Pronunciamento de Marta Suplicy em 23/11/2011
Discurso durante a 213ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários sobre matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo sobre estudo do Governo para distribuição de parte dos recursos do FGTS; e outro assunto.
- Autor
- Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Marta Teresa Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA TRIBUTARIA.
DIREITOS HUMANOS.:
- Comentários sobre matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo sobre estudo do Governo para distribuição de parte dos recursos do FGTS; e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/11/2011 - Página 48548
- Assunto
- Outros > REFORMA TRIBUTARIA. DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, POSSIBILIDADE, GOVERNO FEDERAL, DISTRIBUIÇÃO, PARTE, LUCRO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), REGISTRO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REFERENCIA, ASSUNTO, IMPORTANCIA, RATEIO, RECURSOS, NECESSIDADE, APOIO, EXECUTIVO, INICIATIVA, LEGISLATIVO.
- COMENTARIO, ESPANCAMENTO, HOMOSSEXUAL, PAIS, NECESSIDADE, POSIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RELAÇÃO, ASSUNTO, REGISTRO, CARTA, AUTORIA, IRINY LOPES, MINISTRO DE ESTADO, ELOGIO, EMISSORA, TELEVISÃO, REFERENCIA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, BRASIL.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senadora Ana Amélia.
Caros ouvintes da Rádio Senado e telespectadores da TV Senado, caros Senadores e caras Senadoras, hoje é matéria de capa do Jornal Folha de S. Paulo a notícia de que o Governo estuda distribuir parte dos lucros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Achei ótima essa decisão do Executivo, que se alinha ao projeto que apresentei nesta Casa há dois meses, o PLS nº 580, de 15 de setembro de 2011. Meu projeto visa a corrigir uma injustiça histórica com os trabalhadores: a de que o FGTS pertence a eles, mas eles não participam efetivamente de seus lucros. Finalmente, pode-se dar ao trabalhador a real condição de cotista do Fundo.
No projeto, determino que pelo menos 50% do lucro obtido pelo FGTS no ano sejam distribuídos aos trabalhadores com contas vinculadas. Esse montante pode chegar até 100%, a depender de decisão do Conselho Curador do FGTS. Isso significa dizer que, caso meu projeto já estivesse em vigor nos últimos anos, considerando o lucro anual médio do FGTS, entre R$1,5 bilhão e R$3 bilhões seriam distribuídos aos trabalhadores com conta no Fundo. E o critério de distribuição que utilizo é a participação de cada conta no saldo total do Fundo, ou seja, a cota percentual de cada trabalhador no Fundo.
Quero destacar que o PLS nº 580 é também um "ovo de Colombo" para o problema de menor rentabilidade da conta do trabalhador no FGTS.
O fato é que, atualmente, a remuneração da conta é extremamente baixa, porque é calculada pela Taxa Referencial de Juros (TR), que, hoje, está em 1,65% ao ano, mais 3% de juros reais. Isso é a metade do que o trabalhador receberia na caderneta de poupança e muito menos que a remuneração obtida em fundos de renda fixa. Aliás, esse valor tende a ser menor que a inflação, indicando que há, de fato, uma perda real na conta do FGTS.
No entanto, a simples mudança da regra da correção das contas do FGTS ou poria em risco o equilíbrio financeiro do Fundo ou geraria um efeito em cadeia que encareceria o crédito para a casa própria concedido com recursos do Fundo. Quer dizer, se se aumentassem os juros, como alguns projetos nesta Casa propõem - e quem se beneficia desses juros é o próprio trabalhador -, essa não seria uma solução. Então, calcula-se que a substituição da TR como índice de correção das contas vinculadas, por exemplo, levaria à duplicação da taxa de juros média. Com isso, prejudicaríamos o trabalhador, que queremos beneficiar.
Por isso, a distribuição do lucro do FGTS para o trabalhador é realmente a melhor solução, representando um aumento de mais de 50% da rentabilidade das contas sem por em risco o crédito para a casa própria.
Meu projeto encontra-se atualmente na Comissão de Assuntos Sociais, em caráter terminativo, sob a relatoria do Senador Rodrigo Rollemberg. O projeto já conta, inclusive, com Nota Técnica favorável da Caixa Econômica Federal, apenas divergindo do percentual a ser distribuído para o trabalhador. Enquanto a Caixa defende um percentual máximo de 50%, acredito que esse percentual deve ser o piso, ou seja, o trabalhador deve ter a garantia de que, no mínimo, vai receber 50% do lucro desse Fundo.
Desde o início da tramitação do PLS nº 580, recebi também a visita de representantes do Conselho Curador do FGTS, que me convenceram que poderíamos aproveitar a oportunidade com meu projeto para realizarmos alguns outros ajustes e atualizações na legislação do Fundo. Por isso, decidi, em acordo com o Senador Rollemberg, realizar audiência pública no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais para debater o projeto e essas outras ideias. Dada a proximidade do fim de ano, essa audiência vai se realizar no início de 2012.
