Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da questão dos Direitos Autorais no Brasil. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Considerações acerca da questão dos Direitos Autorais no Brasil. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2011 - Página 43923
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ASSUNTO, DIREITO AUTORAL, REGISTRO, FALTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PAGAMENTO, ARTISTA, BRASIL, ANUNCIO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ITAMARATI (MRE), OBJETIVO, DENUNCIA, PAIS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, todos que nos assistem pela TV Senado, pela Rádio Senado, eu queria aqui fazer, Sr. Presidente, um relato, que vou tratar como parcial, dos trabalhos que tenho conduzido, com muita honra, diante da Comissão Parlamentar de Inquérito, aprovada por esta Casa, para investigar as atividades do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, bem como debater a Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9.610/98, e, consequentemente, também debater o aprimoramento dessa legislação.

            A CPI entra na sua fase final. É lógico que ainda restam alguns depoimentos a serem feitos nessa quinta-feira. Vamos estar na bela cidade de Salvador, na penúltima audiência pública dessa Comissão Parlamentar de Inquérito. Daqui a duas semanas, deveremos ir a Florianópolis em uma diligência dessa CPI, para discutir, para debater com os militantes da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) no Brasil.

            É lógico que ainda temos uma sessão secreta dessa CPI, ainda temos algumas audiências especificamente para debater o modelo de direito autoral existente hoje no País, mas, creio, estou convencido de que podemos adiantar algumas conclusões desse trabalho.

            Em primeiro lugar, é importante apontar o fato de que o Ecad foi criado originalmente por lei de 1973, depois manteve, em 1988... Repito: o Ecad, criado inicialmente em 1973, depois modificado, reformado, com a extinção do Conselho Nacional de Direito Autoral, em 1998, é uma instituição voltada exclusivamente para os titulares da música.

            Ocorre, Sr. Presidente, que o poder da criação brasileira é muito mais amplo, como sabemos, do que simplesmente a música. É certo que a música tem, em nosso País, um lugar de destaque. Eu cometeria injustiça se começasse a citar todos os merecedores do justo crédito da produção musical brasileira, produção essa que vem desde o século XVIII. Já no século XVIII, contávamos com composições do Padre José Maurício. Na virada do século XX, contamos com a genialidade de Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e tantos outros.

            Temos o talento do pianista Guiomar Novaes. Anos depois, no Brasil, dos anos de 1950 a 1960, nascia a Bossa Nova de João Gilberto, brindada com a inteligência de Tom Jobim e com a colaboração deste belo compositor contemporâneo, acerca do qual quero tratar, que com muita versatilidade brinda a composição e a música brasileira, que é Ivan Lins.

            Mas também oferecemos ao mundo gênios em várias outras artes. Temos, nas artes plásticas, o talento de Portinari, Tarsila do Amaral, Iberê Camargo. Temos ainda, no cinema, o talento de Glauber Rocha, Walter Salles, Fernando Meirelles, Dias Gomes, Jorge Furtado.

            (Interrupção no som.)

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Amorim. Bloco/PSC - SE) - Desculpe, Senador Randolfe. Seu tempo será considerado.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Muito obrigado, Presidente.

            Temos ainda os desenhistas da animação: Marcos Magalhães, que ganhou o prêmio de Cannes; Carlos Saldanha; sem falar de Maurício de Sousa. Entre os dramaturgos, temos: Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna, Plínio Marcos. Na dança: Ana Botafogo, Rodrigo Pederneiras e tantos outros. Entre os atores: Fernanda Montenegro, Jonas Bloch e tantos outros.

            Com essa infinidade de produção cultural brasileira, de produção artística em todos os ramos e artes do País, nós só temos o Ecad para cuidar da música. Essa é uma primeira constatação.

            Em segundo lugar, na medida em que nos aprofundamos no exame das questões relativas à gestão coletiva, faz-se crescente a percepção de que a presença do Estado é fundamental para a eficácia do sistema de atividade de gestão coletiva. Ao Estado cabe, como aqui efetivamente sempre coube, a responsabilidade de criá-lo, no momento em que constata a impossibilidade do titular de exercer individualmente direitos de sua esfera privada.

