destacar três pontos. Primeiro, não é possível concordarmos com a criação de uma contribuição específica para a saúde, por meio de um novo tributo que seja direcionado fortalecendo a forma regressiva do Sistema Tributário Brasileiro.

            Nós temos um sistema tributário dos mais regressivos do mundo, que não faz justiça tributária. No Brasil, quem tem mais paga menos, quem tem menos paga mais. Em outros países, Estados Unidos e Japão, por exemplo, o que é mais tributado são a propriedade e a renda. Aqui no Brasil, são mais tributados os serviços e o consumo. Quem paga mais imposto acaba sendo quem tem menos, e não quem tem mais. Pergunta-se aqui sobre financiamento à saúde, mas temos um debate paralisado aqui, Senadora Lídice, há quanto tempo, a senhora pode me dizer?

            Temos um debate paralisado há mais de 20 anos, desde o advento da Constituição da República, que é um debate sobre o imposto sobre grandes fortunas. Nós regulamentamos todos os tributos previstos na ordem constitucional de 1988 e não regulamentamos o imposto sobre grandes fortunas. Basta regulamentarmos e passarmos... Há vários projetos aqui. Há um, inclusive, do então Senador Fernando Henrique. Há vários projetos tramitando. Se pesquisarmos na Câmara e no Senado, há vários projetos tramitando sobre a regulamentação do IGF. Basta aprovarmos um, que nós encontraremos uma fonte concreta para financiamento da saúde.

            O terceiro aspecto é que todos os anos, por força da Lei nº 9.530, de 1997, a totalidade dos dividendos auferidos pela União, devido à sua condição de acionista majoritária em estatais, entre elas a Petrobras e os bancos públicos, são revertidos para o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. Ano passado, foram R$32 bilhões que, mais uma vez, poderiam ter reforçado as áreas sociais.

            Nesse sentido, o jornal O Globo, na sua página de economia no último dia 6 de outubro, ilustra o que estou falando, sob o título: “Saúde na lanterninha”.

            Destaca aqui que a arrecadação federal deste ano vai bater recorde e o gasto com saúde aumentou apenas 4,5%.

            A matéria, inclusive, ilustra um didático gráfico sobre as contas públicas brasileiras. Receita líquida do Brasil em 2010, R$447 bilhões; em 2011, R$532 bilhões, um acréscimo de 18,8%.

            Entretanto, o investimento em educação ampliou R$3,5 bilhões, 15,4% abaixo, muito abaixo da ampliação da arrecadação federal.

            O investimento em desenvolvimento social, entre eles o Bolsa Família, cresceu apenas 12,6%, abaixo da ampliação da arrecadação federal. A soma dos gastos sociais, 10%; e a saúde é lanterninha. O crescimento do investimento em saúde foi o menor, mesmo com a ampliação das contas da arrecadação do Governo Federal. Enquanto a arrecadação do Governo Federal amplia 18,8%, os gastos com saúde ampliam somente 4,5%.

            E aqui está o grande problema, Senadora Lídice.

            O superávit primário, em 2010, teve um acréscimo de R$29,7 bilhões e, em 2011, de R$69,9 bilhões, tendo havido um acréscimo de R$40,1 bilhões. Enquanto houve um acréscimo de investimentos em saúde de 4,5%, houve um acréscimo do pagamento do superávit primário de 135%.

            O que quer dizer superávit primário, para ficar claro para todos que estão nos ouvindo e nos assistindo? Superávit primário é a diferença, é o pagamento dos juros - isso é destacado na matéria -, somente dos juros da chamada dívida pública. É o que nós pagamos para o mercado financeiro nacional e internacional.

            Então, houve o aprofundamento de uma política econômica ortodoxa, pagando-se cada vez mais e quadruplicando-se o pagamento do superávit primário, e a redução dos investimentos em saúde para 4,5%. Ora, a continuar e a insistir nesse caminho, nós não teremos como, de fato, ampliar os gastos em saúde.

            Quero lembrar que foi um dos compromissos da Presidente Dilma a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29.

            Vivemos várias crises, várias dificuldades no Brasil hoje, em que pese o nosso crescimento econômico e em que pese termos caminhado nos últimos anos na mão contrária da economia mundial.

