Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à demora no andamento do processo para a criação da Comissão da Verdade. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. EDUCAÇÃO.:
  • Críticas à demora no andamento do processo para a criação da Comissão da Verdade. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2011 - Página 43490
Assunto
Outros > SENADO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, DEMORA, PROCESSO, CRIAÇÃO, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE.
  • CRITICA, FORMULA, REDISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PRE-SAL, RELAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero, em primeiro lugar, agradecer ao Senador Acir por ter me autorizado a falar agora, antes dele.

            Senador Acir e Srs. Senadores, eu tento evitar aqui dizer obviedades. É um esforço que faço para não dizer o óbvio, mas há momentos em que a gente precisa falar o óbvio. Por exemplo, o óbvio de que um país é feito de passado, presente e futuro. Parece incrível, Senador Santiago, mas essa obviedade eu sinto ser necessário explicitar.

            Temos esquecido, no Brasil, o passado e, ainda mais, o futuro. Esta semana aconteceram fatos que nos permitem mostrar como passado, presente e futuro, como cada um deles é tratado de forma tão diferente no Brasil.

            Não falo do passado de dias, porque este, nós, pessoas, também sentimos e pensamos. Falo do passado de séculos, falo do futuro de séculos, pelo menos de décadas.

            Esta semana, por exemplo, tivemos um fato que lembra o passado, mas lembra de uma maneira que mostra como nós desprezamos o passado histórico do País.

            Esta semana, 30 anos depois da Anistia, é que nós vamos considerar analisar, aqui no Congresso, um projeto de lei para instituir a Comissão da Verdade - 30 anos! Estamos começando agora o processo de votação, que certamente não terminará este ano - talvez até consigamos. Aí vai se instalar essa Comissão, aí vai começar o trabalho, que pode levar algumas décadas mais.

            Os outros países que passaram pelo trauma de regimes autoritários, terminado o regime, imediatamente começaram Comissões da Verdade. A África do Sul, que, inclusive, instituiu esse nome, de maneira até generosa disse: “Ninguém será punido pelo crime do apartheid, pelas barbaridades cometidas naquela época se confessar o que fez”. Porque o que se quer não é punir; o que se quer é conhecer. O que se quer não é pôr na cadeia criminosos durante o regime, tanto torturadores como terroristas que podem ter surgido do lado das forças de esquerda. Não, isso foi resolvido pela Anistia. O que a gente quer não é prender nem punir; o que a gente quer é saber e conhecer. O que a gente quer é saber quem esteve de um lado e de outro, e o que fez de um lado e o que fez do outro. Mas nós temos um desprezo pela história. Nós confundimos anistia com amnésia: anistia foi dada; amnésia não temos o direito de dar nem de conceder. Amnésia: um país que sofre disso é um país que não merece existir, porque um país é, sobretudo, o conhecimento da sua história, o tratamento do seu presente e a preocupação com o seu futuro.

            Nesta semana, nós mostramos como, no Brasil, o passado histórico é pouco cuidado. Um exemplo é este: esperamos 30 anos para começar aqui a trabalhar na criação de uma lei para a Comissão da Verdade.

            Outro exemplo, talvez mais grave ainda, do desconhecimento, da ignorância, do desprezo ao passado, é como nós votamos a forma de usar os recursos que virão dos royalties do petróleo, sem considerar que, no passado, o Brasil já teve um pré-sal que foi jogado fora. Para aquele pré-sal não precisava perfurar nada: era na superfície da Terra que aparecia o ouro; era do leito dos rios que a gente tirava o ouro, e aquele ouro, que tinha um valor naquela época talvez ainda maior do que o pré-sal hoje, foi embora, evaporou.

            Não evaporou do ponto de vista físico, porque o ouro é um metal resistente, mas o valor, o resultado daquele ouro não ficou no Brasil, nem mesmo na metrópole portuguesa. Aquele ouro, que se estima entre mil a três mil toneladas - imaginem o valor disso! -, deixou alguns anjinhos barrocos em algumas igrejas, serviu para construir alguns prédios, como o Convento de Mafra em Portugal, ajudou até a recuperar Lisboa depois do terrível terremoto, mas o resultado do ouro do Brasil foi viabilizar a industrialização da Inglaterra e transformar aquele país numa das maiores potências que a história da humanidade já teve.

