Fala da Presidência durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2011 - Página 31328
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, SESSÃO, SENADO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP.) - O tempo dos oradores do Período do Expediente da presente sessão será destinado a comemorar os cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, a Lei Maria da Penha.

            A sessão foi aprovada nos termos do Requerimento nº 119, de 2011, da então Senadora - que é Senadora, mas está exercendo o cargo de Chefe da Casa Civil -, nossa ex-colega e colega Gleisi Hoffmann e de outros Senadores, que assinaram esse requerimento com ela.

            Quero cumprimentar as autoridades presentes, que nos prestigiam nesta sessão de homenagem à Lei Maria da Penha: o Conselheiro Político da Embaixada da Bélgica, Sr. Kris Lapieri; a Coordenadora do Movimento das Mulheres Camponesas, Srª Rosângela Piovizane; a Gerente de Responsabilidade Social dos Correios, Srª Maria de Fátima Gomes; a Gerente Corporativa do Departamento de Desenvolvimento de Pessoas dos Correios, Srª Miriam Cristina Carravetta; senhores e senhoras aqui presentes, a Mesa está composta, neste momento, pelo Senador Sérgio Souza; pela Senadora Ana Rita; pela Senadora Ana Amélia e pela Senadora Vanessa Grazzioton e, à medida em que outras Senadoras forem chegando ao plenário, vamos intercalar as presenças aqui na Mesa.

            Temos uma grande lista de oradores inscritos, mas, vou abri-la com algumas palavras sobre a importância da Lei Maria da Penha e da comemoração que precisamos fazer.

            Demorou muito tempo para que este País tivesse uma lei que realmente coibisse a violência contra a mulher brasileira. A gente sabe que uma lei é educativa, é pedagógica, é um processo, mas a Lei Maria da Penha começa, realmente, a ter efeito.

            Há uma pesquisa feita pelo Senado, já já vou mostrá-la, mas lembro-me de que há 30 anos, quando TV Mulher existia, víamos muitas cartas de mulheres, mas uma me chocou muito. Dizia a carta: “Meu marido decepou a minha orelha”. Ela me perguntava: “O que eu faço?” E eu dizia: “Vá à delegacia”. E a mulher respondeu-me: “Eu não posso ir à delegacia dar queixa porque ele me corta a outra orelha”. Isto não é inédito no nosso País, ainda existe, e muito, infelizmente. Ontem, um advogado, no Rio de Janeiro, que ia matar a mulher, acabou matando o companheiro da mulher. Temos isso todos os dias! Por exemplo, o caso de Eliza Samudio e outros tantos que nos entristecem muito...

            A lei veio para ficar. Foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal há poucos meses, quando alguns juízes, ainda machistas, diziam que a lei não precisava ser cumprida integralmente, porque, para um tapinha, algumas cestas básicas resolveriam, Senador Sérgio. Um bofetão, Senadoras Vanessa e Ana Amélia, não é nada afinal de contas em uma relação, e que uma cesta básica estava de bom tamanho. Não está de bom tamanho. Então, o Supremo Tribunal colocou a Lei Maria da Penha em seu exercício pleno: bateu em mulher, vai para a cadeia. E a gente está muito feliz por isso finalmente ter chegado ao nosso País, e que a mulher também não pode mais retirar a queixa - essa foi até uma emenda minha agora. Por quê? Porque a mulher, ameaçada em casa, agora pode dizer: “Não, eu, em um momento de desespero, fui lá e fiz a queixa, mas agora eu não posso tirar.” Porque até isso tem que usar para poder sobreviver e não precisa tirar a queixa, porque a queixa acaba protegendo. Só que a gente quer que a queixa acabe protegendo cada vez mais, e a gente percebe que muitas mulheres são assassinadas apesar de terem feito a queixa.

            Agora, aqui, vamos prestigiar o nosso Senado, que faz um trabalho muito importante. Mas, desse trabalho, poucas pessoas se deram conta, porque não foi publicizado como - eu acho - poderia ter sido pela imprensa fora do Senado. Entre os poucos trabalhos que temos nesse sentido, aliás, não conheço nenhum outro - não sei se V. Exª, Senadora Ana Rita, ouviu falar de algum outro trabalho que tenha acompanhado a Lei Maria da Penha e a sua execução -. Mas esta Casa fez uma pesquisa de como era a Lei Maria da Penha e, agora, depois da Lei Maria da Penha, como é.

