O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento primeiramente o Senador Paulo Paim, pela maneira como tem conduzido, mais uma vez, a Comissão de Direitos Humanos, em que assegura o direito de todas aquelas pessoas que, de alguma forma, sentem-se com a dificuldade de terem defendidos os seus direitos.

            E, entre essas observações e anotações que o Senador Paulo Paim mencionou, gostaria de destacar o apelo das famílias vítimas do regime militar, que sugeriram que a TV Cultura - Fundação Padre Anchieta também faça uma entrevista com os familiares das vítimas, dos desaparecidos.

            Mas gostaria hoje, Srª Presidenta Ana Amélia, de falar do Padre Marcelo Rossi, da extraordinária receptividade que ele tem tido na sua pregação. Sou testemunha, algumas vezes tenho comparecido ao Santuário do Terço Bizantino. Ainda neste último domingo, estive lá, na missa que ele costuma rezar às 5 horas e 30 minutos, que é inclusive transmitida pela Rede Globo e pela Rede Vida.

            São milhares de pessoas que, todo domingo, comparecem ao Santuário. No último dia 12 de outubro, no entanto, ele rezou pela primeira vez no novo Santuário do Terço Bizantino, que está perto da Av. das Nações Unidas, a cerca de 500 metros do antigo Santuário, que ali permaneceu por mais de 15 anos.

            Esse novo Santuário é bem maior e está localizado no terreno onde antes estavam as indústrias nucleares brasileiras. Foi uma área reaproveitada para a construção do novo Santuário, que é de uma destacada beleza arquitetônica, fruto do trabalho do arquiteto Raul Ohtake.

            No entanto, está havendo um problema, mas a solução passa pelo Prefeito Gilberto Kassab e pela Subprefeitura de Santo Amaro. O problema se refere justamente àquelas pessoas que trabalham como barraqueiros, como permissionários daquele Santuário e que ali vendem artigos religiosos e lanches nos finais de semana, sempre aos sábados e domingos, quando há as missas e as cerimônias religiosas. Essas pessoas estão bastante preocupadas, já que não sabem onde é que vão continuar a exercer a sua atividade, que normalmente tem sido feita em harmonia com D. Fernando, que é o bispo responsável pela região sul de São Paulo, e com o próprio Padre Marcelo Rossi.

            O Padre Marcelo Rossi tem uma capacidade de diálogo e exposição, sobretudo do Evangelho. Recentemente, em 2010, lançou o livro Ágape, que já vendeu nada menos do que sete milhões de exemplares. A receita desse livro é que contribuiu, em muito, além de outras doações, para a construção desse novo santuário, onde, no dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, na estimativa do Padre Marcelo Rossi e do Bispo D. Fernando, estavam cerca de 70 mil pessoas - havia outras tantas milhares que ficaram do lado de fora -, tal é o respeito e a admiração que os fiéis têm pelo Padre Marcelo Rossi.

            Para dar uma ideia de sua capacidade de pregação e de interpretação do Evangelho, vou ler aqui o capítulo sobre a multiplicação dos pães, uma das passagens mais bonitas - está no capítulo 6 do livro Ágape, segundo o Evangelho de São João, que diz:

1 Depois disso, atravessou Jesus o lago da Galileia (que é o de Tiberíades.) 2 Seguia-o uma grande multidão, porque via os milagres que fazia em beneficio dos enfermos. 3 Jesus subiu a um monte e ali se sentou com seus discípulos. 4 Aproximava-se a Páscoa, festa dos judeus, 5 Jesus levantou os olhos sobre aquela grande multidão que vinha ter com ele e disse a Filipe: “Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?” 6 Falava assim para o experimentar, pois bem sabia o que havia de fazer. 7 Filipe respondeu-lhe: “Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um pedaço”. 8 Um dos seus discípulos, chamado André, irmão de Simão Pedro, disse-lhe: 9 “Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes... mas que é isto para tanta gente?” 10 Disse Jesus: “Fazei-os assentar-se”. Ora, havia naquele lugar muita relva. Sentaram-se aqueles homens em número de uns cinco mil. 11 Jesus tomou os pães e rendeu graças. Em seguida, distribuiu-os às pessoas que estavam sentadas, e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam. 12 Estando eles saciados, disse aos discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca”. 13 Eles os recolheram e, dos pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram, encheram doze cestos.

            Ora, eu aqui vou agora contar a interpretação do Padre Marcelo Rossi do milagre da multiplicação dos pães, para logo acrescentar a interpretação que ouvi do bispo luterano da Namíbia, D. Zephaniah Kameeta, presidente da rede da Namíbia da Renda Básica.

            Diz o Padre Marcelo:

O milagre da multiplicação dos pães está escrito nos quatro Evangelhos e tem uma importância singular para que o povo reconheça o cuidado com as pessoas e a solidariedade do Messias.

Jesus vê a multidão e percebe que as mulheres e os homens estão em busca de um pastor. São exatamente como ovelhas sem pastor. Um povo que não é cuidado. Não há líderes políticos nem religiosos querendo saber dessa multidão que não tem o que comer, não tem para onde ir.

