Pronunciamento de José Sarney em 20/10/2011
Discurso durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Motivos da instalação, ontem, da Comissão de Juristas criada para elaborar o Anteprojeto de Código Penal.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CODIGO PENAL.:
- Motivos da instalação, ontem, da Comissão de Juristas criada para elaborar o Anteprojeto de Código Penal.
- Aparteantes
- Aloysio Nunes Ferreira, Ana Amélia, Lobão Filho, Mozarildo Cavalcanti, Pedro Simon, Reditario Cassol, Sergio Souza, Vanessa Grazziotin, Wilson Santiago.
- Publicação
- Publicação no DSF de 21/10/2011 - Página 43245
- Assunto
- Outros > CODIGO PENAL.
- Indexação
-
- JUSTIFICAÇÃO, INSTALAÇÃO, SENADO, COMISSÃO, PARTICIPAÇÃO, JURISTA, PERITO CRIMINAL, TAREFA, ELABORAÇÃO, ANTEPROJETO, CODIGO PENAL, OBJETIVO, MODERNIZAÇÃO, CODIGO.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) -- Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, ontem à noite, umas 11 horas, quando eu presidia à sessão, eu me perguntei a mim mesmo por quê, na minha idade, depois de tanto tempo, eu ali estava, debaixo de tensões, emoções, mas procurando cumprir com o meu dever. Então, a minha reflexão foi uma só: a de que a paixão pela vida pública é mais forte do que a paixão da vida.
E hoje, eu também estou ocupando este tribuna como se fosse um jovem Deputado, um jovem Senador, que aqui estivesse chegando, para falar de um problema que é realmente uma preocupação para todos os brasileiros, talvez uma chaga na nossa sociedade: é o problema da violência e, sem dúvida alguma, da impunidade.
Pensando nesse problema, instalei há três dias uma comissão de eminentes juristas e criminalistas do nosso País para organizar um anteprojeto do Código Penal Brasileiro. Essa é uma experiência que tenho tido e que está dando certo. As comissões que constituí do Código de Processo Penal, do Código de Processo Civil, do Código do Consumidor estão fazendo uma atualização da nossa legislação, procurando modernizá-la e ao mesmo tempo adaptá-la ao nosso tempo.
Essa comissão do Código Penal, tenho que declarar, seria uma injustiça não fazê-lo, ela também me foi sugerida pelo Senador Pedro Taques, que aqui apresentou até uma resolução nesse sentido.
Instalei a comissão sob a presidência do Ministro Gilson Dipp, que é um reconhecido criminalista e um homem que tem prestado muitos serviços à Justiça brasileira. Ao mesmo tempo, procuramos reunir nesta comissão advogados, magistrados, membros do Ministério Público para que a comissão pudesse, dentro de um prazo determinado, alcançar o objetivo que o Senado deseja e que todos nós desejamos, objetivo que já foi conseguido nas outras comissões que nós instalamos nesta Casa.
A verdade é que o atual Código Penal foi fruto do Decreto 2.848, ainda de 1940. Portanto, temos aí mais de setenta anos que ele foi modificado por inúmeras leis. Foram feitas várias tentativas para reformar o Código Penal, que não chegaram a nenhuma conclusão; quero lembrar, dentre elas, da chamada Comissão do Ministro Cernicchiaro, que fez um excelente trabalho, mas que também se perdeu.
Para que se tenha noção do pandemônio, podemos dizer assim, que temos em matéria de Direito Penal no Brasil, temos 117 Leis Penais em vigor no País. Essas 117 Leis têm 1.757 crimes e contravenções ali qualificadas. Ora, meu Deus, com 117 Leis Penais e com 1.757 tipos de crimes, vamos verificar o que pode ocorrer dentro do universo dessa natureza. Talvez aconteça aquilo que Montesquieu dizia: “Muitas leis, nenhuma lei.”
O atual Código Penal, com a mudança do tempo e com as estruturas tecnológicas que temos atualmente, sofreu, como eu disse, muitas modificações. Seria desejável eliminarmos essas leis especiais, mas nem sempre será possível. Temos como primeiro problema, no Brasil, nessa área, a desproporcionalidade das cominações penais, tendo em vista o acúmulo de tantas reformas parciais e a criação de tantos instrumentos que aí foram colocados para a tentativa de punição em casos de delinqüência.
Os números de violência no Brasil são profundamente alarmantes. Calculem que, com 3% da população mundial, o Brasil tem 12% dos homicídios do mundo. Esse é um número que hoje todos nós, quase que a sociedade aceita como uma rotina de repetição de números, mas, se pensarmos realmente no que isso representa, vamos ficar com uma sensação terrível contra o que ocorre em nosso País nesta área.
O Mapa da Violência de 2011, organizado sob o patrocínio do Ministério da Justiça, mas que utiliza o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, diz que, em 2008, foram assassinados no Brasil 50.113 pessoas. Vamos pensar o que significam esses números. Em uma média, são 26 assassinatos por 100 mil habitantes. A taxa entre jovens de 15 a 24 anos é de 85,2 assassinatos por 100 mil habitantes. Verificamos que os jovens estão sendo mortos e também estão matando.
São problemas de extrema gravidade. São números que, para mim, foram chocantes, quando comecei a ler esses números disponíveis e publicados ultimamente. Eu, que sou um homem tranquilo, um pacifista, um homem que não tem nenhuma vocação para qualquer forma de violência, nem mesmo de um tratamento mais duro, fiquei realmente muito chocado.
E quero dizer que se nós pensarmos que essas 50 mil pessoas assassinadas, que esse número pode vir a ser, em um ano, igual ao de todas essas guerras somadas e que atualmente se publicam nos jornais!
Agora, pensemos o que significa isso. São 50 mil famílias que vivem em uma dor profunda, quando perdem, por meio da violência, um membro da sua família. Pensemos no horror, no trauma que isso causa, na impotência que as pessoas sentem diante do vazio provocado. São mães, irmãs, parentes. São destinos que são destroçados. E nós enfrentamos isso como se fosse uma rotina, uma normalidade que não choca a ninguém mais.
Há poucos dias, a televisão francesa divulgou que, na cidade de Marselha foram assassinadas 50 pessoas durante dois anos. Foi um choque profundo no País, foi criado um grupo de trabalho especial, uma força tarefa para examinar aquele absurdo que significava para a França que, na cidade de Marselha, em 2 anos, tivessem 50 assassinatos. Pois bem, não podemos sequer repetir, mas 50 assassinatos duas cidades brasileiras, se as somarmos, praticam a cada fim de semana.
As causas da violência são muito estudadas e estão relacionadas ao crime organizado, à marginalização de grande parte da sociedade de benefícios sociais. E aí se estabelecem tantas teorias que eu não vou aqui incluir para não tornar longo nem monótono o meu discurso -- vou pedir a V. Exª que depois o publique na íntegra.
