Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apreensão de S.Exa. acerca do substitutivo apresentado aos projetos de lei que tratam da distribuição dos royalties do petróleo, de autoria do Senador Vital do Rego.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Apreensão de S.Exa. acerca do substitutivo apresentado aos projetos de lei que tratam da distribuição dos royalties do petróleo, de autoria do Senador Vital do Rego.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2011 - Página 42619
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, AUTORIA, SENADOR, NECESSIDADE, REVISÃO, DEBATE, ASSUNTO.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, serei breve, porque amanhã vamos discutir a questão dos royalties, mas não poderia deixar de vir hoje ao plenário extravasar a minha angústia, a minha apreensão, o sofrimento que nesta hora se abate sobre as populações dos Estados produtores diante desse massacre que a maioria ensaia fazer aos direitos adquiridos do povo do Rio e do Espírito Santo.

            Srª Presidente, o relatório hoje apresentado pelo Senador Vital do Rêgo nos causa apreensão. O Senador Vital do Rêgo faz uma distribuição aos Municípios e Estados não produtores, mas preservando os recursos da União. Aliás, preservando não, aumentando os recursos da União e não tirando um centavo sequer do ganho das petroleiras. É impressionante como, nesta Casa da federação, onde nós devemos zelar, acima de tudo, pela nossa união, para que não haja aqui Senadores cuja única alternativa seja se resignarem humilhados e em silêncio pelo massacre da maioria, nós estamos ferindo gravemente o espírito federativo - nós, da Casa da federação.

            Aqui, hoje, esse projeto que foi apresentado tira direitos. O petróleo é da União, mas os royalties são dos Estados produtores. É uma compensação que a Constituição deu a esses Estados e Municípios. E deu por diversas razões: pelo impacto socioeconômico que esses Estados sofrem quando é necessário o trânsito de carretas pesadas que destroem os pavimentos, quando populações chegam até lá em busca de emprego e, até serem atendidas na questão de moradias, de escolas e de postos de saúde, acabam favelizando os Municípios.

            É a questão também do ICMS. Quando se discutiu a Constituição - é bom relembrar isso e nunca é demais relembrarmos isso -, o ICMS tanto da energia do Paraná, como o ICMS do petróleo do Rio de Janeiro não foi cobrado na origem, como é o ICMS de todos os produtos comercializados no País. No caso do petróleo, é no refino; no caso da energia elétrica, é no consumo. Ora, para compensar esses impactos socioeconômicos, ambientais e também a perda do ICMS, foram concedidos a esses Estados e Municípios produtores os royalties. Isso é constitucional.

            Nós, hoje, estamos mexendo não só nisso, como estamos invadindo o passado. Quer dizer, nunca nesta Casa se votou uma lei que tirasse tanto dos direitos adquiridos, que ferisse os contratos, o ato jurídico perfeito e que rasgasse a Constituição.

            Amanhã teremos esse debate, mas eu não dormiria em paz, eu não ia para casa nem poderia descansar se não viesse aqui extravasar a minha emoção.

            O relatório nos foi entregue às 16 horas. Ele é complexo, mas eu e a minha assessoria, após lê-lo, conseguimos fazer uma pequena tabela, que eu gostaria de adiantar à discussão de amanhã;

            Pela regra atual, em relação à participação especial - e a participação especial serão os principais recursos distribuídos de 2020 a 2030, quando a exploração do pré-sal estará no seu apogeu, no seu pico -, a União fica com 50%; os Estados produtores, com 40%; e os Municípios produtores, com 10%. Pois bem, os Estados produtores passarão para 30%, perderão 10%; os Municípios produtores perderão a metade, 5%; os demais Estados, distribuídos pelo Fundo de Participação dos Estados e Municípios, terão 9,5% disso; a União ficará com a grande parte da arrecadação, com quase 50%.

            Ora, quando nós fizemos o marco regulatório do petróleo e tiramos o modo de exploração de concessão para partilha, fizemos isso para evitar que o Brasil caísse na doença holandesa, para que as petroleiras sob contrato de concessão não explorassem os nossos poços de petróleo de maneira predatória, para que o recurso oriundo de uma exploração de petróleo precipitada, afoita, não viesse destruir a nossa indústria pela valorização da nossa moeda; não foi para concentrar recursos na União. Quando se votou aqui o marco regulatório do petróleo, o espírito não era de concentrar recursos na União, até porque a União já é dona do óleo na questão da partilha, já que ela vai negociar esse óleo.

