Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os aspectos jurídicos relacionados ao equilíbrio federativo que devem ser observados na votação dos projetos que tratam dos royalties do petróleo.

Autor
Francisco Dornelles (PP - Progressistas/RJ)
Nome completo: Francisco Oswaldo Neves Dornelles
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre os aspectos jurídicos relacionados ao equilíbrio federativo que devem ser observados na votação dos projetos que tratam dos royalties do petróleo.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2011 - Página 42510
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, CONSTITUCIONALIDADE, RELAÇÃO, ESTABILIDADE, MEMBROS, FEDERAÇÃO, OBSERVAÇÃO, VOTAÇÃO, PROJETO, ROYALTIES, PETROLEO.
  • COMENTARIO, JURISPRUDENCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REFERENCIA, CONSTITUCIONALIDADE, RELAÇÃO, VOTAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, NECESSIDADE, GARANTIA, MANUTENÇÃO, PACTO, ESTABILIDADE, MEMBROS, FEDERAÇÃO.

            O SR. FRANCISCO DORNELLES (Bloco/PP - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Marta Suplicy, Srªs e Srs. Senadores, eu, ontem, apresentei aqui uma proposta relacionada com a distribuição de royalties e a participação especial.

            Eu gostaria de fazer hoje algumas considerações sobre os aspectos jurídicos relacionados ao equilíbrio federativo que devem ser levados em consideração na votação dos projetos que tratam dos royalties do petróleo. Quero, para isso, trazer para a Câmara o posicionamento de juristas e Ministros do Supremo sobre a matéria.

            O ilustre Sepúlveda Pertence, Relator do Recurso Extraordinário nº 228.800, assim se pronunciou:

(...)a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica [do seu Estado, Senador Paulo Bauer] é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os Municípios onde se situam as minas e as represas.

            Na ocasião em que se discutiu no Supremo a natureza dos royalties instituídos pelo art. 20, §1o, da Constituição, o Ministro Nelson Jobim pronunciou que o disposto no §1o do art. 20 da Constituição foi aprovado em conjunto com a norma contida no art. 155, §2o, X, 'b', também da Constituição, que isenta do ICMS as operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive combustíveis líquidos e gasosos.

            Segundo o Ministro Nelson Jobim, durante o processo constituinte foi decidido tirar a incidência do ICMS do Estado de origem, no que se refere ao petróleo e energia, e, por essa razão, para contrabalançar, decidiu-se também dar aos Estados chamados produtores uma compensação financeira, compensação que ficou consignada no art. 20, §1º, da Constituição.

            Segundo as palavras do Ministro Jobim, proferidas no julgamento a que nos referimos: “Daí porque (é) preciso ler o §1º do art. 20 em combinação com o inciso X do art. 55, ambos da Constituição.”

            A Ministra Ellen Gracie, no julgamento do citado mandado de segurança, manifestou-se da seguinte forma:

(...) Embora os recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais sejam bens da União, a participação ou compensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado na exploração do petróleo (...) é receita originária destes últimos entes federativos.

            O Supremo Tribunal Federal acolheu o voto da Ministra e deferiu por unanimidade o mandado.

            Sobre a importância do equilíbrio federativo, examinado pelo Supremo, afirmou o Ministro Marco Aurélio que a norma constitucional do art. 55, §2º, XII, visa “a evitar a verdadeira autofagia entre os Estados.”

            Já na ADI nº 2.529, disse o Ministro Gilmar Mendes: “(...) se apenas um Estado não acordar com os termos do convênio, ter-se-á por ilegítima a isenção ao benefício concedido”. Ponderando, assim, ser essa “a orientação que predomina na Corte”.

            Na ADI 1.296, o Relator, Ministro Celso de Mello, analisando os convênios entre os Estados, afirmou o seguinte:

O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS.

            A supressão da compensação, art. 20, § 1º, aos entes da Federação onde se localizam as reservas sem criar uma indenização equivalente viola cláusula pétrea da Constituição.