Mas eu quero depois tratar de um assunto que acho que está no cerne do problema dos assassinatos no Brasil. E o faço porque, durante o tempo dos militares, se fez uma lei que foi chamada Lei Fleury. O que era essa lei? Até então, no Brasil, como na maior parte do mundo inteiro, todos aqueles que eram acusados de crime de assassinato tinham que se defender presos. Era assim no Brasil. Pois bem. O delegado Fleury, que era um delegado conhecido pela sua violência e que tinha cometido, era acusado de cometer muitas atrocidades, teve uma conjugação unânime de pessoas, não só de pessoas, como de segmentos da sociedade, contra ele. E, assim, estabeleceram alguns processos, e ele estava obrigado, porque era acusado também de assassinatos, a ser preso, ficar preso e só ser solto depois que ele tivesse todo o processo no seu julgamento. Então, foi baixado, naquela época, um decreto-lei extinguindo que a pessoa que matasse outra pessoa se defendesse presa. Ela passou a poder se defender solta. Foi chamada Lei Fleury. Confesso que fiquei, naquela época, revoltado contra aquilo. Tentei, através de projeto, acabar com essa chamada Lei Fleury e voltar à prática e àquilo que é certo no Brasil inteiro, de que todo assassino tem que se defender preso.
Mas, vem a Constituição de 1988 e consagra o princípio -- princípio que é salutar em grande parte ou em toda parte, de que só se pode punir aquele cuja condenação for provada; que não se pode prender senão depois de transitado em julgado. O que ocorre é que isso envolveu, sem que se pudesse relativizar, também os assassinos. E eles passaram, a partir daquele tempo, a matar no Brasil, à vontade, e, no dia seguinte, nós passamos a ter a oportunidade de ver essas pessoas na rua, as famílias olhando aqueles que foram os responsáveis pela sua dor a andar livremente dentro da sociedade.
Ora, sem dúvida, isso banaliza o crime de homicídio, ele é considerado um crime como um outro qualquer, quando na realidade esse crime é o mais grave que pode ter a humanidade, que é tirar a vida de uma pessoa, que é tirar o destino de uma pessoa.
Então, esses números que vejo que nós temos no Brasil em matéria de homicídios em grande parte são devidos a esse fato. Por que eles passaram a crescer. Certamente porque na realidade aquele que comete crime de homicídio, no dia seguinte está na rua, como nós estamos vendo diariamente, a televisão nos mostra, os jornais nos dizem, o nosso testemunho pessoal também nos afirma, que os criminosos são imediatamente soltos. Outro dia nós tivemos oportunidade de ver na televisão: o sujeito é condenado a 30 anos e aí o sujeito sai para se defender, ainda com muitos e muitos recursos, solto, como se não tivesse nada com ele. A família que assistiu a esse julgamento certamente está banhada em lágrimas, mas ele vai embora como se não tivesse nada e a sociedade aceitando como uma coisa admissível.
Então, eu quero colocar este problema como se fosse um jovem deputado que está defendendo uma causa, mas que eu me sinto no dever de dizer o quanto isto me choca. E, com a minha experiência de vida pública, eu quero apontar para a reflexão do País que isso é responsável, em grande parte, pelos números que nós temos hoje nas estatísticas de crime no Brasil.
Isso está na base da violência, e, quando se fala em impunidade, nós devemos colocar em primeiro lugar que a nossa Lei Penal coloca isto dentro da sociedade brasileira.
Não estou falando isto agora, estou falando desde o tempo da Lei Fleury, falei desde o tempo da Constituição para que isso não pudesse ser feito e tenho permanentemente condenado isto que existe na Legislação Penal Brasileira.
E espero que agora, com essas reformas que nós estamos fazendo aqui, possamos rever e mostrar para todos aqueles que cometem crimes que não é com esta banalidade que atualmente existe que nós vamos tolerá-las.
Ouço o aparte de V. Exª, Senador Mozarildo.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Sarney, é até uma ousadia fazer um aparte a V. Exª, que, para mim, é uma das figuras de estadistas que podem ser lembradas não só no Brasil como também em muitos países do mundo. V. Exª, como Presidente do Senado, poderia adotar uma postura, como se diz, protocolar, de ficar só presidindo, comandando e V. Exª tem tido uma postura proativa, uma postura realmente de preocupação, de fazer com que o País realmente se modernize. Há o exemplo da comissão que reviu o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Eleitoral, agora o Código Penal e por que não lembrar aqui também a questão do rito das medidas provisórias, que visa realmente dar adequada tramitação às medidas provisórias. E eu quero aqui também dar um testemunho, como ex-Constituinte, da postura de V. Exª como Presidente, que não só incentivou, como também apoiou todas as medidas no sentido de modernizar nossa legislação. Quero, portanto, cumprimentá-lo e dar-lhe os parabéns, porque realmente V. Exª não se tem limitado só a ter a postura de Presidente, mas, muito mais, a postura de um estadista que quer ver este País cada vez melhor. Parabéns, portanto!
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado a V. Exª.
O Sr. Reditario Cassol (Bloco/PP - RO) - Um aparte, Sr. Presidente, um pequeno aparte!
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Ouço V. Exª.
O Sr. Reditario Cassol (Bloco/PP - RO) - Cumpre-me o dever de parabenizar V. Exª, Sr. Presidente. É muito importante. Quando ouvi o seu discurso, quando cheguei ao meu gabinete, recém-chegado do Ministério, fiquei alegre. Meus parabéns! Que Deus o abençoe! E nós vamos contar com o apoio de todos. Meus parabéns pela sua iniciativa de organizar a comissão. Meus parabéns!
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado a V. Exª, muito obrigado também ao Senador Mozarildo, mas o que eu procuro, apenas, é ser um Senador que possa imitar Senadores como V. Exª, que aqui sempre está presente, discutindo todos os problemas.
Eu queria, também, na oportunidade, não só ser Presidente da Casa como ser um Senador igual a todos, como sou, discutindo também esses problemas. Confesso que eu ainda não consegui abandonar-me, quer dizer, livrar-me dessa paixão pela vida pública, na qual alguns problemas ainda me fazer achar que a minha voz, a minha presença, a minha denúncia possa ter alguma repercussão.
Acho que estou tratando de um problema que é realmente um problema gravíssimo nesse país, cujos números que estamos vendo são números terríveis. Quando olhamos o Brasil tendo 12% dos assassinatos cometidos no mundo inteiro, por exemplo, o Chile, que aqui está do nosso lado, já tem números iguais a números internacionais que a ONU julga que a sociedade possa suportar, são dois assassinatos por cada cem mil habitantes. E, por outro lado, vemos como esse problema está atingindo nossa juventude.
Também creio - e aqui temos alguns senadores, como o Senador Pedro Simon que é um grande criminalista também - que em nenhum país do mundo se pode acreditar que uma sentença penal, para ser efetivada, deva passar por quatro instâncias. Trata-se de, sem dúvida alguma, uma aberração da legislação brasileira.
Para dar um exemplo, que todo mundo assistiu no Brasil, basta ver o exemplo daquele jornalista que matou uma jornalista também e que levou 11 anos aí como se não tivesse acontecido absolutamente nada.
