Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao Conselho Nacional de Justiça para que sejam tomadas providências contra as concessões judiciais que autorizam o trabalho infantil; e outros assuntos.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Apelo ao Conselho Nacional de Justiça para que sejam tomadas providências contra as concessões judiciais que autorizam o trabalho infantil; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2011 - Página 43930
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, ASSUNTO, JUIZ, LIBERAÇÃO, TRABALHO, PERIODO, INFANCIA, REGISTRO, NECESSIDADE, INTERVENÇÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, MOTIVO, INCONSTITUCIONALIDADE.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Agência Brasil noticiou ontem um fato que considero lamentável. Juízes brasileiros autorizam mais de 33 mil crianças a trabalharem no comércio, em lixões, fábricas de fertilizantes, obras e construções.

            Entendo que essas autorizações ferem a Constituição Federal e ferem também o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é uma lei que não pode ser desconsiderada pela Justiça brasileira.

            Causou-me mais espanto ainda que viesse a público o presidente da Associação de Magistrados defender que os juízes brasileiros assim se comportam sob o argumento de que a Constituição é flexível e que o juiz deve dar a compreensão, a interpretação que seja mais adequada à realidade.

            Ora, a lei não deixa dúvida. O trabalho de jovens adolescentes no Brasil é permitido de 14 a 16 anos, sob a forma de trabalho aprendiz. Esse foi um debate muito rico na Constituição de 1988, em que o argumento de que era preciso e era necessário que as crianças e adolescentes de até 14 anos pudessem trabalhar, debatido pelos constituintes daquele período, foi compreendido como inaceitável.

            A Constituição definiu, como prioridade absoluta, a proteção a crianças e adolescentes em nosso País. O sentido geral da legislação é justamente garantir que essas crianças tenham o direito, até os 14 anos de idade, de concentração absoluta na tarefa da escola. É absolutamente contraditório com o esforço que desenvolve o Ministério da Educação de tornar obrigatória a matrícula e a frequência na escola pública de brasileiros acima de 5 anos de idade.

            Portanto, não há justificativa. A justificativa encontrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em defesa dos juízes que assim argumentam é de que era preciso garantir que essas crianças trabalhassem, porque suas famílias precisavam. Há uma inversão brutal de valores éticos e morais nessa afirmação. Há uma inversão daquilo que é o fundamento, o princípio constitucional de que a criança deve ser protegida.

            Portanto, ao dizer isso, o juiz responsabiliza a criança pelo sustento da família, e não o inverso. A família é que deve ser responsabilizada pelo sustento da criança, assim como os filhos devem ser responsabilizados pela manutenção dos seus pais quando eles não puderem mais e enquanto precisarem da sua proteção.

            Esses são preceitos constitucionais claros. O que é de espantar é que existe uma campanha no Brasil, desenvolvida pelo Ministério do Trabalho, pela Secretaria de Direitos Humanos, de impedir e erradicar o trabalho infantil em situações consideradas degradantes, como é o caso do trabalho nas fábricas de fertilizantes, por expor a vida das crianças e dos adolescentes, ou em lixões, outro tipo de trabalho considerado desumano, degradante, prejudicial à saúde de qualquer ser humano, em especial de pessoas em idade vulnerável, de crianças com até 14 anos de idade, a partir de quando poderia trabalhar como aprendiz.

            Esse trabalho degradante e exaustivo é um prejuízo profundo à saúde dessas crianças, que interfere no seu pleno desenvolvimento como pessoa, que interfere na sua condição saudável de constituir-se um adulto amanhã, que interfere na sua condição de saúde psicológica, que a coloca em uma situação de dano à sua saúde e exposta a outros riscos. E, ainda assim, a Associação dos Magistrados Brasileiros sai para defender uma posição que foi contestada pelos representantes do Ministério do Trabalho.

            Para minha surpresa, caro Senador, que imaginava que pudesse uma atitude dessa partir de situações, de regiões onde se registram os maiores índices de pobreza para que se sustentasse mais ainda esse argumento da necessidade, o trabalho infantil, que está sendo autorizado basicamente nessas condições, está acontecendo justamente nas regiões do Sul e Sudeste, especialmente na cidade de São Paulo, onde exatamente se registra o maior índice de desenvolvimento econômico do País - a chamada capital econômica do País -, o que não justifica, portanto, que nós possamos permitir essa infração da lei.

            Não é possível se admitir o argumento da legalidade. Mas, ainda que fosse “legal”, o que não é pela lei brasileira, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Constituição Federal e, além disso, pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil com a Organização Internacional do Trabalho; mas, ainda que fossem legais, no mínimo, é absolutamente imoral e inaceitável que no século XXI haja juízes que dão autorização para manter as nossas crianças e adolescentes num sistema de exploração da sua mão de obra de trabalho em situação degradante.

            Por isso, eu quero deixar aqui o meu protesto e o apelo para que o Conselho Nacional de Justiça tome providências para intervir nessas situações e para impedi-las, a fim de não permitir que esses posicionamentos sejam mantidos pelos juízos e pela Justiça brasileira.

            Eu quero convocar o movimento em defesa da criança e do adolescente do País inteiro para que nós possamos, efetivamente, condenar essa postura e mobilizar-nos contra esse tipo de decisão.

