Discurso durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da importância das Olimpíadas Mundiais do Ensino Técnico, ocorrida recentemente em Londres, na qual o Brasil ficou em segundo lugar.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Registro da importância das Olimpíadas Mundiais do Ensino Técnico, ocorrida recentemente em Londres, na qual o Brasil ficou em segundo lugar.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2011 - Página 43288
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, CAMPEONATO MUNDIAL, CURSO TECNICO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, MELHORIA, ENSINO FUNDAMENTAL, VALORIZAÇÃO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, MELHORAMENTO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, BRASILEIROS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores...

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, preciso interrompê-lo só para prorrogar a sessão por mais uma hora.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Não por minha causa, não é, Senador? Isso não é preciso.

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Para atender a todos os oradores que estão inscritos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Creio que, em muito menos tempo, posso dizer a razão pela qual estou aqui, Senador.

            Todos sabem que, neste ano, vai haver em Londres as Olimpíadas, da mesma maneira que, em 2016, serão realizadas no Brasil, mas o que pouca gente sabe, o que chama menos a atenção é que, no começo deste mês, na mesma cidade onde, em 2012, ocorrerão as Olimpíadas, nessa mesma cidade de Londres, aconteceu uma olimpíada que reputo não tão deslumbrante, mas, certamente, mais impactante do que as Olimpíadas esportivas, Senador: foram as Olimpíadas Mundiais do Ensino Técnico.

            Durante diversos dias, na cidade de Londres, 46 equipes disputaram quem receberia medalha de ouro, de prata e de bronze, mas não por saltar alto, por pular distante, por nadar rapidamente, mas, sim, por ser capaz de ser um bom cozinheiro, um bom costureiro, um bom pedreiro, um bom marceneiro. É a chamada WorldSkills Competition, que procura descobrir quais são os melhores profissionais, estudantes ainda, em cursos técnicos no mundo inteiro. Foram 46 especialidades, cada uma delas com um grupo grande de concorrentes, cada grupo de concorrentes representando um País.

            Durante esses dias, foi possível ver torcidas parecidas com aquelas que vemos nas Olimpíadas, para ver quem receberia a medalha de ouro, a medalha de prata, a medalha de bronze, mas com uma diferença: esses jovens não apenas desempenhavam bem uma atividade, eles demonstravam uma competência para uma atividade profissional.

            O que é importante dizer é que, nessas Olimpíadas, o Brasil se destacou como o país que conseguiu obter o segundo lugar. Vinte e oito estudantes compunham a equipe brasileira, e obtivemos seis medalhas de ouro, três medalhas de prata, duas medalhas de bronze e dez certificados de excelência.

            As medalhas de ouro foram conquistadas por Wilian Grassiot, que é do Distrito Federal, da cidade de Taguatinga, que ganhou medalha de ouro na categoria Mecânica de Refrigeração; por Natã Barbosa, de Santa Catarina, que ganhou na categoria Webdesign; por Rodrigo Ferreira da Silva, do Rio de Janeiro, que se destacou em Joalheria; por Gabriel d’Espíndula, do Paraná, que ganhou na categoria Eletrônica Industrial; por Guilherme Augusto, de São Paulo, que ganhou na categoria Desenho Mecânico; e pela dupla gaúcha Maicon Pasin e Christian Alessi, que ganharam em Mecatrônica.

            O Brasil tirou o segundo lugar. Em primeiro lugar, ficou a Coreia, um país que dá tanta importância a isso, que todo jovem que ganha medalha de ouro recebe US$100 mil do governo de seu país. Não é à toa que a Coreia vem ganhando sistematicamente essas Olimpíadas. Todo jovem que sai dessa Olimpíada com a medalha tem emprego garantido. Não apenas leva a medalha para casa e fica se lembrando daquele momento depois; ele tem um emprego garantido, porque demonstrou estar apto a exercer uma profissão.

            Vim falar aqui, Senador, não por causa das Olimpíadas apenas, mas pela importância do ensino técnico no mundo de hoje. O chamado “apagão” de mão de obra começa a emperrar o avanço brasileiro, por falta de profissionais capazes de desenvolver as atividades que a economia exige. Esse “apagão” tem uma dimensão nas universidades: faltam alguns profissionais. Mas o verdadeiro “apagão”, o mais grave “apagão” que existe ocorre na mão de obra de nível técnico médio. É no ensino técnico médio que se situa o problema mais sério não só da garantia da mão de obra para levar adiante o desenvolvimento brasileiro, mas também da garantia de um emprego para continuar a sua vida profissional.