Por fim, acho importante que o Executivo prestigie o nosso Senado ao apoiar iniciativas legislativas como a do PLS nº 580 e aproveito para conclamar os nobres colegas para vermos aprovado esse projeto que considero muito importante para os trabalhadores brasileiros.
Mudando totalmente de assunto, quero dizer que, toda semana, há um novo caso de espancamento de homossexuais. Essa questão está ficando muito grave, Senador Paim, que, agora, assumiu a Presidência no lugar da Senadora Ana Amélia. É tão grave essa questão, que fiz um pequeno relato, para que as pessoas pudessem ter conhecimento disso. Se a pessoa não está acompanhando essa questão, ela acha que isso pode ocorrer de vez em quando. Isso não está ocorrendo de vez em quando.
Em novembro do ano passado, na região da Rua Augusta, um rapaz de 27 anos, estudante da Universidade de São Paulo (USP), foi atacado brutalmente, às 4h30. Ele levou uma garrafada no olho, e seu amigo foi atingido por pontapés. No mesmo mês de novembro, um grupo de cinco rapazes atacou quatro jovens em lugares diferentes da Avenida Paulista. O caso ganhou repercussão nacional devido ao fato de que uma das agressões foi filmada pela câmera de segurança de um banco. Isso passou em todo o Brasil várias vezes. Cansamos de ver aquela coisa horrorosa. Um estudante de Jornalismo de 23 anos foi atingido no rosto com uma lâmpada fluorescente. Mais à frente, o mesmo grupo espancou Sérgio, um rapaz de 38 anos; a vítima levou sete golpes de soco inglês.
Durante um jogo entre Vôlei Futuro/SP e Cruzeiro/MG, pela Superliga masculina, uma cena de homofobia explícita reinou. Não sei se vocês estão lembrados. Isso também teve visibilidade. Os torcedores ofenderam Michael, jogador do Vôlei Futuro, chamando-o de bicha e de gay.
No último sábado, um jovem de 21 anos sofreu três fraturas em ossos da face e ficou com um coágulo no cérebro ao ser agredido por um grupo de pelo menos dez pessoas em frente a um bar localizado na região central de São Paulo.
Em 19 de julho deste ano, pai e filho - isto mostra o nível a que está chegando essa questão -, ao saírem abraçados de um show no centro de exposições, no interior de São Paulo, em São João da Boa Vista, foram barbaramente agredidos por um grupo de jovens. O homem, de 42 anos, teve a orelha mordida e parte dela decepada, e o filho sofreu ferimentos leves. Segundo a vítima, os agressores perguntaram se pai e filho eram um casal - eram pai e filho abraçados -, e eles disseram que não. Os rapazes foram embora, mas voltaram poucos minutos depois e fizeram essa agressão. Uma mulher que estava no local pegou o pedaço da orelha e o colocou em um copo com gelo. A vítima foi encaminhada para um cirurgião plástico. Afirmou a vítima: “Cheguei lá, e uma junta de médicos disse que foi um objeto cortante”. Quer dizer, os agressores voltaram com um objeto cortante, para atacar o pai, porque acharam que se tratava de um casal gay. Um homem foi preso, suspeito de participar da agressão.
Isso é o que está acontecendo, é uma agressão atrás da outra. Já há outros casos.
As estatísticas da homofobia são alarmantes. Segundo dados divulgados pela organização não governamental Grupo Gay da Bahia, a cada dia e meio, um homossexual foi morto no Brasil em 2010, colocando o Brasil na liderança mundial em assassinatos de homossexuais. Foram 260 homicídios. Segundo a mesma ONG, até agosto deste ano, houve 144 mortes. O risco de um homossexual ser morto violentamente no Brasil é 785% maior, Senador Paim, do que nos Estados Unidos. Naquele país, foram registrados 14 homicídios de travestis em 2010, enquanto, no Brasil, foram 110 assassinatos.
V. Exª, que é Presidente da Comissão de Direitos Humanos, e todos nós, que batalhamos nessa área de direitos humanos há muito tempo, vemos que tem demorado muito para os homossexuais adquirirem seus direitos no País. O projeto da união estável, que apresentei há 16 anos na Câmara dos Deputados, encontra-se lá, no plenário. Já caducou, foi ultrapassado pelo Judiciário e não foi votado. Entrementes, alguns países avançaram muito, como a Argentina. Quando esse projeto de lei da união estável foi proposto por mim na Câmara há 16 anos, a Argentina era um país extremamente conservador em relação à questão da homossexualidade. Hoje, na Argentina, há casamento gay, e, aqui, há espancamento na Avenida Paulista.