Para completar esse quadro de alergia crônica, nossa jurisprudência tem sido muito restritiva na compreensão dos requisitos que autorizam a prisão preventiva. E, desse modo, é uma válvula de escape que temos para todos aqueles que estão envolvidos nessa parte.
Estou focalizando apenas o problema dos homicídios no Brasil. E o problema da impunidade? Se a gente puder acompanhar seus passos, ele começa com um inquérito policial. Nessas estatísticas que li do SIM, diz que há uma falha na ordem de 20% desses inquéritos. Numa segunda etapa, diz ele: os números de homicídios notificados pela Secretaria de Segurança Estadual ao Ministério da Justiça, os casos que chegam à polícia são menores em mais 20%. Em seguida, segundo o pesquisador Sergio Adorno, que examinou esses números, entre 20% e 40% dos casos de assassinato levados às delegacias paulistas não se tornam objeto sequer de inquérito, para citar uma cidade. E podemos extrapolar esses números não só para São Paulo, mas para todo o Brasil. Eu acho bem provável que os números de alguns lugares sejam piores do que esses números de São Paulo que ele aponta.
Desses inquéritos -- e já são poucos os abertos em caso de homicídio -- 80% são arquivados nacionalmente. No Rio de Janeiro, segundo estatística publicada recentemente, 96% desses inquéritos também são arquivados. Então, temos, desse número reduzido de casos que chegam à denúncia, muitos que não levam a nenhuma condenação, pela notória falência dos nossos métodos -- que ainda são frágeis -- de polícia científica. No Rio de Janeiro, em números absolutos, entre abril e julho de 2011, de um estoque de 47.177 inquéritos, foram feitas 16.580 diligências e somente apresentadas 219 denúncias. Quer dizer, nós partimos de um número de 47.177 inquéritos para 219 denúncias.
Vejamos ao que nos levam essas contas. Para cada cem homicídios, oitenta são contados, vinte não são contados; cinquenta são objetos de inquérito e dez recebem denúncia. Isto é, 90% dos autores de homicídio não são sujeitos à denúncia. Ficam soltos para matar novamente, sem nenhuma punição. Dos dez que são denunciados, a regra é aguardar em liberdade a sua condenação.
E esse é o ponto nevrálgico do meu pronunciamento nesta tarde. É que nós não podemos mais nos conformar, repito, com essa coisa que a legislação brasileira introduziu de que criminoso de morte pode se defender livre. A medida cautelar é, conforme a jurisprudência, a exceção. Temos, portanto, o cotidiano da vítima indireta, das famílias das vítimas, de saber que o assassino do seu familiar, do seu pai, às vezes, da sua mãe, do seu filho, o assassino deles está solto. Muitas vezes é ainda pior, pois o assassino não se esconde, mostra-se ostensivamente, ameaça, constrange e às vezes até humilha a família da sua vítima. Não podemos nem qualificar a gravidade dessa tragédia nacional.
Gilberto Amado quando tinha uma coisa difícil de fazer, às vezes era um simples agradecimento, ele dizia: Não tenho palavras. É o caso que nós temos com essa tragédia nacional. Nós não temos palavras. Ela estimula a justiça pelas próprias mãos, um efeito correlato que estimula a quadrilha de justiceiros, e reflete a mais grave ausência do Estado, que, na expressão de Hobbes, tinha como causa principal enfrentar “o medo da morte”.
E o que acontece em outros países? Vamos ver. A garantia da presunção de inocência e a restrição à prisão sem autorização judicial são universalmente reconhecidas, mas a velocidade, a eficiência com que a polícia investiga, o acompanhamento direto do processo pelo Judiciário, a agilidade do processo penal e a severidade da aplicação de penas resultam em que a regra é que a expectativa do homicida é de ser preso e passar considerável tempo na prisão. Isso é o que ocorre em outros países, que estou citando.
O indiciamento de um homicida na Europa pode se dar numa questão de dias, o processo penal levas meses e o seu resultado quase sempre é uma condenação severa, porque esse crime é o maior de todos os crimes e não agride somente a família que foi atingida, mas toda sociedade.
Isso ocorre em outros países, onde, com exceção da América Latina, existe a prisão perpétua. Onde não existe pena de morte, o que ocorre raramente, existe prisão perpétua, com uma expectativa de prisão firme, isto é, aquela que não goza de punição da defesa aberta e da liberdade condicional, de trinta anos. Entre nós, esta é a pena máxima, que pode ser reduzida e na qual somente uma fração dela é efetivamente cumprida.
O resultado é que a taxa de homicídios por cem mil habitantes, que, no Brasil, é maior que 26 e que, se fosse corrigida pelas não notificações, chegaria a 34, nos países desenvolvidos, como eu já disse, é inferior a dois homicídios por cem mil habitantes. Chama atenção que um país da América Latina tenha uma taxa desse nível: o Chile. Coincidentemente, o Chile tem prisão perpétua.
Sei que as modernas tendências do sistema penal são no sentido do abrandamento das penas, da substituição das penas privativas de liberdade por penas alternativas como prestação de serviços comunitários e como pagamento de multas, mas creio que isso não se pode aplicar ao homicídio, o mais grave, repito, de todos os crimes. Estejamos, portanto, atentos ao exemplo dos outros países e sejamos mais severos na punição dos criminosos.
Ouço o Senador Pedro Simon com muita honra.