            O nosso ouro evaporou das nossas mãos e pousou na ilha inglesa. E nós esquecemos isso ao votar o que fazer com os recursos do pré-sal. Nós não percebemos que a maneira como autorizamos o Brasil a gastar os recursos do royalty é a mesma forma como os reis de Portugal utilizaram os recursos que vieram do ouro das Minas Gerais. Com a diferença de que, quando a gente analisa a história, a gente tem de reconhecer que os reis de Portugal não podem ser culpados de nada, porque naquela época ninguém sabia que o ouro ia acabar, ninguém sabia também que havia uma revolução industrial na Inglaterra. E, naquela época, a riqueza estava nas igrejas que eram feitas.

            Hoje a gente sabe que o petróleo se esgotará rapidamente. Cada barril de petróleo queimado é um barril de petróleo que vai embora; é pior do que o ouro, porque este fica. E sabemos que está havendo uma revolução igual àquela que aconteceu nos séculos XVIII e XIX na Inglaterra: está acontecendo uma nova revolução industrial, que é a revolução da economia, do conhecimento.

            Se Portugal tivesse, naquela época, usado o ouro do Brasil para desenvolver a indústria portuguesa, que não existia ainda - como também não existia a inglesa - aqueles grandes inventores não teriam ficado em Londres, teriam ido para Lisboa. As indústrias, que depois transformaram a Inglaterra num grande império mundial, teriam sido no território português. Os reis de Portugal não são culpados de não terem feito certo. Nós seremos culpados!

            Nós, os Senadores, nesta semana aqui no Senado, ao votarmos S. Exª maneira irresponsável de como o royalty vai ser gasto, seremos, sim, culpados! E nós seremos olhados com a lente da história.

            Senador Santiago, faz alguns anos eu fiz esse trabalho de olhar as Atas dos debates aqui, no Senado, relacionados à votação da Lei Áurea. Eu fui lá, publiquei um livrinho - Dez Dias de Maio em 1888 -, porque foi em dez dias, do dia 3 de maio ao dia 13 de maio, que a Lei Áurea foi votada. Eu lá identifiquei os escravocratas do Brasil, que não tinham coragem de defender a escravidão. Eles apenas diziam: “Queremos abolir a escravidão, mas é cedo. Se fizermos isso agora, vai atrapalhar a agricultura. A mão de obra escrava, como é que vamos liberá-la?” Mas eles estavam lá, contra a lei da abolição. Daqui a 50 anos - não vai precisar de 120, como eu fiz, com a abolição -, daqui a 30, 40 anos haverá historiador descobrindo como é que foi votada aqui a lei que permitiu jogar fora - porque jogar fora é aquilo que não considera o futuro do País - os recursos do pré-sal.

            E aí, eu entro no presente. Vejam como desprezamos o passado. Desprezamos o passado esperando 30 anos para começar a aprovar uma lei da verdade, uma Comissão da Verdade para apurar o que aconteceu no regime militar - 30 anos! -, e votamos aqui, sem nos lembrar do passado, o que fizemos com o ouro brasileiro. Fizemos nós, dessa comunidade luso-brasileira. Não pensamos no passado.

            Agora, nesta mesma semana, o presente esteve presente. Vejam as comemorações que se estão fazendo no Brasil inteiro porque a Copa do Mundo decidiu onde vai ser cada jogo. É como se o mundo inteiro, o Brasil inteiro fosse apenas o grande espetáculo de futebol que durará três semanas - no presente, não vai ficar para o futuro muita coisa. É claro que o presente é importante, porque é a alegria de cada um de nós! É claro que é importante a cada quatro anos termos uma Copa, seja assistindo pela televisão, seja assistindo no estádio quem pode pagar pelo ingresso! É verdade que, sendo aqui no Brasil, não é preciso pagar a passagem, como muitos pagaram para a África do Sul. Mas o presente está tão presente no Brasil que a gente ignora o passado e ignora o futuro.

            Por coincidência ou não, o Rio de Janeiro sofreu dois baques no presente: o baque da lei de distribuição dos royalties, que sacrifica o Rio de Janeiro,

embora beneficie os outros Estados. E, nesse ponto, acho que é importante, porque o petróleo não pertence só ao Estado onde a natureza o colocou; o petróleo pertence a todo o Brasil, como o ar, como as águas, como as florestas. Mas, de qualquer maneira, tirou dinheiro do Rio. E, por coincidência, no dia seguinte, a escolha das sedes da Copa sacrificou o Rio de Janeiro, porque o Brasil não vai jogar lá, a não ser que chegue à finalíssima. Eu não imagino o Brasil jogando sem que o Rio de Janeiro sedie. Mas, de qualquer maneira, foi a sorte que fez com que o Rio de Janeiro fique de fora dos jogos do Brasil na Copa, salvo se chegar até a finalíssima, porque o encerramento será lá.