            Assim procedendo, os Estados não produtores estariam, por intermédio da União, fragilizando a capacidade de autogestão e autodeterminação dos Estados produtores, portanto, desequilibrando a Federação, que não pode ser vulnerada, nem mesmo por emenda à Constituição.

            Aqui cabe citar a seguinte ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal:

Mais do que isso, a idéia de Federação - que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones - revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte.

            Assim, suprimir a compensação de que trata o art. 20 sem criar uma indenização equivalente não apenas atinge o princípio federativo, mas também o princípio da isonomia. Isso porque Estados produtores e não produtores seriam tratados igualmente, impondo um tratamento igual a entes desiguais, menosprezando o equilíbrio posto pela Constituição.

            Conforme as palavras do Professor Luís Barroso, ao disciplinar a distribuição de royalties e a tributação do petróleo, o constituinte concebeu um sistema equilibrado, apto a preservar o interesse dos Estados produtores e não produtores. E - com base nesse sistema - atribuiu compensações financeiras aos Estados diretamente afetados pela exploração do petróleo.

            Dessa forma, se nos impõe a conclusão que alterar tal sistema - sem manter o seu equilíbrio original instituído pela Constituição - é incorrer em dupla inconstitucionalidade: por violação da cláusula pétrea da Federação e por afronta ao princípio da isonomia.

            Imaginem, Srªs e Srs. Senadores, apenas por uma hipótese, que, em determinada federação, certo grupo de estados resolva se unir, formando uma maioria, com o objetivo de retirar direitos, já assegurados na própria Constituição, de um ou dois estados que formam uma minoria, configurando uma flagrante ruptura do equilíbrio federativo.

            E se esses direitos disserem respeito à própria sobrevivência financeira desses estados membros? Como poderiam eles continuar honrando seus compromissos?

            Senhoras e senhores, o equilíbrio federativo encontra-se visivelmente ameaçado por um grupo de Estados majoritários que tenta, a todo custo, tirar um direito já consagrado pela Constituição ao Estado do Rio de Janeiro.

            Cabe ao Senado Federal, garantidor do equilíbrio federativo, sobrestar esse movimento.

            O art. 20 da Constituição é muito claro:

É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (...), participação nos resultados da exploração de petróleo ou gás natural (...) e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

            Está, portanto, na Constituição, esse direito, de forma muito cristalina, para que todos possam ver. Mudar isso é ferir de morte a Federação brasileira, é inviabilizar a sobrevivência econômico-financeira do Estado do Rio de Janeiro, é algo aviltante e que esta Casa não pode nem deve permitir.

            Essas eram as palavras que gostaria de dizer no contexto jurídico do problema.

            Gostaria, Srª Presidente, de dizer que a proposta que apresentei e vou defender dará aos Estados e aos Municípios não produtores maior volume de recursos que aquela que até então está sendo apresentada pelo Governo.

            A diferença é a seguinte: na proposta que apresento, Senador Mozarildo, os recursos para os Estados não produtores vêm das petroleiras e do Governo Federal, ao passo que outras propostas que estão sendo apresentadas tiram dos Estados produtores para os Estados não produtores, criando uma verdadeira guerra entre os Estados. A proposta que apresento dá aos Estados e Municípios não produtores recursos cuja origem sejam as petroleiras que não estão pagando imposto no Brasil e o Governo Federal, que está tendo uma arrecadação excessiva.

            Essa é a proposta que vou defender e estou certo, espero que seja aprovada pelo Senado.

            Presidenta Marta Suplicy, peço a V. Exª que o meu pronunciamento, que fui obrigado a resumir, seja publicado na íntegra.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR FRANCISCO DORNELLES.

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            O SR. FRANCISCO DORNELLES (Bloco/PP - RJ. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, gostaria de hoje fazer algumas considerações sobre os aspectos jurídicos relacionados ao equilíbrio federativo que deveriam ser levados em consideração na votação dos projetos que tratam dos royalties do petróleo, trazendo para esta Casa o posicionamento de juristas e ministros do Supremo Tribunal Federal.

            I - A Federação como valor fundamental na Constituição Brasileira

            A Constituição de 5 de outubro de 1988 estatui já no seu artigo inaugural que o Brasil é uma República federativa.