O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Eu felicito muito V. Exª. Eu acho que, saindo da Presidência para ocupar a tribuna para um assunto desse significado, V. Exª dá à matéria a importância que ela merece. Eu creio, nobre Presidente, e venho falando disto várias vezes, que o grande problema do Brasil se chama realmente impunidade. É o problema de não julgar, nem se é certo nem se é errado. O Presidente do Supremo Tribunal mandou a V. Exª uma proposta que eu acho da maior profundidade e do maior significado. Eu acho que, se nós verificarmos - e V. Exª faz uma análise da maior importância entre a Europa, os Estados Unidos e o Brasil - o processo penal lá e aqui, nós vamos ver uma questão: lá há tantos recursos como aqui. Lá, também, o cidadão que é condenado pelo juiz recorre; se condenado por uma junta do tribunal, recorre para o pleno; se é condenado, recorre para um tribunal superior. Lá também, como aqui, no Brasil. A diferença entre lá e aqui é que aqui, no Brasil, se o cidadão é condenado pelo juiz, ele recorre; se a junta do tribunal estadual condena-o de novo, ele recorre; se o pleno condena-o de novo, ele recorre; se vem para um tribunal superior, que o condena de novo, ele recorre; se vai para o pleno do tribunal superior, que o condena de novo, ele recorre! Então, no Brasil, Sr. Presidente, não tem nem advogado de defesa. Nenhum grande criminoso, ninguém que seja pega um advogado para se defender; pega um advogado para empurrar para que caia, quer dizer, o problema é conseguir a prescrição. Então, os réus são condenados uma, duas, três, dez, vinte, trinta vezes, mas, no meio, o negócio pega a prescrição. Na Europa e nos Estados Unidos é como aqui: o cara recorre tantas vezes como aqui, com uma diferença. Se é condenado pelo juiz, ele recorre; se é condenado por um juizado superior, com mais de um juiz, ele recorre, mas vai para a cadeia. Ele recorre preso! O processo pode levar tanto tempo quanto se queira, mas ele responde preso. Então, lá, o cidadão que está sendo processado pega um advogado para absolvê-lo ou, então, para que seja julgado de uma vez, para resolver! Ele não vai querer ficar doze anos preso, recorrendo, recorrendo. Esse é o grande mal do Brasil. Eu acho, ilustre Presidente Sarney, com a importância do discurso de V. Exª e com a repercussão que o discurso que V. Exª vai ter, com esses números que V. Exª está acrescentando... Para muito pouca gente para pensar, para muito pouca gente para analisar! E V. Exª tem os números dos crimes que acontecem e o número de pessoas que sequer são processadas, sem falar nas que são condenadas - é um número desse tamanho! Mas, na maioria dos crimes em São Paulo, o grande percentual não vai adiante, a Polícia nem começa a investigação. Então, eu acho que, se V. Exª, com a autoridade que V. Exª tem, conseguir um diálogo com o Supremo Tribunal, que é a proposta apresentada pelo próprio Presidente do Supremo, e se nós pudermos debater essa matéria, V. Exª estará prestando o melhor serviço que qualquer outro tenha feito na Presidência do Senado Federal! Felicito V. Exª. Acho o assunto da maior importância e acho que V. Exª, ao vir para a tribuna e apresentar essa questão, está dando a importância e o significado que merece. Meus melhores cumprimentos a V. Exª.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. V. Exª, além de um grande político, um grande Senador, V. Exª tem uma autoridade ainda que se agrega a essas outras qualidades. V. Exª é um grande criminalista. Tenho conhecimento, o Rio Grande todo tem na memória a grande participação de V. Exª na defesa de alguns crimes que no Rio Grande ocorreram. V. Exª é o grande orador dos júris do Rio Grande, ainda hoje lembrado por toda aquela população, como tenho ouvido esse depoimento.
E V. Exª fixa muito bem quando diz que na Europa também nós fazemos os mesmos procedimentos, mas que, na Europa, V. Exª bem fixou e é esse o meu ponto, é que o criminoso ele se defende, mas se defende preso, não pode se defender solto. O criminoso, o homicida não pode se defender, e era assim no Brasil. Acabou com a Lei Fleury.
O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - É verdade.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - E, depois, a nossa Constituição de 88, contra a minha vontade, falei muitas vezes isto, ela manteve esse princípio adotado pela Lei Fleury, num tempo de exceção, para favorecer um homem que estava marcado pelas atrocidades que tinha cometido. E continuou a prática, mas continuou com grande dano para a sociedade brasileira.
E o que quero denunciar, uma única mensagem, é que o crescimento dos homicídios no Brasil se deve, em grande parte, a esse fato de o criminoso de morte poder defender-se solto. Nós nos preocupamos muito com os criminosos presos. Devemos nos preocupar. Não podemos ver isso que ocorre nas prisões, que são essas universidades de crime que lá estão. Mas não se pode trazer a Lei de Execuções Penais para que elas justifiquem no sistema penitenciário brasileiro essa impunidade que nós todos presenciamos.
E é essa mensagem que eu queria deixar. E V. Exª fixou muito bem o ponto central que devemos fazer.
Olhemos as vítimas hoje no Brasil. Quer dizer, nós não ligamos mais para elas. Olhamos, toda a legislação é para proteger o criminoso, mas, para proteger a vítima, os familiares da vítima, não existe. Eu apresentei um projeto aqui criando um fundo de proteção às vítimas e também outras medidas de proteção às famílias das vítimas. Infelizmente, está na Câmara dos Deputados, e, pelo que eu soube outro dia, pelo que me disseram, o parecer é pela inconstitucionalidade do projeto de proteção às vítimas, o que também me estarreceu. Mas eu já estou numa idade em que, só quando as coisas me chocam profundamente -- e eu acho que a minha posição pode ajudar um pouco o País --, eu me disponho a realmente interferir no debate e aqui estou como se fosse um jovem Deputado, um jovem Senador que estivesse levantando um problema que fosse sério para o nosso País.
É essa a mensagem que eu queria deixar perante a Casa e perante o povo brasileiro.
Eu pediria aos Senadores que ainda desejam me apartear que não o fizessem. Eu lamento muito, porque são grandes figuras desta Casa, mas eu acabo de receber um bilhete informando que o Presidente da Câmara dos Deputados está no meu gabinete à minha espera e eu não queria também fazê-lo esperar, porque já que…
O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Deixe-o esperar.
A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Convido-o para vir aqui. Nós o convidamos para vir ao plenário.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Eu, então, peço ao Deputado Marco Maia que tenha a compreensão de esperar mais cinco minutos.
Vou ouvir a Senadora Ana Amélia, o Senador Aloysio Nunes, a Senadora Vanessa Grazziotin e o Senador Sérgio Souza.
A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Ele entenderá perfeitamente, Sr. Presidente Senador José Sarney, pela relevância deste tema. Nada mais assusta a sociedade brasileira do que isso. Os exemplos e os fatos reais falam muito alto. Agora, V. Exª lembrou-se da impunidade. O jornalista Pimenta Neves assassinou, com requinte de covardia, a namorada e ficou onze anos solto. Só agora o Supremo Tribunal Federal manda prendê-lo para ficar em reclusão por quinze anos. São esses exemplos, são essas atitudes que fazem a descrença da sociedade. Ontem, uma pesquisa publicada pela CNI-Ibope a respeito da percepção da sociedade sobre o Código Penal revelou que 46% dos brasileiros pesquisados defendem a pena de morte e 51%, a prisão perpétua. Isso dá a medida da situação de angústia, de temor, de perplexidade. A sociedade se sente refém dessa criminalidade, porque matar hoje no Brasil não tem consequências. Não tem consequências! E é isso que aumenta a criminalidade. Para terminar, Presidente, um advogado famoso de São Paulo, Dr. Roberto Podval, deu uma entrevista à revista Veja, nas Páginas Amarelas, comparando as prisões brasileiras a zoológicos. De fato o são. E nós costumamos usar alguns exemplos de outros países em vários setores. Um deles é a medicina de Cuba ou mesmo o sistema educacional. Eu tive a oportunidade de visitar a penitenciária em Havana com o então Ministro da Justiça Paulo Brossard. E lá, durante dois dias, visitamos a cadeia penitenciária. Vou lhe dizer que seria uma boa coisa se o Brasil copiasse o sistema cubano ou adaptasse aquele modelo. Lá os apenados, com o seu trabalho, respondem por 85% do custeio da penitenciária, que funciona, nas dependências que eu visitei, como um verdadeiro internato. Lembrei-me de quando era interna, em Lagoa Vermelha: as caminhas arrumadas. Não sei se aquilo era apenas para a visita de estrangeiros, mas, de qualquer maneira, havia um regime disciplinar e pavilhões muito bem montados em que o trabalho, além de uma terapia para os presidiários, era uma forma de custeio da própria prisão. Oitenta e cinco por cento eram custeados. E o salário que recebiam era distribuído às famílias dos apenados. Penso que poderíamos mirar o exemplo cubano nesse aspecto do trato dado aos apenados. V. Exª levanta, como disse o Senador Pedro Simon, um tema crucial para a sociedade brasileira, muito, muito importante. Cumprimento V. Exª por trazer esse tema à tona.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado pela solidariedade de V. Exª, Senadora Ana Amélia, que é uma voz, nesta Casa, sempre ouvida e respeitada.
