Discurso durante a 215ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da erradicação do analfabetismo no país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa da erradicação do analfabetismo no país.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2011 - Página 48936
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ORADOR, RELAÇÃO, IMPORTANCIA, INTERDIÇÃO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, CIGARRO, PROIBIÇÃO, LOCAL, OBJETIVO, DEMONSTRAÇÃO, FATO, NECESSIDADE, AUMENTO, RELEVANCIA, ASSUNTO, EDUCAÇÃO BASICA, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Mas, Senador Paim, eu quero falar aqui sobre um assunto que diz até respeito ao Rio Grande do Sul, que é um grande produtor de fumo.

            O Brasil tomou uma decisão corretíssima, e o Rio Grande do Sul, pelo que eu li nos jornais, está apoiando, mesmo sendo um grande produtor de fumo (ou de tabaco, o fumo bruto): a decisão de radicalizar na proibição do uso de cigarros, charutos em ambientes fechados. Creio que o Brasil deve ser um dos primeiros países, se não o primeiro, a tomar esta decisão de proibir, inclusive, os chamados “fumódromos” dentro de ambientes fechados.

            Essa decisão tem tudo a ver com a responsabilidade pública, com a saúde pública, não apenas porque contamina o ambiente e faz com que os não fumantes fumem também, mas também porque temos de nos preocupar com os que são fumantes e tentar fazer com que eles deixem de ser fumantes.

            Mas, ao mesmo tempo em que me congratulo com essa posição tomada pelo Governo brasileiro, pelo Brasil, pelo Congresso, eu aproveito para pensar nos outros “fumos” que o Brasil continua tolerando e que nós temos de fazer ações, não apenas leis (não bastam leis), mas ações para tentar enfrentar isso.

            Por exemplo, é preciso tomar medidas, ações para que este País, além de não ter fumantes, tenha todo mundo sabendo ler. Faz mal à saúde das pessoas e faz mal à saúde do País ter pessoas adultas que não sabem ler. O analfabetismo impede o bom funcionamento dessas pessoas no conjunto da sociedade. Nós vivemos numa sociedade de letras em que nem todos os adultos sabem decodificar as letras, entendem o que está escrito. Nós temos problemas não só de redução de produtividade, de falta de participação, de cidadania, mas, inclusive de mortes.

            Pouca gente percebe, Senador Paim, que os acidentes que nós vemos no trabalho - e o senhor, Senador Paim, é um comprometido com os assuntos do trabalho -, que uma parte dos acidentes de trabalho decorre pelo fato de que o trabalhador não soube ler avisos. Há trabalhadores de construção civil que caem durante a construção porque não souberam ler um aviso corretamente: perigo, uma palavra simples, 13 milhões de brasileiros não sabem decodificar essa palavra. A gente tem que acabar com os “fumódromos” e tem que alfabetizar os brasileiros. Mas, além de alfabetizar os adultos brasileiros... E não seria difícil uma campanha pela erradicação em quatro, cinco, seis anos; não precisa mais do que isso.

            Vejam bem, nós temos quase 5 milhões de universitários, 13 milhões de pessoas que não sabem ler. Bastava que cada universitário alfabetizasse duas pessoas no Brasil para a gente acabar com o analfabetismo. Mas claro que não podemos fazer desse jeito, essa não é a maneira eficiente. Mas se cada universitário, durante seis horas por semana, um semestre dos seus quatro ou cinco anos de curso, desse aula de alfabetização, nós acabaríamos com o analfabetismo. Mas a gente não pode exigir que todos façam isso nesse período. Nós podemos perfeitamente ter menos universitários sendo mobilizados, até porque não são só eles.

            Há quantos desempregados neste País que sabem ler e que poderiam alfabetizar depois de um pequeno curso? Quantos jovens de 18 anos, 20 anos, estão neste momento sem emprego? E se a gente os contratasse por R$1 mil por mês, que não é um salário maravilhoso, mas que é mais que um salário mínimo? Se a gente desse um pequeno treinamento para eles, se a gente gerasse empregos, seria erradicado o analfabetismo rapidamente.

            Se somos capazes de proibir os fumódromos, por que não somos capazes de organizar a energia que este País tem para resolver um problema tão dramático, vergonhoso, quase do mesmo nível do que era a escravidão no século passado? Por quê? Porque não queremos, porque não queremos, porque não damos o devido respeito ao problema.