Jesus poderia mandá-los embora. Ele não tinha obrigações materiais com esse povo. Mas Ele não fez isso. Ele cuida. E cuida a partir da realidade do próprio povo. Quer saber o que eles têm. Eles têm cinco pães e dois peixes. Sete ao todo, portanto. Sete representa a totalidade. E, do pouco que têm, todos ficam saciados, porque compartilham. Dividem o pão. Alimentam uns aos outros.

Há uma história rabínica que conta a experiência de um homem que vai visitar o céu e o inferno. Fica impressionado quando percebe que tanto no céu quanto no inferno há fartura de comida. E mais, que não há restrição alguma. Repara ainda que as colheres são imensas, com longos cabos. A diferença é que no inferno todos são muito, muito magros. Raquíticos. E, no céu, todos são saudáveis. O homem fica abismado. Se a comida é a mesma, se não há restrição alguma, onde está a diferença? A diferença está na solidariedade. No inferno, cada um tentava alimentar a si mesmo, e como os cabos das colheres eram imensos, eles derrubavam toda a comida e não conseguiam comer. No céu, ao contrário, um colocava a comida na boca do outro, assim todos se alimentavam.

Ágape é amor e amor em ação. Alimentar o nosso irmão é parte essencial do cristianismo. Vivemos em um mundo em que o egoísmo tomou espaço demais. As pessoas vão se tornando mesquinhas.

No Capítulo V da Carta Encíclica Caritas in veritate, o Sumo Pontífice Bento XVI nos ensina: “Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar. As pobrezas frequentemente nasceram da recusa do amor de Deus, de uma originária e trágica reclusão do homem em si próprio, que pensa que se basta a si mesmo ou então que é só um fato insignificante e passageiro, um ‘estrangeiro’ num universo formado por acaso. O homem aliena-se quando fica sozinho ou se afasta da realidade, quando renuncia a pensar e a crer num Fundamento. A humanidade inteira aliena-se quando se entrega a projetos unicamente humanos, a ideologias e a falsas utopias. A humanidade aparece hoje muito mais interativa do que no passado: esta maior proximidade deve transformar-se em verdadeira comunhão. O desenvolvimento dos povos depende, sobretudo, do reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos outros.”

O Papa nos traz a pobreza como resultado da solidão ou, em outras palavras, do individualismo, do isolamento. Fala de um mundo que se uniu por tantos fenômenos, mas que ainda está separado na fraternidade- A reflexão profética está no conceito de que o desenvolvimento real dos povos depende dessa fraternidade. Ele diz do reconhecimento de que são todos membros de uma só família.

A multiplicação dos pães nos traz a realidade do acolhimento. Todas aquelas mulheres, aqueles homens e crianças faziam parte da família de Jesus e é por isso que ele não poderia mandá-los embora. Ele queria que eles ficassem confortáveis na relva, que se sentissem membros de sua grande família, que fossem alimentados, que fossem tratados com dignidade. E é esse o exemplo que fica para a nossa ação no mundo contemporâneo. Nada de ideologias que excluem a vida ou que defendem falsas utopias. O homem não pode ser coisificado, não pode ser um meio para a construção de um Estado insensível, mesquinho. O homem é imagem e semelhança de Deus. E toda a ação política, cultural, social deve levar em conta o projeto primeiro para o qual fomos criados, para amar e para sermos felizes.

            Pois bem, é muito bela a interpretação que Padre Marcelo Rossi faz da multiplicação dos pães de Jesus. E, relacionado a isso, está o apelo da Srª Marlene Correa Mota, que há 16 anos é ali barraqueira junto ao Santuário do Terço Bizantino e também de todos aqueles que estão lá há muito anos e aguardam a decisão para darem continuidade à sua atividade.

            Por essa razão, ontem, encaminhei ao Ex^mo Sr. Gilberto Kassab, Prefeito da Cidade de São Paulo, o seguinte ofício:

Senhor Prefeito,

Após termos dialogado, por ocasião da bonita comemoração dos 40 anos do Hospital Alberto Einstein, a respeito da possibilidade de se definir uma área onde a Associação dos Permissionários do Terço Bizantino possa continuar a desenvolver suas atividades nas imediações do novo santuário onde o Padre Marcelo Rossi passará a rezar as missas, a partir de 1o de dezembro próximo, conversei neste último domingo tanto com o Padre Marcelo assim com o Presidente da Associação, Ciro Nogueira, e diversos de seus representantes, como a Srª Marlene Correa Mota e outros. Logo após a missa de domingo cedo, Padre Marcelo Rossi me informou que tem toda boa vontade no sentido de que os permissionários possam continuar a ter as suas atividades de vendas de materiais religiosos e lanches nas imediações do Santuário, mas não na área propriamente da realização das cerimônias religiosas, pois isto não seria apropriado. Portanto, resta à Prefeitura Municipal definir a área apropriada.

