Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Anúncio da reunião do Parlamento do Mercosul, marcada para os dias 31 do corrente, 1º e 2 de novembro próximo, reafirmando o compromisso de S.Exa. de atuar em favor da integração dos países do bloco além da esfera econômica.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Anúncio da reunião do Parlamento do Mercosul, marcada para os dias 31 do corrente, 1º e 2 de novembro próximo, reafirmando o compromisso de S.Exa. de atuar em favor da integração dos países do bloco além da esfera econômica.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2011 - Página 43479
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • ANUNCIO, REUNIÃO, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, OBJETIVO, INTEGRAÇÃO, CULTURA, ECONOMIA, PAIS, MELHORIA, DESIGUALDADE REGIONAL, CONTINENTE, AMERICA DO SUL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Mozarildo, para minha alegria, momentos antes de ocupar esta tribuna, o Senador Luiz Henrique me dizia: “Senador Requião, você vai gostar do projeto da lei ambiental”. É um bom presságio, porque o Senador sabe que eu sou ambientalista e, se ele prevê que a lei me agradará, significa que teremos, enfim, uma lei ambiental equilibrada.

            De resto, Senador Luiz Henrique, não sendo assim, a nossa Presidenta, em função das pressões de 80% da opinião pública brasileira, seria obrigada a pôr o seu veto ao projeto, e isso não seria agradável para nós e não seria o indicado para o trabalho que V. Exª está fazendo.

            Senador Mozarildo, no próximo dia 30, eu estarei no Uruguai com a mesa diretiva da comissão do Parlasul para ver se, depois de mais de onze meses de paralisação, nós conseguimos iniciar as reuniões do Parlasul na nossa sede uruguaia.

            Fui eleito para presidir a representação brasileira do Parlamento do Mercosul, o Parlasul, e reafirmo aqui a minha paixão sul-americana. Brasileiro de nascimento, sou também cidadão do continente, uma identidade nem sempre fácil de ser portada, reconhecida ou respeitada. Somos, nós todos, ainda fortemente condicionados pela herança colonial, que, entre tantos legados, marcou-nos com o europacentrismo e com essa perniciosa inclinação a menoscabar tudo que é nacional, logo, tudo que é continental.

            Sob a luz comercial, aduaneira, não se nega que avançamos desde o Tratado de Assunção, há vinte anos. Os números são consistentes, pelo menos em escala continental, mas pergunta-se: além do comércio, avançamos? Além das trocas e vantagens comerciais, o que mais nos aproxima, o que mais nos une, o que mais nos agrega e fortalece? Não é uma resposta que se possa ter na ponta da língua. Os economicistas e alguns diplomatas entusiasmados com o novo papel de caixeiros-viajantes talvez exultem e satisfaçam-se com a contabilidade, com os números, com o balanço comercial destes últimos vinte anos. É o que basta? A integração é tão simplesmente econômica? Sustenta-se, consolida-se, pereniza-se uma integração fundada apenas no comércio, apenas em negócios? Não acredito e, caso alguém duvide, que abra os olhos para o que acontece na União Europeia, tida por muitos como a nossa referência para a construção da união sul-americana.

            Como Presidente da representação do Parlasul, comprometo-me a fazer tudo para que o Mercado Comum do Sul ultrapasse os estreitos limites comerciais e se projete como uma grande aliança de solidariedade, de cidadania, de integração cultural, de fusão de culturas, de busca comum de caminhos que levem à superação do atraso das desigualdades nacionais e continentais. Mas é ainda significativa a distância entre nós.

            Como Presidente da Representação do Parlasul, comprometo-me a fazer tudo para que o Mercado Comum do Sul ultrapasse os estreitos limites comerciais e se projete como uma grande aliança de solidariedade, de cidadania, de integração cultural, de fusão de culturas, de busca comum de caminhos que levem à superação do atraso e das desigualdades, nacionais e continentais.

            Mas é ainda significativa a distância entre nós. Que conhecimentos temos uns dos outros? Que sabemos da história de nossos vizinhos? Excetuando-se alguns pontos turísticos que cada cultura divulga, a rivalidade futebolística nem sempre saudável, a carta de vinhos e algumas informações gastronômicas, que mais sabemos uns dos outros?

            Na verdade, quando não estamos ensimesmados, olhamos para o Norte como se de lá viesse a luz.

            Meses atrás, quando se discutiu aqui neste plenário a revisão do Tratado de Itaipu, manifestaram-se, no Congresso e na mídia, desapreços ao nosso parceiro na construção da hidrelétrica, como se o Paraguai fosse dispensável, por ser economicamente pequeno, territorial e demograficamente pequeno. Nessa toada, o Uruguai também seria dispensável, assim como possíveis futuros parceiros do bloco, como o Equador, a Bolívia e até mesmo o Chile.