            A principal petroleira - e nós aplaudimos a Petrobras, é a principal empresa do meu Estado - já se capitalizou com 5 bilhões de barris. Desses barris, a União terá, na comercialização deles, os recursos principais. Ela vai fiscalizar isso com a companhia que fundará, a Pré-Sal, de tal maneira que ela, que já tem ganho na comercialização do petróleo, no aumento do preço do Brasil, ainda vai ficar com quase metade da participação especial.

            Pergunto: será que os Senadores, aqueles homens que estão aqui para representar cada um o seu Estado e manter, no espírito da União, a independência das nossas representações, vão concentrar ainda mais?

            Será possível que não existe, nesta Casa, uma consciência do confisco fiscal e da centralização política que, hoje, existe na União?

            Pois bem, o Senador Dornelles apresentou uma proposta que dá aos Estados mais recursos e que fortalece a União, descentraliza recursos. É uma proposta que, amanhã, vamos votar em preferência.

            Eu gostaria que os Senadores já tivessem até adiantado, porque, amanhã, nós vamos fazer, aqui da tribuna, o que o Senador Vital do Rêgo fez hoje, apenas, eu diria, com o espírito cívico e não de uma maneira que beirou, com todo o respeito que eu tenho pelo Senador do bravo Estado do Piauí, um programa de auditório, como bem citou aqui o Ricardo Ferraço, aquela coisa de “quem quer dinheiro?” Você, hoje, recebe um milhão, vai receber cinco milhões; você, hoje, recebe três, vai receber seis, mas vai receber esse dinheiro à custa de um pacto federativo.

            O povo do Brasil não apoia essa atitude dos seus parlamentares. O povo brasileiro não quer construir a sua casa roubando a janela do vizinho, roubando a porta de quem mora do outro lado da rua. O povo brasileiro quer construir a sua casa com seu esforço, com seus direitos, e ninguém quer, aqui, massacrar o direito do Estado do Rio de Janeiro e do Estado do Espírito Santo em benefício próprio.

            É preciso distribuir os recursos da União. É preciso ter ousadia para cobrar das petroleiras aquilo que pagam no exterior e aqui não pagam.

            Eu faço esse apelo, talvez como um João Batista clamando no deserto, mas também faço um alerta: aqui, somos três; no meu Estado, somos 16 milhões. Do Espírito Santo, são três aqui e, no Estado, são cinco milhões. Serão 21 milhões de brasileiros inconformados. Vinte e um milhões de brasileiros desrespeitados por esta Casa, que vai votar sem argumentos, que vai votar no espírito da ambição, num espírito palanqueiro, eleitoreiro, que, certamente, não terá a aprovação de Deus, tampouco dos homens de boa vontade, dos cidadãos brasileiros, que querem ver um País sendo construído com justiça, um País construído de maneira generosa.

            Esse petróleo não era para nos dividir. Esse petróleo era para nos unir, era para resgatar todos nós. Não há diferença entre uma criança pobre do Piauí e uma criança pobre do Rio ou de São Paulo. Todas são brasileiras e devemos, todos nós, respeito a elas.

            O Rio nunca se negou a dividir os recursos do pré-sal. Fizemos um acordo com o Presidente Lula. Abrimos mão. Dividimos para todos. Esse acordo foi celebrado, e todos aplaudiram, mas há aquela coisa de se querer ter os recursos agora, neste momento. Uma pressa. Até entendo. Betinho dizia: “Quem tem fome tem pressa”. Há pessoas, em determinadas regiões do Brasil, que precisam desses recursos, mas nós não construiremos um país melhor massacrando os direitos de outros Estados, que estão perdendo não só aquilo de que abriram mão no futuro, mas também aquilo a que tinham direito no passado.

            Essas coisas nos fazem rever. O Rio de Janeiro tem dado um exemplo ao Brasil: perdeu a capital porque pensou na Pátria. O Rio de Janeiro, enquanto tantos Estados se dividiram, embora sendo pequeno, se uniu, fez uma fusão. O Rio de Janeiro mandou, senhores telespectadores, senhores ouvintes da Rádio Senado, no ano passado, 2010, R$110 bilhões para os cofres da União. O Imposto de Renda das nossas empresas, o Imposto de Renda do nosso povo, com exceção dos funcionários públicos, que ficam no Estado e no Município, todos pagamos Imposto de Renda para a União; o IPI das nossas indústrias, inclusive a Petrobras. E sabe quanto recebemos de volta, em impostos e transferências diretas da União: R$1 bilhão! Em investimentos das estatais: R$5 bilhões!

