Discurso durante a 215ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a possibilidade da votação imediata, nesta Casa, da regulamentação da Emenda Constitucional 29; e outro assunto.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORÇAMENTO.:
  • Reflexão sobre a possibilidade da votação imediata, nesta Casa, da regulamentação da Emenda Constitucional 29; e outro assunto.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2011 - Página 48911
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORÇAMENTO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ORADOR, RELAÇÃO, URGENCIA, VOCAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, AUMENTO, INVESTIMENTO, UNIÃO FEDERAL, RECURSOS, SAUDE PUBLICA.
  • CRITICA, ORADOR, RELAÇÃO, DESVINCULAÇÃO, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, FATO, DEMONSTRAÇÃO, PAIS, AUSENCIA, ORGANIZAÇÃO, ORÇAMENTO.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Moka, Presidente da sessão.

            Srªs e Srs. Senadores, o que se debate neste momento no Senado Federal é a possibilidade de votação imediata da regulamentação da Emenda nº 29, que diz respeito à definição dos recursos que cabem a cada Ente da Federação para a manutenção de um serviço de saúde pública de qualidade no País. É essencial para a população especialmente menos favorecida.

            É repetitivo, mas nós temos que olhar e refletir aqui de forma incansável o drama vivido pela população pobre do Brasil, os assalariados brasileiros, aqueles que são obrigatoriamente vítimas das filas enormes do SUS, quando do infortúnio da doença, e que, muitas vezes, veem a morte chegando mais rapidamente do que o atendimento do serviço público do setor.

            Há um debate sobre o modelo de saúde em todo o mundo e deveria ser realmente o debate da década, mas vemos aqui que o Governo tem outras prioridades. O que confronta com a realidade é a propaganda oficial na tevê. Ainda ontem à noite, tivemos a oportunidade de assistir na tevê brasileira a propaganda oficial do Governo sobre os benefícios que oferece à população através dos serviços de saúde pública. É contraditório, Sr. Presidente, o que a bela propaganda oficial, paga com o dinheiro público nas emissoras de tevê do País, apresenta com aquela imagem constantemente apresentada nos noticiosos das mesmas tevês sobre a situação da saúde no País, verdadeiro e dramático caos.

            Quantas vezes pudemos ver imagens de brasileiros amontoados em corredores de hospitais, sem atendimento? Quantas vezes vimos a imagem de brasileiros em filas aguardando atendimento?

            Além das imagens que falam mais do que qualquer discurso, há estudos, pesquisas. Por exemplo, do Banco Mundial, que apresenta o diagnóstico: o problema da saúde no Brasil não é dinheiro, é organização, competência, ausência de planejamento e corrupção. São os problemas que colocam na UTI a saúde pública brasileira. Diagnóstico do Banco Mundial, não de um Senador da oposição.

            É por essa razão que a prioridade desta Casa neste final de ano deve ser a votação da regulamentação da Emenda nº 29. Por que o Governo não quer votar? Porque se recusa a contribuir com os 10% que se deseja para completar o orçamento da saúde pública brasileira: 10% da União; 12% dos Estados e 15% dos Municípios.

            A prioridade do Governo neste momento é a Copa do Mundo e as Olimpíadas. É uma inversão de prioridade. Bilhões são destinados à Copa do Mundo, para obras superfaturadas, beneficiando-se grandes empresários, empreiteiros de obras públicas no País e outros; mas, para a saúde, o Governo nega sua participação adequada. O que não se discute é o sistema federativo com suas distorções flagrantes, que submetem Estados e Municípios a uma condição de desfavorecimento, em relação à União, na partilha de responsabilidades, porque desde a Constituinte de 88 os encargos foram transferidos. Encargos significativos foram transferidos da União para os Estados e Municípios e, na contrapartida, não se transferiram os recursos para atender essas novas demandas de despesas. E nós não fazemos as reformas. O presidencialismo é forte. Reformas de profundidade só ocorrem quando há interesse da Presidência da República, com competência política, articula, busca consenso, orienta a maioria esmagadora que possui no Congresso Nacional para a concretização das reformas. Como o Governo é imediatista, oportunista e tem como horizonte temporal apenas a duração do seu mandato e não possui visão estratégica de futuro, decide em função do que pode ocorrer ou deixar de ocorrer em um primeiro momento, sem considerar os desdobramentos e as consequências futuras. Assim não se faz reforma tributária, assim não se rediscute o sistema federativo, que é a causa das injustiças na distribuição da receita pública, ignorando o princípio da isonomia e fazendo com que entes federativos sejam diferentes na partilha dos recursos públicos.

            Enfim, isso recai sobre a saúde. O Município é o principal responsável pela administração desse serviço. E pela legislação caberia aos Municípios 15% da sua receita. No entanto, nós sabemos que há Municípios gastando com saúde pública muito mais do que os 15% exigidos pela legislação.

