Discurso durante a 210ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, o Dia de Zumbi dos Palmares, o Ano Internacional dos Afrodescendentes, os vinte e três anos da Fundação Cultural Palmares, um ano de vigência do Estatuto da Igualdade Racial, bem como a homenagem ao ex-Senador Abdias do Nascimento.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, o Dia de Zumbi dos Palmares, o Ano Internacional dos Afrodescendentes, os vinte e três anos da Fundação Cultural Palmares, um ano de vigência do Estatuto da Igualdade Racial, bem como a homenagem ao ex-Senador Abdias do Nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2011 - Página 47960
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, CELEBRAÇÃO, DEMOCRACIA, HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, IMPORTANCIA, LUTA, IGUALDADE RACIAL, ELOGIO, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, REGISTRO, ORADOR, RECONHECIMENTO, RESULTADO, MELHORIA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, POLITICA, COTA, COMENTARIO, INCLUSÃO, CURRICULO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO, HISTORIA, AFRICA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, MUNICIPIO, SALVADOR (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), CRIAÇÃO, DOCUMENTO, PROMOÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, POLITICA SOCIAL, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO, POPULAÇÃO, NEGRO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, ABDIAS DO NASCIMENTO, EX SENADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATIVIDADE POLITICA, ATIVIDADE SOCIAL, SIMBOLO, LUTA, DIREITOS HUMANOS.
  • HOMENAGEM, POETA, PRESIDENTE, GRUPO, TRABALHADOR, DOADOR, OBRAS, COMPOSIÇÃO, ACERVO, MUSEU, TRABALHO, PRESERVAÇÃO, MEMORIAL, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, PAIS.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, senhoras e senhores aqui presentes; Embaixador da República do Zimbábue, decano dos países africanos; Secretário-Geral da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, Sr. Mario Teodoro; representando o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar, Juniti Saito, o Brigadeiro-do-Ar, Luís Roberto de Carmo Lourenço; representando o Comando da Marinha Brasileira, Almirante de Esquadra, Julio Soares de Moura Neto, o Comandante do 7º Distrito Naval, Exmº Vice-Almirante Walter Carrara; Presidente da Fundação Cultural Palmares, querido amigo Eloi Ferreira de Araújo; Secretário-Geral da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, Sr. Moacyr Roberto; representante da Sociedade Civil e do Movimento Negro, Srª Márcia Severino; e demais convidados desta Sessão.

            É com muito orgulho que participo hoje desta sessão solene dois dias após Salvador, capital do meu Estado, ter sido declarada Capital Negra da América Latina, no último Encontro Afro XXI, realizado nesse fim de semana.

            Dessa mesma cidade, que é a maior cidade negra fora da África, assim reconhecida, assim assumida, representando o meu Estado da Bahia, que orgulhosamente se autointitula e se apresenta como um Estado negro, com a consciência da contribuição negra à nossa cultura, à nossa economia, à nossa vida, à nossa existência.

            Desde a década de 70 que o movimento negro brasileiro celebra o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Fruto, inicialmente, do esforço quase que pessoal do poeta, pesquisador e militante do movimento negro gaúcho Oliveira Silveira, ampliou-se no rastro do esforço coletivo das organizações do movimento negro para a consolidação de Zumbi dos Palmares como herói e liderança maior da luta contra a escravidão no Brasil. O dia 20 de novembro é hoje entre nós data a ser celebrada não apenas pelos negros, mas sim por toda a sociedade brasileira, visto que o exemplo de Zumbi é uma referência e um símbolo a ser reverenciado por todos os brasileiros.

            Datas como 20 de novembro de 1695, morte de Zumbi dos Palmares, de enorme relevância para a história da resistência negra no País, 25 de janeiro de 1835, da Revolta dos Malês, em Salvador, ou 12 de agosto de 1798, que celebra a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates, não deixaram de ser lembradas ao longo do tempo, porém esvaziadas do seu conteúdo de lutas e muitas vezes distorcidas em sua interpretação.

