Discurso durante a 206ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do programa do extinto Partido Operário, fundado em 22 de junho de 1890; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Comentários acerca do programa do extinto Partido Operário, fundado em 22 de junho de 1890; e outro assunto.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2011 - Página 47133
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, AUTORIA, ALVARO DIAS, SENADOR, ESTADO DO PARANA (PR), ASSUNTO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PROBLEMA, MODELO, GESTÃO, POLITICA PARTIDARIA, CORRUPÇÃO, CRITICA, EXCESSO, MINISTERIOS.
  • LEITURA, PROGRAMA PARTIDARIO, PARTIDO POLITICO, SOCIALISMO, TRABALHADOR, COMENTARIO, HISTORIA, FUNDAÇÃO, DOUTRINA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, é interessante esse debate levantado pelo Senador Alvaro Dias nesta segunda-feira: a questão da partilha do Governo com os partidos da base de apoio.

            É realmente terrível isso e é também evidente que se pode resistir a isso. Como Governador do Paraná, não aceitei mando político e tentei, na medida das possibilidades de recrutamento, fazer um governo técnico. Mas, por outro lado, Senador Aloysio, se observarmos o que acontece no mundo hoje, nós vemos o Berlusca, nosso Berlusconi da Itália, sendo substituído por um técnico que era funcionário do Goldman Sachs, que, segundo a mídia, estava envolvido no ataque à moeda grega, com parte da responsabilidade na crise da Grécia, e funcionário ou ligado à Coca-Cola.

            Então o que me vem à memória neste momento é a solução gramsciana, que, diante do dilema, aquele famoso dilema de que o intelectual pensava e não sentia, mas que os trabalhadores sentiam e não pensavam, mediou essa situação com a figura do intelectual orgânico, que, não sendo acadêmico, pensava e propunha soluções não apenas para os operários, para os proletários, mas propunha soluções para a sociedade inteira.

            E eu, quando me refiro ao intelectual orgânico, não posso me esquecer do Presidente Lula, que, não sendo um acadêmico, com a sua sensibilidade aos sofrimentos do povo, foi um bom Presidente da República, sem a menor sombra de dúvida. 

            Então nós temos que mediar esse processo. Se bem que é também verdade que ninguém pode governar, Senador Aloysio, um País com 38 Ministros. Alguns desses 38 Ministros não terão a satisfação de privar uma audiência solitária com a Presidenta da República, porque ela não terá tempo para interagir com esse tão amplo Ministério. E é evidente que essa situação não pode permanecer.

            Mas não vamos, Senador Alvaro Dias, para aquela visão técnica, porque foi essa visão técnica que levou os Estados Unidos à crise em que se encontra hoje e que levou de arrasto também o resto do mundo.

            Essa questão da forma de administração da sociedade é um debate muito antigo no mundo e no Brasil.

            E eu quero trazer hoje ao plenário do Senado as preocupações das pessoas que, em junho de 1890, reunidas em Curitiba, lançaram o programa e fundaram o Partido Operário. Partido Operário fundado em 22 de junho de 1890, em Curitiba, e, nos dias próximos, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Partido, segundo o seu programa:

Nascido das classes até ontem segregadas da comunhão política quer agora concorrer com a sua atividade inteligente e, sobretudo, com a probidade pessoal e política para transformar as normas seguidas pelas minorias governantes e dar ao povo legítima representação de seus interesses.

Não há a contestar que o primeiro dever dos homens que se propõem a intervir eficazmente na direção da política do Estado é proceder à arregimentação e organização sistemática de suas forças e traçar os Iineamentos de seu programa, que não deve ser puramente especulativo e abstrato, mas suscetível de realização imediata ou remota, e inspirar-se na possibilidade de ação individual e comum. Em cada cidade, vila ou paróquia, cumpre aos mais dedicados de nossos companheiros convocar membros da classe operária e eleger uma comissão diretora, segundo o plano que acharem mais conveniente e mais prático.

            E eles continuam na descrição de seu programa.

Ora, nós que empreendemos a política do povo pelo povo, até este momento impraticada, senão desconhecida no Estado, teremos que vencer as mais árduas dificuldades, porque a maioria dos nossos conterrâneos ou está viciada pelos usos estabelecidos ou não chegou ainda à compreensão de seus verdadeiros interesses, completamente separados daqueles que têm agora prevalecido no Governo.