            Por seu turno, o art. 18, caput, da Lei Maior, preceitua que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição.

            E - cabe ressaltar - a Federação exerce papel tão fundamental na conformação político-institucional da Constituição brasileira que é considerada uma das suas cláusulas pétreas, insuscetível de ser afastada até mesmo por emenda à Constituição, conforme está expresso no art. 60, § 4º, I, que consigna que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.

            Neste ponto cabe trazer as palavras de José Afonso da Silva:

            “É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’ (...) A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação (...) basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz o texto), para a sua abolição.

            Assim, p. ex., a autonomia dos Estados federados assenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração. Emenda que retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica tendência a abolir a forma federativa de Estado.”(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, 1989, p.59)

            Sobre o alcance da expressão ‘tendente a abolir’ escreve Ives Gandra da Silva Martins:

            Tenho para mim que a melhor interpretação é aquela pela qual qualquer ‘alteração’ implica abolição do ‘dispositivo’ alterado, o que vale dizer, não só cuidou o legislador supremo em ‘abolição completa’ de qualquer das cláusulas, mas também da abolição parcial por alteração tópica dos referidos privilégios. (Comentários à Constituição do Brasil, Ed. 1995, 4º Volume, Tomo I, p. 355, grifos nossos).

            São as chamadas limitações materiais ao poder de emendar a Constituição, que até a Lei Maior de 1988 restringiam-se à Federação e à República (v.g. Const. de 1891: art. 90, § 4º; Const. de 1946: art. 217, § 6º). Em 1988 a República foi retirada das “cláusulas pétreas” (em razão do plebiscito sobre Monarquia e República) e foram acrescentados o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes; e os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º).

            Note-se, portanto, que a Federação ocupa função tão fundamental em nosso sistema institucional que apenas ela tem permanecido como ‘cláusula pétrea’ da Constituição, desde 1891.

            II - A igualdade, a isonomia e o equilíbrio entre as entidades federadas como princípios básicos da Federação

            A propósito da autonomia político-administrativa dos entes federativos, deve ser esclarecido equívoco muito presente no senso comum: por razões diversas, muitas vezes acredita-se, erroneamente, que há uma hierarquia entre as entidades estatais que compõem a Federação. Assim, os municípios seriam subordinados aos Estados e os Estados seriam subordinados à União.

            Todavia, como bem pontua Adilson Dallari, União, Estados, Municípios e Distrito Federal são iguais em face da Lei Maior, observadas as competências atribuídas a cada um desses entes:

            "Cada uma dessas esferas de governo é produtora do direito; é capaz de produzir leis, e todas essas leis têm a mesma força coercitiva. Quero dizer, assim como o Município está obrigado a cumprir as leis federais e estaduais, também a União e o Estado estão obrigados a cumprir a lei municipal. Se o Governo Federal quiser construir um prédio em S. José do Rio Preto, ele vai ter que observar a legislação urbanística de S. José do Rio Preto. Se um veículo oficial do Governo Federal ou Estadual quiser trafegar nas ruas de qualquer Município, ele vai ter que obedecer à sinalização, à disciplina de tráfego que for estabelecida pelo Município. Enfim, não há relação de hierarquia entre União, Estados e Municípios. Todos são iguais perante a Constituição" (Atribuições do legislativo municipal. Cadernos de Direito Municipal da RDP. v. 45/46, p. 180).

            Desse modo, há uma relação de equivalência (e não de subordinação), entre os entes que compõem a Federação brasileira, entre os quais os Municípios, considerados entidades federadas pela primeira vez pela Lei Maior de 1988.

            Nesse contexto, deve ser feita referência ao princípio da isonomia. Conforme bem esclarece o Prof. Luís Roberto Barroso, o princípio da isonomia permeia todo o texto constitucional brasileiro. Na formulação clássica do princípio, os iguais deverão ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida da sua desigualdade. (Cf. Parecer: “Federalismo, Isonomia e Segurança Jurídica; Inconstitucionalidades das Alterações na Distribuição de Royalties do Petróleo”).