Agora nós devemos começar. Primeiro nós temos que realmente dar uma solução para o sistema penitenciário brasileiro, mas isso não pode justificar que se mantenha esse princípio de o homicida defender-se solto.
Ouço com muito prazer o Senador Aloysio Nunes.
O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Sr. Presidente, V. Exª preside muito bem as sessões desta Casa, mas sempre que se dirige de sua cadeira para a tribuna o Senado vive um bom momento. E hoje não é diferente. Esta tarde não é diferente das outras. V. Exª aborda com extrema pertinência as preocupações dos brasileiros em relação a esse tema da impunidade, especialmente em relação aos crimes gravíssimos e ao mais grave de todos, que é o homicídio. O valor do pronunciamento de V. Exª é tanto maior quando nós constatamos que ainda ontem, anteontem, aliás, V. Exª acabou de instalar uma comissão de juristas do mais alto nível que tem por objetivo revisar, atualizar, modernizar a nossa legislação penal. E, seguramente, o tema que V. Exª aborda, a necessidade de voltarmos a um tempo em que, quando V. Exª era estudante de Direito, eu e Pedro Simon, da prática que existia de o criminoso ter que se recolher à prisão para poder apelar.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Que é do mundo inteiro.
O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - E já o é no mundo inteiro. Eu chamaria também a atenção da Casa para o fato de que temos, já na Comissão de Constituição e Justiça, uma proposta de emenda à Constituição, de lavra do nobre Senador Ricardo Ferraço, que põe um limite a essa prodigabilidade extraordinária de recursos que o nosso sistema processual permite, de tal forma que as lides, as causas cíveis e criminais, se arrastem indefinidamente, gerando, no caso das causas cíveis, a frustração do direito e, nas causas criminais, a impunidade. De modo que tenho certeza de que, com o empenho, o prestígio e a autoridade de V. Exª, a nossa comissão de juristas e a comissão que acabou de se instalar hoje, a Subcomissão de Matéria Penal na Comissão de Constituição e Justiça, poderão contar com o impulso que V. Exª dará para que as propostas formuladas aí cheguem a uma boa conclusão. Muito obrigado.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Aloysio Nunes, que também é um profundo conhecedor do Direito Penal e é um jurista que aqui chegou a esta Casa para nos ajudar e, com sua inteligência, nos fornecer subsídios para examinar não só este assunto como outros assuntos que estão submetidos a nossa decisão.
Muito obrigado a V. Exª.
Ouço com muito prazer a Senadora Vanessa.
A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Obrigada, Presidente. Eu faço este brevíssimo aparte - sei que V. Exª terá, em breve, uma reunião com o Presidente da Câmara, Deputado Marco Maia -, mas não poderia deixar, tendo ouvido grande parte de seu pronunciamento, de fazer um aparte para cumprimentá-lo. Como dito pelo Senador Aloysio Nunes, foi criada por V. Exª uma comissão de alto nível para debater e trazer à Casa uma proposta sobre mudanças no Código Penal, na legislação penal brasileira. Ouvindo-o falar, V. Exª me remeteu ao seguinte, Presidente: parece que no Brasil nós temos a impunidade legalizada, porque, no final das contas, é a impunidade legalizada, porque a lei, da forma como está, permite que pessoas que cometeram crimes gravíssimos, tirando a vida, como V. Exª diz, fiquem soltas durante mais de uma década, e soltas porque a lei permite. Então, a lei não pode colaborar com a impunidade, porque a impunidade anda de braços dados com a criminalidade. É o maior incentivo para o crescimento da criminalidade. Então, Presidente Sarney, este é mais um serviço que V. Exª presta não a esta Casa, mas ao Brasil. De nossa parte, temos não só de cumprimentá-lo, de parabenizá-lo, mas faremos de tudo para que, acabado o trabalho dessa Comissão, a Casa vote - como tem feito com tantas outras matérias. O exemplo foi ontem, quando votamos a lei que estabelece novas regras para a distribuição dos royalties do petróleo. Isso muito pela determinação de V. Exª. Nesse assunto será da mesma forma. Concluído o trabalho da Comissão, sei que V. Exª será firme para que votemos e ofereçamos ao Brasil uma lei melhor, que traga mais segurança. Obrigada, Presidente Sarney!
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado. Uma das coisas que me gratificam no discurso é que as vozes femininas da Casa também estão sensibilizadas por esse grave problema nacional.
Ouço o Senador Sérgio Souza.
O Sr. Sérgio Souza (Bloco/PMDB - PR) - Obrigado pela deferência, Sr. Presidente. Faço minhas as palavras de todos aqueles que o apartearam. V. Exª tem conduzido esta Casa com firmeza e coragem, colocando as propostas necessárias para que possamos promover as reformas em todos os campos necessários. Quero enaltecer aqui, realmente, a questão da reforma do Código de Processo Penal. Também sou advogado e já fui militante na área do Direito Penal. O Código Penal data de 1940. Muito daquilo que está estatuído hoje no Código Penal e no Código de Processo Penal é resultado da sensação da impunidade. É o que V. Exª está mencionando. Em um montante de cem mil assassinatos, de cem mil homicídios, apenas dez realmente são condenados. Ainda assim muitos vão prescrever. Essa atitude de V. Exª de trazer esse tema ao Congresso Nacional, chamar a responsabilidade de constituir essa Comissão para a reforma do Código Penal ela é necessária e prudente. Quero aqui parabenizar V. Exª. Muito obrigado.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado.
Um aparte ao Senador Edison Lobão Filho.
O Sr. Lobão Filho (Bloco/ PMDB - MA) - Presidente Sarney, vivo agora uma dicotomia de sentimentos: uma tristeza por pegar o final do seu discurso, pois é sempre um deleite poder sorver as palavras de V. Exª na tribuna e uma alegria. Estou chegando agora de Goiás, de um evento grande do PMDB, onde V. Exª, apesar da ausência, foi a grande estrela. Enfim, quero registrar, em contribuição ao discurso de V. Exª sobre a impunidade no Brasil, que pretendo ingressar na semana que entra com projeto tornando hediondo todo crime de desvio de recursos públicos. Considero que o crime de desvio de recurso público na área da saúde, da educação, tem um poder tão homicida quanto o mais simples homicídio, tem um poder de homicídio em massa. Homicídio à nossa educação, homicídio à nossa saúde, à saúde do nosso povo, à educação das nossas crianças. Então, como contribuição à ideia de V. Exª, pretendo, na semana que vem, dar entrada a este projeto nesta Casa. Parabéns a V. Exª, que foi mais uma vez a grande estrela do PMDB, em Goiás, nessa reunião, grande reunião, com mais de duas mil pessoas.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão.