O partido criado deve, em todas as conjunturas, manter a sua autonomia, defender-se das velhas facções e atrair, pela seriedade e constância do seu procedimento, as simpatias e mesmo o apoio da massa popular.

Se o que queremos para nós é o que exatamente deve constituir a principal preocupação do maior número, nenhum empeço se oferece à confraternização da classe operária com outras classes igualmente pungidas pelo sentimento do bem público e refratárias à inspiração dos antigos partidos.

Os industriais e os comerciantes têm conosco ligações e atividades estabelecidas por tradição e sofrimento comuns. Os orçamentos, poupando a ociosidade abastada, carregam duramente sobre o comércio e as indústrias, produzindo, consequentemente, a crise, que se pode chamar da nudez e da fome, na porção menos afortunada do povo. Os impostos lançados sem discernimento sobre os gêneros de primeira necessidade tornam difícil a situação do proletariado, mas também paralisam o comércio.

Não falamos dos lavradores, dos cultores do solo, porque estão em nossas fileiras e para eles se voltam nossos cuidados fraternais. Não se pode admitir, não se deve tolerar o sistema pernicioso, que perpetua o sofrimento e a miséria de uma classe numerosa, despojada da terra em benefício de um direito nominal e estéril, incompatível com a grandeza e a prosperidade do Estado. A propriedade é, para nós, sagrada, mas este título não merece a detenção arbitrária do solo nas mãos dos indolentes, sob a jurisdição da preguiça.

Ora, a distribuição caprichosa, discricionária da terra pelos conquistadores não pode constituir barreira inexpugnável para impedir a ascensão da massa trabalhadora à independência e à abastança. Ela é uma injustiça no presente, como foi uma usurpação no passado. A fatalidade histórica deve converter-se em direito para achar guarida na consciência honesta. Estados conservadores, como a Inglaterra e a Áustria, admitem a expropriação de latifúndios em proveito da cultura e não põem sob a égide das leis a propriedade territorial que permanece não explorada..

Os nossos compatriotas, que exercem a atividade agrícola em condições acanhadas e precárias ou que jazem na indolência por falta de terrenos apropriados à sua cultura, devem reclamar dos poderes públicos medidas protetoras do direito natural sacrificado indevidamente ao monopólio de uma minoria ociosa.

Até hoje, tinha-se como corretivo do pauperismo, infelizmente naturalizado nas terras brasileiras pela legislação do privilegio, a caridade dos ricos, a philanthropia dos bons corações.

            Esse texto, Senador Aloysio, é de 1890, dia 22 de junho de 1890. E continua:

É tempo de obter das leis, dos processos da política, espaço largo e franco para a organização da solidariedade econômica, para o regimen social da cooperação. O filósofo alemão Eduardo von Hartmann entreviu que o fim do futuro deve ser tornar inútil a beneficência privada e as obras voluntárias da caridade e substituí-las pela organização definitiva da solidariedade social. Também a civilização industrial, que uma certa filosofia descobre envolta na penumbra do futuro, tem como base fundamental aquela necessidade que o gênio de Goethe lobrigou na urdidura moral da nossa época. Doravante, diz ele, ‘aquele que não se volta à prática de uma arte ou ofício achar-se-á mal. O saber não é mais um recurso no turbilhão dos negócios humanos; antes que se tenha tomado conhecimento de tudo, escapa-se de si mesmo.’ Assim, queremos para as novas gerações uma educação integral e positiva.

O imortal tribuno da Revolução Francesa, Mirabeau, dizia, com o ímpeto de sua eloquência, mas também com admirável critério: ‘Da boa organização da justiça depende a efetividade dos direitos, a segurança dos bens e a conservação da liberdade”. Mas podemos dizer, com Bergasse, que ‘o poder será mal organizado se os juízes não responderem por seus atos’. ‘Se há homens’, diz esse jurisconsulto, ‘que, no exercício de seu ministério, importa cercar o mais possível da opinião, isto é, da censura da gente sã, são os magistrados: quanto maior for o seu poder, mais deve ter ao seu lado o primeiro de todos os poderes, aquele que não se corrompe nunca, o poder terrível da opinião’.

