Discurso durante a 214ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura da carta da Sra. Mãe Silva de Oxalá, dirigida a todos os Senadores e Senadoras da República, que trata dos avanços obtidos para a eliminação das desigualdades raciais no País.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Leitura da carta da Sra. Mãe Silva de Oxalá, dirigida a todos os Senadores e Senadoras da República, que trata dos avanços obtidos para a eliminação das desigualdades raciais no País.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2011 - Página 48702
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, REPRESENTANTE, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, PROGRESSO, ANUALIDADE, REDUÇÃO, AUSENCIA, IGUALDADE RACIAL, PAIS.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Marta Suplicy, a propósito da sessão de homenagem ao Dia da Consciência Negra, da Promoção da Igualdade Racial e da homenagem a Abdias do Nascimento, de iniciativa dos Senadores Paulo Paim, Lídice da Mata e outros, recebi uma carta da Srª Mãe Silva de Oxalá, dirigida a todos os Senadores e Senadoras da República, que me pareceu oportuno ler, ainda mais por estamos na semana de Zumbi de Palmares e da Consciência Negra.

            Diz a Mãe Sylvia de Oxalá:

Exmºs Srs. Senadores da República, Exmªs Srªs Senadoras da República,

Foi com muita honra e alegria que recebi de meu querido amigo Senador Eduardo Suplicy o convite para ir a Brasília neste mês da Consciência Negra, época propícia para comemorarmos os avanços recentes em direção à eliminação das desigualdades raciais em nosso País, e também para refletirmos sobre os desafios que ainda temos de enfrentar.

Infelizmente, minhas obrigações como Ialorixá impediram-me de me ausentar de São Paulo, mas envio esta mensagem para fomentar o debate entre V. Exªs.

No último período, temos razões para nos alegrar e para saudar o Governo Federal, que, abrindo espaços para o diálogo com os movimentos negros, soube tomar decisões importantes pela igualdade racial. A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com status de Ministério, garantiu que as ações voltadas para a população negra tivessem o apoio institucional necessário para serem implementadas de maneira sistemática e articulada. Somam-se a isso outras iniciativas voltadas para a população negra, como a criação do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Planapir), e do Programa Brasil Quilombola (PBQ). Ao final do Governo Lula também pudemos festejar a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, ainda que com restrições impostas pelo cenário político fragmentado.

Todas essas ações revelam que temos motivo para nos alegrar, pois finalmente, a pauta da igualdade racial encontrou no governo eco à altura de sua importância para o desenvolvimento do País.

Nesse início de Governo Dilma, vemos que o compromisso com a igualdade racial persiste, com o lançamento da campanha "Igualdade Racial é pra Valer", entre outras ações, como a inclusão do 20 de novembro no calendário oficial como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Ainda assim, não faltam ao povo negro motivos para se indignar e lutar. Mesmo com tantos avanços, nosso País está longe de se ver livre da desigualdade baseada na cor da pele.

Aguardamos as análises e cruzamentos dos dados obtidos pelo Censo 2010, que já nos revelou que, pela primeira vez na história de nosso País, a população negra (pretos e pardos, segundo os critérios do IBGE), ultrapassou a população branca. Torcemos por uma melhora no quadro das desigualdades, mas sabemos que ainda não conseguimos reverter alguns quadros alarmantes. As taxas de homicídio são maiores entre os negros e atingem perspectivas de epidemia entre os jovens negros. A renda do povo negro é mais baixa, enquanto a taxa de analfabetismo é mais alta.

Com base nos números, que nos mostram uma sociedade ainda racista, temos de cobrar efetividade das políticas e ações desenvolvidas pelo Governo. Exemplo importante é a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo das escolas brasileiras. Infelizmente, o cumprimento da lei ainda não é regra, principalmente por falta de formação dos educadores a respeito do tema.

Como Ialorixá, sacerdotisa do Candomblé e da Tradição Culto e Cultura dos Orixás, não poderia deixar de me dirigir a V. Exªs para pedir que se empenhem no combate à intolerância religiosa em nosso País. O Brasil deve ser um exemplo para o mundo sobre como conviver com a diversidade de religiões, sem ódio, sem violência. Nossa Constituição Federal traça o rumo que devemos seguir - um Estado Laico e uma sociedade livre para o exercício e a expressão religiosa.

No entanto, me entristeço ao ter notícias dos ataques que minha religião, o Candomblé, e outras religiões de matrizes africanas vêm sofrendo nos últimos tempos. A revista IstoÉ publicou uma ampla reportagem em sua edição de 04 de novembro, dando conta de inúmeros casos de intolerância contra as religiões de matriz afro-brasileira. Intolerância que expressa em violência física e moral.

Em São Paulo, não são raros os casos de terreiros e de adeptos da religião agredidos. Um jovem filho-de-santo meu, ainda no ensino básico, foi fisicamente atacado por uma colega de classe, que lhe perfurou o olho com uma caneta ao saber que ele professava o Candomblé como religião.

Esse tipo de violência só tende a aumentar, quando o Estado se omite ou, pior, quando órgãos oficiais do Estado lhe dão força. É o que acontece na Assembleia Legislativa de São Paulo, que debate o Projeto de Lei nº 992, de 2011, de autoria do Deputado Feliciano Filho (PV), que visa proibir o uso...

(Interrupção do som.)

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Vou concluir, Srª Presidente.

(...) que visa proibir “o uso e o sacrifício de animais em práticas de rituais religiosos no Estado”. Os movimentos negros de São Paulo e do Brasil têm se manifestado contra essa proposição, porque ataca a liberdade religiosa com base em preconceitos contra as religiões afro-brasileiras.

O Candomblé sobreviveu devido à resistência e força de nossos antepassados escravizados, atacados em sua dignidade, cultura e história. Também foi com resistência e altivez que nossa religião sobreviveu aos anos de repressão já no período republicano. E, com o Candomblé, resistiram a cultura e a história do povo negro no Brasil.

É assim que o Candomblé deve ser encarado: como religião, cultura, história. Uma sociedade livre de preconceitos é uma sociedade que respeita as diferenças, que sabe conviver com a diversidade. Nós, povo de Orixá, sabemos conviver com a diferença, respeitamos as outras religiões e esperamos delas...

(Interrupção do som.)

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para concluir, Senador, por favor.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -

...uma atitude recíproca.

Um abraço a todos e todas! Que Oxalá os abençoe e proteja,

Mãe Sylvia de Oxalá Ialorixá do Axé Ilê Obá

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            Aqui, quero externar a minha solidariedade aos propósitos de haver respeito às pessoas de todas as raças e de todas as religiões e ao credo de cada um.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2011 - Página 48702