            Se o critério para a formação do bloco fosse a extensão territorial, o número de habitantes e o Produto Interno Bruto, não teríamos, Senador Mozarildo, por exemplo, a União Europeia. Unidade e complementaridade. Unidade e consciência das diferenças. Unidade e respeito à realidade local.

            Não vamos construir o Mercado Comum do Sul, não vamos avançar na unidade latino-americana com cacoetes imperiais, com tentações coloniais.

            De passagem pelo Brasil, há anos, o Prof. Lester Thurow, um dos papas da globalização, falando sobre a possibilidade de se viabilizar o Mercosul, fez uma distinção entre mercado comum e área de livre comércio.

            As áreas de livre comércio, explicava, são circunstanciais, não implicam compromissos mais abrangentes entre os países, não os integram. Se o Mercosul for apenas uma área de livre comércio, advertia, fracassará, inexoravelmente.

            Para ter sucesso, dizia, o Mercosul precisa ser um mercado comum, o que quer dizer que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai devem se dispor a abrir mão de alguns poderes de governo; harmonizar regras; pagar impostos para ajudar áreas mais pobres. E concluía: se não for possível pegar dinheiro do imposto brasileiro para colocar em outro país do bloco, o Mercosul não tem futuro.

            O que queremos? A quebra das cancelas nas aduanas para que comerciemos isso e aquilo, sem enraizar compromissos ou queremos um enlace de nossos destinos?

            Nesse mundo em ebulição, nesse mundo às voltas com estripulias do capitalismo financeiro e com os desarranjos provocados pelo neoliberalismo, não podemos navegar solitariamente e muito menos orbitar na dependência dos países imperiais.

            A União Europeia desenvolve um esforço enorme para impedir que a crise desagregue, debilite e imploda o seu bloco.

            O Primeiro-Ministro da Rússia, Vladimir Putin, anuncia os primeiros passos para a formação de um bloco econômico que reúna os antigos países da União Soviética, para fortalecer política e economicamente os países do oriente europeu em suas relações com o ocidente e com a China. E esta, por sua vez, busca, se não a formação de um bloco asiático, pelo menos acordos regionais com os países do oriente.

            Enfim, vivemos um tempo adequado para que avancemos na consolidação da unidade sul-americana. Tempo, também, para que discutamos os pressupostos em cima dos quais vamos construir essa unidade.

            A crise do capitalismo financeiro, a débâcle dos principais dogmas do neoliberalismo são advertências, são gritos extraordinariamente claros sobre que caminhos devemos evitar.

            Antigas e sólidas verdades, desprezadas pelo deslumbramento com o mercado, esse baal que tanto encantou os néscios, afloram e convidam-nos a pensar, a refletir, a agir.

            Pensar, esse exercício que ficou tão fora de moda, que caiu em desuso desde aquela parvoíce sobre o fim da história e o triunfo do mercado, per omnia saecula saeculorum.

            E aqui retomo uma corrente de pensamento que foi colocada no índex pela cruzada neoliberal, no desatinado, fanático ardor de impor a sua bíblia, a corrente de pensamento que se formou em torno da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a antiga e mística Cepal.

            Raul Prebisch, Celso Furtado, Aldo Ferrer, o recentemente falecido Antônio Barros de Castro, Medina Echavarria, Carlos Lessa, Octavio Rodriguez, Maria da Conceição Tavares e Aníbal Pinto compõem o mais brilhante grupo de teóricos e pensadores a formular uma proposta que remisse a América Latina do atraso, da dependência, da miséria e do obscurantismo.

            Esse grupo sacode o continente da pasmaceira, do conformismo, da subserviência colonial, subverte as acomodadas academias e propõe um caminho para o desenvolvimento. Eles mudaram a forma de a América Latina se olhar, identificaram as origens de nosso subdesenvolvimento e apontaram um caminho possível para a superação da pobreza e do atraso.

            Com referências em Keynes, na crítica ao liberalismo e às suas teorias sobre o comércio internacional, eles criaram uma nova escola de pensamento.

            Os golpes militares que desgraçaram o continente nos anos 60 e 70, como caudatários dos interesses imperiais, sufocaram o pensamento cepalino e o substituíram pela indigência intelectual e a crueldade social dos Chicago Boys do Milton Friedman. E a ideia da unidade latino-americana foi suplantada pela proposta de acordos bilaterais de vassalagem aos Estados Unidos, de que a proposta da Alca é mera continuidade ou simples eufemismo.

            No entanto, da mesma forma que internacionalmente a crise neoliberal repõe o pensamento de John Maynard Keynes, que havia sido esconjurado desde que os neoliberais substituíram-no pelos operadores do Lehman Bank e pelos geniais rapazes das agências de avaliação de riscos, vemos, na América Latina, o mesmo movimento em direção às teses cepalinas, revistas à luz da realidade que vivemos hoje.

            Que ideias são essas?

            A ideia que rompe com a doutrina que reserva à nossa América Latina, como periferia do sistema econômico mundial, o papel de produtora de alimentos e matérias-primas para os centros industriais.