            Falo isso, quase que fazendo um apelo, para que, neste País, a gente possa não apenas ser segundo lugar, mas primeiro lugar por muito tempo, não apenas com um pequeno grupo de 28 estudantes, graças ao Senai e ao Senac. Se não fossem essas duas instituições, não obteríamos nenhuma medalha. É triste dizer, mas as nossas escolas técnicas, que são muito boas, não têm enviado alunos para essa competição, não por culpa das escolas técnicas, mas por falta de apoio, por falta de flexibilidade da administração dessas escolas, para que elas possam ter os recursos que lhes permitam participar dessas competições. Esse é um ponto.

            Outro ponto é que o ensino fundamental deficiente impede um número grande de jovens fazendo bons ensinos técnicos. No passado, bastava habilidade manual para você ser um bom profissional. Hoje, para ser um bom profissional, você precisa, além de ser hábil com as mãos, ter conhecimento na cabeça.

            Veja, Senador, que, hoje, há falta de profissional que põe azulejo nas paredes. Hoje, em São Paulo, há uma crise na construção civil por falta daqueles que montam o azulejo nas paredes. Antigamente, você simplesmente recebia o azulejo e sabia como colocar com as mãos o cimento. Hoje, você recebe um desenho, você tem de saber como transformar esse desenho na parede com o azulejo. Isso exige mais do que habilidade. É preciso saber o que é ângulo reto, o que é ângulo de 30 graus; é preciso saber regra de três, é preciso saber ler as plantas. E isso a gente só consegue se tiver feito um ensino fundamental com um mínimo de competência na geometria, na aritmética.

            Falo do caso dos azulejos, mas isso serve para outras atividades. Hoje, um bom cozinheiro, dificilmente, consegue ter um bom desempenho se não souber ler. Antigamente, havia bons cozinheiros que não sabiam ler. Mas não se trata somente de saber ler. Hoje, parte dos livros de culinária vem em inglês e em francês, as receitas já não são escritas em português. Mas não é só isso! Muitas receitas não são escritas em papel impresso. Localizam-se, pela Internet, receitas do mundo inteiro. E como é que vão ter acesso a essas receitas do mundo inteiro se não souberem navegar no computador e se não souberem ler nos idiomas estrangeiros em que essas receitas são escritas? E se não souberem medir, com a sutileza da culinária, em gramas, com um refinamento muito grande? Há necessidade de sintonia fina no uso dos ingredientes. Não se consegue mais tão facilmente ser um bom cozinheiro. Houve um tempo em que isso era possível. Hoje, um bom cozinheiro exige uma formação mínima no ensino fundamental, e isso vale para todas as profissões.

            Então, este é o primeiro ponto: para que este País seja realmente campeão em ensino médio e para que não haja essa dificuldade de encontrar profissionais de nível médio competentes, é preciso investir muito na educação do ensino fundamental. E, obviamente, é preciso continuar esse esforço do Senai, do Senac e das escolas técnicas, ampliando o número dessas escolas, para que possa haver formação de qualidade diretamente na formação técnica, no ensino fundamental e no ensino técnico médio. Essa é a condição primeira, mas há mais uma, Senador: é preciso convencer as famílias brasileiras de que, hoje, o fundamental, o importante não apenas para construir um país, mas também para ter um bom emprego é ter uma boa profissão num nível técnico.

            O Brasil tem uma tradição de 350 anos: muito mais do que a metade da nossa história, quase três quartos da nossa história, vivemos na escravidão. E, durante a escravidão, os que não são escravos se acostumam a não trabalharem com as mãos. Nós somos viciados na escravidão e criamos o hábito brasileiro de que só merece ser respeitado quem não precisa usar as mãos no trabalho. Por isso, a gente considera que é universidade ou nada. Esse é um erro, esse é um erro do ponto de vista do emprego, esse é um erro do ponto de vista da vocação. Nós estamos fazendo com que uma quantidade imensa de jovens estude numa universidade sem ter vocação para o estudo. A mudança no mercado vai levar à percepção de que, se o objetivo é um bom salário, o melhor caminho não é qualquer curso universitário. Hoje, poucos cursos universitários garantem um bom emprego, porque alguns dos cursos já têm uma mão de obra excedente ou porque a qualificação ficou deficiente. Mas, no ensino médio, a gente consegue emprego garantido.