            Ontem, jantei com um amigo nosso, Senadora Lídice, o Embaixador Maximilien, da República Bolivariana da Venezuela, companheiro irmão nosso, e falamos um pouco sobre o crescimento - inclusive, negativo - dos nossos vizinhos da América Latina. Veja, a Europa está estagnada, vivendo a mais dramática das suas crises políticas e econômicas dos últimos tempos. Nós vivemos até um crescimento negativo do conjunto dos países latino-americanos; e a economia brasileira tem crescido nos últimos anos, tem ampliado o nosso crescimento. Não se justifica, então, a crise que vivemos na saúde pública brasileira.

            A gente visita hospitais, seja em Salvador, seja em Macapá, seja em Porto Alegre, seja em São Paulo, e vê filas nos corredores, vê gente esperando no chão por um atendimento, porque não há macas.

            Não se justifica um País que está crescendo com o dinamismo da nossa economia, não se justifica um País que tem a arrecadação própria da União crescendo da forma como está crescendo, não se justifica o crescimento dos investimentos em saúde ser apenas de 4,5%.

            Portanto, o debate sobre a regulamentação da Emenda 29 é um bom momento para nós dialogarmos sobre um dogma da política econômica brasileira: o dogma da sangria da dívida pública, que, em 2012, consumirá ... Vejam, em 2010, a dívida pública consumiu 43% do orçamento da União. Nós vamos, em 2012, consumir 47%, quase 50% do orçamento federal. Enquanto a gente amplia o pagamento para a dívida pública, fortalecendo e beneficiando o mercado financeiro, a gente tem a redução dos investimentos em saúde.

            Com esse patamar, realmente, com essa perspectiva, não temos como dialogar, como ter a aprovação do PLS 21 e a regulamentação da Emenda 29.

            Então, quero solicitar, aqui, uma reflexão sobre esses dados. Na verdade, dialogar com a própria Presidente que, na campanha, no segundo turno... E muitos brasileiros, no segundo turno - eu, inclusive -, acreditamos nesse compromisso da Presidente Dilma de investir, de garantir a aprovação da regulamentação da Emenda 29.

            Nós temos, nós falamos hoje, véspera do Dia do Professor, que o Brasil está diante de dois desafios, que eu vou tratar, aqui, como desafios civilizatórios, Senadora Lídice.

            Nós não temos como colocar como comparação para nós... Nós estamos vendo, nos Estados Unidos, o Presidente Obama enfrentar os setores mais conservadores porque quer garantir o que, no Brasil, nós já temos consagrado pela Constituição: o acesso universal à saúde pública. De tantas conquistas da Constituição de 1988, essa foi uma das mais importantes.

            Senadora Lídice, por favor.

            A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco/PSB - BA) - Senador, me perdoe interrompê-lo.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Pois não.

            A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco/PSB - BA) - É apenas para saudar e registrar a presença dos alunos do Ensino Fundamental do Colégio Maria Imaculada, da cidade de Goianésia, Goiás, cidade vizinha nossa.

            Queremos agradecer a presença de todos. Aproveitem o conhecimento do Senado, e estão ouvindo, aqui, um de seus mais brilhantes Senadores.

            Obrigada.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Obrigado, Senadora Lídice. Da mesma forma, saúdo a todos os estudantes. Espero que a gente esteja contribuindo para um Brasil que vai ser legado para vocês, com educação e com saúde. É disso que estamos tratando aqui.

            Então, Senadora Lídice, para concluir, é isto o que esperamos. São dois desafios centrais: investimento em educação e investimento em saúde. Ampliar o investimento em educação para 10% do nosso Produto Interno Bruto e aprovarmos a regulamentação da Emenda nº 29, porque são dois desafios, Presidente, eu diria, civilizatórios para o nosso País. Nós temos de, na verdade, completar as conquistas que tivemos por sua graça, por sua intervenção e de tantos brasileiros na Constituição de 1988. É a garantia de que educação e saúde são direitos de todos em nosso País e que devem ser assegurados pelo nosso Estado. E o nosso País, pelo dinamismo de sua economia, pela sua capacidade arrecadatória, pela força do seu Estado, tem condições concretas de realizar e concretizar esses dois desafios.

            Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2011 - Página 41549