Discurso durante a 211ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro das desigualdades entre negros e brancos no Brasil por ocasião do transcurso, ontem, do Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.:
  • Registro das desigualdades entre negros e brancos no Brasil por ocasião do transcurso, ontem, do Dia Nacional da Consciência Negra.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2011 - Página 48142
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, ANO INTERNACIONAL, DESCENDENTE, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, IMPORTANCIA, LUTA, DIREITOS HUMANOS, IGUALDADE RACIAL, COMENTARIO, NECESSIDADE, POLITICAS PUBLICAS, POLITICA SOCIAL, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, REPUDIO, GENOCIDIO, GRUPO INDIGENA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), NECESSIDADE, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, espectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, público na tribuna de honra, eu inicio a minha fala dizendo que, primeiro, hoje, pela manhã, esta Casa realizou uma sessão especial para comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra, o Dia de Zumbi dos Palmares, o Ano Internacional dos Afrodescendentes, os 23 anos da Fundação Cultural Palmares, 1 ano de vigência do Estatuto da Igualdade Racial e homenagear o ex-Senador Abdias do Nascimento.

            Em 20 de novembro de 1695, as forças do escravagismo conseguiram assassinar Zumbi, encerrando quase um século de resistência do Quilombo dos Palmares. Sabiam elas, contudo, que mais importante que matar o homem era erradicar o símbolo, pois o exemplo da sua bravura e a semente das ideias libertárias dos quilombolas já haviam se espalhado pelas senzalas do Brasil. Assim, com esse intuito de erradicar definitivamente o símbolo de luta pela liberdade encarnado por Zumbi, decidiu o então Governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, adotar uma providência absurda: determinou que a cabeça do herói fosse colocada em um poste no lugar mais público da cidade para atemorizar os negros que julgavam ser Zumbi imortal.

            Hoje, decorridos 316 anos do martírio desse ícone da resistência negra, podemos afirmar que aquela autoridade colonial falhou em seu propósito.

            Zumbi vive!

           Aquele que foi o poderoso governador de Pernambuco não passa de uma referência desbotada nos livros de História. Já o negro rei, o grande lutador da liberdade, permanece muito vivo como a principal referência no combate ainda inconcluso por um Brasil em que todos sejam efetivamente iguais.

           Zumbi é o exemplo no qual se espelham milhões de jovens brasileiros, principalmente os negros, na batalha quotidiana pela afirmação de seus direitos.

           A conquista de liberdade formal pelos escravos, em 1888, nem de longe representou a verdadeira emancipação. A chaga representada pela escravidão na história deste País projeta seu legado de iniquidades até os dias de hoje, expressando-se na cruel discriminação, que é não apenas percebida no dia a dia de nossas relações sociais, mas igualmente identificada de modo lastimável nas estatísticas.

           Decorridos mais de três séculos da morte de Zumbi, dados levantados pelo Ministério da Justiça no Mapa da Violência de 2011 demonstram que a desigualdade racial ainda caracteriza a sociedade brasileira. A morte de pessoas brancas por homicídio entre 2002 e 2008 caiu 23%. No mesmo período, pessoas negras foram muito mais assassinadas no País, com uma taxa de homicídio que aumentou em 20,2% Os dados trazem que, para cada branco assassinado em 2008, duas pessoas negras também foram vítimas de homicídio.

           E as desigualdades não param por aí. Dados do Ipea demonstram que os negros recebem, em média, 53% do salário dos brancos. Sua escolaridade média é de 5,8 anos, em contraste aos 7,7 anos dos brancos. Cinquenta e cinco por cento do trabalho não remunerado no País e 55,4% daquelas atividades realizadas sem carteira assinada são representadas por negros e negras.

           Ora, Sr. Presidente, Srª Senadora Ana Amélia, demais Senadores aqui presentes, se isso não é desigualdade neste País, o que será?

           A luta de Zumbi ainda é nossa. Até hoje, a história do povo negro no Brasil tem sido de combate à discriminação racial em suas mais diversas manifestações.