            Segundo Clóvis Moura, no livro de sua autoria, Rebeliões da Senzala:

A conscientização progressiva da comunidade negra, especialmente nas grandes cidades, iniciou a questionar o problema da história oficial do Brasil, especialmente no que diz respeito ao papel do negro escravo, não apenas na criação da riqueza comum, mas como contestador da construção desse tipo de riqueza da qual ele foi sistemática e totalmente excluído.

            Daí porque, Sr. Presidente, o 20 de novembro, Dia da Consciência negra, constituir-se uma data singular dentre as datas nacionais, por ter sido conquistada em consequência de quase quatro décadas de mobilização e pressão dos movimentos negros, independentemente de suas linhas de pensamento, que se uniram pelo reconhecimento de Zumbi como símbolo da luta antiescravista no Brasil.

            Esta data, marco maior da luta da comunidade afrodescendente brasileira contra o racismo, a exclusão social, a desigualdade, tornou-se um fórum permanente de análises, discussões e debates, em busca de soluções para questões a que a sociedade e o Estado ainda não deram respostas satisfatórias.

            Faço essa afirmação com a certeza de que a luta contra a discriminação e o racismo empreendida durante séculos em nosso País, não pode e nem deve ser circunscrita às vítimas desses crimes hediondos e de lesa-humanidade que foram a escravidão e o tráfico negreiro.

            Por outro lado, o amadurecimento político de nossa sociedade por meio da democracia indica claramente a necessidade do envolvimento e da participação ativa de todos os brasileiros e brasileiras nessa bandeira e nessa luta.

            Por isso mesmo, celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra é, antes de tudo, celebrar a democracia; democracia que foi conquistada aos trancos e barrancos ao longo de 21 anos de dura resistência ao governo ditatorial instalado em nosso País e que custou a vida de muitos brasileiros, negros e brancos; democracia que se vem consolidando a partir da Constituinte de 88, quando, finalmente, reinstalamos o regime democrático no Brasil.

            V. Exª, como Presidente desta sessão, hoje, e Constituinte como eu, sabe da importância, como todos os brasileiros sabem, e do que representa a Constituição de 88 para a instalação de um regime democrático, do Estado de Direito e para a conquista de uma Constituição cidadã para o nosso País - cidadã para garantir a cidadania das maiorias negras e da maioria de mulheres, que, até então, não eram reconhecidas, não era vistas, não eram percebidas pela sociedade.

            Naquele tempo, antes da conquista da democracia, falar de questão racial, de luta pela igualdade racial era considerado tão grave quanto falar de questões de liberdade em nosso País. Pelo governo, era considerado subversivo, mas também pelos movimentos de esquerda não era muito fácil tratar desses assuntos.

            Naquele momento, para a esquerda, que se reunia, às vezes, de forma clandestina e ouvia, nas reuniões partidárias, falarmos de incluir as mulheres, os negros e até os homossexuais, isso tudo era considerado um desvio pequeno-burguês de alguém ou de militantes que queriam desviar atenção do nosso movimento, que deveria se concentrar apenas na luta pelas liberdades democráticas. Ainda bem que superamos esse momento da luta política no Brasil e conseguimos alcançar uma democracia, instituindo, na Constituição, um marco democrático que, promulgado em 1989, no art. 68, reconheceu as terras remanescentes de quilombos, criando a base legal e constitucional para que o Presidente Lula sancionasse o Decreto nº 4.887, de 2003, que regulamentou a certificação e titulação de milhares de territórios remanescentes de quilombos no Brasil.

           Foi também na Constituição de 1988 que a prática do racismo passou a ser considerada crime inafiançável imprescritível, o que deu lugar à criação da Lei Caó e, posteriormente, ao Estatuto da Igualdade Racial. E hoje comemoramos um ano da sua aprovação, após anos de luta deste Constituinte, deste Parlamentar que honra o Brasil e a comunidade negra no Brasil, Paulo Paim, a quem quero homenagear neste momento. Ambas, ferramentas importantes, mas ainda frágeis para as nossas necessidades; no entanto, vitórias fundamentais na nossa luta contra o racismo.

            Claro que muitos dos princípios invocados acima e que estão assegurados na Constituição Federal carecem de concretude no nosso dia a dia. Para transformá-los em realidade será necessário aprofundarmos o processo de mobilização democrática do nosso povo. Mas também é verdade que sem esses pressupostos básicos dificilmente teríamos conquistado os avanços na luta contra o racismo e a discriminação que temos até o momento.