            O Estado do Piauí, que merece todo o meu respeito, mandou para a União R$600 milhões. Recebeu de volta R$5 bilhões; quase isso, R$4,5 bilhões. Está certo! É isso o que a nossa Constituição diz. Não tem ninguém do Rio que diga: “Puxa vida! Nós mandamos R$100 bilhões, recebemos R$10 bilhões. Perdemos R$90 bilhões todos os anos!”. Não há problema. Nós queremos dividir com o povo brasileiro. “Mas o Piauí manda R$600 milhões e recebe R$5 bilhões?” Pode receber os R$5 bilhões. Não há problema. Vamos ajudá-lo a se desenvolver.

            É preceito fundamental da Constituição diminuir as desigualdades regionais. Temos feito isso por décadas, embora tenhamos favela, muita violência no Rio, tráfico, mas pensamos no Brasil. Agora, no momento em que os Senadores do Piauí devem também pensar no Brasil e não tirar aquilo que o Rio já tem e que é conquistado e dividir daqui para a frente, não pensam.

            E eu pergunto se isso é justo, diante de Deus, diante da consciência dos brasileiros. É justo? O Rio é menos Brasil do que o Piauí? Ou menos Brasil do que o Ceará ou do que qualquer outro Estado?

            Nós somos todos irmãos.

            Amanhã, vamos discutir o marco regulatório do minério de ferro. Minas recebe R$200 milhões e está insatisfeita. O Pará recebe pouco também - Carajás está indo embora. O Pará recebe R$350 milhões. É muito pouco!

            Eu quero saber se nós vamos também adotar os mesmos critérios, dividir os royalties do minério de ferro por todo o Brasil. Será que vamos fazer isso também? Ou vamos usar dois pesos e duas medidas e nos envergonhar a todos diante da Nação, diante da nossa consciência e diante do futuro?

            Eu faço essas ponderações, Srª Presidente, porque amanhã teremos aqui diversos oradores, cada um apresentando os seus argumentos, cada um apresentando os seus números. Mas há princípios, há um espírito federativo.

            Eu até lembro que, quando os Estados Unidos eram apenas 13 províncias, eles lutaram contra os ingleses e se libertaram. Ao final da guerra, 12 províncias estavam quebradas, mas a Filadélfia estava adimplente.

            Alexander Hamilton, o homem que fez o Banco Central, que bolou o Banco Central, um dos federalistas, foi a George Washington e disse: “Presidente, nós precisamos assumir a dívida das províncias que estão quebradas. A guerra exauriu cada uma delas”. Thomas Jefferson foi contra. Era um legalista, era da Filadélfia, e disse: “Mas a Filadélfia está adimplente. A Filadélfia não deve nada. Ela será prejudicada”.

            E aí nós tínhamos um grande estadista, George Washington, o homem que os americanos quiseram fazer rei e não aceitou. Ele disse: “Nós vamos assumir a dívida das províncias porque é preciso ter uma união forte entre nós. Ou, senão, seremos, ao longo do curso da nossa existência, amigos e inimigos, alternadamente, dependendo das nossas porfias, dos nossos interesses, das nossas paixões. E as potências estrangeiras vão investir na nossa desunião. Nós jamais seremos uma grande nação”.

            Ele, então, assumiu a dívida. Mas disse: “A Filadélfia vai ter uma compensação”. “Qual será, Presidente?” “Ela será a sede da capital americana. Perpetuamente, a capital dos Estados Unidos será nesse Estado.” E ele próprio doou a terra onde se construiu a Casa Branca, que está lá até hoje.

            Nós estamos precisando de um George Washington. Nós estamos precisando que a Presidenta Dilma assuma esse papel. Esse foi o clamor hoje do Senador Lindbergh. Não é possível que a Presidenta, a guardiã maior do espírito da Constituição, que teve 70% dos votos do Estado do Rio de Janeiro, que sabe que esta Casa é movida pelos ventos da paixão, não vai tomar a atitude mais importante do seu primeiro termo de Governo para vetar essa lei e dar um fim às ambições tresloucadas de quem vota sem fazer conta.

            Srª Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2011 - Página 42619