Finalmente quero...
O Sr. Wilson Santiago (Bloco/PMDB - PB) - Sr. Presidente, um minuto.
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Senador Santiago.
O Sr. Wilson Santiago (Bloco/PMDB - PB) - Meu Presidente, de fato, o assunto que V. Exª traz a esta Casa hoje é de grande relevância. Além de ser de grande relevância, trazido por V. Exª cada vez mais, merece a atenção não só da sociedade brasileira, de todos nós, como também das autoridades deste País. Todos nós sabemos que a questão da criminalidade, da segurança pública e seus vários fatores incomodam a sociedade brasileira. E o que mais intranquiliza é exatamente a sensação de impunidade. É isso que mais intranquiliza a sociedade brasileira. Por essa razão, a comissão designada por V. Exª, composta por vários juristas, conhecedores do assunto, de toda a área penal e processual, enfim, em conjunto com outras ações, terá condição de mostrar a esta Casa soluções no que se refere à punição e a parte desses problemas. Tenho certeza de V. Exª está no caminho certo, propondo os objetivos maiores para atender a essa clamor popular. V. Exª tem o apoio não só desta Casa, como também da maioria esmagadora da sociedade brasileira. Parabéns a V. Exª!
O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) -- Muito obrigado a V. Exª.
Quero, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerrar as minhas palavras dizendo que me sinto profundamente gratificado pelo fato de ter sensibilizado a Casa para este problema, sobretudo porque considero que a impunidade que todos nós verificamos no Brasil começa --como dizem os chineses, a corrida começa no primeiro passo -, começa no Brasil hoje e se torna de tal maneira uma consciência coletiva no fato de aquela pessoa, aquele criminoso que tira a vida de uma pessoa, acaba com um destino, acaba com a sorte de um ser humano, no dia seguinte está caminhando sem nenhuma preocupação, no meio de todos nós, enfrentando a sociedade. Então, a impunidade começa aí, é essa a maior de todas as impunidades. No momento em que o criminoso de morte tiver que defender-se preso, eu acredito que os outros irão ter medo dos outros crimes que cometeram.
Muito obrigado.
Apenas, como eu disse, estou fazendo aqui uma reflexão, uma denúncia, para colocá-la perante o povo brasileiro, perante as elites, para pensarmos nesse assunto que é muito grave. Muito obrigado.
(Palmas)
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY
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O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, instalamos na última terça-feira uma Comissão de Juristas para elaborar um anteprojeto de novo Código Penal, atendendo a requerimento do Senador Pedro Taques. Sob a Presidência do Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, e contando com nomes consagrados da magistratura, da advocacia e do Ministério Público, a comissão deve funcionar no molde das bens sucedidas comissões que prepararam os anteprojetos dos novos Códigos do Processo Penal e do Processo Civil, e das que estão preparando novo Código Eleitoral e novo Estatuto do Consumidor.
O atual Código Penal foi instituído pelo Decreto-Lei 2.848, de 1940, e nesses mais de 70 anos foi modificado pontualmente por inúmeras leis. Várias tentativas foram feitas de reformar o Código Penal, mas nenhuma logrou êxito, seja porque o Executivo não encampou algumas propostas, seja porque as matérias não foram adiante no Parlamento. Enquanto isso, assistimos à intensa produção de leis especiais, fenômeno que se intensifica desde a Constituição de 1988. Hoje, existem aproximadamente 117 leis penais em vigor, que abrigam cerca de 1.757 tipos penais, entre crimes e contravenções.
O atual Código Penal sofre tanto da passagem do tempo, com as mudanças naturais das estruturas sociais e das tecnologias, com as alterações pontuais que sofreu, como com a mudança mais profunda de regime constitucional. Quando foi feito vigia o regime do Estado Novo; atravessou o regime liberal de 1946 e as constituições impostas pelo regime militar; e há 23 anos conflita com as mudanças da carta constitucional de 1988. Ocorreram mudanças fundamentais nos direitos individuais, sociais e difusos. A sociedade de informação chegou com as novas tecnologias, que permitem crimes inimagináveis em 1940, com o mundo da internet.
Seria desejável eliminar as leis especiais, sempre que possível. Outro grande desafio é a construção de um novo modelo de penas. O atual peca pela extrema fragmentação e pela desproporcionalidade das cominações penais, tendo em vista o acúmulo de tantas reformas parciais e a criação de inúmeros institutos despenalizadores. Em suma, perdemos referência sobre a gravidade de muitas condutas criminosas. É necessário prever novas estratégias punitivas que assegurem os fins gerais de repressão e prevenção ao crime. Um modelo de sanções penais bem definido e ajustado é o primeiro parâmetro de orientação do cidadão comum. Nesse sentido, igualmente desafiador será assegurar legitimidade às penas alternativas, que têm sido muito desacreditadas, e por razões compreensíveis, dada a sua banalização e precária fiscalização.
Esperamos que o novo Código Penal seja também um elemento decisivo para conter a onda de crimes que ameaça o país, especialmente dos crimes contra a pessoa.
Os níveis de violência no Brasil são alarmantes. Com 3% da população, somos responsáveis por 12% dos homicídios no mundo. O Mapa da Violência 2011, organizado sob o patrocínio do Ministério da Justiça, mas que utiliza os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, revela que em 2008 foram assassinadas no Brasil 50.113 pessoas, numa média de 26,4 assassinatos por 100 mil habitantes. A taxa entre jovens de 15 a 24 anos é de 85,2 assassinatos por 100 mil habitantes. Embora esses números tenham sido apresentados como mais baixos em recente relatório da ONU, são os números mais confiáveis que temos. Estas taxas que se verificam em países em guerra são um pouco abstratas, por isso fiquemos no número absoluto: mais de 50 mil pessoas é um número assustador. Pensemos que isso representa mais de 50 mil famílias dilaceradas, vivendo na dor, no medo, no horror do trauma, na impotência em encontrar novos caminhos diante do vazio repentino.
Há poucos dias o jornal da televisão francofônica mostrou que o governo francês estava criando uma força tarefa para enfrentar o surto de violência em Marselha: a cidade atingira a marca de 50 assassinatos em dois anos. Infelizmente, Sr. Presidente, este número é atingido em dois dias no Rio de Janeiro.
As causas da violência têm sido estudadas e estão relacionadas ao crime organizado e à marginalização de grande parte da sociedade dos benefícios sociais, como saúde, educação, transporte, emprego. Daí o bom resultado, estimulante mesmo, das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, nas favelas do Rio de Janeiro. Mas não há como negar a participação da impunidade do criminoso, que vai desde a investigação do crime, até à aplicação das penas. É uma sequência de eventos em que a precariedade do nosso sistema penal se mostra em toda a evidência.
O nosso sistema penal trata o preso de forma desumana, e as chances de recuperação dos criminosos é, em consequência, muito pequena. Multiplicam-se, com razão, os que se preocupam com o direito dos presos e sua qualidade de vida.