            É triste, mas, depois de dois governos de Presidentes vindos da esquerda, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o número de analfabetos no Brasil praticamente não diminuiu. Diminuiu um pouquinho o índice, mas não o número, porque a população cresce e arrasta-se, levando o analfabetismo com ela.

            É muito triste! Foram dezesseis anos de governos progressistas socialmente! Mesmo que a gente discorde do progressismo nas políticas econômicas, a gente tem de reconhecer que, no social, foram governos progressistas: um deles criou a Bolsa Escola, o outro ampliou a Bolsa Escola com o nome de Bolsa Família. Diversas ações sociais foram feitas. Por que esses dois Presidentes não perceberam a importância da erradicação do analfabetismo? O Paraguai, a Bolívia e a Venezuela vão conseguir fazer isso antes de nós. A Argentina e o Uruguai praticamente já conseguiram fazer isso.

            Acabar o analfabetismo não é zerar. Zerar o analfabetismo é impossível. Há pessoas que não vão aprender. No caso do analfabetismo, chegando a 1%, nós o erradicamos. Por que somos capazes de fazer algo tão positivo como praticamente criar condições para que não haja fumantes neste País e não somos capazes de organizar a sociedade, o potencial que nós temos, para fazer com que todos saibam ler?

            E o trabalho infantil? A gente precisa acabar com essa chaga que existe no Brasil! Crianças, em vez de estarem na escola, estão trabalhando! Isso é, no mínimo, tão importante como acabar com os locais onde os fumantes fumavam em ambientes fechados. Acabar com os fumódromos é importante para a saúde de todos, inclusive para tentar impedir que os fumantes continuem fumando ou, pelo menos, para forçá-los a reduzir o número de cigarros ou pelo menos para que, entre um cigarro e outro, fiquem impedidos de fumar quando estiverem em ambientes fechados. Mas por que não fazer um esforço para que, neste País, não haja criança trabalhando?

            Quando a Bolsa Escola foi criada - e me orgulho do meu papel nessa criação, nessa concepção, nessa implantação, como Governador do Distrito Federal, de maneira absolutamente pioneira -, o seu objetivo era o de fazer com que nenhuma criança trabalhasse neste País, porque a gente pagaria à mãe para que o filho não precisasse trabalhar e não tivesse o direito de trabalhar. Criança não deve ter direito de trabalhar em horário escolar com menos de quinze anos. Se a criança tiver mais de 15 anos, Senador Paim, isso até é possível, sim, desde que se combine o trabalho com a escola. Mas jamais se deve trabalhar em horário escolar. Pode-se trabalhar nas férias, por exemplo, escolhendo trabalhos dignos, não aqueles em que a gente vê a criança trabalhando.

            Entre esses “trabalhos”, está a prostituição infantil, que alguns não gostam de chamar assim e preferem chamar de exploração sexual de menores. Chamar isso de exploração sexual de menores diminui a tragédia da prostituição infantil. É claro que é preciso dizer que a culpa não é daquela criança, porque ela é obrigada a fazer isso. Mas não nos envolvemos num programa radical para impedir que isso aconteça. É possível impedir isso! Zerar, zerar, zerar não é possível, mas se pode fazer com que seja uma exceção raríssima, para que, no dia em que se perceber que uma criança está sendo explorada sexualmente, na prostituição infantil, essa situação seja manchete nos jornais no Brasil inteiro, horrorizado com isso. Nós nos horrorizamos mais com as pessoas fumando do que com crianças na prostituição. Nós nos horrorizamos muito mais com gente fumando em ambiente fechado. Daí a proibição dos fumódromos, a justa proibição dos fumódromos. Mas há a aceitação de que, nas esquinas, haja crianças se prostituindo.

            Isso é tão relegado no Brasil, que lembro que, na primeira reunião que o Presidente Lula fez com seus ministros - e eu era um deles -, eu disse: “É preciso criar um xerife do ponto de vista de coordenação para lutar contra esse problema”. E isso, até hoje, não existe. O problema da prostituição é que não há uma pessoa no Brasil encarregada de lutar contra isso. Esse é um problema do Ministério do Trabalho, esse é um problema do Ministério da Justiça, esse é um problema da Polícia e não é um problema do Presidente da República, da Presidenta da República. E não é um programa. Fumódromo a gente proíbe. Prostituição infantil a gente tolera.