            Enfim, Sr. Presidente, por que o Governo não aceita votar a regulamentação da Emenda nº 29 como prioridade nesta Casa? Por que se recusar a atender a população do País naquilo que para ela é essencial? A saúde do povo deveria ser a suprema lei; e não o é no Brasil.

            Eu repito que o modelo de saúde pública é debatido em vários países do mundo, porque a crise da saúde não é vivenciada apenas em nosso País. Ainda recentemente, nos Estados Unidos da América do Norte, um grande debate se travou. Nós estamos debatendo aqui, há tanto tempo, mas não o concluímos.

            Essa regulamentação da Emenda nº 29 veio com muito atraso. Pela Constituição, nós deveríamos ter apresentado essa regulamentação há muitos anos. Chegou por meio de proposta do Senador Tião Viana, aprovada por unanimidade no Senado Federal. Levou um tempo para ser apreciada na Câmara dos Deputados, e, quando se deliberou sobre ela, a alteração produzida mediante substitutivo aprovado a compromete. A proposta que chega da Câmara ao Senado sobrecarrega ainda mais Estados e Municípios e desonera a União de suas responsabilidades. A proposta aprovada aqui do atual Governador Tião Viana significaria uma transferência da parte da União em 2011, se o projeto estivesse em vigência, superior a R$100 bilhões, portanto, R$30 bilhões a mais do que pretende o substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados.

            Portanto - vou conceder um aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti -essa é a razão da nossa insistência aqui. Teremos que abordar esse tema todos os dias. Não importa que se cansem, porque há um debate iniciado sobre a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU), e nós propusemos ao Governo exatamente uma barganha de honestidade. Retiramos os obstáculos para a aprovação da DRU, desde que votemos prioritariamente a regulamentação da Emenda nº 29. Votamos a regulamentação da Emenda nº 29, e o Governo terá o cheque em branco de R$62 bilhões. Porque, Senador Mozarildo, não é outra coisa, é um cheque em branco que se justificava.

            Esse mecanismo denominado DRU se justificava quando o Brasil vivia num cenário de inflação galopante, quando era impossível planejar para a próxima semana. Quando fui Governador, Senador Moka, a inflação ultrapassava 80% ao mês. A receita era engolida antes que chegasse aos cofres do Estado. É evidente, era impossível planejar. Hoje, temos estabilidade econômica, temos sustentabilidade financeira e responsabilidade fiscal. O Plano Real mudou o Brasil. Não há mais razão para a adoção desse mecanismo, que significa consagrar a incompetência, a desorganização orçamentária, que, na verdade, fortalece a tese de que o orçamento, no Brasil, é peça de ficção, para deleite dos especialistas, para enfeite de bibliotecas de estudiosos, para gastar papel nas gráficas do Congresso Nacional, da União e do Governo Federal.

            Na verdade, quando se aprova um orçamento e depois se flexibiliza dessa forma, assinando um cheque em branco para que o Governo faça uso da forma que melhor lhe aprouver, nós estamos desconsiderando a importância do Orçamento, que deveria ser a peça essencial nos trabalhos do Poder Legislativo.

            Portanto, a nossa resistência à prorrogação da DRU só seria superada se tivéssemos um ganho explícito, e esse seria a definição de 10% dessa receita da União para a saúde pública no País.

            Com a palavra o Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Alvaro Dias, eu acho que esse é um tema que temos que debater, mais ou menos como foi debatido o Código Florestal, de maneira suprapartidária, de maneira a olhar, realmente, os interesses da Nação, do povo. Eu não posso, como médico, realmente entender que não se defina o percentual que deva ser gasto pelo Governo Federal com a saúde no País. Ora, a regulamentação da Emenda nº 29, portanto o projeto do Senador Tião Viana, deixou claro que eram 15% para os Municípios - quer dizer, a maior parte era dos Municípios -, 12% para os Estados e 10% para a União. Isso porque se pressupõe que, sendo os recursos da União muito grandes, 10% são um valor significativo, mas eu estou falando em valores percentuais. Portanto, deveria ser o inverso. Quem arrecada mais: os Municípios, os Estados ou a União? A União, o Governo Federal, que, então, deveria gastar mais. Agora, concordo plenamente: não podemos deixar em branco, em aberto o gasto. Mesmo que se venha com a proposta de que vamos estabelecer para daqui a dois anos, três anos...

            O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - Senador Mozarildo, peço licença, porque alguns alunos estão se retirando, e eu já deveria tê-lo feito. Quero cumprimentar os alunos do curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá, da cidade de Vitória, do grande Estado do Espírito Santo.

            Sejam bem-vindos os acadêmicos.