            Desde que a lei foi aprovada, o DataSenado tem realizado uma série de pesquisas sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. E os resultados consolidados dessas pesquisas agora formam um panorama das agressões sofridas pelas mulheres nos lares brasileiros nos últimos anos.

            A população que a pesquisa entrevistou são as próprias mulheres - é a mulher falando - maiores de 16 anos e com acesso ao telefone fixo.

            Nas pesquisas de 2007 e 2009 foram entrevistadas as habitantes das capitais brasileiras. Agora, em 2011, já foram realizadas pesquisas em 119 Municípios - quer dizer, foi bem ampliada -, incluindo aí também as capitais.

            As últimas rodadas da pesquisa constataram o aumento do número de mulheres que admitem já terem sofrido violência doméstica.

            Enquanto 15% das entrevistadas em 2007 afirmaram já terem sido elas próprias vítimas de violência em seus lares, esse número subiu para 19% em 2009, e se manteve em 2011.

            Eu não acho que está aumentando, eu acho que está se falando. E como percebo que há muito tempo a violência existe, mas não era falada, um pouco porque a mulher também ficava quieta quando ela era humilhada, ela ficava quieta quando ela era destratada, ficava quieta quando ela apanhava. Depois a mulher começou a reagir: falou grosso, ela responde grosso. Aí ela apanha. Então, essa questão do aumento, não é que foi ruim; aumentou porque começou a falar que não pode. E agora, com a lei, é que estamos pondo um contraponto, e ajudando essa mulher a se firmar, ajudando essa mulher a dizer não, ajudando essa mulher a se impor, ajudando essa mulher a dizer que não quer ser humilhada, não pode ser, não merece ser e não vai ser. Isso foi uma grande conquista que a lei nos deu. Ela permite isso, porque temos agora instrumento contra essa pessoa que bate.

            Em todas essas rodadas da pesquisa, desde 2007, o marido ou companheiro é sempre indicado como principal agressor. Isso, mais ou menos, as pessoas já sabiam - os vizinhos, certamente; as famílias, certamente. Quem bate em mulher não é o vizinho, o dono do supermercado ou alguém de longe. Quem bate em mulher é o companheiro da mulher, infelizmente. É o marido, é o companheiro, é o amante, é o noivo, é quem está ali junto. E quem mata também.

            E os principais motivos são - o que também não é nenhuma surpresa, mas a pesquisa reitera - o álcool e o ciúme. Ciúme muito vindo da posse: “Se eu te namoro, compartilho minha vida com você, você é minha propriedade - bem-vinda, Senadora Angela Portela, que agora está aqui na nossa mesa, junto conosco -, você é minha. Você não pode pensar diferente de mim. Você não pode ter postura diferente da minha. Você não pode querer outro homem que não seja eu, porque, se você me abandonar, eu te mato”. Você é como um carro, uma propriedade. Isso nós não aceitamos mais, graças a Deus está mudando. Mas paga-se um preço quando se põe a cabeça de fora; paga-se um preço quando se diz “não aceito”.

            Na pesquisa de 2011, o cônjuge aparece como agressor em 66% dos casos, e as principais causas citadas foram bebida e ciúme.

            Entre as mulheres que, em 2011, afirmaram ter sido vítimas de violência, 23% não fizeram nada em relação à última agressão sofrida. Não denunciaram, não procuraram a ajuda de amigos, nem de instituições. Essa é uma questão em que o próprio Ministério da Mulher teria de se aprofundar. O que ocorre que essa mulher não vai atrás? Aliás, o Ministério já está se aprofundando, já há pesquisas que estamos recebendo nessa direção e outras encaminhadas. Não tem condição... A pesquisa diz que 31% não fizeram nada pela preocupação com os filhos, criação dos filhos; são mulheres sem condição, sem autonomia financeira. Daí a importância dos programas que hoje temos no Governo Dilma - já havia vários, também, no Governo Lula - para dar instrumentos para a mulher se tornar independente, para a mulher, pelo menos, de dar instrumentos para a mulher se independentizar, para a mulher poder, pelo menos, saber sustentar-se e poder tomar essa atitude - se ela tem um agressor dentro de casa, corre esse risco -, de ela poder ter como sustentar a si própria e aos filhos e não ter mais que permanecer nessa situação de risco. E 20% disseram que têm medo de vingança por parte do agressor.