           Destaco que hoje, no meu Estado, o Espírito Santo, o Fórum Estadual de Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes) promoveu a IV Marcha Estadual contra o Extermínio da Juventude Negra. Foi um protesto e um alerta para o Estado que detém a segunda maior taxa de homicídios do País, com média de 50 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. As principais vítimas dessa violência são os jovens negros, moradores das comunidades pobres.

           É preciso políticas públicas, Sr. Senador, para os negros neste País. É preciso acabar com o preconceito, muitas vezes velado. Não podemos desprezar ou diminuir uma população que ajudou e contribuiu para o crescimento deste País em todos os sentidos.

           O sincretismo é a marca de nossa cultura. Uma cultura com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no período da escravidão. Uma cultura que é síntese das contribuições dos muitos povos que escolheram este território para viver ou que para cá foram trazidos como cativos.

           Destaco, ainda, Srªs e Srs. Senadores, a mulher negra. Lembro algumas referências, como Dandara, mulher de Zumbi, guerreira valente, que, além de atuar ao lado do companheiro na defesa do Quilombo, trabalhou pela manutenção da cultura de matrizes africanas até sua morte. Anastácia, filha do estupro de uma princesa africana por um comerciante português, que, durante dois anos, foi obrigada a usar uma mordaça de ferro na boca, que era retirada apenas para que se alimentasse. Chica da Silva, mulher com personalidade autêntica, líder feminina, sabia ler e escrever numa época em que quase nenhum negro tinha essa educação. Jamais se resignou com o preconceito.

           Entre tantas outras personalidades femininas negras que tivemos e temos na história deste País que precisam ser destacadas, deixo aqui minhas homenagens.

            Aproveito a data e o tema para ressaltar que também no dia 20 de novembro iniciaram-se os 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, mas falarei desse tema em outra oportunidade.

            Encerro minha fala em alusão ao Dia da Consciência Negra destacando a importância da aprovação da Lei de Cotas Raciais nas universidades públicas, projeto que tramita nesta Casa há muitos anos e de que sou Relatora na Comissão de Constituição e Justiça.

            A Lei de Cotas Raciais é uma forma de inclusão definitiva do negro e da negra na sociedade brasileira. Precisamos avançar com medidas como essa, para que possamos mudar a visão sobre o negro que predomina na nossa sociedade. Já é passado o tempo de que as negras e os negros brasileiros sejam vistos como cidadãos, com direitos e deveres como todos os outros.

            As ações afirmativas são o caminho a ser trilhado para a valorização da raça negra, assegurando o reconhecimento de seu papel preponderante na construção do Brasil e de nossa identidade cultural, social e religiosa.

            Parabenizo os negros e as negras deste País pela data, colocando meu mandato à disposição para as lutas e ações que visem a ajudá-los.

            Zumbi vive!

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, aproveito ainda o tempo que me é concedido para tratar de um episódio terrível ocorrido no último final de semana.

            Como muitos dos senhores e das senhoras já devem ter visto, trata-se do ocorrido na cidade de Amambaí, no Mato Grosso do Sul. Refiro-me ao massacre da população indígena guarani kaiowá, do acampamento Tekoha Guaiviry.

            A comunidade sofreu, na última sexta-feira, ataque de pistoleiros. Cerca de 40 homens, fortemente armados, ocuparam as comunidades.

            O massacre teve como alvo o Cacique Nísio Gomes, de 59 anos, executado com tiros de calibre 12. Depois de morto, o corpo do indígena foi levado pelos pistoleiros, prática vista em outros massacres cometidos contra os kaiowás guaranis.

            Faço questão de, como Vice-Presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, repudiar tais atos e tamanha brutalidade. 

            As comunidades indígenas contam com o total apoio do nosso mandato.

            Crimes como estes não podem ficar impunes.

            É preciso que os assassinos sejam punidos.

            A situação em que vive a população indígena no Mato Grosso do Sul e em outras regiões do nosso País não é nada simples.

            Os casos de violência são muito frequentes e nos remetem mesmo a uma situação de extermínio étnico.

            Destaco que o grupo indígena que sofreu o massacre no Mato Grosso do Sul estava acampado em uma área em litígio e à espera da continuidade do processo de regularização fundiária da terra indígena. O acampamento se localiza na região sul daquele Estado, a menos de 100 quilômetros da fronteira com o Paraguai, fica em uma pequena parte da área de ocupação tradicional chamada Guaiviry. A área está inserida no conjunto de terras indígenas que deverão ser demarcadas.