            Por mais que tenhamos razão em exigir maior velocidade, amplitude e efetividade na implantação e implementação de políticas públicas de igualdade racial no Brasil, não podemos negar os avanços obtidos na última década e, em particular, no período do governo do Presidente Lula. O reconhecimento desses avanços é fundamental até mesmo para que possamos avaliar os seus impactos, corrigir os seus erros e formular novas políticas. E para que possamos deixar de ter essas políticas como políticas de governo e passemos a tê-las como políticas de Estado.

            Nesse sentido vale a pena ressaltarmos a política de quotas para o ensino superior. Em que pese a avassaladora campanha contrária, que V. Exª também destacou, realizada por grandes órgãos de mídia nacional, esta política é de um sucesso quase que pleno, não fosse ainda a dificuldade de muitos cotistas de manterem-se na universidade.

            Mas, ainda assim, os números são impressionantes. Só nas universidades públicas temos mais 110 mil estudantes cotistas. Se juntarmos a esses os que entram pelo ProUni nas instituições privadas, chegaremos a mais de 400 mil estudantes afro-brasileiros no ensino superior. Isso é maior do que todos os estudantes negros que passaram pelas universidades do Brasil de 1808 a 2001.

            Inegavelmente, é um fato a ser comemorado, embora ainda tenhamos algumas resistências daqueles racistas de plantão a contestarem essa política pública.

            No campo cultural, temos importantes conquistas a serem celebradas. A Fundação Palmares, que hoje comemora 23 anos de existência, consolidou-se como principal instrumento de política pública, no campo cultural, para os afro-brasileiros. Certificou mais de 1.500 comunidades remanescentes de quilombos, propiciando não apenas o seu reconhecimento enquanto fenômeno cultural, mas a chegada dos serviços públicos básicos, como água, luz, escolas, e políticas públicas de cultura para essas comunidades.

            As certificações estimularam a organização social dos quilombolas, que hoje possuem centenas de associações articuladas na Associação Nacional dos Remanescentes de Quilombos e que têm atuação firme e permanente na defesa do Decreto nº 4.887, de 2003. Além disso, a Fundação Palmares estabeleceu uma forte ação internacional, no rastro das ações desenvolvidas pelo governo Lula e pelo Ministério das Relações Exteriores, tanto no continente africano quanto na América Latina. Exemplos nesse sentido foi a presença afro-brasileira na Copa do Mundo da África do Sul, no Festival Mundial de Artes Negras, no Senegal, a criação do Observatório Afro-Latino e Caribenho, e a realização de dois encontros afro-latinos, um deles realizado na cidade de Salvador.

            Ainda no campo da cultura, o Ministério da Cultura, por meio do Iphan, promoveu avanços importantes no reconhecimento das manifestações culturais de origem negra enquanto patrimônios brasileiros, propiciando a valorização e a preservação dessas manifestações, a exemplo do que aconteceu com a Roda da Capoeira, o Ofício das Baianas do Acarajé, da minha terra, o Tambor de Crioula, o Samba Carioca, o Jongo do Sudeste e o reconhecimento, por parte da Unesco, do Samba de Roda do Recôncavo Baiano enquanto Patrimônio Cultural da Humanidade.

            Outra vitória importantíssima na luta pela promoção da igualdade racial foi a implementação da Lei nº 10.639, que introduziu o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira na grade curricular do ensino fundamental, quebrando, assim, um histórico secular de ausência da contribuição civilizatória da comunidade negra na formação social, política e cultural do Brasil.

            Sr. Presidente, peço licença a V. Exª para também registrar aqui a nossa experiência na Prefeitura de Salvador, ainda em 1993, antes da existência da lei, quando definimos, constituímos e criamos os cadernos pedagógicos para o ensino de educação básica no nosso Município, onde divulgávamos as lendas africanas, as letras do Olodum, do Ilê, que dizem e afirmam com orgulho: “Eu sou negão, eu sou negão. Meu coração é a liberdade”. É a Liberdade, o bairro negro da Bahia, onde se implantou o quilombo, o terreiro de candomblé, que depois dá origem a esse trabalho cultural esplêndido do Ilê Aiyê, de Mãe Hilda, e também a liberdade que campeou e campeia a luta, os sonhos, a utopia dos negros no mundo inteiro na necessidade de realizar a liberdade e a política como uma opção dos homens para viabilizar um mundo justo e igualitário.