            Isso é muito sério, Senadora Ângela e Senadora Ana Amélia, porque essa vingança - como a mulher que disse que ia perder a outra orelha, pois ele tinha decepado uma, mas ia decepar a outra - muitas vezes se cumpre. Se não temos a proteção a essa vítima, como podemos exigir que ela denuncie? Se não temos casa-abrigo suficiente; se não temos leis que possam ser reforçadas, de que ele não pode se aproximar daquela mulher? A lei existe, aliás, mas muitas vezes é de difícil implementação em certas regiões do País. Se você tem uma lei dessas no Rio de Janeiro, como vimos funcionando, com algumas pessoas ela funciona bem, mas como vai fazer isso no “interiorzão”? Como vai fazer isso num grande Estado, numa cidade que não tenha essa condição? Ou pior: tem gente machista, que acha que não precisa, que não vai acontecer nada. “Fica quieta”, como fizeram com a tal da Eliza Samudio, que foi lá, prestou queixa, disse que tentaram que ela abortasse. Não, o homem é poderoso.

            Então, todas essas situações são importantes, mas uma coisa boa da pesquisa - é boa e é ruim, pois é ruim constatar - é que, de 2007 a 2011, caiu de 49% para 41% a percepção entre as entrevistadas de que a mulher não é respeitada no Brasil. É ruim a gente ter ainda 41%, Senadora Vanessa, de mulheres que acham que não são respeitadas.

            Agora, isso deve ter caído oito pontos - é altíssima uma queda dessas numa pesquisa desse porte - por causa da eleição da Dilma. A mulher se viu na Presidência; se viu forte. Então, acredito que esse foi o impacto, mas 41% ainda é muito ruim! São as mulheres que não se acham respeitadas neste País. Isso mostra que elas estão sendo desrespeitadas. Cada uma dessas que respondeu isso está sendo desrespeitada em casa, está sendo desrespeitada no trabalho, está sendo desrespeitada no ônibus. Ela está sendo desrespeitada.

            Então, esse é um dado muito preocupante em relação à condição da mulher também.

            Em paralelo, cresceu também em 15% o número de mulheres que já ouviram falar da Lei Maria da Penha. De 83%, em 2009, passou para 98%, Senador Sérgio, de mulheres hoje que conhecem a Lei Maria da Penha. Chega quase a 100%. Isso é fantástico. Por isso, temos de parabenizar a ex-Ministra Nilcéa Freire, a Ministra Iriny, o Presidente Lula, por ter sancionado essa lei, e pela comunicação do País, pela mídia deste País, que realmente fez a Lei Maria da Penha pegar. A mídia deste País não se apequenou, ela se juntou a essas milhares de mulheres espancadas e deu força para que a lei realmente pegasse, vigorasse e tivesse todo o apoio de rádios, televisões e de locutores e locutoras.

            A pesquisa realizada em 2011 demonstrou que, para 60% das entrevistadas, a proteção da mulher no Brasil melhorou muito depois da Lei Maria da Penha. E, embora 66% tenham manifestado a impressão de que a violência aumentou nos últimos anos - acredito que é por causa disso que a mulher não está mais ficando quieta -, a percepção de uma maior proteção trazida pela Lei Maria da Penha reflete a existência de um amparo legal para combater a impunidade dos agressores.

            Eu quero parabenizar o Mesquita, que é o responsável pela nossa comunicação no Senado, pela condução dessa pesquisa. Ela é extremamente importante. Que tenha continuidade a implementação da Lei Maria da Penha.

            Quero dizer também da minha alegria de estar aqui hoje no Senado, como Vice-Presidente e primeira mulher a exercer esse cargo aqui.

            Quero passar a palavra agora à minha colega, Senadora Ana Amélia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2011 - Página 31328