            Quando obras intelectuais circulam na economia, fazem-no através de usos diversos que merecem diferentes formas de regulação de maior ou de menor intensidade. Isso reafirma a necessidade de que a esfera cultural tenha um acompanhamento, uma regulação, e creio que essa responsabilidade cabe ao Estado brasileiro, sem infringir, em hipótese alguma, o direito à propriedade intelectual, o direito à propriedade autoral, que está consagrado como direito fundamental previsto na Constituição Federal.

            Outra questão também a ser destacada e a ser equacionada é que o direito autoral brasileiro demanda uma ampla compreensão de parâmetros diversos e complexos.

            Por isso, devem ser considerados na regulação, para a formação, por exemplo, dos preços a serem cobrados pelo Ecad, os custos do negócio, o sistema que cobra esses custos, a forma de garantir direitos morais, de reconhecer limites ou exceções à aplicação do direito, o direito de acesso à cultura, etc. Todos devem constar no estabelecimento dos preços a serem cobrados pelo Ecad em proteção ao direito autoral brasileiro.

            E uma terceira e última questão que justifica a regulação de que falamos aqui recai no âmbito fazendário, uma vez que esse é um sistema já constatado pelo Ministério da Justiça como monopolista, que lida com as prerrogativas da economia popular, com renda alimentar das principais categorias produtivas do setor cultural, com intermediação compulsória de recursos de terceiros e, por fim, com divisas que ingressam e saem do País através dos contratos entre entidades privadas que orbitam em torno de um sistema que foi criado pelo próprio Estado.

            Quero chamar a atenção, Sr. Presidente, para essa questão, que é o cerne do tema de que quero tratar aqui, na tribuna do Senado, com a sociedade brasileira.

            O nosso Escritório Central de Arrecadação e Distribuição também estabelece contratos com entidades privadas que orbitam em torno de um sistema que foi criado pelo próprio Estado brasileiro. E aí chegamos a uma constatação nas investigações e no trabalho dessa Comissão Parlamentar de Inquérito. É para essa constatação que quero chamar a atenção, Sr. Presidente.

            Nós constatamos, em especial no último depoimento a essa Comissão Parlamentar de Inquérito, na última quinta-feira, que há um saldo negativo na balança de pagamentos brasileira referente às trocas de recursos de direitos autorais e direitos conexos.

            Durante os trabalhos dessa CPI, descobrimos um certo contrato de representação firmado entre uma sociedade norte-americana chamada Sound Exchange e a União Brasileira de Compositores, que é a maior sociedade integrante do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, controlada, a União Brasileira de Compositores, desde 1989, por representantes do grupo EMI Music Publishing.

            Atraiu-nos a atenção, em especial - peço só mais dois minutos, Sr. Presidente, para concluir -, esse contrato, que tem como objeto a representação mútua de intérpretes e parte da premissa genérica de que a Sound Exchange é designada por autoridades do governo dos Estados Unidos da América para cobrar e distribuir royalties nos Estados Unidos.

            Ocorre, Sr. Presidente, que a Sound Exchange é autorizada somente para os usos digitais pela Digital Millennium Act, que é uma lei interna dos Estados Unidos da América e não é uma convenção ou um tratado internacional. Então, nos Estados Unidos, arrecadam-se por força dessa lei os direitos provenientes de tais usos e de nenhum outro. Pelos usos de registros sonoros brasileiros, os Estados Unidos encaminharam para cá, para o Brasil, entre 2008 e 2010, R$51 mil. Em contrapartida, no Brasil, o Ecad estaria autorizado a arrecadar sobre essas tais transmissões digitais? Seriam essas tais transmissões uma forma de execução pública, portanto da competência do Ecad? São questões que são suscitadas na CPI.