Por outro lado, a Associação dos Permissionários vem mantendo diálogos com o SubPrefeito, Cel. Ailton Brandão, com a sua assessora técnica, Patrizia Braga, com o Coordenador da Unidade de São Paulo das Indústrias Nucleares Brasileiras, Walter José Gomes Mortagua, e o Cel. Ricardo Jacob, que acompanha os trabalhos da Igreja, para que a definição da área seja breve. É grande a expectativa de aproximadamente 120 famílias que dependem deste trabalho para a sua sobrevivência. Cabe ressaltar que algumas das barracas funcionam ali há 16 anos.

Conforme expresso nas duas correspondências em anexo, uma da Srª. Patrizia Braga, da Subprefeitura de Santo Amaro, de 10 de outubro, e outra do Sr. Valter José Gomes Mortagua, a decisão esta pendente de estudo sobre a caracterização do terreno, se a área não estaria contaminada, assim como da solicitação formal da Prefeitura de São Paulo sobre a desapropriação junto à Comissão Nacional de Energia Nuclear e à INB, fato que ainda não ocorreu.

Desta forma, a Associação dos Permissionários do Terço Bizantino, por seu Presidente Ciro Nogueira e uma comissão formada por aproximadamente seis membros, gostaria muito de poder ser recebida por Vossa Excelência em audiência da qual participariam também o SubPrefeito e sua assessoria, o Coordenador da Unidade de São Paulo da INB e outras autoridades que são importantes para a definição da área da qual dependem aquelas famílias para continuar a sua atividade.

Para que eu também possa participar da audiência, sugiro que esta reunião possa acontecer em seu gabinete na próxima segunda-feira, dia 24 de outubro, após às 17h. Outra alternativa seria a realização no próximo dia 31 de outubro, segunda-feira, após às 16h.

Cordialmente,

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy

            Eu espero que, no espírito da palavra, do sermão de Padre Marcelo Rossi, em seu livro Ágape, que acabo de ler, ele possa - tanto ele quanto o Prefeito - ver a importância de se prover o pão, o peixe, a alimentação, o direito à vida a essas famílias que ali - muitas há 16 anos - estão trabalhando na venda de materiais religiosos e lanches. Eu ali, por exemplo, tomei o café, comi pão de queijo; pode ser uma empada ou algo assim.

            E gostaria, para concluir, de falar de outra interpretação bonita a que assisti, na prática, do milagre da multiplicação dos pães, quando fui visitar, na Namíbia, na Vila de Otjivero, a experiência pioneira da renda básica de cidadania. Os mil habitantes daquela pobre vila rural, muito pobre, passaram a receber US$100,00 da Namíbia, por mês, em função do esforço da Coalizão de Renda Básica da Namíbia, que é presidida pelo Bispo Zephaniah Kameeta.

            Eu fui ali visitar e verifiquei, com meus próprios olhos, aquelas mil pessoas, que me receberam com tanta alegria quando lhes relatei que, no Brasil, o Congresso Nacional havia aprovado uma lei para instituir a renda básica de cidadania.

            E eis que o Bispo Zephaniah Kameeta também assim interpretou, na Universidade Técnica de Munique, quando para quase mil pessoas relatou que a experiência da renda básica da cidadania ali em Otjivero fez-nos compreender melhor o milagre da multiplicação dos pães, porque quando Jesus, instado por seus discípulos, avisado de que a multidão estava com fome e cansada, falou: “Dai-lhes de comer”. Mas Jesus não falou: “Você necessita muito, parece que precisa bastante; você não; você fica aqui nesse lugar, na fila; você, não”. Ele simplesmente disse, conforme acabo de ler: “Dai os pães e os peixes que existem para todos”. Então, houve como que uma transformação no sentimento das pessoas e cada um passou a dar de si aquilo que tinha. Justamente o que Padre Marcelo Rossi aqui qualifica como o sentimento da solidariedade entre todos.

            E como passou a ter uma modesta demanda por bens e serviços naquela comunidade que eu fui visitar. Então, algumas famílias começaram a produzir, em torno de sua casa, legumes, frutas e verduras. Outras passaram a produzir o pão. Outras passaram a produzir tijolos. E outras passaram a produzir roupas, costurando etc. E a presença das 350 crianças na escola, que estavam com 40% de abandono escolar antes da instituição da renda básica, após a experiência, passou a zero. A taxa de criminalidade diminuiu 42% e passou a ter maior empreendedorismo, maior nível de atividade, maior nível de emprego para todos. Portanto, eis uma outra interpretação tão bela do milagre da multiplicação dos pães.

            Eu espero que, em consonância com esse espírito, o Prefeito Gilberto Kassab possa atender à reivindicação daqueles que ali, há muitos anos, estão trabalhando na atividade de vender materiais religiosos e lanches, para também continuar a fazê-lo no tão belo, novo Santuário do Terço Bizantino.

            Muito obrigado, Srª Presidenta Ana Amélia.