            V. Exª tem a palavra, perdoando-me pela interrupção, mas, como alguns estavam deixando o plenário, eu quis saudá-los em nome do Senado Federal.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Eu quero cumprimentá-los também porque acho importante que as pessoas que vão ser o futuro deste País conheçam como funciona o Poder Legislativo, embora numa sessão como a de hoje, que é uma sessão de sexta-feira, improvisadamente deliberativa, quando ela normalmente é não deliberativa, quando não se vota nada. Mas, voltando ao aparte, Senador Alvaro Dias, V. Exª tem toda razão. Acho que nós temos que votar a regulamentação da Emenda nº 29, urgentemente, e quero aplaudir inclusive a oposição quando faz, vamos dizer assim, como diz V. Exª, essa barganha saudável em relação à questão da DRU. Eu, até nesse particular, como V. Exª justificou no passado, quero justificar no presente a DRU pela instabilidade e insegurança do momento econômico em que o mundo vive. Mas, de qualquer forma, quero me fixar aqui na questão dos recursos para a saúde, do dinheiro que se precisa para atender melhor os pobres. E quero defender que a regulamentação seja tal qual foi aprovada aqui, no Senado, pelo projeto do Senador Tião Viana, uma homenagem, portanto, a ele.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti. O voto de V. Exª é essencial e será registrado pelos seus eleitores de Roraima, com toda certeza.

            O que promove a injustiça distributiva é o sistema atual. Veja, Senador, a União age com mão de ferro e esmaga Estados e Municípios. Pela legislação atual, a parte fundamental do bolo da receita é oriunda das contribuições sociais, 56% do grande bolo da receita, que já ultrapassa 1,3 trilhão e chegará, até o final do ano, até o ano-novo, a R$1,5 trilhão; 56% desse montante são oriundos das contribuições sociais, e as contribuições sociais não são depositadas, não contribuem com a formação do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, ou seja, Estados e Municípios não participam dessa receita, não se beneficiam dessa receita. Há uma concentração de recursos nos cofres da União. Foi exatamente essa realidade que estimulou o debate sobre a distribuição de royalties no Congresso nacional, que contou inclusive com a ausência da Presidência da República, que, neste presidencialismo forte, deveria esta à frente, articulando e buscando o consenso.

            Mas eu posso, Senador Mozarildo, discordar de V. Exª em relação à ,desvinculação dos recursos da União.

            Há, realmente, estabilidade e responsabilidade fiscal. Isso é a herança boa do Plano Real e, portanto, nós poderíamos dispensar essa desorganização orçamentária - trata-se de desorganização orçamentária. Mas eu posso, do ponto de vista da ética, dizer que todos nós que não concordamos com a prática política adotada pelo Governo, com o loteamento de cargos, fábrica de grandes escândalos, os escândalos se sucedem todos os dias, eu não considero adequado entregar a um Governo, que é complacente com a corrupção, que é conivente com ela, que é cúmplice dela, um cheque em branco de R$62 bilhões, que é o que corresponderia à Desvinculação de Recursos da União (DRU). São R$62 bilhões para o Governo aplicar onde desejar!

            É evidente que eu posso suspeitar de má-fé. Como não suspeitar de má-fé quando a Presidente da República não demite um Ministro que mente ao Congresso nacional, cometendo crime de responsabilidade, que admite uma fábrica de sindicatos no seu Ministério, que admite cobrança de propinas com documento escrito, compromisso assumido por escrito de repassar recursos se a carta sindical for registrada para a sua entidade? E foram 1.547 cartas sindicais em três anos, com mais de 2.000 em tramitação.

            E no outro Ministério? O Ministério das Cidades agora, que é a bola da vez, recebeu quatro denúncias graves desde agosto. A primeira, que existiria o pagamento de mesada em troca de apoio político, o chamado mensalão; a segunda fazia referência a desvios de recursos no programa Minha Casa, Minha Vida; a terceira, que houve uma festa, que a revista Época denominou de “A festa do bode”, no interior da Bahia, em que recursos públicos foram utilizados em benefício de familiares do Ministro, para beneficiar politicamente familiares do Ministro. E, agora, há fraude documentada para levar gastos nos preparativos da Copa do Mundo no Estado do Mato Grosso, em Cuiabá, 700 milhões a mais de gastos. Fraude documental.

            Nós estamos esperando a confirmação da vinda do Ministro Mário Negromonte ao Senado Federal, na próxima quarta-feira, quando poderemos questioná-lo sobre essas quatro denúncias que alcançam o seu Ministério.

            Diante desses fatos, já foram cinco Ministros que caíram; outros dois estão agora sob alvo da mira da opinião pública, da imprensa, da oposição. Deveriam também ser afastados. Completaríamos sete. E nós vamos assinar um cheque em branco de R$62 bilhões para esse Governo?

(Interrupção do som.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR) - Estou concluindo.

            E aqueles que, de boa-fé, acreditaram que havia uma faxina em curso no Governo já se decepcionaram. Conseguiram enganar com esse marketing incompetente de que se realizava uma faxina no Governo do Brasil até setores da imprensa internacional, mas, nesses dias, mesmo esses setores da imprensa internacional já se apresentam frustrados, porque confirmaram que não há faxina alguma no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios. O que há aqui é conivência, é complacência, é, acima de tudo, cumplicidade com a corrupção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2011 - Página 48911