Realmente, temos de nos posicionar. Temos de dar fim a essa omissão que vemos no Congresso na discussão do tema e temos de nos posicionar como seres humanos que somos. Não se trata de ser contra ou a favor. Isso nada tem a ver com casamento. Temos de nos posicionar em relação à violência contra homossexuais e de votar o Projeto nº 122, que criminaliza a homofobia. Se não vai extinguir a homofobia, pelo menos vai ter um impacto grande. Hoje, se um cidadão xinga uma pessoa negra ou lhe dá um chute, ele vai para a cadeia. Mas, quanto a tudo que ouvimos aqui, é difícil a pessoa ir para a cadeia. Pode-se dar um chute em uma pessoa, xingá-la de bicha ou do que quiser, que nada acontece. Mas nada acontece até alguém matar outra pessoa, até alguém ficar machucado de forma muito mais séria.
Tudo isso também tem a ver com uma parte que se radicalizou na sociedade à medida que os direitos foram sendo concedidos, não por esta Casa, o Congresso Nacional, mas pelo Judiciário, que, numa sentença histórica, permitiu a união estável e que vem permitindo em todo o Brasil sentenças favoráveis aos homossexuais. Isso vem acontecendo nos últimos dez anos e culminou com essa sentença do Supremo Tribunal Federal (STF).
Temos de realmente começar a fazer a roda girar e a fazer acontecer no Congresso Nacional e no Senado.
Hoje, na Câmara, há a Mobilização Nacional por uma Educação sem Homofobia, que está sendo presidida pela Deputada Fátima Bezerra, Presidenta da Comissão de Educação, que também é uma das áreas em que temos de ter essa preocupação, porque, na questão do racismo, na questão de gênero, na questão da homofobia, em tudo isso, a sociedade cria um caldo favorável ou desfavorável, preconceituoso ou não preconceituoso, e isso se dá na família também. Mas a escola tem de ter uma posição de laicidade, uma posição de ensino mesmo, de respeito à diversidade, de respeito à igualdade entre os gêneros, de respeito às pessoas que são diferentes em raça, em etnia, em orientação sexual. É importantíssimo que haja essa possibilidade nas escolas.
Na televisão, na novela das 21 horas que acabou, Insensato Coração, Gilberto Braga foi um mestre em explicar o que é homofobia, não em forma de leitura, fazendo uma aula, porque isso não se faz em novela, mas ele o fez de forma muito mais eficiente, Senador Mozarildo. V. Exª me ajudou a lembrar o nome da novela. Gilberto Braga mostrou o que é homofobia, com exemplos práticos, como o do pai que descobriu que aquele menino homossexual era seu filho - foi mostrado como ele, que era tão antagônico, lidou com aquilo - e como o da destruição daquele quiosque na praia, porque o dono era homossexual. Foram mostradas coisas desse tipo.
As novelas são um grande instrumento, pois conseguem chegar ao povão. Tenho estado muito atenta. Como as novelas são um grande instrumento, temos de estar muito atentos para o que elas estão levando.
Nesta última novela, Fina Estampa - eu a estou seguindo quando posso -, uma mulher apanhava a toda hora. Achei muito bonito a Ministra Iriny Lopes ter a atitude de escrever, como cidadã - cidadã-Ministra -, para o departamento da Rede Globo onde se faz reclamação para dizer que aquilo era um absurdo. A mulher apanhava, apanhava, apanhava, não reagia. Dali a pouco, o homem mataria a mulher. Eles tinham de pensar numa solução diferente. E a Globo a escutou. Não sei se os senhores notaram que a mulher parou de apanhar. A Ministra disse uma coisa interessante, sobre a qual eu não tinha pensado: muitas vezes, essa mulher fica com quem bate nela por que não tem alternativa ou por que ela gosta do sujeito que bate nela. E uma alternativa que a Ministra apresentou à Rede Globo - e percebi que, de certa forma, a novela está indo nessa direção - seria a de fazer o indivíduo mudar um pouco a visão dele, como o Gilberto Braga conseguiu mudar a visão do pai do homossexual. Agora, na novela, o Baltazar - que nunca pode ser um herói - está tentando se entender com a filha e com a mulher, sem bater em ambas. Não sei se vai conseguir isso ou se vai acabar matando uma delas, não sei o que vai acontecer. Mas, de qualquer forma, parou de bater na mulher. E ela deu queixa. Ela não retirou a queixa.
Então, há esses instrumentos. Também foi publicado um artigo excelente de Contardo Calligaris, que é articulista da Folha, psicanalista, que já fala para um público mais sofisticado, explicando, através da psicanálise, a homofobia. Ele diz que a pessoa não resolve um conflito interno e aí o projeta no outro: “Ele é um homossexual. Eu o detesto. Ele é um horror. Eu acabo com ele”. Mas é uma coisa referente a si próprio que se destrói no outro. Acho que esse artigo foi publicado no dia último dia 11. Quem tiver interesse deve entrar na Internet e pegar esse artigo na Folha, porque é muito, muito interessante.
Então, são todas ações que vemos por parte de um lado da sociedade que se sensibiliza. Haverá a Conferência Homossexual em dezembro.
Queremos dar um fim nisso. Queremos uma sociedade harmoniosa, que conviva com paz e com amor. Queremos que todos se respeitem.
Muito obrigada, Senador Paim, pelo tempo.