            E o que falar do analfabetismo de criança? Porque podem dizer: “Criança analfabeta é o normal”. É. Até sete anos. A partir de sete anos, se continua sendo, é alguma deformação, deficiência da escola, do sistema escolar. Não é da criança, salvo exceções de crianças que, de fato, têm problemas que não permitem que aprendam, mas é muito raro.

            Apesar disso, 7% das crianças, no Brasil, com 10 anos de idade, que estão na escola não sabem ler ainda. São 7% das crianças que estão na escola, até os 10 anos, que chegam aos 10 sem saber ler!

            Eu não falo daquelas que estão fora da escola, porque ainda temos no Brasil pelos menos uns dois milhões e meio que não entraram na escola! Como se a escola fosse um lugar em que elas não pudessem entrar. Eu falo daquelas que entraram na escola, ficaram na escola. Eu não falo daquelas que saem depois da 1ª série, depois da 2ª, depois da 3ª; eu falo daquelas que chegaram até a 4ª e não conseguiram aprender a ler. Quase 7%!

            É uma deformação do sistema escolar. Não é apenas uma deficiência; é uma deformação. E, do ponto de vista social, é uma imoralidade, imoralidade!

            Mais grave ainda do que ter pessoas fumando em ambientes fechados - e eu apoio totalmente a proibição de se fumar em ambientes fechados -, e não podemos proibir que fumem em ambiente aberto, mas devemos fazer uma campanha radical contra isso.

            E o que falar de pessoas que dirigem bêbadas e que matam pessoas, e que saem dali, depois do crime, apenas porque deixaram uma fiança? O que já começa com uma coisa errada: quem tem dinheiro paga a fiança e sai; quem não tem dinheiro, não paga a fiança e fica preso.

            Mas o pior é que não há um tratamento correto do assassinato cometido por pessoas usando carros. Uma pessoa que bebe e dirige um carro é um assassino em potencial! É um assassino em potencial tanto quanto uma pessoa que fuma é um doente de câncer em potencial. Nós já assumimos que ninguém deve ter o direito, pelo menos em ambiente fechado, de desenvolver o potencial de um câncer ou outras doenças. Mas não desenvolvemos ainda, para valer, a ideia de que quem dirige um carro embriagado é um assassino em potencial. Nós tratamos como um descuido, como um erro de direção.

            Meu projeto, que já tem uns cinco anos, que trata como crime hediondo o uso de automóvel como arma, não avança. Temos que fazer isso. O automóvel é uma arma que precisamos ter pessoas responsáveis usando. E uma pessoa que bebe não é responsável se vai dirigir depois.

            Eu, aliás, vou mais longe. Nós conseguimos proibir o fumo em ambientes fechados, mas não fazemos campanhas radicais contra o álcool. O álcool a gente tolera como uma coisa normal. Não é normal. Pode ser boa, mas não é normal. E a gente permite propaganda de algumas bebidas na televisão. E a gente permite propaganda de algumas bebidas na televisão no horário permitido para crianças e adolescentes.

            Como a gente é capaz de proibir que se fume em locais fechados e não é capaz de proibir a publicidade de bebidas alcoólicas na televisão?

            Eu não vou dizer que é o mesmo, porque são coisas diferentes, mas o risco que eles geram é parecido. Nós não podemos deixar que os meios de comunicação continuem incentivando o consumo de bebida alcoólica. Mas a gente continua. Concentramo-nos no cigarro, corretamente, mas não corretamente concentrar-se.

            E o caso das reservas florestais brasileiras? Aprovamos aqui um Código Florestal. Foi um avanço aprovar um Código Florestal, mas há brechas nesse Código Florestal que poderão levar à destruição de florestas que não devem ser substituídas por produção.

            Mas a gente só se lembra do fumódromo.

            E a corrupção? Por que a gente é capaz de proibir o fumo em ambientes fechados e consegue criar ambientes fechados onde a corrupção é feita sem que a população tome conhecimento? Porque a corrupção ainda não é crime hediondo, que é um projeto que tenho. Roubar dinheiro público é um ato de corrupção criminoso.

            Aliás, o nome corrupção deveria ser abolido. Deveria se chamar crime. Corrupto deveria se chamar criminoso, deveria se chamar ladrão!

            Por que uma pessoa pobre, como eu vi um dia desses no jornal, rouba comida é ladrão, e uma pessoa que tem acesso a roubar dinheiro público é corrupto?