            Eu me pergunto até se os cariocas vão estar tão entusiasmados de assistir aos jogos dos outros times se não vão assistir aos jogos do Brasil. Mas, de qualquer maneira, este é o presente.

            Eu vim falar do óbvio, que é o de que a história de um país é feita de passado, de presente e de futuro. E quero concluir, dizendo que o futuro foi ignorado naquela quarta-feira em que votamos os royalties do petróleo e o que fazer com eles, os royalties do petróleo. Até mesmo a tentativa de corrigir não foi nem levada em conta! Quando o Senador Valadares apresentou uma emenda que dizia: “Está tudo bem, o recurso vai ser gasto aí, mas vamos reservar uma parte para a educação - uma partezinha!”, diferente do projeto meu e do Senador Aloysio Nunes, que previa o uso de todo o royalty para educação, ciência e tecnologia, porque assim a gente constrói o futuro.

            Não há outro jeito no mundo de hoje de construir o futuro a não ser educação, ciência e tecnologia. É claro que a gente precisa de saúde hoje! É claro que a gente precisa de estrada, de ponte! É claro que a gente precisa de tudo, mas o que de fato constrói o futuro é a educação das nossas crianças e o investimento em inovação, ciência e tecnologia brasileira.

            Sem isso, nós estaremos fazendo o mesmo que fizemos com o ouro, 150 anos atrás, 200 anos atrás, repetindo o mesmo erro. Só que os outros não tinham nem Senado para ser consultado. Nem independentes éramos, durante uma parte do fluxo do ouro; depois, numa parte, ainda éramos.

            O Senador Valadares tentou, e aqui é outra crítica que quero fazer a nós próprios. A proposta do Senador Valadares é a repetição de uma proposta que, aprovada no ano passado, foi vetada pelo Presidente Lula, um equívoco que o Presidente Lula cometeu ao vetar a emenda que era, então, não do Senador Valadares de colocar recursos para a educação.

            Pois bem. Dessa vez, nem votada foi a emenda. Por quê? Porque, nesta Casa, há Senadores e Senadores, há os Senadores e os líderes. E é fundamental que cada partido tenha o seu líder, que cada líder encaminhe o voto, mas não é aceitável que vote por mim; não é aceitável que vote pelo Senador Santiago outra pessoa, outro Senador, só porque é líder. E o que a gente viu aqui? Na hora de votar as coisas, perguntava-se: “O que os líderes acham?” Os líderes levantavam a mão e pronto! Estava resolvido. Nem chance deram de votar a emenda do Senador Valadares. Não deram chance disso, porque os líderes, quando votam e fazem um acordo, o resto aqui dos Senadores não apita nada, como se diz por aí. Temos que ficar quietos, calados, dizendo: “Foi aprovado”.

            Que satisfação eu vou dar aos meus eleitores, ao povo brasileiro, à historia do Brasil quando souberem que foi aprovado sem dizer quem votou de um lado, quem votou de outro; quem foi a favor da emenda, quem não foi a favor da emenda; quem foi a favor de que a emenda fosse votada, debatida antes, e quem foi favorável a que nem debatida fosse, o que decidiram os líderes. Esta Casa tem que acabar com essa primazia do voto de uns pelos outros. O líder é para orientar, não é para votar por nós.

            E assim foi feito aqui nesta semana. Nós esquecemos o passado, nós ignoramos o futuro, nós comemoramos o presente quando ele vai bem e reclamamos quando ele vai mal, esquecendo que, quando o presente vai mal - o presente que, então, seria futuro -, é porque, no passado, o futuro foi ignorado e sacrificou o nosso presente. O presente é resultado dos acertos e erros no passado. O futuro dos nossos netos, bisnetos, dos nossos brasileiros que ainda virão será resultado do que, no presente, nós estamos decidindo. E, nesta semana, nós decidimos de maneira irresponsável em relação ao futuro.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para colocar e deixar marcado aqui, para que os historiadores, quando analisarem esses dias do presente nesta Casa, lá no futuro, saibam que alguns pelo menos espernearam, pelo menos reclamaram, pelo menos vieram aqui dizer, até com certa tristeza, o óbvio - porque o óbvio não devia ser dito, devia apenas ser conhecido, mas é preciso dizer o óbvio no Brasil. E o óbvio é que uma nação é feita do seu passado, do seu presente e do seu futuro. E, lamentavelmente, nós estamos esquecendo rapidamente o passado, ignorando o futuro e, por isso, não dando razões para o que estamos fazendo no presente.

            Fica aqui, Senador, o meu registro de que esta Nação não está tratando, através de nós líderes, com o devido cuidado nem o nosso passado nem o nosso futuro e jogando fora o nosso presente.

            Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2011 - Página 43490