Mas eu tenho uma preocupação maior: o estímulo que é dado pelo nosso sistema penal aos homicidas, desde a leniência das penas à imensa quantidade de criminosos que estão soltos, seja pela falta de investigação policial, seja pelo mecanismo da prisão aberta, seja pela soltura com o cumprimento de uma fração da pena, seja, no caso que considero mais grave, por estarem respondendo em liberdade criminosos confessos, com forte presunção de culpa, pronunciados ou até mesmo condenados em primeira instância.
Quando, como Presidente da República, implantei um “Mutirão contra a violência”, em que a União se envolveu mais diretamente no combate ao crime, lutei contra a famigerada Lei Fleury, que vinha assegurando àquele que cometia o pior de todos os crimes que é matar, continuar solto, fugir ao julgamento da Justiça, ficar impune. O Delegado Fleury era o chefe da repressão e, em determinado momento, ele fez tantos crimes que se levantaram contra ele, em São Paulo, a opinião pública, a magistratura, o Ministério Público e a própria polícia, e ele foi denunciado por crime de homicídio. Foi feita então uma lei especialmente para o delegado Fleury poder defender-se solto.
O art. 594 do Código de Processo Penal -- em sua redação original, depois nas modificações sofridas e, finalmente, na sua revogação -- resume bem as dificuldades enfrentadas no Brasil em torno do tema da prisão provisória. A sensação é que saltamos de um extremo ao outro. Partamos da redação original do Código de Processo Penal, que data de 1941. O texto do art. 594 dizia que “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime de que se livre solto.” Ou seja, havendo condenação em primeira instância, a regra era o recolhimento à prisão ou o pagamento de fiança nos poucos casos admitidos em lei (crimes menos graves).
Com a modificação da Lei nº 5.941, de 1973, o art. 594 do CPP passou a dispor que “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”.
Em 1977, o CPP sofreu nova alteração, dessa vez para permitir a liberdade provisória sem fiança quando não estivessem presentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva. Tratava-se da Lei nº 6.416, de 1977, que incluiu parágrafo único no art. 310 do CPP. Antes dela, a regra era que a pessoa surpreendida em flagrante por crime grave continuaria presa durante o processo. Essa lógica mudou para admitir a liberdade provisória. Criou-se, no ordenamento jurídico, uma contradição, pois a liberdade provisória era concedida até mesmo no caso de crimes inafiançáveis. Isso levou, na prática, à derrocada do instituto da fiança, que praticamente deixou de ser aplicado pelos juízes.
Portanto, seja no início da persecução penal (prisão decorrente do flagrante), seja no final (prisão decorrente da sentença), as hipóteses de prisão provisória foram ficando cada vez mais raras, mesmo em se tratando de crimes com alto potencial lesivo, como, por exemplo, os crimes de homicídio e de latrocínio.
Veio a Constituição de 1988, que definiu, no inciso LXI do Art. 5º da Constituição: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Com a interpretação desse artigo, continuamos com o absurdo de quem pratica um crime de homicídio, que tira a vida humana -- o mais grave de todos os crimes que podem ocorrer, porque, quem tira uma vida, tira o direito não somente de um destino, como também do das pessoas que estão ao seu lado, de sua família --, poder fazer sua defesa em liberdade, poder ficar solto no dia seguinte ao crime. A vítima indireta, a pessoa que tem o seu parente vitimado, a esposa, o filho que tem um pai assassinado, vê o assassino na rua, em qualquer lugar, defendendo-se solto. Isso não existia na legislação brasileira; isso não existe na maioria, na quase totalidade dos processos penais do mundo inteiro.
Para esclarecer o vácuo que se criou com a Constituição de 88 em relação à prisão sem decisão judicial, propus e sancionei a lei 7.960/89, que estabeleceu as condições para prisão temporária.
Entretanto a tendência foi proibir a execução provisória da sentença penal. Tanto é que a Lei nº 11.719, de 2008, veio revogar definitivamente o art. 594 do CPP. A liberdade passaria a ser a regra no caso de condenações provisórias, inclusive quando confirmadas pelo tribunal de segunda instância. Isso ficou ainda mais evidente com a Lei nº 12.403, de 2011, que revogou o art. 393 do CPP, o qual determinava que o réu, após a condenação, fosse preso ou conservado na prisão, nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis, enquanto não prestasse fiança.
Por outro lado a Lei nº 12.403 prevê a adequação da medida cautelar à gravidade do crime (artigo 282), e no artigo 312 que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública […] quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” -- o que devia excluir a liberdade dos réus confessos, a meu ver. Também o artigo 323 diz que não será concedida fiança nos crimes hediondos.
São fortes as implicações no meio social geradas por tantos empecilhos legais à prisão provisória. Se a lei opera em favor da liberdade do criminoso preso em flagrante ou condenado em primeira instância, como as decisões judiciais atingem o imaginário coletivo? Certamente não estão contribuindo para diminuir a sensação de impunidade, tampouco para consolidar uma imagem de respeito e de credibilidade em relação à Justiça.
Estes pontos devem avançar no novo Código do Processo Penal, que, baseado nos estudos de uma eminente Comissão de Juristas sob a direção do Ministro Hamilton Carvalhido, aprovamos nesta Casa e enviamos à Câmara dos Deputados.
Nele está proposto (Art. 556) que havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública ou da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; para assegurar a aplicação da lei penal; em face da extrema gravidade do fato; diante da prática reiterada de crimes pelo mesmo autor. O período máximo de duração da prisão preventiva, de 180 dias, pode estender-se a 360 dias, se decretada ou prorrogada por ocasião da sentença condenatória recorrível, acrescido de mais 180 dias no caso de interposição, pela defesa, dos recursos especial e/ou extraordinário, e, ainda, de 60 dias, no caso de investigação ou processo de crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 12 (doze) anos (Art. 558). Entretanto em nenhuma hipótese a prisão preventiva ultrapassará o limite de 4 (quatro) anos, ainda que a contagem seja feita de forma descontínua.
De qualquer forma, uma constatação necessária é que as prisões provisórias são, na imensa maioria das vezes, aplicadas a dois tipos de crime em que o flagrante é quase automático: o do tráfico de entorpecentes e o de porte ilegal de armas de fogo. Já o flagrante de homicídio é raro. Causa espanto, no entanto, que penas de muito menor gravidade recebam um tratamento muito mais severo.
O que acontece na prática com os homicidas? Há poucos dias, em Brasília, um advogado assassinou a namorada e se entregou à polícia. Assassino confesso, está aguardando o indiciamento e um provável julgamento em liberdade. Segue o caminho do mais escandaloso caso, o do jornalista Pimenta Neves, também réu confesso, que matou a namorada em 2000, foi julgado em 2006, e aguardou em liberdade até este ano para começar a cumprir a pena, de apenas quinze anos.
É que, enquanto não estiver transitada em julgado a decisão condenatória, não é possível o início do cumprimento da pena (art. 5º, LVII, da Constituição Federal). Como resultado, o réu e seus advogados sentem-se motivados a recorrer a todas as instâncias judiciais para retardar os efeitos da sentença, de modo que a procrastinação tornou-se regra básica no sistema recursal brasileiro.