            Acaba o manifesto do socialista, de 1890, com essa história de que não se pode discutir uma sentença judicial e estabelece o princípio da fiscalização absoluta da opinião pública em relação ao judiciário! E continua:

Fazemos votos para que o Estado organize uma magistratura eletiva e temporária; mas, antes de tudo, trabalharemos para que a justiça seja gratuita e ministrada sobre a forma de juízo arbitral obrigatório. [É o direito romano e as arbitrariedades processuais sendo simplesmente revogados.]

Essa fórmula exclui absolutamente as chicanas e delongas, as rapinas e manobras criminosas usadas no foro. Todos os processos e causas terão solução rápida e definitiva, sem que se precise recorrer aos bons ofícios da advocacia mercenária. Os advogados exercerão função pública retribuída e terão a seu cargo o exame e a fiscalização dos atos judiciais para promover a responsabilidade dos juízes prevaricadores.

Convém lembrar - ou não esquecer - de um dos processos formais mais recomendados pelos economistas atuais: a especialização do imposto. A cada serviço deve ser afetada a quota da imposição, de modo que os contribuintes vejam quando esta é excessiva e possam fiscalizar a sua aplicação.

Determinados serviços, e a retribuição que lhes deve ser afetada, tem-se facilitada a intervenção do juízo público na distribuição e aplicação da renda. ‘A lei social não foi feita para enfraquecer o fraco e fortificar o forte. Ela trata de pôr o fraco ao abrigo das empresas do forte e, amparando com sua autoridade tutelar a integralidade dos cidadãos, ela assegura a todos a plenitude do seu direito’ (Jornal de Instrução Social de Sieyér).

O serviço dos seguros tornar-se-á a função por excelência do Estado, o emblema da proteção coletiva sobre o indivíduo, proteção que não se manifestará mais senão por benefícios e para que, através dela, se escude a liberdade.

Não se pode pôr em dúvida a influência do trabalho, quer sobre os indivíduos, quer relativamente ao destino das nações.

            E hoje nós vemos, Senador Aloysio, a Grécia e a Itália fazendo tábula rasa da opinião popular, inaugurando uma espécie de fascismo do capital, fascismo do capital vadio e dos rentistas.

            Continua o programa do Partido Socialista Operário:

A vantagem moral oferecida pelo trabalho é de formar um laço de simpatia entre o homem rico e o homem pobre, lembrando a ambos que o trabalho é uma condição da vida humana. ‘Trabalha! dizia Phoclyde, tu deves pagar a vida pelo teu trabalho. O preguiçoso rouba à sociedade’.

Tão severo pensamento foi exposto por Louis Blanc, quando fulminou este anátema: ‘Aquele que não trabalha é um ladrão’!

Incluímos no nosso programa a abolição do direito de sucessão na linha colateral e a limitação das quotas hereditárias para as grandes fortunas.Evitaríamos o espetáculo dessas fortunas colossais, escandalosas, que irritam as massas indigentes. Stuart Mill, Bentham e outras autoridades afirmam que, se não existissem herdeiros nas linhas ascendente e descendente, a propriedade de um caso de intestado deveria pertencer ao Estado. Poucas pessoas sustentarão que haja alguma razão sólida para que as economias de um avarento sem filhos vão, pela morte desse, enriquecer um parente afastado que nunca o viu.

‘Se eu tivesse de formular’ - acrescenta Stuart Mill -, ‘preferiria limitar não a possibilidade de cada um legar, mas aquilo que cada um poderia receber por legado ou herança’. Política e administração são ideias que se chocam e colidem, apesar da conciliação aparente que historicamente as aproxima. Pensamos que já seria uma grande fortuna achar quem poupasse dinheiro público. Para aqueles que se habituaram a viver constantemente à sesta e bebem à alegria pela taça das contribuições públicas, o melhor dos administradores é aquele que mais prodigaliza, que imita o agrônomo celeste, borrifando a natureza.

Não esqueçamos as observações de Montesquieu sobre os imperadores romanos: ‘os piores foram aqueles que mais deram. Por exemplo: Calígula, Cláudio, Nero, Othão, Vitellio, Commodo, Helliogabala e Caracalla. Os melhores, como Augusto, Vespasiano, Antonino, Marco Aurélio e Pertinax, foram os econômicos’.