            A mesma coisa entre prostituição e exploração. Diminui a dimensão da tragédia. No caso da corrupção; não digo do crime. Porque aquela criança está aí por necessidade, por indução de outros. Ela não é criminosa. Mas a tragédia, o problema é grave. A gente diminui a tragédia usando as palavras.

            As pessoas esquecem que as coisas são o que as palavras que se referem a elas dizem. Quando você diminui a palavra que usa para determinado fato diminui aquela coisa. Chamar roubo de corrupção é diminuir a ladroagem que é feita em nome dela. Chamar o ladrão de corrupto é diminuir a dimensão do nome que se deve dar a ele de ladrão.

            Então, conseguimos proibir o fumo nos ambientes fechados. Mas não consegue, tolera, aceita, gera um processo de discussão na Justiça secular para poder alguma punição que permita responsabilizar aquele que rouba.

            Estamos responsabilizando os que fumam, corretamente, volto a insistir. Sou antitabagista radical. Mas precisamos ser anti as outras maldades da sociedade. E as filas nos hospitais? Por que a gente proíbe o fumódromo e não conseguimos evitar que haja fila nos hospitais públicos? Com todos os recursos que este País tem, como é que gente, os mesmos que aprovamos o fim do fumódromo, não vamos votar a Emenda nº 29? Como? Que desculpa que terei para dizer que se proíbe fumo em ambientes fechados, mas não se permite gastar 10% do PIB com saúde? Temos que ver o problema na sua dimensão total de que este País precisa, na sua moralização. A sua moralização precisa ser feita com a alfabetização de todos. Precisa ser feita com a abolição do trabalho infantil. Precisa ser feita com o fim dessa chaga que é a prostituição infantil. Precisa ser feita a moralização punindo com um rigor radical os que assassinam usando automóvel. Precisamos considerar, sim, tão gravemente como o fim do tabagismo, o fim do fumo, a proteção das reservas florestais, a abolição da corrupção, a alfabetização de toda criança na escola antes que chegue à quarta série. Precisamos fazer tudo erradicando, eliminando as filas nos hospitais.

            Essas outras coisas que eu disse não são capazes de ser realizadas apenas com a assinatura de uma Presidente da República. Não! Exige ações. Mas nós nos negamos a essas ações. Ações possíveis. Não falei aqui quando vou acabar com a vergonha de que os chineses estão mandando em breve uma pessoa para a lua e o Brasil não vai conseguir fazer isso neste século provavelmente.

            Não, não estou exigindo que a gente mande um homem à lua, como os chineses vão mandar, como os indianos vão mandar, como, se brincar, os iranianos e os coreanos vão mandar, antes do Brasil. Não, eu não vou exigir isso. Agora, eu vou exigir, como Senador, como cidadão, que o governo deste País ponha a erradicação do analfabetismo como algo tão importante como a erradicação dos fumódromos. O mesmo vale para todos os outros itens que precisam de ações, Senador Mozarildo.

            Sei que não são assinaturas... Vejam bem: até a abolição da escravatura não foi apenas o assunto de uma lei assinada - e o Senador Paim é um dos grandes defensores da consciência negra. Vamos falar com franqueza: nós assinamos, mas não fazemos. Nós assinamos, a Princesa Isabel assinou o fim da escravidão, mas não colocamos os filhos do ex-escravos na escola, não demos terras aos ex-escravos para que eles produzissem. Portanto, a escravidão continuou, com o nome de desemprego, com o nome de exclusão social, mas continuou. A senzala acabou? Não. Mudou de nome: chama-se favela sem infraestrutura. Tanto é que não se chama bairro, chama-se favela. Não é por acaso que há esses dois nomes. Havia a Casa Grande e havia a Senzala. Hoje há bairros chiques e favelas sem infraestrutura, porque não fizemos o dever de casa, porque não fizemos as ações.

            Quero concluir, Senador, dentro do tempo usual numa sexta-feira, dizendo que fico muito contente ao ver que o Brasil sai na frente na luta contra a chaga do tabagismo, mas, por favor, não comemoremos isso antes de fazer o resto do dever de casa. A República já espera há 122 anos sem dar as respostas devidas ao Brasil. Com relação a todos esses problemas, no que diz respeito a soluções, a gente não está fazendo. Vamos completar o nosso trabalho. Vamos acabar com o fumódromo, mas também com as outras degradações, com as outras formas de ineficiência social que o Brasil tem tido.

            Era isso que eu tinha a dizer, Presidente Paim.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2011 - Página 48936