Entende-se, assim, por que o uso indiscriminado e avassalador de recursos tem sido a tônica do processo penal. Afinal de contas, recorrer -- por qualquer motivo, em qualquer situação, inclusive nos casos em que houve confissão -- traz enorme vantagem para o réu, que impede o cumprimento imediato da decisão condenatória.
Cremos que em nenhum lugar do mundo a sentença penal, para ser efetiva, deva passar por quatro instâncias judiciais. Trata-se de uma aberração do ordenamento jurídico brasileiro.
Além do mais, para completar esse quadro de alergia crônica à prisão provisória, a jurisprudência tem sido extremamente restritiva na compreensão dos requisitos que autorizam a prisão preventiva. Por exemplo, a gravidade do crime não é vista como fundamento legítimo para a decretação da custódia cautelar. Por mais reprovável que seja o comportamento do réu, por mais numerosas sejam as suas vítimas, por mais crueldade tenha revelado, nada disso entra em consideração para efeito de prisão preventiva, tal o purismo a que chegou o instituto da prisão preventiva no Brasil.
Diante desse quadro caótico, recebemos como boas notícias a chamada “PEC dos Recursos” e o novo Código de Processo Penal. A PEC dos Recursos estabelece que o trânsito em julgado se dá na segunda instância, respeitando, portanto, o direito ao duplo grau de jurisdição. Com efeito, põe fim à sangria de recursos protelatórios encaminhados aos tribunais superiores.
O problema da impunidade começa com o inquérito policial. Imaginem que o SIM -- Sistema de Informação sobre Mortalidade, o mais completo registro nacional, estima que há uma falha em seus números da ordem de 20%. Numa segunda etapa, os números de homicídios notificados pelas secretarias de segurança estaduais ao Ministério da Justiça -- isto é, os casos que chegam às polícias -- são menores que os do SIM em mais de 20%. Em seguida, segundo o pesquisador Sérgio Adorno, entre 20% e 40% dos casos de assassinatos levados às delegacias paulistas não se tornam objeto de inquérito -- e podemos extrapolar estes números para todo o Brasil, pois o provável é que sejam piores, dificilmente melhores. Dos inquéritos, 80% são arquivados, nacionalmente -- no Rio de Janeiro este número chega a 96%. E então temos, deste número reduzido de casos que chegam à denúncia, muitos que não levam a condenações pela notória falência de nossos métodos de polícia científica. No Rio de Janeiro, em números absolutos, em abril/julho de 2011, de um estoque de 47.177 inquéritos, foram feitas 16.580 diligências e apresentadas 219 denúncias.
Vejamos a que nos levam estas contas: para cada 100 homicídios, 80 são contados, 50 são objeto de inquérito e 10 recebem denúncia -- isto é, 90% dos autores de homicídios não são sujeitos à denúncia. Ficam soltos, soltíssimos, prontos para matar novamente.
Dos 10% que são denunciados, a regra é aguardar em liberdade. A medida cautelar é, conforme a jurisprudência, a exceção. Temos portanto que o cotidiano da vítima indireta, das famílias das vítimas, é saber que o assassino de seu familiar -- pai, mãe, filho -- está solto. Muitas vezes é ainda pior, pois o assassino não se esconde, se mostra ostensivamente e ameaça, constrange e humilha os familiares da vítima.
Não podemos qualificar a gravidade desta tragédia nacional. Ela estimula a justiça pelas próprias mãos e a formação de quadrilhas de justiceiros. Ela reflete a mais grave ausência do Estado, que, como dizia Hobbes, tem como sua principal causa enfrentar “o medo da morte”.
E o que acontece em outros países? A garantia da presunção da inocência e a restrição à prisão sem autorização judicial são universalmente reconhecidas. Mas a velocidade e a eficiência com que a polícia investiga, o acompanhamento direto do processo pelo judiciário, a agilidade do processo penal, a severidade da aplicação de penas resultam em que a regra é que a expectativa do homicida é de ser preso e passar tempo considerável na prisão. O indiciamento de um homicida na Europa pode se dar numa questão de dias. O processo penal em meses. E seu resultado é em geral uma condenação severa, que na maior parte do mundo, com exceção da América Latina, pode ser de prisão perpétua, com uma expectativa de prisão firme -- isto é, aquela que não goza dos benefícios de prisão aberta ou liberdade condicional -- de até 30 anos. Entre nós esta é a pena máxima, que pode ser reduzida, e da qual somente uma fração é efetivamente cumprida.
O resultado é que as taxas de homicídio por 100 mil habitantes, que no Brasil é maior que 26 -- e que se fosse corrigida pelas não notificações poderia chegar a 34 --, nos países desenvolvidos é em geral inferior a 2. Chama a atenção que um país da América Latina tem taxa nesse nível baixo, o Chile, que é um dos raros que tem pena de prisão perpétua, talvez não por coincidência.
Sei que as modernas tendências do sistema penal são no sentido do abrandamento das penas e da substituição das penas privativas de liberdade por penas alternativas, como prestação de serviços comunitários e pagamento de multas. Mas creio que isto não pode se aplicar ao homicídio, o mais grave de todos os crimes que podem ocorrer, porque, quem tira uma vida, tira o direito não somente de um destino, como também do das pessoas que estão ao seu lado, de sua família. Estejamos atentos ao exemplo dos outros países e sejamos mais severos na punição dos assassinos.
Não quero deixar de comentar outro aspecto do problema e de nossas estatísticas: a presença da arma de fogo como principal instrumento dos homicídios. Quando do plebiscito sobre a proibição da venda de armas de fogo eu a defendi, e em abril deste ano propus a realização de novo plebiscito sobre o assunto, por acreditar que é um tema em que a sociedade está mais consciente da enorme ameaça que é a proliferação dessas armas. É preciso cessar esta fonte terrível de mortes.
Para concluir meu discurso quero dizer que creio que a impunidade do criminoso, que é o maior estímulo ao homicídio, só pode ser amenizada com uma ação conjunta dos três Poderes. O legislativo está fazendo sua parte, com a revisão do Código do Processo Penal, que o Senado aprovou e está tramitando na Câmara dos Deputados, com a instalação que estamos fazendo de Comissão de Juristas para Elaborar Anteprojeto de Reforma do Código Penal, com o exame da PEC dos Recursos e com variada legislação para a agilização do judiciário aprovada no âmbito do Pacto Republicano. É preciso que o judiciário faça sua parte, julgando com mais celeridade e sendo mais severo na aplicação das penas para punir o mais grave dos crimes, que é, repito, o homicídio. E o executivo, em seus vários níveis, além das medidas sociais importantes que levam a presença do Estado às ilhas de marginalização social, precisa, atuando em conjunto com os ministérios públicos, corrigir esta profunda distorção que deixa sem denúncia mais de 90% dos crimes de morte e não fundamenta suas investigações com os poderosos instrumentos tecnológicos que estão hoje à disposição das polícias de todo o mundo. Só com um verdadeiro mutirão nacional creio que podemos levar a tranquilidade à família brasileira.