            O processo de identificação destas áreas começou em 2007 e, desde então, vem sido repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que o envolve. Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos indígenas que aguardam pela identificação e demarcação dessas áreas vem ocorrendo.

            A situação de insegurança e medo vivido pelas populações indígenas é insustentável. Vemos hoje os direitos humanos serem totalmente desrespeitados.

            Senador Paim, que agora preside esta sessão, é um desafio para nós, da Comissão de Direitos Humanos, tratar dessa questão e repudiar esses atos que aconteceram em Mato Grosso do Sul.

            As pessoas que praticam tais crimes conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Elas fazem isto porque se consideram acima da lei. Exatamente por isso precisam ser punidas e pagar pelos seus atos.

            Quero aproveitar esta oportunidade para informar a todos os Senadores - parece-me que o Senador Eduardo Suplicy já teve oportunidade de fazer uma visita a essas comunidades - que, na próxima sexta-feira, haverá, no Estado de Mato Grosso do Sul, um ato com a participação de diversas entidades da sociedade civil - parlamentares, a CNBB, entre outros - em defesa da demarcação das terras indígenas e em repúdio à violência praticada contra essas comunidades indígenas, localizadas em Mato Grosso do Sul.

            Era isso que eu tinha a dizer...

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Ana Rita, V. Exª me permite?

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Sim, Senador.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero, primeiro, externar a minha solidariedade à sua manifestação em memória de todos aqueles que, como o Zumbi dos Palmares e tantos outros, batalharam pela igualdade racial. Manifesto meu apoio a V. Exª nesse sentido e, segundo, quanto a esse alerta que faz em solidariedade aos índios de Mato Grosso do Sul, tendo em conta esse assassinato totalmente descabido. Conforme salienta V. Exª, não é forma de se resolver disputas diárias. É muito importante que haja essa manifestação de solidariedade. Então, cumprimento V. Exª, inclusive em nome da Comissão de Direitos Humanos, como Vice-Presidente, e presidindo a sessão está aqui o nosso Presidente Paulo Paim, certamente solidário a essa sua iniciativa. Também quero cumprimentá-la, porque hoje, na Comissão de Meio Ambiente, as emendas que pude ter a oportunidade de assinar com V. Exª para a Comissão, seja na Comissão de Constituição e Justiça, na de Agricultura e Reforma Agrária, seja agora, na Comissão de Meio Ambiente, foram em grande parte consideradas pelo Relator Senador Jorge Viana no que diz respeito à importância da agricultura familiar, no projeto do Código Florestal. Meus cumprimentos a V. Exª.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Agradeço, Senador Eduardo Suplicy, pelo aparte. Quero dizer que muito me honrou também, porque na emenda que apresentamos na Comissão de Meio Ambiente, tivemos a grata alegria de ter V. Exª como signatário, junto comigo. Então, quero agradecer também pelo apoio, pela presença e pelo estímulo que tem nos dado.

            Quero também aqui aproveitar a oportunidade, Senador Eduardo Suplicy, para parabenizá-lo pelo brilhante pronunciamento que V. Exª fez hoje, pela manhã, durante a sessão solene em homenagem ao Zumbi dos Palmares.

            Para finalizar, Sr. Presidente, quero dizer que essa situação de Mato Grosso do Sul não pode ficar impune, é uma realidade de Mato Grosso do Sul que tem desdobramentos também em outros Estados.

            Sabemos que as comunidades indígenas dos mais variados Estados, e aqui quero me referir de modo particular ao Estado do Espírito Santo, têm colocado permanentemente essa pauta com relação à demarcação das terras indígenas como uma pauta extremamente importante. Então, é preciso que tenhamos uma atitude urgente, repudiando esse ato. Não é possível que, numa sociedade democrática, como a nossa, situações como essa continuem acontecendo, porque não atingem apenas as comunidades indígenas, mas atingem a todos os que lutam por justiça e por igualdade neste País.

            Era isso o que eu gostaria de dizer.

            Muito obrigada pela paciência de nos ouvir.

            Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2011 - Página 48142