            As classes médias brasileiras precisam perceber que o objetivo deve ser o ensino superior, mas passando, primeiro, por uma boa formação técnica, que garanta um bom emprego com um bom salário. E, a partir daí, com um bom salário e com um bom emprego, faça com que o jovem que quiser - não que necessite, mas que quiser -, por vocação, não por salário, procure um ensino superior, como consequência natural da sua vocação, não pela necessidade de um salário satisfatório. Esse salário hoje a gente pode garantir no ensino médio com qualidade.

            Essas Olimpíadas permitiram mostrar isso. E, em função dessas Olimpíadas em Londres, o Dr. Robson Andrade, que é o Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), representando as diversas federações do Brasil, propôs que, no ano de 2017, as Olimpíadas do ensino médio fossem realizadas no Brasil. Desejo profundamente que a entidade internacional - como existe o COI e a Fifa, há uma entidade internacional, a WorldSkills, que coordena as Olimpíadas - escolha o Brasil. E sabe por quê? Porque as Olimpíadas esportivas e a Copa do Mundo vêm, Senador Benedito, e passam. Mas uma olimpíada do ensino técnico, sendo bem divulgada pela mídia, atraindo a atenção da população brasileira, fazendo com que torçamos pelos brasileiros que irão disputar medalhas em ofícios profissionais, ficará para sempre. Não será como uma Copa do Mundo ou como as Olimpíadas esportivas, que duram quinze dias, três semanas, e terminam. Fica a lembrança. Essa, não! Dessa ficará a marca de que o ensino técnico é uma categoria a ser respeitada do ponto de vista da qualificação de um profissional; ficará a ideia de que você não precisa ter um título universitário para ser uma pessoa respeitada, bem remunerada e feliz na vida; ficará a ideia de que o Brasil precisa fazer um esforço maior ainda para que haja um ensino médio técnico com qualidade para todos que o desejarem no Brasil.

            Temos de fazer a dignificação do ensino médio técnico, e essa dignificação virá quando o número de pessoas que desejarem fazer esse curso for cada vez maior e quando, numa sociedade tão divida, como a brasileira, com uma classe em cima e com uma classe embaixo, essa classe de cima perceber a importância do ensino técnico, da valorização do profissional técnico. Aí, a gente vai conseguir a dignificação desse ensino técnico. Por enquanto, ainda é visto com ensino de segunda categoria, como ensino menor. Nós precisamos mudar isso, e creio que nada vai ajudar mais a mudar isso do que trazer a WorldSkills, como é chamada a Olimpíada dos cursos técnicos, para o Brasil.

            Espero muito que a Confederação Nacional da Indústria, que o Dr. Robson, que a preside, consiga trazer para cá, em 2017, essas Olimpíadas, para que a gente tenha o efeito demonstração sobre a sociedade brasileira, descobrindo a importância de haver um bom ensino técnico, fazendo com que todos os jovens deste País - não apenas aqueles de camadas mais pobres - descubram que o verdadeiro futuro deles está onde o Brasil mais precisa de formação: na qualificação profissional, no ensino técnico de nível médio.

            Senador, quis trazer essa mensagem não apenas para homenagear aqueles jovens que ganharam medalhas, mas também para despertar, se puder, o Brasil inteiro para a necessidade de uma revolução dupla. Primeiro, é preciso uma revolução no ensino, no sentido de fazer com que as escolas técnicas recebam jovens preparados, com ensino fundamental de qualidade, e com que as escolas técnicas sejam as melhores que este País possa ter, em comparação com as outras do mundo. Segundo, é preciso uma revolução mental, uma revolução de mentalidade, para pararmos com essa ideia antiga de que temos de ter universidade ou nada e dizermos que, entre universidade ou nada, existe uma coisa nobre, uma coisa útil, uma coisa que permite o sucesso a cada jovem, que é o ensino técnico de qualidade.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para dizer, agradecendo-lhe o tempo que me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2011 - Página 43288