            III - Os ‘royalties’ instituídos pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal, como compensação aos entes da Federação onde se localizam reservas de petróleo, gás natural e outros recursos minerais

            O art. 20, § 1º, da Constituição Federal, dispõe:

            Art. 20. .....................................................................

            ...................................................................................

            § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

            Conforme o normativo em tela, a Constituição assegura aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios (também órgãos da administração direta da União), participação no resultado da exploração (ou compensação financeira por essa exploração) de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.

            Outrossim, a razão para que a Constituição Federal estabeleça a participação no resultado ou compensação financeira aos entes e órgãos estatais que arrola está relacionada ao fato de que a exploração dos recursos naturais em questão é atribuída pela própria Lei Maior à União, conforme o disposto no mesmo art. 20, V, VI e IX. Estes dispositivos estatuem - respectivamente - que os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, o mar territorial e os recursos minerais são bens da União.

            Desse modo, como os Estados e Municípios onde os bens a que se refere o art. 20, § 1º, da Lei Maior se situam (ou com os quais há relação de contiguidade) não podem explorá-los economicamente, embora sofram consequências negativas resultantes da sua exploração e despendam recursos em função dela, foi estatuída a participação desses entes nos resultados econômicos ou correspondente compensação financeira.

            Esse o entendimento da doutrina. Assim, Ives Gandra da Silva Martins leciona, ao tratar do dispositivo magno em questão:

            O artigo tem objetivo desconcentrador. Pretende fortalecer a Federação na medida em que a exploração de um bem que o constituinte outorgou à União, embora situado em Estados em Municípios, inclusive no Distrito Federal, representa perda de patrimônio destes a favor da entidade maior do Estado federativo. (Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 1992, 3º Volume, Tomo I, p. 96/97).

            Nesse sentido também o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, a decisão no Recurso Extraordinário nº 228.800 - Distrito Federal (julgado em 25 de setembro de 2001), Relator o Ministro Sepúlveda Pertence. Na ocasião, o ilustre Ministro assim se pronunciou:

            (...) a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os Municípios onde se situam as minas e as represas. Problemas ambientais - como a remoção da cobertura vegetal do solo, poluição, inundação de extensas áreas, comprometimento da paisagem e que tais -, sociais e econômicos, advindos do crescimento da população e da demanda por serviços públicos.

            Além disso, a concessão de uma lavra e a implantação de um represa inviabilizam o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando Estados e Municípios das vantagens delas decorrentes.

            Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo [Refere-se ao art. 20, § 1º, da CF].

            IV - Os ‘royalties’ instituídos pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal, como compensação pela perda do ICMS

            Cabe também registrar que o Ministro Nelson Jobim (que antes havia participado da elaboração do texto constitucional) em ocasião na qual se discutiu no Supremo Tribunal Federal a natureza dos royalties instituídos pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal (julgamento do mandado de Segurança nº 24.312-1, em 19/02/2003, Relatora a Ministra Ellen Gracie) recordou que o disposto no § 1º do art. 20 da Constituição Federal foi aprovado em conjunto com a norma contida no art. 155, § 2º, X, ‘b’, também da Lei Maior, que isenta do ICMS as operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica.

            Como rememora o Ministro Jobim, durante o processo constituinte foi decidido retirar a incidência do ICMS da origem, no que se refere ao petróleo e derivados e energia elétrica e, por essa razão, para contrabalançar, decidiu-se também dar aos chamados Estados produtores uma compensação financeira, compensação essa que ficou consignada no art. 20, § 1º.

            Segundo as palavras do Ministro Jobim proferidas no Julgamento a que nos referimos aqui:

            - Daí porque (é) preciso ler o § 1º do art. 20 em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição. (Na verdade art. 155, § 2º, X, ‘b’, da CF).

            V - Os ‘royalties’ instituídos pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal, são receita originária dos Estados e Municípios a que são devidos

            Por outro lado, cumpre consignar que os chamados ‘royalties’ do petróleo são receitas originárias dos Estados e Municípios produtores e não da União. Logo, representam renda atribuída pela Constituição a essas entidades federadas, renda sobre a qual a União não pode dispor.

            Esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 24.312-1 (já acima referido), decidiu:

            (...) 2 - Embora os recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais sejam bens da União (CF, art. 20, V e IX), a participação ou compensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado da exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural é receita originária destes últimos entes federativos (CF, art. 20, § 1º). (...)

            No caso julgado, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCRJ) contestava ato do Tribunal de Contas da União (TCU) que autorizara a realização de auditorias nos municípios e Estado do Rio de Janeiro, auditorias essas relativas à aplicação de receitas oriundas da participação prevista no art. 20, § 1º, da Lei Maior, sob o fundamento de que a competência para auditar tais receitas era sua, do TCRJ e não do TCU, pois as receitas não eram orginariamente da União, mas do Estado do Rio de Janeiro e dos Municípios em questão. E o Supremo deferiu o mandado por unanimidade.

            Esclarecedores, no ponto, trechos dos votos dos Ministros Nelson Jobim, Moreira Alves e Marco Aurélio, que aqui reproduzimos:

            Então, Ministra Ellen, estou tentando recompor a questão histórica, com isso, estou entendendo que não é uma receita da União que literalmente está dando, por convênio, ao Estado; é uma receita originária dos Estados, face à compensação financeira da exploração em seu território de um bem, de um produto sobre o qual não incide o ICMS. (Trecho do voto do Ministro Nelson Jobim. Sem ênfase no original)

            Sr. Presidente, não há dúvida alguma de que a eminente Relatora tem razão com referência ao problema da propriedade do minério; mas também não há dúvida de que o texto diz respeito à participação no resultado da exploração. Conseqüentemente, há uma receita do Estado, no caso, daí decorrente. (Trecho do voto do Ministro Moreira Alves. Sem ênfase no original)

            Acompanho Sua Excelência porque estabeleço uma distinção entre o repasse de que cogita o inciso VI do art. 71 da Constituição Federal, a pressupor sempre recurso federal, e o assegurado aos Estados como direito próprio, em termos de participação. Portanto, o numerário pertencente ao Estado, que participa, tem um aporte de recursos, considerado o § 1º do artigo 20 da Constituição Federal. A óptica, sem dúvida alguma, homenageia a autonomia governamental, tão pertinente quando se vive numa federação. Acompanho Sua Excelência para, também, conceder a ordem. (Trecho do voto do Ministro Marco Aurélio. Sem ênfase no original)

            Destarte, os royalties do art. 20, § 1º, da Constituição Federal são contrapartida destinada a garantir o equilíbrio federativo, que restaria desbalanceado se os Estados onde se localizam os recursos minerais em questão (ou a eles contíguos) ficassem apenas com os custos decorrentes da sua exploração

            Por outro lado, a Constituição Federal contém outros casos em que avulta a importância do equilíbrio entre os entes da Federação, especialmente entre os Estados-membros, conforme veremos a seguir.

            VI - A importância do equilíbrio federativo: as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS (art. 155, § 2º, V e XII, g, da CF)

            Para demonstrar como a Constituição Federal procura resguardar o equilíbrio entre as entidades federativas cabe recordar o art. 155, § 2º, XII, g, da Lei Maior, que condiciona a adoção de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS ao prévio assentimento dos Estados.

            Para ilustrar a importância dessa regra de equilíbrio cabe fazer referência às decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal declarando inconstitucional a chamada “guerra fiscal’ e afirmando a imprescindibilidade da concordância de todos os Estados-membros da Federação para que isenções e benefícios fiscais em matéria de ICMS possam ser concedidos.

            Assim, na decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.421 (julgamento em 5-5-2010), o Relator, Ministro Marco Aurélio, consignou que a norma constitucional do art. 155, § 2º, XII, g, visa “a evitar verdadeira autofagia” entre os Estados.