Sairemos vitoriosos desta luta? Não é grande infortúnio perder a batalha quando se tem a consciência do próprio valor. Mais desgraçada é a sorte de quem não luta porque não tem coragem, que se deixa esmagar porque não possui a alma livre e perde os foros de cidadão.

Saúde e fraternidade.

            Esse, o que li, é o manifesto de criação do Partido dos Operários, fundado na Cidade de Curitiba, Estado do Paraná, em 22 de junho de 1890. O manifesto foi escrito pelo sergipano de Divina Pastora, meu bisavô, Justiniano de Mello e Silva.

            A comissão de intelectuais que constituía o partido era formada por uma série de curitibanos: Agostinho Leandro, João Crisphim, Giacomo Giordano, Carlos Guertner, Domingos Gravine, Jorge Belo, Rodolfo Wolvi, Bento Braga, Antônio Schneider, Alexandre Marques, João Evangelista da Costa, Domingos Frizola, Pedro Falcei, Rafael Contador, João Leandro R. da Costa, João Alvim D'Oliveira, Gabriel Chorriol, Vicente F. de Araújo, Gustavo Menning e Carlos Leinig.

            Vinte e dois de junho de 1890. E esse clamor que antecedeu à criação dos partidos socialistas de vezo marxista, porque é anterior ao advento ou ao conhecimento público das obras de Marx e de Angels, deu-se em Curitiba, e é extraordinariamente atual para os dias de hoje.

            Concedo um aparte ao Senador Aloysio.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Eu pretendia perguntar a V. Exª se existe alguma ficha ainda disponível para assinatura para afiliação neste partido, porque é exatamente esse o meu ponto de vista hoje: eu sou um democrata radical. E esses eram democratas radicais. Foi um componente importante a democracia radical na instalação da República. Pena que, nos desvãos da história, isso tenha se perdido. Mas eu tenho certeza, Senador Requião, de que esse tesouro está escondido em algum lugar, e é preciso encontrá-lo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Na verdade, esse Partido Socialista ou esses partidos socialistas foram fundados, quase que simultaneamente, no Rio Grande do Sul, da Senadora Ana Amélia, em São Paulo, do Senador Aloysio, e no Rio de Janeiro. Eu encontrei, nos guardados familiares, junto a manuscritos do meu bisavô, um jornal que se chamava Sete de Março. Esse jornal publicava o programa do Partido Socialista, nominava os seus membros fundadores e, ao mesmo tempo, esclarecia-nos que ele tinha sido fundado, simultaneamente, no Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

            É muito interessante, porque eles se apropriam das ideias de Bentham, de Ricardo, de Stuart Mill, em uma visão libertária, uma mirada pela esquerda. E a atualidade dos seus temas é flagrante ainda hoje.

            São trabalhadores do Paraná. Meu bisavô era um sergipano que nasceu em Divina Pastora, uma cidade que hoje tem 6,5 mil habitantes; uma pequena cidade. Formado em Pernambuco, em Direito, posteriormente estudou na primeira universidade da América, a Universidade de Córdoba, na Argentina, com os jesuítas. Era um homem que, com os jesuítas, aprendeu 17 línguas e se expressava, correntemente, em 27 dialetos. A Biblioteca do Supremo, a Biblioteca do Senado e a da Câmara têm obras suas. E eu tenho ainda um segundo volume de um livro seu. O primeiro foi impresso, Senador Sarney, pela Imprensa Nacional, mas a Imprensa Nacional pegou fogo, e o segundo volume desapareceu. Eu encontrei os manuscritos do segundo volume. Estou digitalizando esse material e quero oferecê-lo à Biblioteca do Senado, à Biblioteca de Sergipe e às bibliotecas, de uma forma geral, que pelo texto se interessarem, do Brasil inteiro. Estou digitalizando esse processo.

            Mas o importante é a história do socialismo no Brasil. É o socialismo não marxista - e não estou fazendo uma crítica à análise marxista, que eu acho interessantíssima e que ainda hoje fundamenta as críticas que faço ao capital financeiro mandando no mundo. Mas é uma parte da história do socialismo no Brasil que tem que ser devidamente resgatada.

            Sr. Presidente, obrigado pela tolerância do tempo, embora a insistência das campainhadas automatizadas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2011 - Página 47133