            A melhor doutrina e os tratados internacionais dizem que não, que essa responsabilidade não caberia ao Ecad. E, mesmo se houvesse tal direito no Brasil, o Ecad só poderia encaminhar as rubricas específicas. Por meio desse contrato, Sr. Presidente, no mesmo período, de 2008 a 2010 - e quero chamar a atenção para esses números -, enquanto dos Estados Unidos foi encaminhado para o Brasil, para os autores brasileiros, quero dizer concretamente, do que foi tocado nas rádios americanas, do que foi tocado na produção musical americana de autores brasileiros, foi encaminhado para cá, para o Brasil, R$51 mil. Nós encaminhamos para os Estados Unidos R$10,7 milhões! Há um déficit de R$10,7 milhões, que, nesta CPI, foi imputado, segundo depoimentos que ouvimos, ao maior uso de fonogramas americanos aqui do que brasileiros de lá.

            Parece-me que o que explica esse amplo déficit da balança comercial, vou tratar assim, da produção musical brasileira nos Estados Unidos são questões menos nobres.

            Essa questão, obviamente, leva-nos a uma outra questão também correlata. Até hoje, os Estados Unidos da América não aderiram à convenção internacional para proteção aos artistas, intérpretes e executantes, a chamada Convenção de Roma, firmada em 26 de outubro de 1961.

            O Brasil foi aderente à Convenção de Roma desde a primeira hora. O que nos assusta é que, claramente, nesse aspecto, o art. 2º da Lei nº 9.610 está sendo desrespeitado, porque essa lei diz o seguinte:

Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas (...).

            O que nos salta aos olhos, Sr. Presidente, é que, desse período até agora, seria por bem que as entidades executantes do direito autoral brasileiro, notadamente a União Brasileira de Compositores e a Abramus, formulassem ao Governo brasileiro a necessidade de que o Estado brasileiro denunciasse os Estados Unidos da América na Organização Mundial do Comércio, porque há um claro disparate e uma clara regulação de monopólio por parte dos Estados Unidos em relação ao autor brasileiro.

            Ora, Sr. Presidente, esse fato desmascara o principal argumento que tentaram colocar depois de desqualificação dessa Comissão Parlamentar de Inquérito, dizendo que essa era uma Comissão que iria ameaçar o autor brasileiro. O autor brasileiro, o compositor brasileiro, entre 2008 e 2010, perderam pelo menos R$10,7 milhões. Os nossos cantores, os nossos músicos estão tendo suas músicas tocadas nos Estados Unidos e não estão recebendo no Brasil o dinheiro correspondente às músicas que são veiculadas lá, isso por uma completa omissão. Neste caso, teremos que investigar se essa omissão foi por parte do Estado brasileiro ou se essa omissão também foi de responsabilidade - que me parece que também foi - das sociedades integrantes do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.

            Chama a atenção, Sr. Presidente - e falo isso para concluir - esse contrato com a Sound Exchange, principal sociedade norte-americana de direito autoral, um contrato que, claramente, no nosso entender, foi prejudicial ao compositor, ao cantor brasileiro e que só foi feito para beneficiar os cantores e compositores norte-americanos.

(Interrupção do som.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Concluindo, de fato.

            Chama a nossa atenção a principal sociedade do Ecad ser dirigida, ter, na sua superintendência, alguém que é representante de uma multinacional norte-americana da música. Claramente, parece-me que a música e os compositores brasileiros não estão bem representados e não estão com os seus direitos devidamente tutelados e defendidos pela atual representação presente no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.

            Cada vez mais, Sr. Presidente, reafirmo a necessidade de, ao final dessa Comissão Parlamentar de Inquérito, modificarmos a Lei nº 9.610, de construirmos um novo marco regulatório para o direito autoral brasileiro.

            E eu queria aqui comunicar que, como medida da nossa Comissão Parlamentar de Inquérito, nós estamos solicitando ao Ministério das Relações Exteriores que denuncie o governo dos Estados Unidos da América à Organização Mundial do Comércio por prática de cartel e de monopólio no que diz respeito à produção cultural, ao direito autoral brasileiro, que não tem tido a reciprocidade devida, direito constitucional, direito do Direito Internacional, que não tem sido respeitado por parte do governo dos Estados Unidos da América, e que, em defesa dos interesses dos autores e compositores brasileiros, se faz necessária e urgente a denúncia por parte do Governo brasileiro.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2011 - Página 43923