            Já na ADI 2.529, o Ministro Gilmar Mendes, Relator (julgamento em 14-6-2007), destacava que “somente havendo a sua ratificação por todos os Estados e pelo Distrito Federal é que a isenção ou benefício se implementa. Ou seja, se apenas um Estado não acordar com os termos do convênio, ter-se-á por ilegítima a isenção ou o benefício concedido”. Ponderando, ainda, ser essa “a orientação que predomina na Corte”.

            Outrossim, na ADI 1.296 (julgamento em 17-8-1995), o Relator, Ministro Celso de Mello preceituava que os convênios entre os Estados em matéria de ICMS “destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental” (...) E que “o pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS”.

            Outrossim, cumpre também registrar o disposto na alínea b do inciso V do mesmo art. 155, § 2º, que faculta ao Senado Federal fixar alíquotas máximas nas operações internas relativas ao ICMS, para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços dos membros desta Casa.

            Desse modo, como se vê, a Lei Maior requer que a solução para resolver conflito entre os Estados-membros e relativo ao ICMS seja aprovada por dois terços dos Senadores, vale dizer, uma tal resolução deve obter o voto favorável de no mínimo cinqüenta e quatro dos oitenta e um Senadores.

            Temos aqui outra expressiva indicação de que a Lei Maior trata com cautela controvérsia entre os Estados-membros da Federação.

            VII - A importância do equilíbrio federativo: a vedação de retenção de receitas tributárias que a Constituição atribui originariamente aos Estados, Municípios e Distrito Federal (art. 160)

            Devemos também fazer referência à vedação de retenção de receitas tributárias que a Constituição atribui originariamente aos Estados, Municípios e Distrito Federal, como outro ilustrativo exemplo da intenção do legislador constituinte em proteger os recursos por ele atribuídos aos entes federados.

            Essa regra só admite duas exceções: o condicionamento da entrega de recursos ao pagamento dos créditos que a União tenha para receber dos Estados, Municípios ou DF e de recursos que os Estados tenham para receber dos Municípios nele localizados (art. 160, parágrafo único).

            Por conseguinte, qualquer outra espécie de retenção de receita tributária originariamente atribuída pela União aos Estados, Municípios e DF é ilegítima e inconstitucional.

            E a propósito da retenção, que excepcionalmente o parágrafo único do art. 160 da Lei Maior autoriza, cabe registrar que há ilustres constitucionalistas que entendem que ela não se harmoniza com a Lei Maior.

            Nesse sentido, registramos a opinião de Fábio Konder Comparato, para quem não é possível a retenção de que falamos, pois seria expropriação e expropriação pressupõe poder de império, que não existe entre os membros de uma Federação. Para o referido doutrinador a previsão constante do parágrafo único do art. 160 deve ser tida como aberrante da ordem federativa (Cf. “Retenção de Recursos Estaduais pela União”, Revista Trimestral de Direito Público, 24/1998, pp. 88 a 91).

            VIII - A importância do equilíbrio federativo: a imunidade recíproca do art. 150, VI, a, da Constituição Federal

            O art. 150, VI, a, da Constituição Federal, veda à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda, os bens e os serviços, uns dos outros.

            Trata-se da regra básica de imunidade recíproca entre os entes que compõem a Federação e que vem sendo acolhida reiteradamente pelas Constituições do Brasil, desde 1934.

            A propósito da imunidade recíproca o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o instituto decorre da isonomia entre os entes federados, conforme, por exemplo, a seguinte decisão no Agravo de Instrumento 174.808 (julgado pela Segunda Turma, em 1º de julho de 1996, Relator o Ministro Maurício Corrêa):

            "A garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tributos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação são imunes de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios."

            IX - Suprimir a compensação instituída pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal, sem instituir indenização equivalente é violar a cláusula pétrea da Federação e afrontar o princípio da isonomia

            À guisa de conclusão, devemos ponderar que, conforme nos parece, os “Estados não-produtores”, embora sejam maioria, não têm legitimidade constitucional para - por intermédio da União - retirar os royalties dos “Estados produtores” sem estabelecer concomitantemente indenização equivalente, pois a União não pode dispor das referidas receitas, por não serem de sua titularidade, mas da titularidade dos “Estados produtores” (daí receitas originárias), consoante decidiu o legislador constituinte (conforme item V acima).