            Na divisão internacional do trabalho, o nosso destino era o atraso, um atraso que os Estados Unidos romperam nos dias seguintes da independência, com as teses de Alexander Hamilton, Friedrich List, Henry Clay e Henry Carey: o pressuposto de que havia, sim, espaço para a industrialização dos países novos, como dizia Prebisch, que nos indicava de modo decisivo o caminho da atividade industrial e do desenvolvimento, que a construção nacional não se dá apartada do mundo, que se integra e interage com ele, mantendo-se, no entanto, firme no comando do próprio destino; o conceito de que o desenvolvimento é sempre um processo endógeno dentro de um espaço determinado, fundado nas próprias forças, com a participação solidária da sociedade, com a distribuição dos benefícios e com claros, claríssimos fundamentos de justiça social; o entendimento de que ao Estado reserva-se um papel insubstituível nesse processo, organizando energias, talentos, recursos, construindo a infraestrutura que servisse de base de lançamento para as iniciativas, estimulando pessoas, ideias e projetos, mediando com o mais radical senso de justiça as contradições sociais.

            Um parêntese, Presidente Acir Gurgacz.

            Nós, segundo previsões, vamos pagar de juros da dívida pública do Brasil, num ano, R$250 bilhões e nos sobrarão para investir na infraestrutura do nosso País R$44 bilhões.

            Estamos num caminho errado, e eu, que me entusiasmo com os discursos da Presidenta Dilma e do Ministro Mantega, decepciono-me com a tibieza da redução dos juros quando se reúne o Copom e estabelece a queda de apenas meio ponto.

            A concepção de que o desenvolvimento exige a transformação da estrutura produtiva com industrialização e com ciência e tecnologia é o juízo definitivo no sentido de que não há desenvolvimento sem transformação produtiva e, sem conhecimento, não há desenvolvimento com um País inteiro trabalhando para pagar juros absurdos da dívida pública.

            O convencimento de que a economia interna e os recursos próprios são fontes básicas para as transformações, que crédito e investimentos internacionais serão e são, sempre e apenas, complementares e não substituem a economia nacional e a poupança interna. A contraposição, as teses de que não havia mais espaço para transformações nacionais ou regionais, que a era das revoluções nacionais encerrara-se, restando-nos apenas a vassalagem e a dependência foram derrotadas com a débâcle da economia capitalista financeira nos Estados Unidos.

            A compreensão de que a construção da identidade nacional completava-se com a construção de uma identidade latino-americana, sul-americana, na verdade, para nós; que a existência de Estados nacionais fortes, desenvolvidos, democráticos, socialmente justos implicava na existência de uma América do Sul forte, desenvolvida, democrática e socialmente justa, são as crenças que vão-se consolidando na cabeça dos latino-americanos, dos sul-americanos.

            A convicção de que essa construção não poderia ser delegada às tais forças livres do mercado, porque, em nossa região, existem profundos desequilíbrios e desigualdades dolorosas e que esses desequilíbrios e essas desigualdades só podem ser enfrentados com políticas públicas compartilhadas pelos Estados. Não haverá Brasil forte com Paraguai fraco, com Uruguai fraco, com a América do Sul enfraquecida. O nosso projeto é um projeto único.

            Pois bem, todo esse pensamento começa a ser sufocado com a sequência de golpes que varreram e infelicitaram a América do Sul - todo o pensamento progressista não reacionário nos anos de 60 e 70 -, tornando o continente caudatário dos interesses econômicos e políticos norte-americanos. E a asfixia completa-se nos anos 80 e 90 com o triunfo neoliberal, que tenta impor ao Planeta Terra um só pensamento, uma só ideologia, um único senhor, o senhor mercado. No entanto, depois da crise de 2008, que desmoralizou e ridicularizou os mitos neoliberais, essas velhas e boas ideias, essas já esquecidas verdades voltam a circular.

            A crise oferece-nos a oportunidade de retomar o caminho interrompido. O Parlamento do Mercosul é um espaço adequado para o debate, para a formulação, para avivar verdades esquecidas, para transformar as intenções de integração em atos de integração. A consolidação do Parlamento é condição essencial para a consolidação do Mercosul.

            O Parlasul é o meio que faltava para fazer do Mercosul uma realidade incontestável, um protagonista forte, altaneiro nas relações com outros países e outros blocos comerciais. Esse é o meu compromisso como Presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercado Comum do Sul. Preciso e espero contar sempre com o apoio deste Senado, das Senadoras e dos Senadores para o bom desempenho desta tarefa. Dias 31, 1, e 2 estaremos reunidos no Uruguai para interromper a paralisação e colocar esse instrumento de integração sul-americana em movimento.

            Obrigado pela tolerância com o tempo, se é que não cumpri o tempo regimental, o que me parece que, na verdade, aconteceu.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2011 - Página 43479