            Globalizando o debate, a ONU proclamou 2001 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, visando, entre outras metas, o fortalecimento de ações nacionais e regionais, além da cooperação internacional para o benefício das pessoas descendentes de africanos em relação ao total usufruto de seus direitos econômico, cultural, social, civil e político.

            No Brasil, este País de expressiva população negra e parda, além das comemorações do “novembro negro”, já foram realizados importantes eventos referentes ao Ano Internacional dos Afrodescendentes, entre os quais destaco, pela sua magnitude, o Afro XXI - Encontro Iberoamericano do Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizado em Salvador, neste fim de semana, que contou com a participação de 18 países, chefes de Estado, ministros, chanceleres, especialistas, representantes da sociedade civil, gestores públicos e da nossa querida Presidente Dilma Rousseff.

            O Afro XXI, realizado dez anos após a III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Discriminação Correlatas, ocorrido em Durban, na África do Sul, elaborou o documento-base do novo marco legal internacional regulatório para a criação e execução de políticas públicas de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial.

            A Carta de Salvador, como foi denominado o documento, assinada pelos chefes de Estado presentes ao evento, definiu para os próximos dez anos ações conjuntas de promoção à igualdade e de combate ao racismo e à discriminação nos países da diáspora africana.

            Um dos pontos principais da Carta de Salvador foi a proposta de criação de um fundo internacional de desenvolvimento econômico para as populações afrodescendentes, voltado, exclusivamente, para ações de educação e cultura.

            Esse mesmo fundo, Senador Paim, que V. Exª propôs que fosse criado no Estatuto da Igualdade Racial, e que nosso Congresso foi incapaz de reconhecer a importância da sua criação, está sendo criado, hoje, pelos países da América Latina, e nós, o Brasil, vamos colocar dinheiro nesse fundo. Criaremos o fundo no próprio Estatuto da Igualdade Racial, que V. Exª propôs e que, infelizmente, pela necessidade da política, pela necessidade que nós, segmentos majoritários, mas colocados fora do poder político, reconhecemos, precisamos ceder nesse espaço do Congresso Nacional, que, a despeito da luta do povo brasileiro, ainda é um espaço majoritariamente branco, majoritariamente rico e majoritariamente masculino.

            Quando nossas vozes se levantam, como se levanta a voz de V. Exª há tantos anos para a honra dos negros brasileiros e da população desassistida do nosso País, imediatamente se levantam muitos para podar iniciativas legislativas, fazendo com que tenhamos, sim, um Estatuto da Igualdade Racial, mas muito menos avançado do que aquele proposto por V. Exª, em que esse fundo estava colocado e já poderia estar servindo às populações afrodescendentes do Brasil.

            Acredito, Sr. Presidente, que o Afro XXI não será apenas mais um encontro internacional realizado, com boas intenções, mas que não produz resultados visíveis. A presença da Presidente Dilma e a sua determinação naquele local, a realização desse esforço concentrado, os compromissos assumidos na Carta de Salvador serão, sem dúvida, o porvir de um novo tempo para os afrodescendentes na América Latina.

            O fato de a capital baiana ter sediado esse encontro teve um significado especial para a nossa idade, que, como falei aqui, possui a maior população negra fora da África e conserva fortes vínculos históricos e culturais com esse continente, onde foi inaugurado - e insisto em levar V. Exª para conhecê-lo e para lutar conosco para viabilizá-lo - o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, o primeiro museu federal especializado na cultura afrodescendente, que, aliás - desculpem-me os outros solos brasileiros, o Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro -, não poderia deixar de estar na Bahia. Fazem parte da exposição permanente do museu 260 obras da cultura negra, com fotografias do etnógrafo francês Pierre Verger; a coleção de esculturas do argentino Carybé. Ambos radicados na Bahia.