            Assim procedendo, os Estados não-produtores estariam (por intermédio da União) fragilizando a capacidade de autogestão e auto-administração dos Estados produtores (que são condições para a autonomia política - art. 18, caput, da CF). Estariam, portanto desequilibrando a Federação e - conforme vimos no item I acima - a Federação não pode ser vulnerada, nem mesmo por emenda à Constituição.

            E a propósito da impossibilidade de vulneração da Federação, cabe ainda citar aqui a seguinte ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma) ao julgar o Habeas Corpus 80.511, em 21 de agosto de 2001, Relator o Ministro Celso de Mello:

            "Mais do que isso, a ideia de Federação - que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones - revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)."

            Ademais, a supressão da compensação de que trata o art. 20, § 1º, da Constituição Federal - sem a instituição de indenização equivalente - não apenas atinge o princípio federativo, mas também o princípio da isonomia (v.g. art. 5º da CF). Isso porque tal supressão - com a concomitante adoção de legislação tratando igualmente “Estados produtores” e “não-produtores” estaria impondo um tratamento igual a entes desiguais, menosprezando o equilíbrio posto pela Lei Maior.

            E como bem pondera o Prof. Luís Roberto Barroso, no Parecer já supracitado, tal situação seria drasticamente agravada pela maneira como a Constituição disciplinou a tributação estadual sobre petróleo, pois como visto, no item IV acima o ICMS, nessa hipótese, diferentemente do que se passa com praticamente todas as suas incidências, não é recolhido pelo Estado de origem, mas pelo do destino.

            Assim, se for revertido o equilíbrio estabelecido pelo legislador constituinte, cria-se injustificada discriminação em relação aos “Estados produtores” que, embora sofrendo os impactos específicos da exploração e da produção do petróleo, não receberiam qualquer espécie de contrapartida por esse ônus e nem o ICMS correspondente, em afronta ao princípio federativo.

            Ainda conforme as palavras do Prof. Barroso, ao disciplinar a distribuição de royalties e a tributação do petróleo, o constituinte concebeu um sistema equilibrado, apto a preservar os interesses de Estados produtores e não-produtores. E - com base nesse sistema - atribuiu compensações financeiras aos Estados diretamente afetados pela exploração petrolífera.

            Dessa forma, se nos impõe a conclusão de que alterar tal sistema - sem manter o seu equilíbrio original, instituído pela Constituição Federal - é incorrer em dupla inconstitucionalidade: por violação da cláusula pétrea da Federação e por afronta ao princípio da isonomia.

            Imaginem, apenas por uma hipótese, que, em determinada federação, certo grupo de estados resolva se unir, formando uma maioria, com o objetivo de retirar direitos, já assegurados na própria Constituição, de um ou dois estados que formam uma minoria, configurando uma flagrante ruptura do equilíbrio federativo.

            E se esses direitos disserem respeito à própria sobrevivência financeira desses estados membros minoritários? Como poderiam eles continuar honrando seus compromissos?

            Srªs e Srs. Senadores, o equilíbrio federativo encontra-se visivelmente ameaçado, por um grupo de estados majoritários que tenta, a todo custo, usurpar um direito já consagrado pela Constituição ao Estado do Rio de Janeiro.

            Cabe ao Senado Federal, garantidor do equilíbrio federativo, sobrestar esse movimento.

            O artigo 20, §1º, de nossa Lei Maior é muito claro a esse respeito: “É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (...), participação nos resultados da exploração de petróleo ou gás natural (...) e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

            Está lá, portanto, na Constituição, esse direito, de forma muito cristalina, para que todos possam ver. Mudar isso é ferir de morte a federação brasileira, é inviabilizar a sobrevivência econômico-financeira do Estado do Rio de Janeiro, é algo aviltante e que esta Casa não pode e não deve permitir.

            Eram essas as palavras, portanto, que gostaria de deixar para a reflexão de Vossas Excelências no dia de hoje.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2011 - Página 42510