            Os organismos internacionais, como a Unicef e a Unesco, que atuam no Brasil são fiscalizadores e mobilizadores de uma postura de combate ao trabalho infantil em nosso País. Já vem avançando a política de combate ao trabalho infantil no Brasil: avançou imensamente nos últimos dez, doze anos, especialmente nos últimos oito anos do governo de Lula, mas já existia uma política pública voltada para isso desde o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Não é possível, portanto, retrocedermos ou permitirmos esse argumento que significa realmente um retrocesso em relação à situação da infância e da proteção à infância no Brasil.

            Não tenho dúvida, usando um argumento até diria agressivo, mas, não tenho dúvida de que os filhos e filhas dos senhores juízes que assim determinaram o trabalho dessas crianças estão dentro de suas casas protegidos, tendo como prioridade ir à escola, tendo como prioridade constituir-se num profissional capacitado para disputar amanhã, em situação de absoluta desigualdade, com essas crianças que hoje estão submetidas a uma forma de trabalho danosa a sua saúde e degradante.

            Temos, diferente daquilo que os juízes determinaram, a responsabilidade da criança pela sustentação dessas famílias. Esses juízes deveriam estar condenando o Estado brasileiro a dar proteção devida a essas famílias por meio das políticas públicas que já estão disponíveis no nosso País, como o Bolsa Família, para que essas crianças tivessem condições de cumprirem com a sua necessidade de estar na escola e de estar recebendo o apoio da saúde e da educação necessária que o Estado brasileiro lhes garantisse.

            Portanto, quero deixar aqui o meu protesto. E quero também registrar aqui que, durante esta semana, a Caravana Estadual pela Erradicação do Trabalho Infantil no Território de Identidade Bacia do Paramirim, no Estado da Bahia, formado pelos Municípios de Boquira., Botuporã, Caturama, Érico Cardoso, Ibipitanga, Macaúbas, Paramirim, Rio do Pires e Tanque Novo, estará realizando as suas audiências públicas e os seus protocolos de mobilização para erradicar o trabalho infantil nessa região sofrida do nosso Estado da Bahia.

            É assim que devemos proceder nas regiões de maior pobreza, justamente nelas que temos que nos instalar para proteger a infância e não para aprofundar a pobreza, impedindo que essas crianças amanhã tenham a possibilidade de ter um futuro diferente daqueles que os seus pais tiveram.

            Quero também, Sr. Presidente, para finalizar rapidamente registrar a minha alegria

            Quero também, Sr. Presidente, para finalizar, rapidamente registrar a minha alegria de ter hoje participado, com todo o Senado Federal, da votação do PLC 41, desse PLC que tive a oportunidade de, quando na Câmara dos Deputados, participar da Comissão Especial que elaborou seu parecer, seu relatório, que foi feito pelo Deputado, hoje Ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro e teve uma importante participação e contribuição, naquele momento, na elaboração do texto, do Deputado Federal José Genoíno, do PT de São Paulo, e do Deputado Gabeira, do PV à época, do Rio de Janeiro.

            Esse projeto tem essa importância de devolver ou de constituir no Brasil os pilares de uma democracia participativa, porque dá instrumentos para que o cidadão possa, em qualquer tempo, um cidadão comum, acompanhar os atos do Poder Executivo, do Poder Legislativo, de todos os Poderes do nosso País da melhor forma possível.

            Hoje aqui, quando nós rejeitamos o substitutivo do Senador Collor e aprovamos, com pequenas mudanças, o projeto que veio da Câmara dos Deputados, nós optamos pelo melhor caminho de consolidação de uma proposta de transparência para os atos do Poder Executivo e para a consolidação democrática em nosso País.

            Amanhã vamos ter também a felicidade de debater e aprovar a Comissão da Verdade, outro importante passo que o Brasil dará no sentido de avançar na sua democracia. Creio até que precisaríamos fazer mudanças maiores no sentido de radicalizar o processo democrático brasileiro. No entanto, o projeto que virá à votação - e tenho certeza de que será aprovado por unanimidade - já representa um avanço naquilo que temos hoje e, por isso, nós, nesse momento, estaremos dando um passo significativo para que o povo brasileiro possa se reconhecer e conhecer a verdade sobre os fatos políticos que aconteceram em nosso País no período da ditadura militar e em outros períodos da nossa história política.

            Acho que esses dois projetos - felizmente um votado hoje e outro o será amanhã - são pilares que darão musculatura ao crescimento democrático do nosso País, que hoje vive um momento de desenvolvimento econômico, de modernização da sua economia e com essas duas novas leis poderá também se constituir num Estado democrático de direito mais avançado e moderno, colocando-se no mesmo nível de outras nações democráticas do mundo.

            E, finalmente, parabenizar o Governador Jaques Wagner, que amanhã estará aqui em Brasília e para participar da reunião da Bancada do nosso Estado que discutirá as emendas da bancada do orçamento, mas que vem também para receber o prêmio que esta Casa lhe concede, o Prêmio Darcy Ribeiro, pelo Programa Topa - Todos pela Alfabetização, que integra o Programa Brasil Alfabetizado, que ganha na Bahia uma versão própria, singular, com o extraordinário feito de alfabetizar mais de um milhão de baianos e baianas. Quero, portanto, parabenizar o Governador Jaques Wagner, que amanhã estará na Câmara dos Deputados para receber esse prêmio, para o qual foi indicado por sugestão do Senador Walter Pinheiro, meu companheiro de bancada e de luta, juntamente com o Senador João Durval, que de forma muito justa faz essa homenagem ao governo baiano, quando indica esse programa para receber o reconhecimento do Congresso Nacional.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2011 - Página 43930