Discurso durante a 211ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a exclusão e a desigualdade no Brasil ao longo dos séculos, por ocasião da passagem de importantes datas comemorativas nacionais. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Reflexões sobre a exclusão e a desigualdade no Brasil ao longo dos séculos, por ocasião da passagem de importantes datas comemorativas nacionais. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2011 - Página 48137
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DIA, ALFABETIZAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, BANDEIRA, REPUBLICA, CRITICA, SISTEMA DE GOVERNO, GOVERNO FEDERAL, DEMONSTRAÇÃO, DEFICIENCIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, SEGURANÇA, FATO, DIFERENÇA, POPULAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, esta semana, além de muitas notícias nos jornais que deveríamos comentar, claro, aconteceram quatro comemorações que, a meu ver, merecem uma reflexão nesta tribuna. No dia 14, foi o Dia da Alfabetização; no dia 15, foi o Dia da República; no dia 19, foi o Dia da Bandeira, e hoje, dia 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra.

            Algumas dessas datas coincidiram por razões determinadas; outras foram escolhidas aleatoriamente. Mas, no conjunto, elas casam perfeitamente, para mostrar a fragilidade, o conservadorismo, o elitismo e a vergonha de uma República que é proclamada, mas não é construída.

            Vejam, por exemplo, o dia 15 de novembro, o Dia da República, e o dia 14, a véspera, Dia da Alfabetização. Aqueles senhores republicanos que proclamaram a República passaram horas e horas, pode-se dizer até dias, do dia 15 ao dia 19, tentando desenhar a Bandeira brasileira. Discutiram para saber onde colocar cada estrelinha, que, segundo eles, representaria o céu do Brasil no dia 15 de novembro. Passaram horas discutindo colocar um lema na Bandeira. Ficaram em dúvida se era Ordem e Progresso ou se era Ordem, Progresso e Amor. Decidiram Ordem e Progresso. Pois bem. Esses senhores, nossos pais da pátria republicana, não lembraram que, 6,5 milhões de brasileiros, que naquela época representavam 65%, seriam incapazes de ler o lema Ordem e Progresso. Ou seja, fizeram uma bandeira para 35% da população. Desprezaram, como inexistentes, 6,5 milhões; 65% da população naquela época.

            Vejam que República, que nasce sob uma bandeira que tem um texto escrito em um País de uma imensa maioria analfabeta, incapaz de reconhecer a bandeira. Os que não são daltônicos, ou não o eram na época, poderiam até reconhecer o verde e o amarelo, mas não reconheciam o lema Ordem e Progresso. Se misturassem aquelas letras ali, eles continuariam pensando que era a Bandeira brasileira. Se escrevessem Desordem e Atraso, continuariam achando; se escrevessem outro idioma que não fosse chinês, talvez, e árabe, porque talvez percebessem a diferença, eles não saberiam que aquela não era a bandeira deles.

            Essa é a nossa República que, 122 anos depois - e temos a mesma bandeira, claro, e devemos defendê-la -, em vez de 6,5 milhões de analfabetos, temos 13 milhões, duas vezes mais em 122 anos de República.

            Quarenta e seis, quarenta e oito, não sei decorado o número de Presidentes que tivemos, nenhum foi capaz de se dedicar plenamente à tarefa de fazer com que todos os brasileiros fossem capazes de reconhecer a nossa Bandeira.

            E o dia 20? Senador Paim, que aqui está - hoje de manhã fez uma bela sessão, a que eu não pude comparecer -, 122 anos depois da República, precisamos lutar ainda para que os negros deste País tenham o mesmo atendimento dos brancos.

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Peço um pouquinho de tempo, até porque, Senador, creio que não tenha muita gente mais, talvez.

            O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - Vou conceder cinco minutos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Cento e vinte e dois anos de República. No dia 15, comemoramos a República; no dia 20, a consciência negra.

            Daqueles treze milhões de analfabetos, a maior parte é de negros. A violência cai, sobretudo, sobre os negros brasileiros. A deseducação, a falta de atendimento médico, que República é essa? Que República é essa, que, 122 anos depois, não foi capaz de resolver um problema que a Monarquia começou a resolver ao fazer a Abolição. A República veio logo depois e foram incapazes de fazer com que neste País a população não se dividisse, mas convivessem brancos e negros.

            Nós temos quatro datas que coincidem, quatro datas que servem para mostrar como nós proclamamos a República. Temos um feriado para comemorá-la. No entanto, 122 anos depois, ainda não a construímos. Não a construímos, porque continua um número elevado, duas vezes mais inclusive, de pessoas que não são capazes de ler a Bandeira Republicana, porque o grau de analfabetismo, de mau atendimento, sujeitos à violência, objetos, na verdade, de violência, continua sendo a nossa população negra, que hoje tem o seu dia, o Dia de Zumbi, o Dia da Consciência Negra.

            O que isso comprova? É que a proclamação de uma república pode ser feita a partir dos quartéis, como foi o 15 de novembro, mas a construção de uma República se faz a partir das escolas. A proclamação pode ser feita por um marechal; a construção só por professores e nós nos esquecemos disso.

            Ao nos esquecermos disso, esquecemos quase tudo que caracteriza uma república, que é o fato de não haver uma linha separando população de um lado e população de outro. República convive com desigualdade, mas não com diferença, não com a imoralidade de ter alguns com atendimento correto e outros sem qualquer atendimento, sejam aqueles779que não recebem instrução, sejam aqueles que pela raça que têm não são atendidos igualmente.

            É isto, Sr. Presidente, que eu queria deixar registrado aqui: a coincidência de quatro datas, mostrando a fragilidade de uma delas, que é o 15 de novembro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2011 - Página 48137