            A memória do período da escravidão é eternizada em trechos literários inscritos no salão. E quero saudar Emanoel Araújo, curador baiano que doou uma parte de suas obras e de sua coleção pessoal para compor o acervo daquele museu, referência da cultura negra em nosso País.

            Quero também homenagear o poeta Capinan, Presidente da Amafro, associação do museu afro, e, em sua pessoa, homenagear toda a equipe do museu, que está tornando realidade essa conquista do povo negro em nosso País, preservando, dessa forma, a memória africana em nosso País, o que também é também um ato de reparação.

            Apesar das ações afirmativas, nós ainda temos, no Dia da Consciência Negra, muito a denunciar no que diz respeito à exclusão do povo negro - e V. Exª já o fez muito bem. O IBGE, divulgando os dados do Censo 2010, revela que a pobreza no Brasil é negra e feminina. Em todos os campos, ainda são marcantes as desigualdades entre negros, brancos e pardos. Os brancos chegam a receber quase o dobro do que ganham os grupos de negros pardos ou indígenas, e, apesar de amplamente majoritária, a população negra é minoria nos parlamentos, nos cargos executivos e no Judiciário. Se analisarmos o mapa da violência, veremos o que V. Exª já disse: a população negra é a mais atingida, e situação mais grave ainda enfrentam as mulheres negras.

            Esses dados evidenciam a necessidade de mais e mais ações abrangentes e permanentes para reverter essa realidade, razão pela qual defendo a manutenção da Seppir, criada em 2003, em reconhecimento às lutas históricas do Movimento Negro no Brasil, que vem desempenhando também um papel de grande relevância, estabelecendo iniciativas contra a desigualdade racial no País, defendendo interesses reais da população negra e de outros segmentos étnicos discriminados. É preciso que nós possamos nos levantar para defender o Estado brasileiro.

            O Governo brasileiro, quando criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, quando criou também a Secretaria da igualdade de Gênero, ele dá visibilidade a essa luta, que é travada diariamente, cotidianamente pelos negros e mulheres. E não podemos permitir que uma reforma administrativa, visando a dar uma gestão por alguns reivindicada, uma gestão mais leve ao Estado brasileiro, possa nos privar desses instrumentos de organização do nosso movimento.

            Referindo-me ao termo “igualdade”, quero felicitar, por último, o Congresso Nacional pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, com todos os percalços por que passou, mas temos que comemorar um ano de Estatuto.

            Felicito ainda a Fundação Cultural, o caro companheiro Elói, pelos 23 anos de existência.

            Eu não poderia também deixar de homenagear esta personalidade brasileira, cuja vida dedicou à luta sem trégua contra o racismo, pela dignidade e afirmação da cultura e valores da população negra em nosso País e em todo mundo, o ex-Senador e ativista Abdias do Nascimento, falecido em maio deste ano, no Rio de Janeiro.

            Essas homenagens que V. Exª anunciou para Abdias serão todas, além de justas, pequenas para homenagearmos esse gigante da luta antirracista neste País. Mas quero parabenizá-lo pela escolha da data de 14 de março, porque, além de ser a data de aniversário de Abdias, é também o Dia Nacional da Poesia, em homenagem ao poeta abolicionista Castro Alves, que também nasceu em 14 de março e escreveu a saga da sobrevivência do povo negro atravessando os mares para chegar ao Brasil, no seu O Navio Negreiro.

            Portanto, quero homenagear todo o povo afrodescendente do nosso País, a minha terra, Bahia, onde os tambores tocam, seja nos blocos afoxés e expressões da resistência cultural negra, seja nos candomblés do nosso Estado, revelando que existe também uma religião afrodescendente que precisa ser homenageada e tratada com respeito. E é por isso que o maior jornal do meu Estado, toda quarta-feira, publica um artigo da grande mãe espiritual dos afrodescendentes, dos candomblés da Bahia, mãe Stella de Oxossi, que, com sua sabedoria, também mostra a espiritualidade tradicional do povo negro.

            Um grande axé ao povo negro da Bahia, do Brasil e do mundo nas suas conquistas e na reverência do dia 20 de novembro.

            Obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2011 - Página 47960